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sábado, 28 de maio de 2016

Crítica: Jogo do Dinheiro

Suspense dirigido por Jodie Foster tem boas intenções, mas sofre de ingenuidade.

De início soa como algo inusitado que Jogo do Dinheiro, filme de hostage situation no contexto do pós-crise e do auge do jornalismo midiático, seja dirigido por Jodie Foster, cineasta consolidada pela carreira de atriz que na função de comando só mostrou maior interesse nas possibilidades dramáticas de atuação oferecidas a seu elenco em longas como o bom Um Novo Despertar ou em seus trabalhos nas séries Orange is the New Black e House of Cards. É claro que a produção tem muito a oferecer à diretora se considerar a evolução natural deste seu lado da carreira, em meio a tantas reviravoltas e situações de tensão apresentadas, mas o que ela tem a oferecer à obra é no fundo a questão mais intrigante a ser respondida aqui.

Escrito por Jamie Linden, Alan DiFiore e Jim Kouf, o longa se passa quase que inteiramente dentro do estúdio onde é gravado Money Monster, programa televisivo diário e ao vivo de finanças e bolsa de valores apresentado por Lee Gates (George Clooney), um desses "magos" do mercado, e dirigido por Patty Fenn (Julia Roberts). Em um dia normal de filmagens, a atração é invadida por Kyle Budwell (Jack O'Connell), um jovem que perdeu tudo na Bolsa graças às previsões feitas por Gates e que agora quer respostas dele, tomando como refém a produção e obrigando o show a continuar até ter suas vontades saciadas.

Esse lado sensacionalista da trama não demora a ser utilizado por Foster no filme, que alinha cortes rápidos e planos aproveitados pelas câmeras do estúdio para transportar o espectador para dentro do circo midiático que o caso logo se tornará. Nesse quesito a diretora está confortável, providenciando no cenário todo o espaço necessário para os atores: enquanto Clooney e Roberts se bastam em repetir na obra seus perfis costumeiros (ele de adulto meninão, ela de figura responsável), O'Connell e o resto do elenco buscam tirar de seus papéis o máximo, empregando - principalmente ele, com suas constantes explosões de fúria - aquela performance de intensidade conhecida de quem busca se destacar a todo instante possível.

Mas se nessas questões mais elementares da cineasta o longa está aconchegado em estabelecer suas bases, nas outras ele se perde em resoluções confusas ou perdidas em uma ingenuidade palpável. Porque se Jogo do Dinheiro a princípio parece apontar a um plano crítico mais geral da situação, sem tirar do foco a culpabilidade do espetáculo da televisão no sofrimento econômico imposto a Kyle (algo que vem, claro, da influência cada vez mais presente dos acontecimentos posteriores à crise de 2008 no cinema estadunidense), ele também não esconde sua propensão a trabalhar a história pelo próprio viés de circo midiático, que pela ótica de Foster acaba por ganhar contornos de algo quase positivo em seu aparente combate às grandes corporações e a empresários como o Walt Camby (Dominic West) da trama. O filme não consegue obter um equilíbrio a partir desses dois elementos, e o resultado por consequência sai torto.

Esse enfoque glorificante do jornalismo midiático, que ocupa maior espaço no terceiro ato e tira forças dos relances do público que acompanha o caso, prejudica ao mesmo tempo outro equilíbrio vital ao longa, o entre o suspense inerente ao sequestro e os respiros cômicos providenciados no roteiro de Linden, DiFiore e Kouf. Além de escancarar as tentativas de comprovação de uma fabricação da realidade (a revelação posterior dos explosivos) e de contribuir para tornar alguns dos momentos da história comicamente irreais (este deve ser o sequestro televisionado ao vivo mais aborrecido da História, já que muitas vezes nada acontece diante da câmera), essa falta de balanço entre mergulhos de tensão e alívios decorrentes afasta o público, impedindo-o de se enveredar pelas mudanças de rumo programas e executadas.

E se Jogo do Dinheiro soa limitado como exercício de gênero e problemático na análise da realidade, o que sobra? Foster é capaz de manter o filme coeso durante toda a sua projeção, tornando sua estrutura atraente do começo ao fim sem perder o compasso ritmado ao qual se submete e escondendo ao máximo as ingenuidades decorrentes pelos momentos dramáticos obtidos e explorados como possível, mas fica claro que conforme a situação se resolva e a história se encerre o espectador se comporte como o moço na mesa de pebolim do longa, que para de jogar para acompanhar o caso mas volta à sua descontração após ter conhecimento da resolução.

Nota: 4/10

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Crítica: Vizinhos 2

Sequência abraça a atualidade para fazer piada com gaps geracionais.

Por Pedro Strazza.

Assim como grande parte dos filmes produzidos por Seth Rogen e Evan Goldberg, o primeiro Vizinhos partia de uma realidade meio ultrapassada, na qual a sociedade ainda se dividia entre os adultos e os imaturos, estes últimos geralmente passando boa parte do tempo chapados. Tema central de outros longas da dupla, como Ligeiramente Grávidos, O Besouro Verde e Superbad - É Hoje, essa recusa em amadurecer e aceitar qualquer responsabilidade por seus atos era usada pelo diretor Nicholas Stoller na briga entre família e fraternidade como premissa para um humor menos descompromissado, disposto a brincar em cima do aprofundamento dessa questão nos mais jovens a partir de uma comparação simples entre duas gerações.

Mas se no filme de 2014 o distanciamento inicial por consequência tornava todas as suas pretensões em algo mais inocente e quase onírico, sua sequência mostra disposição em abraçar a realidade atual da sociedade e toda sua histeria coletiva. Para Stoller, essa abertura não poderia ser melhor, pois o permite finalmente empreender na exploração desses gaps geracionais para impulsionar seu humor mais flexível.

Claro que Vizinhos 2 usa disso não para buscar novos caminhos à fórmula, mas como forma de reorganizar seu tabuleiro e refazer o conflito do primeiro capítulo. Escrito por Stoller, Goldberg, Rogen, Brendan O'Brien e Andrew Jay Cohen, o filme volta a apresentar o casal Mac (Rogen) e Kelly (Rose Byrne), agora grávidos do segundo filho e cuidando da pequena Stella (Elise e Zoey Vargas), de novo em conflito com um grupo de alunos de faculdade que se alocam na propriedade vizinha à deles, dessa vez uma irmandade comandada pelo trio de garotas Shelby (Chloë Grace Moretz), Beth (Kiersey Clemons) e Nora (Beanie Feldstein) e orientada pelo antigo nêmesis, o jovem adulto Teddy Sanders (Zac Efron). O casal quer vender a casa e precisa sobreviver ao período de garantia de trinta dias para conseguir isso; as jovens acabaram de fundar o grupo e precisam de festas para manter o aluguel em dia.

Stoller de novo aproveita o cenário explosivo em mãos para separar os três elementos em castas geracionais e trabalhar a estrutura conhecida dos seus filmes, mas dessa vez possui novos e interessantes pontos a serem desfrutados. Porque ainda que mantenha em voga as piadinhas com maconha e o arco de amadurecimento como centro da ação, agora na figura do garotão Sanders e suas dificuldades em conseguir se firmar como tal - algo que Efron volta a incorporar com tranquilidade, dado seu constante retorno a essa figura em papéis mais recentes -, é notável em Vizinhos 2 a chegada de dois conceitos interessantes e bastante atuais, que o diretor sabe jogar a seu favor no longa: o feminismo e, mais em destaque, os millennials.

Capitaneados por Grace Moretz e companhia com toda a irreverência necessária, essa combinação abre um novo leque de possibilidades cômicas ao filme, que por sua vez consegue deixar de lado essa contenção moral do amadurecimento como sentença final para abraçar de vez o juvenil de sua proposta. Ainda que continue atado a tal compromisso (o arco de Mac, Kelly e Teddy se resume a isso, bom lembrar), é fascinante a maneira pela qual Vizinhos 2 consegue em simultâneo estabelecer (paradoxalmente) essa mesma chegada da idade como algo ruim ao trio de garotas adolescentes - seja por um pai que briga com a filha mas sucumbe a seus desejos e chora depois pela ausência dela em casa ou na confecção visual horrorosa de um adulto (a cena do Jimmy de Ike Barinholtz vestido de palhaço) - e também tirar humor pelas dificuldades inerentes dos personagens masculinos em se adaptar às questões de gênero sem precisar se anunciar sobre tal ou, pior, soar como preconceituoso no processo.

O longa de Stoller pode soar meio imbecil em seu humor mais escatológico (ele de fato se inicia com uma piada de vômito) e físico, mas essas questões, envoltas na atualidade e dotadas de boas intenções, revelam um recheio diferente do que se está habituado a ver na comédia estadunidense. E se Vizinhos 2 não pode ser encarado como um divisor de águas no gênero (ainda que chegue bem perto de tal meta nas testagens de limites do bromance entre os personagens de Efron e Dave Franco), ele definitivamente serve como uma renovação importante e promissora das produções de Rogen e Goldberg.

Nota: 9/10

domingo, 22 de maio de 2016

Crítica: X-Men - Apocalipse

Sexto capítulo da série enfim acerta o tom, mas recorre de novo ao passado.

Por Pedro Strazza.

Ainda que tenha sido responsável por estabelecer todos os tiques e maneirismos do subgênero de super-heróis neste início de século, a franquia X-Men sempre esteve em conflito interno no tocante à identidade a ser assumida em seus filmes. Se por um lado a imagem criada e consolidada pelo diretor Bryan Singer nos dois primeiros capítulos não foi bem incorporada nas sequências imediatas (O Confronto Final, X-Men Origens - Wolverine e Wolverine - Imortal) e se tornou ultrapassada com o passar do tempo, o reinício simbólico à partir de Primeira Classe não exatamente trouxe algo pela qual a série poderia se sustentar em cima, desembocando no pastiche preso na nostalgia que é Dias de um Futuro Esquecido.

Talvez seja por isso que X-Men - Apocalipse, sexto episódio de uma história já com nove longas, sirva a Singer (pela quarta vez no comando de uma produção da série) e o roteirista Simon Kinberg (em sua terceira participação) ao mesmo tempo como uma espécie de recomeço e última tentativa na franquia, uma forma de tentar impor de uma vez por todas às histórias dos mutantes um tom pelo qual estes possam ser conduzidos satisfatoriamente agora e no futuro. A solução encontrada pela dupla foi a de recorrer aos quadrinhos, e o resultado, pelo menos no que consta a essa questão, é bastante agradável.

Já se percebem as pequenas mudanças na proposta da grande ameaça a ser enfrentada pela escola de seres extraordinários de Charles Xavier (James McAvoy), o todo-poderoso Apocalipse (Oscar Isaac) do título. Na trama, depois de voltar à vida, o vilão ancestral quer destruir o mundo e retomá-lo, e para isso escolhe quatro mutantes - Magneto (Michael Fassbender), Tempestade (Alexandra Shipp), Psylocke (Olivia Munn) e Anjo (Ben Hardy) - para serem seus cavaleiros. Com Xavier sequestrado pelo ser e seus asseclas, resta a Mística (Jennifer Lawrence), Fera (Nicholas Hoult) e a agente Moira Mactaggert (Rose Byrne) liderar o restante do grupo nos esforços de derrotar o primeiro mutante.

Singer e Kinberg não escondem aqui que bebem bastante do tipo de narrativa usado e consagrado por Chris Claremont em sua extensa fase com os mutantes nos quadrinhos, incorporando o didatismo intercalado em múltiplos núcleos do autor para conseguir proporcionar o espaço necessário a todos os envolvidos em sua trama de ambições grandiloquentes. O lado bom disso é que nessa abordagem o diretor também parece assemelhar bem o porquê de Claremont propor tal dinâmica nos gibis, que é o de levar a ligação entre personagem e espectador/leitor como objetivo central das histórias.

Nesse ponto, em que a elaboração e o desenvolvimento dos personagens se faz tão vital, o filme encontra seus melhores momentos apesar dos tropeços ocasionais. Existe no longa um equilíbrio bastante delicado e preciso entre os arcos daqueles que já foram apresentados e seguem seu curso natural - os testes de fé de Xavier, o conflito emocional de Magneto, a sensação de não pertencimento a lugar nenhum de Mística - e os que estão sendo apresentados - a dinâmica dos jovens e excluídos Ciclope (Tye Sheridan), Jean Grey (Sophie Turner) e Noturno (Kodi Smit-McPhee), a melhor parte deste capítulo - que soa inédito e funciona muito bem como motor central da história. O diretor aqui deixa de lado uma visão dos mutantes como simples peças de um espetáculo superpoderoso (seu norte em suas outras três incursões pela série) para abraçar os perfis individuais de cada um, privilegiando as relações entre os elementos em detrimento do maravilhamento do público com seus dons. Um bom exemplo dessa tendência é o crescimento da participação de Mercúrio (Evan Peters), que mesmo protagonizando de novo mais uma (fantástica) cena de exibição de suas habilidades com velocidade ganha toques dramáticos em sua jornada em busca do pai.

Mas se por um lado o longa revigora a franquia na visão sobre os personagens, a maneira como ele os usa no plano geral não poderia estar mais desgastada. Embora ofereça um tipo diferente de ameaça no papel, Singer repete com Apocalipse a mesma alegoria dos mutantes como judeus e o Holocausto que já trata desde o primeiro X-Men, agora sob uma ótica religiosa que não se justifica de forma plena e dá a sensação de uma repetição enfadonha. As interações entre Magneto e o vilão, por exemplo, são usadas por Kinberg como interessante elemento central da evolução da trama e da pretensa relação entre Deus e homem, mas soa antagônico com o objetivo de aproximar espectador da história por soar desconexo por completo da realidade do público ao qual tanto busca se encaixar. A História do mundo dos X-Men avança a passos largos, mas ainda tem-se a necessidade de recorrer à mesma cena de Magneto, seus pais e o portão entortado de Auschwitz para reforçar um trauma superado por todos os envolvidos.

Essa falta de conciliação entre o antigo e o novo são o que levam o filme a se fragmentar, mesmo este sendo capaz de evitar o piripaque e manter tudo mais ou menos unido até o fim. O curioso são as discrepâncias ocasionais, algo do qual X-Men vive no cinema agora como algo comum: a destruição apocalíptica do mundo que em nada se equivale ao teor do clímax concentrado do terceiro ato (e lembra bastante Cavaleiros do Zodíaco na forma como põe mocinhos e vilões para se enfrentar), a macroescala que em nada se conecta com a micro, o drama dos mutantes que soa distante e ocasionalmente palaciano ao restante dos humanos... se em Primeira Classe e Dias de um Futuro Esquecido estes eram problemas rasos, Apocalipse os aprofunda em suas metas de buscar mais das relações e dos arcos em evidência.

E isso não é um problema, a bem da verdade. Os objetivos de Singer em X-Men - Apocalipse são nobres e bastante benéficos neste afã de (parafraseando o antagonista da vez) desbloquear o potencial dos personagens como reflexo da realidade e fonte de boas histórias, mas mais do que nunca está evidente o quão necessário é a iniciativa de realizar essa busca e, em simultâneo, o quão presa no passado a franquia se encontra no momento. Com Apocalipse, os mutantes estão efetivamente prontos para o mundo de hoje e seus temas. O que falta agora é dar o primeiro passo.

Nota: 7/10

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Primeiras Impressões: Cavaleiro das Trevas III - A Raça Superior

Frank Miller retoma história com velhos e novos valores.

Por Pedro Strazza.

Há um quê de paradoxal na maneira pela qual Frank Miller e seu co-roteirista Brian Azzarello trabalham as imagens de seus heróis na primeira edição deste Cavaleiro das Trevas III - A Raça Superior. Se por um lado a dupla dedica este capítulo inaugural a reapresentar suas peças centrais no tabuleiro como ídolos adormecidos - de forma literal no caso de Superman, encontrado congelado e sentado em seu trono na Fortaleza da Solidão por sua filha com a Mulher-Maravilha, Lara -, é sensível na HQ um ar de completa desesperança quanto à presença destes, subentendida em pequenas coisas como a postura cansada da comissária Yindel quando de frente a um maciço bat-sinal.

É deste sentimento confuso da sociedade perante tais figuras, praticamente consagradas como mitológicas neste e nos outros dois Cavaleiro das Trevas, que Miller parece retomar aqui com maior contenção, mas ainda inclinado a continuar o mesmo debate com igual intensidade. Porque se, a princípio, A Raça Superior tem a propensão de reduzir o espectro e focar as atenções apenas no trio principal de super-heróis e suas relações mais imediatas (apesar de maneira não excludente, como bem prova a história secundária protagonizada pelo Átomo), é evidente que a série quer se mostrar progressiva no desenvolvimento das figuras centrais de seu palco.

Ainda não dá para saber como o quadrinho irá encaminhar essa discussão só por esse primeiro capítulo, é óbvio, mas os roteiristas já dão vislumbres da forma pela qual irão trabalhar o tema. Pelo traço de um Andy Kubert que começa a dar passos na tentativa de incorporar o estilo da arte mais direta de Miller e auxiliado por Klaus Janson no cumprimento desta tarefa, a primeira edição tem bastante interesse de reestabelecer ao leitor os espaços em que estes personagens atuam, da Gotham City banhada pelo vermelho sangrento a uma Fortaleza da Solidão que lembra um santuário perdido (além de abandonado, dessa vez). O truque é manter em perspectiva o caráter de formação que eles imprimem a estes ambientes, e a passagem pelo cenário selvagem ao qual a Mulher-Maravilha está inserida, incluindo seu confronto com um gigantesco minotauro, serve muito bem para pontuar isso.

A série Cavaleiro das Trevas, entretanto, não vive somente dessas características atemporais como também se alimenta do que é contemporâneo à sua criação, e nesse início do terceiro episódio o quadrinho permanece empenhado em manter-se conectado com sua realidade cronológica. Da presença do apresentador Jon Stewart às inserções de mensagens de texto no início da edição, fica claro que Miller tem a intenção de manter o quarto poder na pauta de sua história e de tratar de suas transformações desde sua última incursão por esse universo, em 2002. Resta se perguntar se o tema manterá o mesmo papel das outras vezes e, se não, qual será sua nova situação neste panorama.

Mas o mais curioso deste primeiro capítulo ainda continua a ser esse clima de desesperança no qual a história parece de início estar se equilibrando em cima. Se nas outras duas ocasiões esse elemento era apenas consequência do que Miller trabalhava, em A Raça Superior está implícito de que será ela que dará o tom à cadeia de eventos e à abordagem do autor, do começo (disfarçado de motivação no agourento "Uma boa morte? Isso não existe!" e combinado à visão de um glorificado uniforme do Batman) ao fim (a última frase e seu significado único e imediato). Há a dúvida se isso parte de uma evolução natural da trama ou da influência dos tempos que vivemos no raciocínio do autor, mas ela definitivamente está lá como motor central da vez.

sábado, 14 de maio de 2016

Crítica: Ye

Com narrativa simples e desenhos espetaculares, Guilherme Petreca entrega conto suave sobre a chegada da fase adulta.

Por Marina Ammar.

A história de Ye, de Guilherme Petreca, se inicia com uma pequena narrativa, que fala do Rei sem Cor. De acordo com seus versos, o Rei sem Cor é responsabilizado por enfermidades físicas e psicológicas, e existe dentro de todos nós.  Qualquer um pode ser um Rei sem Cor. 

Pouco depois, conhecemos Ye, protagonista homônimo do título, assim chamado por ser mudo e só conseguir pronunciar uma única sílaba: Ye, que normalmente ele utiliza para concordar ou apenas responder. Em um dia comum, durante uma colheita, Ye e as pessoas de sua cidade avistam um objeto, voando.

O objeto, logo se descobre, é um avião. As pessoas contam que é reminiscente da guerra, provavelmente tripulado por soldados do Rei sem Cor, indivíduos que já sequer se lembram como é ser humano. O avião, então, derruba uma bomba sobre a vila, e em meio ao pânico dos habitantes a bomba se torna um corvo que acaba por pousar na casa de Ye. 

A partir daí, o garoto se torna mais um daqueles que foram marcados pelo Rei sem Cor, devendo partir em uma jornada para encontrar Miranda, a Bruxa, a única capaz de ajudá-lo da marca. Junto dele, ao partir, está uma pena deixada pelo corvo, e ele deverá devolver para o Rei sem Cor, visto que o Rei, segundo os pais de Ye, não gosta de perder nada que lhe pertence.

Petreca, portanto, traça um caminho curto para ser lido – deixando um gosto quase amargo de “quero mais” – e longo para ser percorrido pelo jovem Ye, que conhece piratas, um sanfoneiro que perdeu a mulher e deseja encontra-la mais uma vez, um palhaço bêbado, Miranda e o Rei sem Cor que vive dentro de si mesmo, compondo uma jornada preenchida de sinceridade, sentimentos agridoces e verdade. 

Ye é, em sua fórmula simples, o conto ideal da chegada da vida adulta, espelhando naqueles que encontra e na mudez de Ye a forma como cada um enfrenta os pesares e obstáculos da vida. Em suas ilustrações e diálogos comedidos, Petreca conta segredos que se guardam no âmago de qualquer um que já teve ou tem a idade de Ye. Medos e frustrações são ilustrados nos demônios maravilhosos do Rei sem Cor, nos contrastes de luz e sombra, e a magia está eternamente presente no mais minúsculo dos detalhes. 

Petreca entrega, sem sombra de dúvidas, um conto repleto de coragem e apresentado com delicadeza e capricho, impulsionando não apenas o leitor que já esteve na jornada de Ye, ou estará, como também qualquer um que se sentir marcado pelo Rei sem Cor, pois, completa, ao fim: “Algumas pessoas vivem sob as asas do Rei. Eu escolhi enfrentá-lo”.

E traz a eterna memória, sem falha, de que qualquer um pode ser o invencível Ye. 

Nota: 9/10

terça-feira, 10 de maio de 2016

Crítica: Quadrinhos A2

Um escutar da conversa alheia recheado do melhor dos humores - e outras surpresas.

Por Marina Ammar.

“Tá bom, eu confesso! Também tenho uma ideia não autobiográfica”. É assim, com a confissão de Cristina Eiko, depois de uma sessão da mais relacionável das procrastinações por parte de Paulo Crumbim, que Quadrinhos – A2, quarto volume de tal título da dupla, começa a mostrar a troca de ideias entre Eiko e Crumbim – a escolha deles para a tal ideia principal, autobiográfica. 

Entre passeios com Pino, o cão do par, navegares por sites a respeito de visitas espaciais e divagações sobre a prosperidade e destino da raça humana – além do limãozinho espacial! – Crumbim e Eiko permitem que o leitor espie um pouco de suas rotinas e escute mais de suas conversas (e ideias), ilustradas com tanto dinamismo quanto proficiência, além do inegável e leve humor. 

Mas não se deve enganar com facilidade: apesar da brandura do humor e aparente conteúdo, Quadrinhos A2 traz consigo contemplações infinitas, tanto quanto estrelas, galáxias e a distância entre nós e a força de limõezinhos espaciais. As ideias trocadas por Crumbim e Eiko são maravilhosas, tanto no poder de gerar curiosidade, deixando para trás o gosto do querer que cada ideia também fosse um pequeno encadernado, quanto de estimular o pensamento alheio, convidando quem quer que leia, pois qualquer um pode se interessar – ou não – pelo conteúdo do volume a divagar no interior e no exterior de sua própria mente, atrás de ideias próprias para se trocar ou apenas da visão única de seres do espaço e a imensidão da capacidade dos seres terrestres. 

Claro, ambos concordam, pouco antes do fim, que limõezinhos espaciais ou a prosperidade da raça humana certamente não são autobiográficos, concordando, enfim, em produzir uma história sobre Pino (um passeio com o cão), que mostra em poucas páginas a divertida e multifacetada personalidade de cão e amigo, o que se pode ver em qualquer bichinho. 

Quadrinhos A2 é, portanto, nada mais e nada menos que um retrato relacionável de um dia, ou diversos dias na vida de uma dupla muito específica, ou de qualquer um. Um volume repleto de humor, contemplação que em sua apresentação não dá espaço para negativismo – mesmo diante das inúmeras tragédias que Crumbim prevê para a Terra – e traz consigo a companhia ilustrada ideal: um volume tão companheiro quanto o cão de sua capa.

Nota: 8/10

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Crítica: De Amor e Trevas

Natalie Portman estreia na direção com filme que se beneficia de mistério indecifrável.

Por Pedro Strazza.

Já não é novidade no meio cinematográfico, mas nunca deixa de ser interessante quando um ator ou atriz tem a oportunidade de assumir a direção de um filme. Quase um movimento de virada na vida destes profissionais, que os permitem abandonar sua posição de submissão para ter maior controle criativo, esta mudança funciona também como um momento de descoberta para o espectador, cuja imagem formada sobre o cineasta tende a ser aprofundada conforme ganha-se maior contato com o que este vê e pensa a realidade à sua volta. Dessa forma, a escolha do projeto tem grande importância na maneira como tal processo se dará, e no caso de Natalie Portman essa questão fica ainda mais evidente.

Com a carreira estabelecida em Hollywood desde a infância, a atriz israelense meio que recorre às origens em seu debute na função em longas, optando por dirigir a adaptação de Uma História de Amor e Trevas, livro autobiográfico do celebrado autor e seu conterrâneo Amós Oz, como forma de abordar o conflito entre Israel e Palestina sob seu ponto de vista mais distante dos fatos. Portman, que também é autora do roteiro e atua no filme como Fania, a mãe de Oz (Amir Tessler), demonstra ter bastante consciência desta distância, e sabe usar esta desvantagem a favor de seus próprios objetivos com a produção.

Mas o que a diretora busca com De Amor e Trevas, afinal? De início, o filme dá sinais de interesse pela posição de Oz como testemunha dos fatos históricos que ele e sua família presenciam na Jerusalém da pós-Segunda Guerra e dos primeiros passos na tensão entre judeus e árabes na região. A questão da Palestina, porém, logo deixa de ser protagonista na narrativa e volta a ser parte do contexto, que nas mãos da cineasta torna-se por sua vez em cenário para explorar as relações do autor-protagonista com a mãe, cuja figura enigmática serve à obra de meio, ponto de partida e de chegada.

A obra conscientemente mantém em segredo os porquês de Fania se sentir tão aflita e depressiva, criando entre espectador e personagens uma distância que acaba por esfriar a narrativa e a impede de ter maior impacto (as duas cenas que mostram vítimas do fogo cruzado dos confrontos, por exemplo, soam esvaziadas de qualquer significado na paleta fria de cores da fotografia de Slawomir Idziak). Portman parece entender a indecifrabilidade da mãe como motor do desenvolvimento profissional e humano de Amós - e, por consequência, do fascínio que o longa exerce sobre o espectador -, e faz disso tanto um norte para seu trabalho de atriz (os seus gestos e reações sempre dão a entender mais de uma coisa) quanto de diretora, que encontra nas sequências de sonho e histórias contadas pela mãe alguns momentos tocantes de lirismo.

Falta a Portman nessa estreia, porém, um melhor grau de separação entre esses dois pólos de seu lado artístico, até porque um prejudica o outro de maneira bastante visível. Se a diretora parece trabalhar a história em cima da atriz apenas para se dar maior liberdade e assim favorecer sua própria atuação, a atriz soa como se bloqueasse o caminho narrativo em grande parte da história, restringindo a direção de um maior aprofundamento em outras temáticas sugeridas. Não há uma consonância discernível entre as duas partes, que terminam por travar De Amor e Trevas naquilo que o é mais importante: a relação materna e primordial entre Amos e Fania.

Como filme de início de carreira, entretanto, o lado diretor de Portman também traz soluções funcionais ao retrato que busca realizar, mesmo quando envolto em suas próprias indecisões. O trabalho que realiza em cima do mistério, que pode muito bem vir a calhar como tema recorrente de seus próximos projetos, se basta para ferramenta de atração, capaz de fazer o público compreender o enigma oferecido por ela sem contudo decifrá-lo plenamente.

Nota: 6/10

domingo, 8 de maio de 2016

Crítica: Papa-Capim - Noite Branca

Falta atmosfera mais sólida para conto de terror estrelado por indiozinho de Maurício de Sousa.

Por Marina Ammar.

Se lermos a contracapa de Noite Branca, de Marcela Godoy e Renato Guedes, ou apenas a introdução escrita pelo próprio Maurício, descobrimos logo que a intenção da reimaginação do personagem é o terror. A trama, porém, introduzida com toda a tensão que se espera de tal gênero – crucial para criação da atmosfera – infelizmente logo se desvia da mesma.

Após as primeiras páginas, que mostram uma oca com inúmeros índios dormindo ser atacada por inimigos invisíveis que os arrastam para a escuridão da noite, a história se desvia para Papa-Capim, treinando combate com o amigo Cafuné. Treino este que é atrapalhado por dois fatores: Papa-Capim não consegue parar de pensar em Jurema, a indiazinha alvo de seu amor, e, em seguida, um ruído na mata. Tão curiosos quanto corajosos, Papa-Capim e Cafuné resolvem investigar e encontram um índio ferido, único sobrevivente do ataque mostrado na introdução, que os alerta sobre a “Noite Branca” do título. A narrativa progride até a aldeia, onde Papa-Capim, Cafuné e, agora com eles, Jurema esperam que o pajé ou o cacique saibam mais sobre o guerreiro. O cacique não demora a aparecer, e declara que embora as enfermidades físicas sejam curáveis, o espírito do índio está quebrado para sempre. 

É nos diálogos travados entre Papa-Capim e seus amigos com o cacique - e do líder com o pajé - que se descobre que os índios mais velhos e experientes já tem conhecimento da Noite Branca, ressaltando não desejar contar para os mais novos sobre sua identidade por temer tirar-lhes o sono para sempre. E em meio desse ocultar de informações e troca de mesas que Papa-Capim é apresentado ao leitor como um rapaz corajoso, que goza da inocência provinda da juventude, preza pela amizade e o amor e com sutileza zela pelos animais e a natureza ao seu redor. Entretanto, os diálogos ou ações escolhidas para mostrar muitas dessas características – sendo a coragem a mais em foco – se fazem ou demasiadamente repentinos ou passíveis de serem interpretados de outra maneira – Papa-Capim passa grande parte do volume exalando nada mais do que um ar de insolência desnecessário tanto ao personagem quanto à narrativa.

Além disso, embora trate, dentre outras coisas, do transitar do jovem índio a guerreiro da tribo vivido por Papa-Capim, o volume se perde entre o construir dessa jornada – evidenciada pelo diálogo com o pajé sobre a diferença entre andar e caminhar - e a arquitetação da atmosfera de terror, embaralhando ambos em uma narrativa que apesar de bastante interessante deixa a desejar na caracterização de seu meio e de seu personagem, aqui principalmente consolidado por ações alheias a ele.  

Apesar disso, a pesquisa a respeito da cultura em indígena fica tanto evidente quanto gostosa de se ler, trazendo novas informações e interesse por saber mais pela cultura brasileira, que é tão raramente abordada mesmo no material nacional. Isso, em união com as muitas cenas noturnas (visto que a dinâmica de gestual e silhuetas de Guedes é em absoluto fácil de acompanhar e expressiva na medida que a história necessita) e a arte geral (que traz tão bem caracterizados os traços indígenas e dos conhecidos personagens) situa a história com muita realidade no âmbito das lendas brasileiras.

Noite Branca se torna, assim, em um novo mito a ser lido, uma união da cultura pop atual com a enraizada nos costumes e tradições brasileiros, um estímulo essencial para o conhecimento da riqueza e das possibilidades das lendas nacionais.

Nota: 6/10

domingo, 1 de maio de 2016

Crítica: O Dono do Jogo

Ed Zwick muda o equilíbrio de seu cinema para trabalhar protagonista problemático.

Por Pedro Strazza.

Em sua carreira como diretor, é visível como Edward Zwick estabeleceu e aprimora constantemente uma dinâmica sensível entre indivíduo e realidade ao qual este se insere. Do vendedor farmacêutico que populariza o Viagra em Amor e Outras Drogas à jornada de um pescador para reencontrar seu filho em meio à Guerra Civil de Serra Leoa em Diamante de Sangue, o cineasta tem demonstrado em seus projetos mais recentes um interesse maior de entender como o ser humano e o ambiente em que vive se relacionam e influenciam um ao outro, algo que se repete em O Dono do Jogo de maneira bastante metodológica.

Roteirizado por Steven Knight, a cinebiografia do campeão mundial de xadrez Bobby Fischer (Tobey Maguire) usa muito do cenário da Guerra Fria para recontar nas telas os eventos que levaram o enxadrista a conquistar a honraria máxima do meio em 1972, disputado contra o russo Boris Spassky (Liev Schreiber), então detentor do título, em uma série de 24 partidas. Nascido em uma família de comunistas e genial no esporte desde os seis anos, Fischer é atormentado por uma paranoia de que está sendo perseguido pela União Soviética, o que o torna num tormento constante para seu advogado e agente Paul Marshall (Michael Stuhlbarg) e o companheiro de time Bill Lombardy (Peter Sarsgaard).

Fica claro do início, então, como Zwick irá se comportar na produção no que consta à maneira pela qual o ambiente influencia o protagonista da vez, que tem seus tiques, apreensões e delírios incorporados pelo olhar quase sempre vidrado de Maguire. O clima de insegurança da época serve bem ao diretor para criar o mito da celebridade em torno da figura de Fischer, cujo aprimorado intelecto para o xadrez confunde-se com o gênio instável de estrela mesmo antes de se tornar um grande jogador. No longa, é perceptível como o enxadrista parece estar fadado desde pequeno a ser consumido pela paranoia da Guerra Fria, seja nos planos que põem o espectador na posição de vigília ou na cena no qual o personagem, ainda criança, está na janela de casa atento a qualquer carro que possa estar querendo bisbilhotar a reunião organizada por sua mãe (Robin Weigert).

Mas se o panorama muda Bobby Fischer, o contrário parece não acontecer na narrativa do filme, que se mostra bastante confortável em manter essa unilateralidade. Tornado símbolo no combate ao comunismo pelo governo Nixon, os efeitos das ações de Fischer em sua escalada para a consagração como melhor enxadrista do mundo são mostradas em noticiários antigos e imagens de arquivo (algumas manipuladas para encaixar a imagem de Maguire), como se pertencessem a uma realidade distante da do longa e, por consequência, da vivida pelo protagonista e seus coadjuvantes.

Nesses momentos, é como se o diretor buscasse sublinhar um dos lados de uma equação para focar-se exclusivamente no outro, atrás de uma simplificação da abordagem que realiza em cima de seu elemento central. O que o diretor não percebe, entretanto, é que o equilíbrio do longa só existe graças a essa confluência, permitindo-o criar símbolos institucionais em cima das figuras de Marshall (o capital) e Lombardy (a Igreja, a fé no sistema) sem ao mesmo tempo destituí-los de uma humanidade plausível.

Zwick talvez encontre nessa mudança de eixo uma forma de renovar seu estilo, melhor preservando o mistério (e fascínio) em torno do seu objeto de estudo ao invés de já esclarecê-lo para encaixá-lo depois no panorama, mas não percebe que essa decisão afeta a harmonia daquilo que é vital a suas obras. Tal qual os movimentos de xadrez no filme, O Dono do Jogo atrai o espectador pelo seu enigma, mas não encontra uma solução para dar charme à posterior revelação.

Nota: 6/10