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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O Cinema em 2015: Melhores do Ano

Os melhores filmes de 2015 e alguns rankings.

Por Pedro Strazza.

2015 foi um ano de mudanças (ou da tentativa de) no cinema convencional que a grande maioria dos espectadores conhece e frequenta regularmente.

Foi um ano em que o passado voltou com força, recauchutado e pronto para buscar o domínio das bilheterias. Grandes franquias de outrora (Jurassic Park, Star Wars) estouraram mais uma vez na bilheteria, mas muitas outras (Férias Frustradas, Exterminador do Futuro) fracassaram financeiramente por não conseguirem se adaptar à realidade diferente ao qual se propuseram. Ao mesmo tempo, o faroeste e a space opera aos poucos ensaiam um retorno, não à velha forma mas querendo maior espaço na dinâmica de projetos cinematográficos que o que tem nos dias de hoje.

O ano também será marcado pela contestação, principalmente em direção à participação das mulheres nos filmes e no mercado. No mesmo ano em que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas foi amplamente criticada pelo seu ano mais branco e masculino da História, a emancipação de personagens como Imperator Furiosa, Rey e Ilsa Faust comandaram um amplo debate no cinema de ação, questionando em caráter amplo a maneira como o gênero retrata a mulher em suas obras, como foi o caso de Jurassic World e suas alegorias de tom misógino. Por outro lado, também se evidenciou muito na Hollywood dos "sonhos que viram realidade" a participação da mulher no mercado cinematográfico, aonde ainda se impera o homem branco.

Essas são questões que não serão resolvidas na virada do ano, e que devem ser continuadas em 2016 em assuntos como a ausência de uma mulher indicada ao Oscar de Melhor Fotografia em toda a história do prêmio (e que alguns torcem para ser quebrada com a nomeação de Creed - Nascido Para Lutar à categoria) ou o novo filme dos Caça-Fantasma, agora um time composto só por mulheres.

No caso do Melhores do Ano, essas questões se refletem tanto na injustiça quanto na correção históricas. Ainda que o número de filmes protagonizados por mulheres tenha aumentado - dos 25 melhores desse ano, 11 tem protagonistas mulheres e 14 possuem personagens femininas interessantes e relevantes à construção da trama, batendo as 7 e 10 de 2014 - o número de longas dirigidos por mulheres nos 50 primeiros do ranking é de apenas quatro (Jane Pollard, Anna Muylaert, Ava DuVernay e Mia Hansen-Løve), e todo o resto é comandado por homens brancos.

São conceitos a serem repensados para os próximos anos, de forma que proporcione igual espaço para todos os gêneros. 2015 foi, afinal, um ano para isso: repensar.

Dito tudo isso, vamos à lista dos Melhores do Ano. A lista desta vez engloba 25 produções ao invés de seguir o arco crescente do site (13 em 2013, 14 em 2014...), de forma a abranger um maior número de grandes filmes que marcaram o ano que passou. Como em 2014, libero o ranking de filmes completo ao final da contagem, com um extra de doze Top 10, um para cada mês do ano. O critério é simples: se o filme estreou no circuito comercial brasileiro nos últimos 365 dias e eu o assisti, ele entra. Caso contrário, fora.

Também é bom observar que pela primeira vez incluo as revisões de nota em alguns dos filmes presentes no ranking. Como a redação de críticas pede urgência, alguns dos filmes acabam não recebendo o tempo de digestão (aquele período em que o filme permanece na sua cabeça) necessário, e ganham notas mais baixas ou mais altas pela interrupção súbita deste processo. No decorrer do ano, fui fazendo essas revisões, e as produções que por um acaso acabaram com notas diferentes da original estão indicados no ranking com a nota atual e a antiga.

ENFIM, vamos a eles:

25) Perdido em Marte

Ainda que tenha como norte a legitimidade científica do processo de sobrevivência empreendido pelo protagonista, Perdido em Marte é um filme que acima de tudo se beneficia de seu ingênuo lado cômico, incomum aos dramas (ou em alguns casos, terrores) de isolamento ao qual ele se adequa. É por ele que o diretor Ridley Scott - aqui quase no lado oposto ao de seus dois maiores trabalhos, Alien e Blade Runner - consegue estabelecer o resgate ao astronauta perdido em Marte como uma verdadeira ode à sociedade, ao coletivo que pelos esforços conjuntos de inúmeros indivíduos propicia a realização de uma ação que a princípio seria impossível de ser completa.

24) Dívida de Honra

Faroeste revisionista puro, Dívida de Honra é curioso na maneira como aborda a relação da mulher com o gênero. Tão sagaz na direção quanto como ator, Tommy Lee Jones usa da jornada de travessia empreendida por seus protagonistas para questionar constantemente a posição ocupada pelo gênero feminino em tais filmes, ao mesmo tempo que desconstrói o sonho de enriquecimento proporcionado pela viagem ao oeste daqueles tempos. Jones, porém, realiza esse processo com sobriedade: seu filme não busca revolucionar tais relações, mas somente de constatá-las com um quê de tristeza na voz.

23) Cássia Eller

Dos retratos documentais lançados em 2015, o voltado para a cantora Cássia Eller foi um dos que melhor funcionou na proposta. Não apenas por fazer o ato de reverência à intérprete de tantos sucessos como Malandragem e O Segundo Sol, o filme de Paulo Henrique Fontenelle se destaca de outros por ir além do ídolo em pauta e analisar o ser humano por trás desta, sem contudo esquecer de tentar desvendar o porquê do objeto de estudo ser tão querido por amigos, familiares e fãs. Cássia Eller é um triunfo no que diz respeito à emoção e objetividade, respeitoso e ao mesmo tempo brutal.

22) Dois Dias, Uma Noite

Guiado basicamente pela atuação de Marion Cotillard, o mais recente filme dos Dardenne é simples mas ao mesmo tempo bem elaborado. Pelas viagens da personagem principal às casas de seus colegas de trabalho para salvar seu emprego, o longa consegue ser bem sucedido tanto na contextualização dos reflexos da economia na sociedade como no arco de superação da protagonista, ao qual Cotillard maneja com brilho. E pelas tremedeiras e surtos de depressão de uma mulher frágil, Dois Dias, Uma Noite sai do simples e atinge o complexo.

21) Nick Cave - 20.000 Dias na Terra

É um tanto inesperado que, em um documentário sobre um músico, o próprio adote a câmera e a não use para amaciar seu ego. Abandonando por completo o ato de reverência, 20.000 Dias na Terra parte de uma crise individual do protagonista, e funciona por não esquecer de levar o espectador para dentro deste. As reflexões e saudosismos de Nick Cave, que poderiam soar como puro egotrip depressivo, se conectam e formam um panorama de aflições e inquietações fascinante, cujas dores tem um fundo de universal capaz de tocar qualquer tipo de espectador.

20) Phoenix

Se torna cada vez mais difícil de se realizar um grande filme sobre os efeitos da Segunda Guerra na sociedade, mas o alemão Phoenix prova que isso ainda é possível de se fazer. O filme, que segue uma desfigurada sobrevivente do Holocausto que, irreconhecível após uma cirugia plástica no rosto, sai em busca do marido suspeito de entregá-la aos nazistas, faz o caminho da busca pela identidade com sofisticação, criando o melhor retrato possível da combalida Alemanha e dos judeus no pós-guerra. Mas é no final que o longa, ancorado por uma atuação sublime de Nina Hoss, alcança sua potência máxima, em um clímax capaz de estraçalhar a alma em milhões de pedaços com um verdadeiro golpe de marreta.

E me perdoem os maus modos, mas puta que pariu Speak Low. Puta que pariu.

19) Corações de Ferro

Ainda no assunto de Segunda Guerra (mas agora voltado para o conflito em si), quem sabe muito bem conciliar ação com gênero e temática é o Corações de Ferro de David Ayer. O faroeste de guerra exercido pelo diretor aqui, em um filme sobre uma equipe de soldados responsável por um dos tanques estadunidenses, é visceral ao extremo, capaz de evidenciar os danos causados pelo conflito bélico no ser humano seja por suas movimentadas cenas de guerra ou em seus momentos mais parados, como na passagem do grupo por uma das casas de inocentes alemães. E conforme o público e o personagem de Logan Lerman adentram esse mundo, é inevitável que tal loucura tome nosso âmago de assalto e nos destrua por completo.

18) Mia Madre

Qualquer tipo de obra - cinematográfica ou não - que se disponha a analisar a temática da morte tende a levar o assunto como algo pesado, inevitável e parte de seu ser, num exercício de reflexão que geralmente acaba na egotrip. No caso de Mia Madre, essa noção é invertida. O italiano Nanni Moretti (que também atua no filme) conduz a história de uma diretora à beira de perder a mãe com sensibilidade, mais interessado nos efeitos de inevitável evento na vida da protagonista que nas considerações dela com seu próprio falecimento. Episódios como a da casa inundada e da carta desaparecida dão força à espiral de esgotamento apresentado, mas é no final "agridoce" que Moretti comprova a beleza de sua lógica.

17) Whiplash - Em Busca da Perfeição

No fundo um gigantesco exercício de narrativa e triunfo máximo de montagem, Whiplash instiga pelo ritmo quase frenético ao qual se rodeia. Com dois picos facilmente reconhecíveis pelo exalar automático que grande parte do público faz em seus finais súbitos, a estreia de Damien Chazelle em longa-metragens ainda conta com duas intensas atuações dos protagonistas Miles Teller e J.K. Simmons, que traduzem o monstruoso ritmo da obra em atuações extrovertidas ao extremo. Tudo pronto para explodir no clímax do terceiro ato, claro, que realiza essa entrega com satisfação notável.

16) Acima das Nuvens

A princípio parecendo estruturar-se como filme metalinguístico, Acima das Nuvens logo se transforma em uma das reflexões mais intrigantes sobre a passagem do tempo. A relação da personagem interpretada por Juliette Binoche com os papéis de uma peça e sua assistente (trabalhada maravilhosamente por Kristen Stewart) evocam uma sensação de impotência perante às forças maiores da vida como a natureza ou o tempo, que aqui soam suaves em sua implacabilidade. Não chega a ser um clichê, mas o fato do esquecimento ser o maior dos medos do ser humano é tratado pelo diretor Olivier Assayas com o tom desilusivo apropriado.

15) Star Wars - O Despertar da Força

Cercado de mistério e talvez da maior expectativa dos últimos vinte anos, o retorno de Star Wars às telonas cumpriu com seus objetivos de satisfazer a grande maioria de seus fãs de diversas gerações. A fórmula foi simples, mas ao mesmo tempo um grande reflexo da erupção nostálgica proporcionada por 2015: refazer o filme escapista que tornou clássico o primeiro capítulo da saga e atualizá-la ao panorama atual, sem contudo tornar isso uma missão. O resultado são sets de ação bem montados por J.J. Abrams e potencializados pelo retorno de personagens queridos do público sem ter medo de apresentar novos, capazes de tomar as rédeas da franquia e continuar o legado de entretenimento com compromisso que tornou célebre a marca.

14) O Ano Mais Violento

A fotografia com quê de Edward Hopper e que denota violência pelas beiradas já dá a dica do que o espectador irá encarar em O Ano Mais Violento. O retrato de uma máfia em franca decadência, guiado por grandes atuações de Oscar Isaac e Jessica Chastain, ressalta a solidão de nossas relações de maneira despercebida, não permitindo que esta ocupe a centralidade do palco nas dificuldades passadas pelo protagonista. E isso acaba por trabalhar a favor do longa, que apostando numa tensão que levemente se acentua para gerar expectativa em cima do fim de uma era - seja este gênero cinematográfico ou período histórico.

13) Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

Existe um egocentrismo em Birdman? Sim, e não é pouco. Mas mesmo assim o vencedor do Oscar 2015 de Melhor Filme não deixa de ser interessante no retrato que faz do time mais conservador de Hollywood, incapaz de adotar os novos tempos e preferindo aqueles em que o teatro era o berço de promissores atores talentosos e o circuito comercial era símbolo de uma morte horrível. O filme de Alejandro González Iñarritu ainda se beneficia de um bem elaborado falso plano-sequência eterno e o trabalho formidável de Michael Keaton, oportunos em reforçar suas ambições mesquinhas em direção à indústria do cinema e do entretenimento. Está implícito na linha de diálogo de Macbeth mencionada por um mendigo: "Amanhã, e o amanhã, e o amanhã...".

12) A Pele de Vênus

É curioso (e divertido) ver como o polonês Roman Polanski usa de seu lado mais obscuro para produzir obras extremamente punitivas a esse seu eu. No excelente A Pele de Vênus, por exemplo, o cineasta realiza um questionamento relevante da relação machista entre autor e musa, mostrando culpabilidade em tal relação sem monopolizar as atenções. A dança final da personagem interpretada por sua esposa Emmanuelle Seigner, em torno do interpretado por Mathieu Amalric preso a um símbolo fálico, é desde já um dos grandes momentos do cinema na década de 2010.

11) Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo

Contando com uma atuação de primeira categoria de Steve Carell, Foxcatcher usa da trajetória do milionário John du Pont e os lutadores greco-romanos Mark e Dave Schultz para fazer uma análise verdadeira e dura da realidade estadunidense. Em ascensão na carreira de diretor, Bennett Miller cria uma atmosfera pesada, que reflete o estado de decomposição do sonho americano pelas mãos da iniciativa privada. Não há heróis na narrativa, e a tal história que chocou o mundo é mera contestação desta problemática.

10) A Terra e a Sombra

Longa de estreia na direção do colombiano César Augusto Azevedo, o mais recente vencedor da Câmera de Ouro do Festival de Cannes é um panorama fundamental sobre a economia primária dos países latino-americanos, e mostra com eficácia os efeitos danosos da passagem da agricultura familiar para o agronegócio. O brilhante de A Terra e a Sombra, porém, é que ele não se entrega inteiramente a essa análise, mas usa dela para situar uma trama de relações familiares desgastadas e muito bem executada, que se aproveita do ambiente opressivo para desenhar conflitos subliminares que em nenhum momento soam pretensiosos. Sem contar, claro, o premiado trabalho de fotografia de Mateo Guzmán, que consegue captar toda essa dinâmica complexa em planos simples e de impacto.

9) Um Amor em Cada Esquina

Se em A Pele de Vênus a relação entre autor e musa era visto em tom de condenação, Um Amor em Cada Esquina realiza esse caminho de desconstrução pelo humor. Com o tom típico das comédias de Woody Allen, o diretor Peter Bogdanovich expõe o ridículo dessa conexão com primor, em cenas que atingem o absurdo sem perder o riso - e a cena no restaurante é um ápice delicioso deste processo. A melhor parte é que além do elenco estrelado e bem direcionado o cineasta ainda conta com o trabalho soberbo de Imogen Poots, cuja interpretação da protagonista prostituta que vira atriz dá vida à produção e suas boas intenções.

8) Ponte dos Espiões

Depois de duas tentativas desequilibradas, Steven Spielberg finalmente conseguiu fazer um filme aos moldes do cinema estadunidense clássico que se adequasse a seus próprios trejeitos. Com influências claras dos longas de Frank Capra, Ponte dos Espiões é um thriller com toques de humor refinado que se dispõe a analisar mais uma vez o espírito do herói americano, em um jogo de comparações bastante ressaltado na fotografia de Janusz Kaminski. Com Tom Hanks e Mark Rylance afiados, o roteiro de Joel e Ethan Coen chega a picos sem deixar o ritmo cair, e o longa concebe sua mensagem com a eficácia necessária.

7) Vício Inerente

Exclusivamente pautado na narrativa desconexa, a mais nova obra-prima de Paul Thomas Anderson comprova como é possível entregar grandes filmes oriundos de tal planejamento. A investigação conduzida pelo protagonista entregue às viagens alucinógenas de drogas é o ponto de partida para Vício Inerente abraçar a loucura e levar o espectador junto de si, sem medo de que este acabe entendendo absolutamente nada do que acontece em cena. A jornada enlouquecedora propiciada ao público a partir daí, pautada na realidade mas com leves toques de surrealidade, torna o longa numa dessas experiências difíceis de serem repetidas nos próximos anos.

6) A Visita

Talvez o primeiro filme a trazer um verdadeiro respiro de originalidade ao found footage desde a chegada do primeiro Atividade Paranormal, A Visita realiza uma das - senão a - mais bem sucedidas misturas entre gêneros cinematográficos opostos. O longa dirigido por M. Night Shyamalan  tem habilidade em elaborar todo o seu terror a partir da comédia, com pinceladas metalinguísticas que realizam comentários ácidos sobre o subgênero sem se intrometer demais na narrativa. E com a já previsível virada de roteiro dos filmes de Shyamalan acontecendo, o longa demonstra seu valor em um clímax de terceiro ato poderoso e aterrador por essência.

5) Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência

Conjunto de esquetes elaborados em cenários geométricos, Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência é fascinante na maneira como tira humanidade de um mundo frio povoado por pessoas frias. Interessado em questões humanas e filosóficas, o sueco Roy Andersson é capaz de fazer rir e meditar com as mais diversas situações, que vão da simples morte de um homem por fazer força pra abrir uma garrafa à complexa e gloriosa marcha de um exército que ruma triunfante à guerra - somente para retornar destruída. É o tipo de profundidade filosófica que para muitos deve soar pretensiosa, mas a outros ela evoca o choque e a contemplação, culminantes na antológica cena de um gigantesco instrumento musical que é alimentado por seres humanos para gerar um belíssimo som.

4) Missão: Impossível - Nação Secreta

O quinto capítulo da série Missão: Impossível foi um dos poucos filmes de grande orçamento de 2015 a conseguir equilibrar tão bem o seu lado lúdico e teórico. Ao mesmo tempo que preenche o longa com sets de ação inventivos e de sublime execução (e sem medo de pertencerem ao gênero, como certos agentes britânicos), o diretor e roteirista Christopher McQuarrie realiza um dos mais curiosos estudos sobre a relação do indivíduo com o mundo globalizado, ágil em seu desenvolvimento e capaz de costurar os personagens e situações com esmero. Não bastasse isso, Nação Secreta também se beneficia da dedicação de Tom Cruise, seu ator principal que não tem medo de abraçar e literalmente mergulhar na ação.

3) Magic Mike XXL

Quem poderia prever que essa sequência seria tão superior ao original? Despido dos moralismos e vieses condenatórios do longa dirigido por Steven Soderbergh, Magic Mike XXL adota o road movie para realizar uma das melhores celebrações à vida, à juventude e ao corpo dos últimos anos, sem os pudores de tantas outras produções destinadas a tais objetivos. A jornada dos strippers masculinos a um festival de stripping, em uma típica história de último trabalho, também é feliz na maneira como explora nos ambientes o seu inacreditável viés feminista, tratando o gênero feminino com louros independente da idade, cor e personalidade. Belo, ágil, divertido e, quem diria, incrível.

2) Mad Max - Estrada da Fúria

Frenético do começo ao fim, a volta por tanto tempo anunciada de Mad Max implodiu 2015 como um de seus kamicrazy se sacrifica para explodir um carro. Novamente no comando, George Miller mostra mais uma vez porque é um mestre com Estrada da Fúria, que além de ser uma alucinada aula de cinema também se comporta maravilhosamente bem como obra feminista. Trabalhada com brilho por Charlize Theron, Imperator Furiosa e as esposas de Immortan Joe lutam para sobreviver não apenas em um mundo pós-apocalíptico, mas também machista e misógino, algo que nos aproxima desse deserto poeirento e aniquilador. Acima de tudo, o quarto capítulo da série revoluciona um gênero inteiro, seja em seus aspectos formais ou teóricos, e faz uma contribuição importante a uma luta sem data para terminar.

Mas o melhor filme de 2015 é...

1) Divertida Mente

Com todos os tiques e estruturas conhecidas dos filmes da Pixar, Divertida Mente é um filme que por emoções antropomorfizadas preza pelo emocional com uma sensibilidade quase impossível de ser atingida. A bem da verdade, não existem palavras que descrevam o cuidado dos diretores Peter Docter e Ronnie Del Carmen ao tratar as relações entre Alegria e Tristeza ou de Alegria com a menina Riley, que atingem ápices tão poderosos e contundentes. Para tornar toda essa construção mais bem elaborada, Divertida Mente intercala essas estruturas com criatividade e humor formidável, e ainda inclui um ótimo terceiro arco na figura do amigo imaginário Bing Bong.

Mas é no relacionamento de Alegria com Riley que o filme me quebrou, me quebra e me quebrará emocionalmente nos próximos anos, em uma única linha de diálogo que só de lembrar já é capaz de me fazer ir às lágrimas mesmo após ter passado meses desde que fui ao cinema assisti-lo.

"Eu só queria que Riley fosse feliz."

Rankings

Por mês:
E a versão final do Ranking 2015 de Cinema:
  1. Divertida Mente (10/10)
  2. Mad Max - Estrada da Fúria
  3. Magic Mike XXL [9/10 antes de revisão]
  4. Missão: Impossível - Nação Secreta
  5. Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência
  6. A Visita
  7. Vício Inerente
  8. Ponte dos Espiões (9/10)
  9. Um Amor em Cada Esquina
  10. A Terra e a Sombra
  11. Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo
  12. A Pele de Vênus
  13. Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) [10/10 antes de revisão]
  14. O Ano Mais Violento
  15. Star Wars - O Despertar da Força (8/10)
  16. Acima das Nuvens
  17. Whiplash - Em Busca da Perfeição
  18. Mia Madre
  19. Corações de Ferro
  20. Phoenix [7/10 antes da revisão]
  21. Nick Cave - 20.000 Dias na Terra
  22. Dois Dias, Uma Noite
  23. Cássia Eller
  24. Dívida de Honra
  25. Perdido em Marte
  26. Que Horas Ela Volta?
  27. Homem-Formiga
  28. Mistress America
  29. Chatô - O Rei do Brasil
  30. Férias Frustradas
  31. Últimas Conversas
  32. Sniper Americano
  33. Vingadores - A Era de Ultron [10/10 antes de revisão]
  34. Tomorrowland - Um Lugar Onde Nada É Impossível
  35. Cala a Boca, Philip
  36. Timbuktu
  37. A Espiã que Sabia de Menos (7/10)
  38. Noite Sem Fim
  39. O Presente
  40. Para o Outro Lado
  41. O Amor é Estranho
  42. Selma - Uma Luta Pela Igualdade
  43. Bob Esponja - Um Herói Fora D'Água
  44. Lugares Escuros
  45. Adeus à Linguagem
  46. A Travessia
  47. Corrente do Mal
  48. Jurassic World - O Mundo dos Dinossauros [8/10 antes de revisão]
  49. Eden
  50. O Conto da Princesa Kaguya
  51. Winter Sleep/Sono de Inverno
  52. Expresso do Amanhã
  53. Kingsman - Serviço Secreto
  54. Velozes e Furiosos 7
  55. Cinderela
  56. A Estrada 47
  57. Força Maior
  58. A Forca
  59. Sicario - Terra de Ninguém
  60. A Teoria do Tudo
  61. Victor Frankenstein
  62. Leviatã
  63. Uma Noite no Museu 3 - O Segredo da Tumba
  64. Frank (6/10)
  65. Entre Abelhas
  66. Casadentro
  67. A Colina Escarlate
  68. O Destino de Júpiter
  69. Peter Pan
  70. Nocaute
  71. A Escolha Perfeita 2
  72. Mapa Para as Estrelas
  73. Jia Zhangke, Um Homem de Fenyang
  74. Grandes Olhos
  75. Minúsculos
  76. Sangue Azul
  77. Pasolini
  78. The DUFF
  79. Taxi Teerã
  80. Obra
  81. 118 Dias
  82. O Olmo e a Gaivota
  83. Shaun - O Carneiro
  84. Cake - Uma Razão Para Viver
  85. Poltergeist - O Fenômeno
  86. Dheepan - O Refúgio
  87. Ricki and the Flash - De Volta pra Casa
  88. Enquanto Somos Jovens
  89. Os Dois Lados do Amor
  90. O Sal da Terra
  91. O Jogo da Imitação
  92. Terremoto - A Falha de San Andreas
  93. O Agente da U.N.C.L.E. (5/10)
  94. Um Santo Vizinho
  95. Homem Irracional
  96. Exorcistas do Vaticano
  97. Golpe Duplo
  98. Garota Sombria Caminha Pela Noite
  99. Califórnia
  100. Atividade Paranormal - Dimensão Fantasma
  101. Chappie
  102. Macbeth - Ambição e Guerra
  103. A Possessão do Mal
  104. Casa Grande
  105. Como Sobreviver a um Ataque Zumbi
  106. Cidades de Papel
  107. Sob o Mesmo Céu
  108. Respire
  109. A Entrevista
  110. O Último Ato
  111. Para Sempre Alice
  112. No Coração do Mar
  113. O Clube
  114. Minions
  115. Evereste
  116. Belas e Perseguidas
  117. 45 Anos
  118. Aliança do Crime
  119. Sem Direito a Resgate
  120. Rainha e País
  121. Os Pinguins de Madagascar
  122. A Série Divergente: Insurgente
  123. 007 Contra Spectre (4/10)
  124. Livre
  125. Victoria
  126. De Cabeça Erguida
  127. Quarteto Fantástico
  128. American Ultra - Armados e Alucinados
  129. Ted 2
  130. As Sufragistas
  131. Segunda Chance
  132. Jogos Vorazes - A Esperança - O Final
  133. A Incrível História de Adaline
  134. Pássaro Branco na Nevasca
  135. A Mulher de Preto 2 - Anjo da Morte
  136. Chico - Artista Brasileiro
  137. A Dama Dourada
  138. Jessabelle - O Passado Nunca Morre
  139. Um Senhor Estagiário
  140. Pixels
  141. O Exótico Hotel Marigold 2
  142. Invencível
  143. Não Olhe Para Trás
  144. Sr. Kaplan
  145. Trocando os Pés
  146. O Pequeno Príncipe (3/10)
  147. Love
  148. Promessas de Guerra
  149. Pegando Fogo
  150. Crimes Ocultos
  151. Miss Julie
  152. O Exterminador do Futuro - Gênesis
  153. Caminho da Floresta
  154. A Entidade 2 (2/10)
  155. À Beira Mar
  156. A Casa dos Mortos
  157. Duas Irmãs, Uma Paixão
  158. Cinquenta Tons de Cinza (1/10)
  159. Mortdecai - A Arte da Trapaça

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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O Cinema em 2015: Piores do Ano

O que o cinema produziu de pior em 2015.

Por Pedro Strazza.

Não dá para ser perfeito. Ainda que tenha oferecido filmes maravilhosos, 2015 foi também um ano de muitos erros e equívocos no mundo do cinema. Além dos dez longas que compõem esse maravilhoso ranking de pura chacota e irritação, os últimos 365 dias trouxeram os mais variados tipos de horror nas telonas.

Mas se nos outros anos os motivos para tais resultados escabrosos variaram bastante, em 2015 grande parte destas produções encontrou um denominador comum: a representação feminina. Em dias marcados pela contestação do uso da mulher pelo cinema e outras artes, foi comum ver nos filmes mais fracos e estúpidos a perseverança de uma lógica ultrapassada no assunto. Em grande parte dessas obras, a mulher é reduzida de significação, fetichizada ou, pior, tornada em figura de antagonismo, graças a seus "dotes" capazes de atrair o protagonista masculino ao pecado, sendo relevante nesta última que ela seja posta em "seu devido lugar". Não à toa, pelo menos seis dos dez longa-metragens nomeados ao Piores do Ano de 2015 tem em comum o uso de tais e outros artifícios tão degradantes ao gênero feminino.

Esse não foi o único ponto, porém, que levou tantas produções ao fracasso em seu conteúdo, e uma rápida visita a alguns dos piores filmes hollywoodianos de grande orçamento é capaz de ilustrar alguns dos outros pontos a serem repensados para 2016. Enquanto Quarteto Fantástico mostrou que novas ideias a marcas antigas nem sempre mostram melhores resultados, 007 Contra Spectre provou que impor mudanças drásticas de gênero a um personagem de gênero são capazes de quebrar seu funcionamento; Insurgente e o "último" Jogos Vorazes, por outro lado, evidenciaram o apodrecimento de algumas das estruturas que fazem famosos os filmes voltados para o público jovem, no mesmo passo que Ted 2 reforçou a noção de que repetir a fórmula não funciona sozinho.

De qualquer forma, nenhum destas obras foi tão mal quanto os próximos dez filmes a serem comentados, de longe os piores exemplares do cinema lançados comercialmente no país em 2015. Vamos a eles:

10) Crimes Ocultos

Crimes Ocultos é uma aula básica de roteiro, mas não no bom sentido. O filme, sobre um agente da polícia militar da União Soviética que é rebaixado de seu serviço e tenta solucionar um mistério envolvendo o desaparecimento sistemático de crianças ao longo do território, apela para todas os clichês e maniqueísmos de seu tema, mas não os sabe utilizar a seu favor em nenhum momento. O resultado, alinhado com um inglês em sotaque russo dos piores de Tom Hardy e grande elenco, fazem o longa se tornar um aborrecimento constante, incapaz de atrair o espectador em qualquer momento. 

9) Miss Julie

Montagem da homônima peça do dramaturgo August Strindberg, esta versão de Miss Julie é talvez o melhor exemplo do quão difícil é realizar uma adaptação de uma obra teatral para a telona. Enquanto privilegia atuações nada equilibradas de Jessica Chastain, Colin Farrell e Samantha Morton, a diretora Liv Ullmann não consegue aproveitar dos poucos ambientes que ocupa, e a obra perde qualquer tipo de fluidez. Ao invés disso, o que se vê em cena é uma obra estagnada, que não consegue se utilizar de sua origem teatral nem de disfarçar o seu incômodo cheiro de mofo.

8) O Exterminador do Futuro - Gênesis

Mesmo que venha a ser lembrado como um ano de bons retornos de inúmeras franquias, 2015 também será marcado por este que foi o pior espécime de uma tentativa de reboot trajada de sequência. Não apenas responsável por declarar a morte da série O Exterminador do Futuro e equivocado na reutilização das estruturas clássicas dos dois primeiros (e clássicos) filmes, Gênesis também conseguiu a façanha de diminuir Sarah Connor, uma das personagens mais fundamentais do cinema de ação e da representação da mulher nos anos 90, que aqui se transforma numa menina adulta cujos únicos (e não maiores) conflitos são de relações familiares. Um erro crasso, que nem Emilia Clarke consegue esconder ou defender.

7) Caminhos da Floresta

Rob Marshall já vinha mostrando em seus últimos dois filmes um desgaste evidente de sua fórmula, que preza muito pelo movimento e pouco pelo conteúdo. Nada preparou o público, porém, para seu Caminhos da Floresta, adaptação do musical da Broadway que é disparado uma das obras mais vazias de 2015. Marshall despreza com categoria a temática de desconstrução dos contos de fada da peça e tenta realizar uma homenagem a estes, criando um choque de noções que simplesmente não se sustenta em momento algum.

E sobre as músicas... digamos que se eu ouvir mais um "Into the woods!" ou "AGONY" eu mato alguém.

6) A Entidade 2

Lançado em 2012, o primeiro A Entidade era um verdadeiro espetáculo de terror, que mesmo com seus erros conseguia fazer de sua criatura algo assustador sem mostrá-la. Sua sequência parece ter desaprendido isso. Insistindo constantemente em um processo de iconização de Bagul, o longa de Ciarán Foy se utiliza somente de sustos fáceis e apelo gráfico ao invés de investir em um terror atmosférico, local onde a entidade do título funcionava melhor. O maior erro, porém, é acreditar que revelar mais sobre o ser e seus meios trará melhores oportunidades à continuação, e no fim isso custa caro ao filme e sua tentativa de serialização.

5) À Beira Mar

Angelina Jolie já havia mostrado dificuldades em dirigir esse ano com seu Invencível, mas é com À Beira Mar que a cineasta demonstra estar precisando voltar aos estudos. Ainda que entregue junto do marido Brad Pitt uma boa atuação, Jolie faz aqui um filme modorrento sobre relações íntimas, envolvendo com sutileza machismos estridentes como culpabilidade da mulher e importância do marido ser o líder em situações de crise. E não importa o número de profissionais excelentes que ela se cerque, Angelina ainda continua a entregar as mesmas imagens de antes, quase sem emoção como suas histórias. 

4) A Casa dos Mortos

Para ser honesto, fico surpreso que o found footage continue a ser um subgênero em voga no cinema de terror, mas mais ainda com as maneiras incrivelmente estúpidas pelas quais alguns cineastas tentam reinventá-lo. É o caso de A Casa dos Mortos, que tenta misturar elementos de câmera na mão com cinematografia convencional em uma história típica de casa mal-assombrada. O resultado, óbvio, é desastroso: o longa é incapaz de se estruturar em qualquer uma das abordagens, além de insistir periodicamente em sustos previsíveis ao extremo.

E em nada, absolutamente em nada ajuda tentar enfiar uma reviravolta à la Shyamalan no fim, algo que no fundo reforça mais a superficialidade da produção que qualquer outra coisa.

3) Duas Irmãs, Uma Paixão

Se em Miss Julie o cheiro de mofo era difícil de se ignorar, no representante alemão para o Oscar do ano passado ele é impossível de se evitar. Com uma narrativa involuntariamente pesada, o novelesco Duas Irmãs, Uma Paixão é um desastre de altas proporções, incapaz de fazer algo do drama do título além de conflitos "'Ele é meu!', 'Não, ele é meu!'". Os figurinos e o design de produção tem lá seu charme, mas de que isso serve sozinho?

2) Cinquenta Tons de Cinza

Cinquenta Tons de Cinza é muito mais uma imensa decepção que um filme de pior espécie. Explico: por mais machista, raso e papo interminável de DR que a adaptação do livro de E.L. James seja (e é, não se engane!), o filme de Sam Taylor-Johnson perdeu uma chance inacreditável de romper em 2015 com os tabus puritanos de sexo que por anos envolvem Hollywood e o impedem de ser o berço de novas revoluções sexuais. Em contraponto a isso, o longa entrega uma narrativa coxinha, assustada em mostrar qualquer evidência de relações ou membros sexuais (novamente, é um filme tão machista a ponto de não ter coragem de não mostrar um pênis!). O que poderia ser um filme ambicioso termina uma novela "para donas-de-casa", a adaptação mais fiel em espírito de um romance de Sidney Sheldon. Pena.

Mas sem dúvida o pior filme de 2015 é...

1) Mortdecai - A Arte da Trapaça

É difícil de definir o que é pior em Mortdecai - A Arte da Trapaça. O humor grosseiro e sem qualquer momento de relevância, a atuação desgastada de um Johnny Depp no fundo do poço da carreira, o sexismo implícito combinado à objetificação e antagonização máxima da mulher na forma das curvas de uma Olivia Munn completamente má utilizada... a falta de substância e a chacota implícita do diretor David Koepp com elementos tão ultrapassados quanto a obra são alarmantes. É um filme inadequado, incapaz de ver-se a si mesmo em meio a tanta arrogância e desperdício de um ótimo elenco e que nem consegue fazer jus ao título de comédia.

Pelo menos pra mim, resta torcer para que em 2016 o agora bicampeão da categoria Johnny Depp saia dessa maré de azar e volte à plena forma de antigamente, porque pior que isso (eu espero que) não fica.

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domingo, 27 de dezembro de 2015

Crítica: Macbeth - Ambição e Guerra

Montagem cinematográfica se perde nos anseios da própria proposta.

Por Pedro Strazza.

É meio inevitável que do princípio Macbeth - Ambição e Guerra seja comparado à versão de Hamlet dirigida por Franco Zeffirelli. Além de transporem na íntegra o texto de William Shakespeare para o cinema, as duas produções prezam pela reverência às obras do dramaturgo inglês, em um misto de celebração à atemporalidade de suas peças e de uma tentativa de engrandecimento à figura dos atores escolhidos para viver esses eternos personagens.

O que diferencia os dois filmes, porém, é que enquanto Zeffirelli mostrava-se disposto a preservar os valores teatrais de Hamlet, tornando visível no lado técnico o lado de fábula da tragédia sem descambar para o caricato (os figurinos luxuoso mas sem exageros, a fotografia sem grandes experimentações) em uma curiosa demonstração de sobriedade, o Macbeth do australiano Justin Kurzel abre maiores concessões. O diretor abusa da estilização na imagem e no som, disposto a tornar a história sobre corrupção do poder em uma experiência sensorial das mais angustiantes.

De início, é uma estratégia que parece funcionar. Da trilha sonora à base de tambores de Jed Kurzel (irmão de Justin) à fotografia que não se intimida em assumir o filtro de Instagram, o longa consegue no começo circundar a encenação da tragédia em algo menos pautado pelo texto e mais pelas ações. Mas aqui e ali, em câmera lentas ou aceleradas, que o filme começa a demonstrar o desgaste de sua proposta.

Isso ocorre por dois motivos. O primeiro é que os excessos de Kurzel não conseguem se conectar com a sua necessidade de ambientar a trama em um espectro realista, clara como água nas decisões de figurino e design de produção. A ação brutal dos poucos conflitos mostrados, por exemplo, perde toda a crueza intendida nos closes de câmera e slow motions, que visam uma maior plasticidade dos conflitos. É o tipo de choque não planejado que atrapalha a desenvoltura gráfica da obra e, no fim, a faz naufragar.

O outro problema é que a proposta de Ambição e Guerra se perde no encaixe com o material original, que não por acaso funciona primordialmente pela força de suas palavras. As vontades artísticas de Kurzel em nada contribuem para tornar o discurso da obra sobre o poder em algo mais substancial comparada a seu uso solitário, e a bem da verdade desviam o foco desse lado tão importante à peça. Em consequência, embora façam o esforço extra de proferir o texto de Shakespeare com o zelo dos atores consagrado que são, as performances de Michael Fassbender e Marion Cotillard se perdem em meio às trucagens técnicas do longa no mesmo passo que Sean Harris e (principalmente) Elizabeth Debicki são desperdiçados no elenco coadjuvante.

No fundo, esta versão de Macbeth vem para provar o quão importante é que se dê protagonismo para os diálogos das peças de Shakeaspeare em tais montagens cinematográficas. Os arroubos de Kurzel, além de se tornarem progressivamente em exibicionismo puro, acabam por servir mais para evidenciar os pontos superficiais mais ultrapassados da obra, como a configuração das personagens femininas em mero troféu ou tentação, e menos como forma de glorificar os seus valores, de mostrar o porquê deles serem tão eternos assim.

Nota: 5/10

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O Cinema em 2015: Destaques do Ano

Quinze filmes que surpreenderam ou trouxeram boas ideias à sétima arte em 2015.

Por Pedro Strazza.


O ano está acabando, e com ele vem as intermináveis listas, rankings e retrospectivas que se dispõem a relembrar o que aconteceu de bom e ruim nesses últimos 365 dias. E quando o assunto é cinema, essa noção polarizada sobre os eventos ocorridos na mais recente volta do planeta Terra em torno do Sol tendem a ser reforçadas, com os famosos melhores e piores filmes do ano.

No caso do O Nerd Contra Ataca, opta-se também por criar uma terceira via, que se encarregue de dar o merecido destaque a alguns dos filmes que estão no meio desse caminho. Afinal, entre o céu e o inferno existe uma verdadeira lista telefônica de obras cinematográficas, e muita destas mostraram seu valor mesmo não estando no elenco estrelado deste 2015 ao mesmo tempo tão legal e tão chato.

É com orgulho, então, que apresento-lhes a lista de Destaques do Ano 2015, que conta com nada menos que 15 filmes muito bacanas e que tem entre si a semelhança de terem marcado presença no calendário de estreias de nosso circuito comercial de exibição. Uma regra bastante simples, claro, mas capaz de englobar com satisfação quaisquer tipo de obras lançadas nesse período.

Em ordem alfabética, vamos a eles:

  • Adeus à Linguagem

Embora já tenha chocado o mundo cinematográfico incontáveis vezes com filmes que buscam questionar e desconstruir a linguagem da sétima arte e hoje em dia seja mais lembrado pelas eternas discussões "Truffaut ou Godard?" dos cinéfilos mais letrados, Jean-Luc Godard provou mais uma vez sua habilidade em se renovar e de encontrar novas maneiras de chocar seu espectador. Com Adeus à Linguagem, sua primeira experiência com o 3D, o diretor de Acossado e Alphaville leva a tecnologia a extremos fascinantes no mesmo passo que se aprofunda na relação do fazer artístico com a imagem, aqui esgotada até o talo. E se o diálogo executado parece ser extremamente complicado, o espectador mais leigo encontra algum respiro nas experiências de Godard, como a inesquecível cena de separação das duas perspectivas que formam a tridimensionalidade de sua cena.

Lento e eficaz, a estreia da peruana Joanna Lombardi em longa-metragens encontra seus melhores momentos na curiosa dinâmica que estabelece aos poucos na narrativa. Inteiro situado dentro da propriedade de uma senhora de idade prestes a se tornar bisavó, Casadentro é funcional na maneira como se aproveita da presença de quatro gerações de uma família para discutir tanto as graduais mudanças do papel da mulher na sociedade como em evidenciar o quão atribuído ainda está o gênero feminino à manutenção do lar. De quebra, Lombardi consegue encaixar aqui e ali uma análise do papel da empregada doméstica, aqui em estado permanente na sociedade.

Corrente do Mal soa a princípio como terror lúdico em essência, com suas regras inquebráveis e personagens em fuga de uma criatura aparentemente invisível. Dito isso, é surpreendente como o diretor e roteirista David Robert Mitchell tira de seu conto peculiar e sem época definida (isso ou uma utopia hipster, visto que existem celulares multitoque e personagens que adoram ver filmes antigos em suas TVs de tubo) uma análise interessante dos EUA pós-crise econômica, em eterna pagamento dos pecados cometidos no passado e ansiosa por fazer seus desejos virarem realidade a qualquer custo. Além disso, o filme é feliz em suas escolhas mais técnicas, como a fotografia aberta e de uma paleta de cores pastelizadas, bem de encontro aos gostos do estadunidense aborrecido dos subúrbios.

E tem também a trilha sonora de Disasterpeace, que com seus sintetizadores é fácil uma das melhores do ano.

Disposto a retratar o nascimento, crescimento e estabelecimento da house music no cenário eletrônico da música, Eden é uma obra que por vezes consegue transcender sua missão original para entregar algo a mais. Nas raves e baladas underground que introduz, o filme de Mia Hansen-Løve também deixa claro ao espectador o estado de espírito da geração de jovens que se enveredaram neste mundo sem contudo tornar explícito o seu moralismo sob os fatos. Em meio às dificuldades e tragédias, essa juventude inconsequente (como todas as outras, a bem da verdade) tinha como único objetivo alcançar a catarse máxima de suas sensações, por meio de batidas e gingados que hoje imperam no cenário da música pop mainstream.

No ano em que os filmes de espionagem se acumularam nas salas de cinema, chega a ser fascinante que um dos melhores exemplares do subgênero desse ano tenha sido uma comédia de escárnio puro. Dirigido por Paul Feig, A Espiã que Sabia de Menos acaba com tudo e todos, em um esforço claro de desconstruir os valores masculinos do mundo ao qual se insere. E se Jude Law e Jason Statham, arquétipos clássicos dos espiões em voga nos dias de hoje, são os alvos maiores do escrutínio realizado, Melissa McCarthy se ergue como uma heroína, rejeitada pela sociedade mas pronta para salvar o mundo de seus próprios pecados.

Road movie musical simples, Frank se destaca em seus detalhes. Ancorado por uma ótima atuação de Michael Fassbender, o protagonista e seus hábitos incomuns são desenvolvidos e explorados de pouco em pouco no filme dirigido por Lenny Abrahamson, que com muito cuidado se aprofunda na personalidade do vocalista dos Soronprfbs para construí-lo com a sensibilidade que merece. Elaborado dessa maneira, o clímax final da obra, que faz a volta por cima de Frank em clima de vitória pessoal, é fácil umas das cenas mais belas que vi no ano, levando o emocional da coisa a uma catarse tímida porém bastante recompensadora.

O que, no fim, é a alma do filme indie.

Mesmo que se renda a todos os grandes clichês e tremeliques desse imenso subgênero que se tornou o found footage, A Forca funciona na maneira como insere seu assassino no ambiente em que se passa a história. O banho de sangue proporcionado pelo fantasma de Charlie, afinal, serve como homenagem interessante às tragédias shakeasperianas imerso no slasher movie típico, resultando em uma mistura curiosa que se torna física na figura ameaçadora do corpulento espírito encapuzado. Charlie está ali para matar não somente por motivos de vingança como também para cumprir com as funções de seu papel que nunca foi interpretado até o fim, e isso é... surpreendente.

É uma questão de proporção: enquanto todo o subgênero dos filmes de super-heróis parece cada vez mais preocupado em realizar espetáculos maiores e mais complexos (vide o último Vingadores e os vindouros Batman vs Superman - A Origem da Justiça e Capitão América - Guerra Civil), a primeira incursão do Homem-Formiga nos cinemas fez o contrário. O mundo não está exatamente em perigo aqui, e o diretor Peyton Reed aproveita disso para situar um inesperado e bem vindo drama de pai e filha. Falta fôlego para assumir de fato o filme de assalto? Com certeza, mas nesse ato de diminuição existe uma importante lição ainda a ser aprendida.

Animação stop-motion francesa situada em locações reais, Minúsculos exibe uma delicadeza deliciosa. Como grande parte dos filmes que usam da técnica, o longa exibe cuidado primoroso para contar em silêncio sua fábula de amizade e cooperação entre uma formiga e uma joaninha e um conflito entre dois formigueiros. As soluções encontradas para avançar a narrativa e fazer o espectador se envolver com a história obtém resultados felizes, dando fluidez a uma história que em outras mãos provavelmente não encontraria tanta sorte.

Primeiro filme de Noah Baumbach que não necessariamente olha o ato de crescer como algo ruim (e inclusive debocha de quem pensa assim), Mistress America é outro filme que alcança bons momentos do encontro de gerações que proporciona. No caso, de duas bem próximas: Pela história de duas mulheres tornadas irmãs por acaso, o longa relaciona as "distantes" gerações Y e Z de maneira madura e sem preconceitos, mostrando que ambas as partes no fundo tem os mesmos desejos e medos. A entrada na fase adulta torna-se um meio para a jornada de marcar seu nome no mundo, tenha você nascido antes ou depois do advento das novas tecnologias.

Já faz algum tempo que Jaume Collet-Serra vem acertando a mão em filmes pequenos, de puro ludismo e com algum contexto interessante como Sem Escalas, mas é em Noite Sem Fim que o cineasta espanhol mostrou até aqui o seu melhor jogo. É neste filme de gato-e-rato pelas ruas de Nova York que ele tira uma noção de obsolência do líder patriarcal na família contemporânea, ao mesmo tempo que fornece sets de ação bem trabalhados e de imensa agilidade. A figura do homem macho continua a prevalecer  na hora de fazer a proteção de seus entes mais próximos e queridos, porém sem a mesma moral de tempos antigos - e Noite Sem Fim se aproveita bastante disso.

  • Para o Outro Lado

É deveras curioso que um filme sobre morte e luto alcance momentos genuinamente belos, principalmente quando estes parecem fazer uma celebração da vida. Em Para o Outro Lado, o diretor japonês Kiyoshi Kurosawa faz de um road movie fantástico -a história de uma mulher que acompanha o espírito do marido falecido em uma visita aos lugares que ele foi depois de abandoná-la - um conjunto de metáforas belas, que culminam em cenas tocantes como o de uma mãe que ouve a filha morta tocar piano uma última vez ou do contraste de uma casa abandonada com o seu passado tão iluminado pela presença única de um ser humano. A jornada para o litoral do título em inglês (Journey to the Shore) é na verdade uma jornada de libertação, uma que finalmente nos faça libertar das amarras do passado doloroso.

  • O Presente

Em sua estreia na direção de longa-metragens, Joel Edgerton mostra estar em pleno domínio da função com um suspense muito bem trabalhado e ambientado. Das estranhas aparições e presentes de um vizinho a um casal que se mudou recentemente para os subúrbios, O Presente evolui com velocidade para um drama de maternidade e abuso de relações, sem contudo apelar para soluções fáceis ou incoerentes. E Edgerton se beneficia de ter... bom, Joel Edgerton no papel do maníaco, que incorpora com tranquilidade os trejeitos esquisitos necessários.

Se em Casadentro a noção de mãe e filho era tido como algo geracional, em Que Horas Ela Volta? isso é tratado em um espaço de classes. Exemplo claro de schadenfreude, o filme dirigido por Anna Muylaert sabe se utilizar da comédia e do viés social para dar profundidade e emoção à história, situada em um contexto político único na História do país. E não bastasse isso, o longa também se beneficia de uma atuação sensível de Regina Casé, que incorpora com precisão esse delicado equilíbrio do filme entre humor e drama.

Ainda que a elegia com as Torres Gêmeas seja inevitável em A Travessia, a ficcionalização da performance artística empreendida por Philippe Petit entre os prédios sabe muito bem como aproveitar disso para direcioná-la a seus objetivos. O filme dirigido por Robert Zemeckis torna-se então num retrato de uma situação que evidencia o quão poderoso o ser humano pode ser em seu esforço de tornar vivo uma construção de puro aço, usando da arte como um meio interessante a esse propósito.

E para uma pessoa que tem medo de altura como eu, é inegável que o espetáculo proporcionado pela travessia em si, com seus planos de pura acrofobia, gere um bônus de pura angústia e tensão em um terceiro ato bastante eficaz.