terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Crítica: O Hobbit - A Desolação de Smaug

A ganância domina o longa mais sombrio da trilogia

Por Pedro Strazza

Quando chegou às telas no ano passado, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada não conseguiu entregar ao espectador aquela sensação esperada de um retorno triunfante à Terra-Média. Afinal, havia na produção inúmeras sequências de pura enrolação e, apesar de toda a correria, um ritmo estranhamente mais lento, deixando ao final de sua exibição a impressão de que a adaptação do prelúdio ao Senhor dos Anéis não precisaria de três capítulos cinematográficos para ser contada.
Essa dúvida sobre a divisão realizada por Peter Jackson e sua equipe para o livro de 300 páginas, entretanto, começa a se dissipar agora com o lançamento da continuação, A Desolação de Smaug, que continua a jornada de Bilbo (Martin Freeman) e a companhia dos anões rumo a Montanha Solitária. Muito mais sombria e objetiva, a produção corrige vários defeitos de Uma Jornada Inesperada e elabora um plano maior para a trilogia, mas ainda carrega pequenos problemas como filme.

A Jornada enfim embala

Partindo do ponto em que o primeiro longa termina (Precedida por um rápido e eficiente flashback de eventos anteriores ao início da aventura), A Desolação de Smaug é em sua primeira hora um belo exercício de desenvolvimento. Rápido e conciso, a sequência de eventos mostradas condensa inúmeros acontecimentos do livro com ritmo excelente, como a visita ao troca-peles Beorn (Mikael Persbrandt), o embate com as aranhas gigantes e o aprisionamento pelos Elfos da Floresta Negra, encerrando-se com a excelente cena da fuga nos barris.
Essa escapada dos anões merece inclusive um olhar mais atento do espectador. Executada de forma magistral (exceto pela câmera aquática de parques de diversão), a sequência traz, em meio à toda confusão, o conflito mais claro entre orcs, anões e elfos nos cinco filmes, e apresenta nitidamente aqui as diferentes maneiras de combate das três facções. Enquanto as criaturas das trevas são extremamente individuais e ferozes em suas investidas, os anões funcionam como uma unidade de batalha, trabalhando conjuntamente na execução de seus golpes - Com alguns momentos de brilho individual por parte de seus integrantes. Ao mesmo tempo, os elfos são rápidos e suaves em seus movimentos letais, sejam estes pelo arco ou pela lâmina da espada.

Uma parada para construir o futuro

Ao final desses primeiros sessenta minutos de pura ação, entretanto, o filme retoma um ritmo mais lento - mas não tanto como o visto no primeiro - para desenvolver um novo e importante grupo de personagens para o andamento da trama e para a construção da esperada Batalha dos Cinco Exércitos, como Bard (Luke Evans), Legolas (Orlando Bloom) e Tauriel (Evangeline Lilly). É notável nesse ponto como a história ganha uma dimensão maior do que está acontecendo na Terra Média, mais especificamente na Cidade do Lago, que a mostrada no livro, cujo foco era somente dado aos anões, quando vemos o maior espaço dado a Bard, cuja figura recebe contornos mais revolucionários e de importância para o vilarejo empobrecido. Os elfos por sua vez representam o conflito interno de confiança de sua raça pelas outras: Enquanto Tauriel aos poucos mostra simpatia por anões e humanos e se dispõe até a criar uma aliança com eles, Legolas é arrogante com outros e preocupado apenas com a segurança do território de seu pai, o mesquinho e odiável Thranduil (Lee Pace, ótimo).
A ganância, por sinal, é o grande tema da continuação, afetando vários personagens de maneiras diferentes. A companhia dos anões, exausta por causa da desgastante viagem, sofre aos poucos com a expectativa crescente de poder e tesouro que encontrarão debaixo da montanha; Thorin com a possibilidade de enlouquecer ao assumir o trono; e Bilbo com o início da possessão do Um Anel. Até o próprio Legolas não escapa a essa problemática, ao sentir em Tauriel o amor impossível.

Entre tropeços e ganchos

Apesar de todas essas qualidades e pontos interessantes, A Desolação de Smaug não é de todo perfeito. Fica claro em vários momentos do longa que Peter Jackson ainda não soube editar a história, ficando à mostra algumas sequências desnecessárias que quebram o ritmo bem elaborado. O exemplo maior disso ocorre infelizmente no clímax dentro da Montanha Solitária, interrompida seguidas vezes por outros eventos que não são importantes ali. A sequência inteira da investigação de Gandalf (Ian McKellen) em Gol Dugur, extremamente desconectada da trama principal, também poderia ter sido empurrada para a terceira parte de O Hobbit, mesmo que apresentando uma interessante conexão com O Senhor dos Anéis.
O didatismo exagerado dos personagens em explicar a ganância provinda da Montanha Solitária é outra falha da produção. Não havia necessidade em explicar ao espectador que a imensa riqueza de Erebor enlouquece à mais sã das criaturas quando a própria companhia está claramente sofrendo desse mal. Mesmo assim, Jackson insiste em botar vários personagens que toquem nesse assunto no caminho dos protagonistas.
Tudo se desvanece, porém, quando o dragão Smaug (Benedict Cumberbatch) finalmente faz sua entrada triunfal na telona e mostra toda sua grandiosidade e imponência. Com a voz poderosa de Cumberbatch sob tratamento digital e uma postura agressiva, o monstro intimida a todos que o veem e possue a soberba de um grande vilão, sendo ao mesmo tempo elegante e brutal. Sem ele, é bem possível que o longa perderia toda a força de seu final, cujo gancho para o capítulo final é extremamente artificial.
Esse encerramento precipitado de A Desolação de Smaug é a evidência maior de que Peter Jackson não quis com O Hobbit fazer uma nova trilogia espetacular, mas sim um filme formado por três longas. Resta então a Lá e de Volta Outra Vez a árdua e complicadíssima tarefa de encerrar esse plano do diretor. Só em dezembro de 2014, portanto, é que saberemos se as duas primeiras partes desse projeto foram eficientes para o quadro geral e, principalmente, se adaptar O Hobbit foi realmente uma boa ideia.
Nota: 8/10

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