Faroeste de horror desconstrói ideais do Velho-Oeste pela violência e comédia.
Por Pedro Strazza.
Em primeira análise, chega a ser curioso que Rastro de Maldade estreie no 2015 do ápice do feminismo e da problematização da real igualdade de gêneros. O filme, que no primeiro ato já admite de maneira indireta a vontade de fazer um faroeste "à moda antiga", refaz a provação de virilidade típica dos clássicos, incluindo clichês como o da donzela em perigo e dos indígenas vilanescos, na trajetória traçada por seus cavaleiros em sua jornada de resgate que em teoria legitimaria sua masculinidade e superioridade perante a natureza.
Mas tais quais os eventos mostrados mais para frente na história, aqui nem tudo é exatamente o que parece.
Escrito e dirigido pelo estreante em longas S. Craig Zahler, a trama acompanha quatro homens de uma cidade localizada na fronteira dos Estados Unidos que saem para salvar a mulher do aleijado fazendeiro Arthur O'Dwyer (Patrick Wilson) de um grupo de índios "trogloditas". Entre eles, além do marido, temos o xerife Franklin Hunt (Kurt Russell), o pistoleiro engomadinho John Brooder (Matthew Fox) e o delegado suplente Chicory (Richard Jenkins), todos silenciosamente buscando tirar da missão uma prova subentendida de sua eficácia no mundo violento ao seu redor - e já muito bem estabelecido na violenta e crua sequência de abertura da obra.
Esta demonstração empreendida pelos quatro homens é desenvolvida por Zahler de forma discreta nas mais de duas horas de duração do filme, em atos pequenos mas bastante evidentes. Da verdadeira via crucis empreendida pelo fazendeiro - claro protagonista central nessa provação, vale acrescentar - em andar quilômetros a pé mesmo sem condições ao aparente desprezo do pistoleiro com relação à mulher ("os homens que se casam são mais fracos"), existe em Rastro de Maldade um viés ultrapassado dos protagonistas em testar o ideal de macho alfa que há dentro deles, cada um com uma motivação diferente e de acordo com seu estereótipo.
Mas o que torna o filme de fato interessante ocorre a partir do momento em que o grupo se aproxima de seu destino, pois apesar de certa maneira realizar essa virilidade de seus personagens ele também não esconde o ridículo da situação. Entra aí o lado de horror da história, que pelas mãos dos velozes índios canibais (representados aqui como verdadeiras forças maléficas da natureza, com seus gritos guturais e animalescos) começa a dar cabo dos ideais de superioridade de cada um, em cenas de puro gore e humilhação. Nesse momento, Zahler também não esconde seu escárnio com os próprios personagens, como comprova o "Vocês são idiotas?!" proferido pela esposa de O'Dwyer, ao saber que o marido aleijado está vindo ao seu resgate, e a progressiva revelação da falta de adequação do envelhecido delegado suplente para a tarefa, interpretado muito bem por Jenkins com discretos e bem pontuados toques de humor.
Embora se demore nessa virada de roteiro e até chegar nele soe como um eficiente porém obsoleto exemplar de gênero, Rastro de Maldade funciona por contestar essa masculinização subentendida do faroeste por meio de uma combinação com o terror de sobrevivência. O fim simbólico de tais convicções, presente no encerramento do filme, vem tanto de maneira honrada quanto última tirada do diretor com a imbecilidade do que retrata, já que a morte honrada não é a mais confortável de todas por somente "vingar os mortos", como um desesperado xerife diz em determinada altura da viagem.