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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Bolão Oscar 2014

Por Pedro Strazza

Chegou o momento da decisão! No próximo domingo (dia 2 de fevereiro), a Academia de Ciências e Artes Cinematográficas premia os seus melhores filmes do ano com o Oscar no Dolby Theatre. E essa 86° da cerimônia promete pegar fogo de tão disputada! Além de termos excelentes longas na disputa, os dois principais concorrentes ao troféu de Melhor Filme saíram empatados do Producer Guild Awards, fato inédito na história do termômetro mais fiel dos Academy Awards.
E como a coisa promete mesmo ter esse nível de competição, O Nerd Contra Ataca realiza pela segunda vez em sua história o Bolão Oscar, um lugar onde especulamos os filmes que irão ganhar nas doze principais (ou pelo menos mais lembradas) categorias da noite, além de indicarmos os azarões e favoritos pessoais. Confira!
PS: Sim, ainda faltam algumas críticas de dois dos indicados a Melhor Filme. Mas não se preocupe, as resenhas de ambos sairão até o domingo da premiação.

Legenda

  • Negrito: O(s) grande(s) favorito(s)
  • (F): O(s) melhor(es) na opinião do Nerd Contra Ataca
  • Itálico: O(s) grande(s) azarão(ões)

Melhor Filme

Como já foi dito na introdução, a disputa está acirradíssima esse ano. Dos nove indicados para o prêmio de Melhor Filme, quatro são, cada um à sua maneira, espetaculares, e dois desses (ufa!) batalham de frente para levar o caneco. Mas entre Gravidade e 12 Anos de Escravidão, é bem provável que o último vença, graças a seu tema mais forte e importante para os dias atuais. Mesmo assim, filmes como Trapaça, Ela e O Lobo de Wall Street ainda possuem algumas chances de vitória, o que não é o caso de Philomena, Capitão Phillips, Clube de Compras Dallas e Nebraska.

Melhor diretor

  • Trapaça - David O. Russell
  • Gravidade - Alfonso Cuarón
  • 12 Anos de Escravidão - Steve McQueen
  • O Lobo de Wall Street - Martin Scorsese (F)
  • Nebraska - Alexander Payne
Se em Melhor Filme Gravidade tem grandes chances de perder, na categoria de direção sua vingança pode ser feita. Afinal, Cuarón ganhou o principal prêmio do Director's Guild Awards, o termômetro mais importante para Melhor Diretor, e isso o fortalece na disputa contra Steve McQueen. É triste, porém, ver que Martin Scorsese mais uma vez sairá de mãos abanando do Oscar, pois O Lobo de Wall Street é uma aula de como se dirigir um filme. Enquanto isso, David O. Russell, o diretor queridinho da Academia, nem sonhando tem chances de receber a estatueta, principalmente com este mediano Trapaça.

Melhor atriz

  • Cate Blanchett - Blue Jasmine (F)
  • Amy Adams - Trapaça
  • Sandra Bullock - Gravidade
  • Judi Dench - Philomena
  • Meryl Streep - Álbum de Família
Em uma categoria que conta novamente com Meryl Streep (que tem chances baixíssimas de vitória), é muito bom ver que a grande favorita é Cate Blanchett. Sua atuação em Blue Jasmine está sensacional, e só por um milagre - auxiliado pela retomada da mídia com a polêmica errônea do diretor Woody Allen ser um pedófilo - pode tirar o caneco dela para por nas mãos de Sandra Bullock ou Amy Adams, ambas também muito merecedoras do Oscar de Melhor Atriz esse ano. Judi Dench, por mais incrível que esteja em Philomena, tem zero chances de levar.

Melhor ator

  • Christian Bale - Trapaça
  • Bruce Dern - Nebraska
  • Leonardo DiCaprio - O Lobo de Wall Street (F)
  • Chiwetel Ejiofor - 12 Anos de Escravidão
  • Matthew McConaughey - Clube de Compras Dallas
A trajetória de Leonardo DiCaprio para finalmente levar o seu Oscar para casa está sendo uma verdadeira Via Crúcis. Com inúmeros papéis de destaque nos últimos anos, o ator foi indicado até hoje (contando com esta) apenas quatro vezes pela Academia, e, justamente no ano em que tem maiores chances de levar o prêmio, a categoria em que disputa nunca esteve tão concorrida. Deixando para fora vários papéis de destaque do último ano (Tom Hanks, Joaquin Phoenix e Oscar Isaac são alguns exemplos), o prêmio de Melhor Ator tem como grandes candidatos o próprio DiCaprio e Matthew McConaughey, com tendência maior para o último - perder muito peso para a atuação conta, e o texano emagreceu trinta quilos. Os outros indicados também tem chances (merecidas) de levar, mas Bruce Dern está bem para trás nas cotações.

Melhor ator coadjuvante

  • Barkhad Abdi - Capitão Phillips
  • Bradley Cooper - Trapaça
  • Michael Fassbender - 12 Anos de Escravidão
  • Jonah Hill - O Lobo de Wall Street (F)
  • Jared Leto - Clube de Compras Dallas
Melhor Ator pode estar bastante disputado, mas em Melhor Ator Coadjuvante o quadro parece bem definido. Com seu papel de um travesti, o ator/cantor Jared Leto dispara com enorme vantagem para faturar a estatueta, e só mesmo um Jonah Hill ou um Fassbender podem sonhar em poder surpreender a todos. Bradley Cooper, por outro lado, corre bem fora da disputa.

Melhor atriz coadjuvante

  • Sally Hawkins - Blue Jasmine
  • Jennifer Lawrence - Trapaça
  • Lupita Nyong'o - 12 Anos de Escravidão (F)
  • Julia Roberts - Álbum de Família
  • June Squibb - Nebraska
Além de ter feito sua estréia como atriz em 12 Anos de Escravidão, Lupita Nyong'o pode também ganhar seu primeiro Oscar nesse domingo, já que sua Patsy é a grande favorita da noite na categoria de Atriz Coadjuvante. Sua principal adversária nessa caminhada acelerada para o sucesso é a queridíssima Jennifer Lawrence, cujas chances estão bastante diminuídas por já ter levado o prêmio de atriz principal no ano passado. Por outro lado, Julia Roberts, June Squibb e Sally Hawkins vão comparecer à cerimônia apenas para apreciar o espetáculo e talvez vislumbrar um lugar de destaque na festa.

Melhor roteiro original

  • Trapaça
  • Blue Jasmine
  • Clube de Compras Dallas
  • Ela (F)
  • Nebraska
Original e belo na medida certa, o longa dirigido e roteirizado por Spike Jonze tem altas chances de alcançar uma vitória no Oscar aqui. Seu roteiro disputa talvez com Clube de Compras Dallas e Trapaça, mas as chances dos concorrentes são pequenas. Agora, é um fato que Blue Jasmine esteja de fora, principalmente depois do escândalo com Woody Allen voltar à mídia.

Melhor roteiro adaptado

  • Antes da Meia-Noite
  • Capitão Phillips
  • Philomena
  • 12 Anos de Escravidão (F)
  • O Lobo de Wall Street (F)
Apesar de Capitão Phillips ter faturado o mesmo prêmio no Writers Guild Awards - maior termômetro para as categorias envolvendo roteiro -, tenho um palpite de que a Academia possa dar a O Lobo de Wall Street a estatueta, querendo não ignorar por completo esse filme bastante elogiado pela crítica. Outro que também se mantém na disputa, mas com menos força, é 12 Anos de Escravidão, cuja pesada história será inclusive incluído no material escolar estadunidense. Philomena segue sem chances de vitória.

Melhor longa de animação

Um dos melhores filmes da Disney nos últimos anos, Frozen - Uma Aventura Congelante é o grande favorito para a categoria de melhor animação. Entretanto, Vidas ao Vento é a última obra de Hayao Miyazaki, e isso pode pesar contra a animação gelada, mesmo que tratando de um tema complicado: a vida do homem que inventou os aviões que bombardearam Pearl Harbor. A animação francesa Enest & Celestine e a estadunidense Os Croods correm por fora.

Melhor canção original

  • "Happy" - Meu Malvado Favorito 2
  • "Let it Go" - Frozen - Uma Aventura Congelante (F)
  • "The Moon Song" - Ela
  • "Ordinary Love" - Mandela
Mais uma categoria concorrida, agora por dois longas bastante opostos. De um lado, a música do U2 para a cinebiografia de Mandela com Idris Elba; do outro, a canção de Idina Menzel para sua Elsa em Frozen - Uma Aventura Congelante. Enquanto isso, as outras duas indicadas permanecem na esperança de roubar a cena na hora H. Mas Happy decididamente tem chances nulas de vitória.

Melhores efeitos visuais

Agora que o outro grande concorrente da categoria ficou de fora (como bem lembrado no nosso Top 7 de filmes esquecidos), o prêmio de Melhores Efeitos Visuais (assim como a maioria dos prêmios técnicos) está no papo para Gravidade. Ainda mais que concorre com outros três blockbusters por esse Oscar - E sim, estamos desconsiderando O Cavaleiro Solitário pela petulância de ter tirado Círculo de Fogo da lista.

Melhor maquiagem e cabelo

  • Clube de Compras Dallas (F)
  • Vovô Sem-Vergonha
  • O Cavaleiro Solitário
Em uma categoria que conta com O Cavaleiro Solitário e Vovô Sem-Vergonha como concorrentes, é muito fácil escolher o grande vencedor. Ou seja, a estatueta de Melhor Maquiagem e Cabelo está praticamente dada para Clube de Compras Dallas.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Crítica: Clube de Compras Dallas

A metamorfose humana em meio ao combate à AIDS

Por Pedro Strazza

Embora seja uma doença bastante divulgada nos dias de hoje, a AIDS teve um começo dos mais preconceituosos. Descoberta no começo dos anos 80, a síndrome da imunodeficiência adquirida inicialmente foi assimilada pelo público como causada pelo homossexualismo, o que gerou (e, infelizmente, ainda gera) um maior sentimento de ojeriza sob essa já discriminada população. E foram-se anos até que o mundo começasse a entender que os gays não eram os culpados da disseminação do vírus HIV.
Ron Woodroof (Matthew McConaughey) era uma dessas pessoas ignorantes sobre esse assunto. Morador do interior do sul dos Estados Unidos, este eletricista redneck preconceituoso, misógino e trapaceiro vivia seus dias na base da bebida, das drogas e do sexo desenfreado até ser diagnosticado, em 1985, com o vírus HIV e receber a notícia de que tem apenas 30 dias de vida. Inicialmente adverso ao diagnóstico, Ron rapidamente toma consciência de sua condição crítica e começa então a buscar opções para melhorar seu quadro clínico - primeiro subornando um enfermeiro para obter o recém-aprovado medicamento AZT, depois indo até o México para encontrar um tratamento alternativo. E é justamente no país vizinho que ele encontrará uma solução para todos os seus problemas, retratado neste Clube de Compras Dallas.
O plano de Woodroof é deveras simples: Comprar os medicamentos contra AIDS não aprovados pelo governo americano, trazê-los para dentro do país e vendê-los aos portadores da síndrome. O problema é que, além de entrar em choque com a lei, ele precisa deixar seus preconceitos de lado para conseguir vender as drogas. Assim, inicia-se no interior de Ron um processo de reformulação de seus valores, que, apesar de não o transformar em um novo homem, fará dele uma pessoa mais tolerante.
O primeiro sinal desta metamorfose já é o contato que ele tem com Rayon (Jared Leto), um travesti também contaminado pelo vírus. Bastante tumultuosa no início, a relação entre os dois aos poucos deixa de ser apenas de negócios para constituir uma amizade das mais improváveis e interessantes, mas não menos importante. A atitude agressiva de Ron ao ver um ex-colega se recusando a cumprimentar Rayon no supermercado, por exemplo, pode ser a princípio pequena, mas já é um grande avanço cultural de sua pessoa que, há alguns meses, tomaria uma posição similar ao do conhecido cheio de preconceitos.
Nesse ponto, a escolha do elenco mostra-se extremamente competente. Enquanto McConaughey mais uma vez se prova um ator de primeiro escalão na Hollywood de hoje ao incorporar todos os trejeitos de Ron com uma profunda alteração corporal (e finalmente deixando de lado a estigma de "protagonista de comédias românticas clichês"), Leto traz simpatia e humor bem dosado a seu Rayon, criando em alguns momentos a sensação de deslocado que a personagem sofre - repare nos ombros claramente masculinos quando ele usa seus vestidos ou nas trocas regulares de peruca. Até Jennifer Garner acerta na sua atuação, compondo uma doutora Eve contida na sua indignação contra a burocracia.
A transformação de Ron como ser humano, porém, começa a sofrer problemas no desfecho da produção. Como mencionado anteriormente, o sulista nunca deixará de fato uma posição preconceituosa e trambiqueira, pois ela é parte das fundações de sua personalidade - sua linguagem, por exemplo, nunca deixa de usar a palavra "viado" na hora de xingar durante o longa todo. Entretanto, a direção de Jean-Marc Vallée procura ao final evidenciar no protagonista uma mudança completa de seu perfil, o que torna todo o procedimento construído no filme um pouco fora do tom da proposta. A crítica social de Clube de Compras Dallas à vagarosa burocracia médica americana no momento de aprovar a comercialização de medicamentos também perde força nesse propósito, sendo esvaziada no momento em que o diretor faz de Ron uma espécie de bastião contra o governo - algo completamente fora da linha de raciocínio estabelecida até ali.
Mas esse encerramento precário não tira da obra sua importância. Contando com atuações maravilhosas de seu elenco, Clube de Compras Dallas promove um importante debate sobre a AIDS sem deixar seu público em meio ao discurso burocrático e cansativo. Além disso, o longa traz em seu interior um estudo de personagem dos mais interessantes sobre um homem que, como o homem no rodeio, ficou em cima do touro que é a vida até onde conseguiu.

Nota: 7/10

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Crítica: 12 Anos de Escravidão

Filme explora escravidão sob nova perspectiva

Por Pedro Strazza

A trajetória do diretor Steve McQueen em longa-metragens é ainda recente, mas bastante prodigiosa. Realizador de curtas até então, McQueen fez sua estréia no mundo dos filmes de longa duração em 2008 com Hunger, que lhe rendeu de cara, entre outros vários troféus, a Caméra d'Or em Cannes, o primeiro do Reino Unido (seu país de origem) na história da premiação. Esse vigor cinematográfico continuou três anos depois com Shame, apesar de não lhe trazer tantos prêmios quanto sua obra anterior - ganhando, porém, várias nomeações a prêmios importantes. Suas duas primeiras obras, entretanto, não conseguiram nem metade do prestígio que seu terceiro trabalho, 12 Anos de Escravidão, alcançou na temporada 2013/2014.
Baseando-se no livro autobiográfico homônimo de 1853, McQueen volta seus olhos para a história da população negra nos tempos da escravidão - momento não só o mais humilhante desse povo, como também da humanidade - pelos olhos de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um homem livre que acabou sendo enganado, afastado de sua família e escravizado por longos doze anos. Nesse período sofrível, Solomon perde tudo (inclusive o nome) e sofre das mais variadas torturas, físicas e psicológicas, dos mais variados senhores, se apegando apenas à esperança de um dia voltar a ver sua mulher e filhos.
A trama de 12 Anos já é sozinha um palco perfeito para que um melodrama óbvio e desinteressante sobre os escravos se inicie, mas a mão de seu diretor transforma o filme num retrato de época emocionalmente pesado das condições opressivas enfrentadas por esse povo. O objetivo de McQueen, entretanto, não é o de apontar quem são os culpados de inventar esse sistema tão deplorável, mas sim de apresentar o lado dos negros e suas dores e perdas no meio desse processo, centrando, claro, na figura de Solomon. O protagonista, inclusive, passa a perceber que não é o único a ser privado de viver, e ele passa a enxergar isso nos seus companheiros de trabalho, como a mãe Eliza (Adepero Oduye) ou a colhedora de algodão Patsey (Lupita Nyong'o, fazendo uma estréia brilhante no mundo cinematográfico) - a primeira é separada de seus próprios filhos, e a segunda, de sua liberdade de amar.
Para criar esse ambiente de aprisionamento e devastação humana, McQueen utiliza de planos quase sempre fechados na hora de filmar seus personagens, evocando no espectador assim a clausura vivida pelo protagonista, e alterna logo em seguida para as belas paisagens da região na qual a história se passa, geralmente visualizando alguma forma de submissão a um homem branco. Esse sentimento só se intensifica nas cenas noturnas, onde as velas são a única referência visual para o público ver mesmo o que acontece - quando um dos escravos é assassinado no navio, por exemplo, só se entende a ação ocorrida no momento em que vemos a faca à luz de uma lanterna. A técnica de McQueen na hora de filmar, por sinal, é um dos pontos fortes de 12 Anos, a exemplo do espetacular plano-sequência de cinco minutos envolvendo as personagens de Chiwetel, Michael Fassbender e de Lupita.
O elenco escolhido pelo diretor é outro diferencial. Recheado de atores conhecidos do grande público, como Brad Pitt, Benedict Cumberbatch, Paul Giamatti e Quvenzhané Wallis, McQueen vai utilizando o seu vasto casting em pequenas e cruciais pontas, conseguindo extrair de cada um o ponto mais forte de sua atuação - A participação de Pitt, por exemplo, é ridiculamente mínima, mas sua performance não deixa de ser muito boa.
Mas se nos coadjuvantes McQueen soube dosar muito bem, com o protagonista e o elenco de apoio principal ele acerta em cheio. Os desempenhos de Ejiofor, Nyong'o e Fassbender são felizes pois não polarizam suas personagens em figuras caricatas de bem ou mal: Enquanto o último constrói ao cruel senhor de terra Edwin Epps uma crença de que o que ele faz é certo, Chiwetel e Lupita trazem em Solomon e Patsy todo o sofrimento causado neles - principalmente ela, cuja dor em ser um objeto de desejo do mestre é sentido a todo momento.
Marcado pelo sentimento da dor e da perda, 12 Anos de Escravidão é um triste relato de uma situação ainda (e infelizmente) atual - o próprio filme sofreu desse mal na Itália. A sofrida história de Solomon Northup não só não pode ser esquecida como deve ser lembrada e refletida pelo público na hora de abordar assuntos como o preconceito, o racismo ou a escravidão em seu cotidiano. E Steve McQueen soube como ninguém trazer esse tema com respeito e sem cair no clichê ou no exagero.

Nota: 10/10

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Crítica: Robocop

Padilha ousa criar novos caminhos para Murphy, mas respeita as fundações do original

Por Pedro Strazza

Hollywood desde sempre tem uma tendência a se repetir pelos remakes. Fonte fácil de lucro, essas famosas refilmagens americanas de clássicos nacionais e internacionais tendem a dividir o gosto do público por causa justamente da oscilação criada na qualidade final desses projetos. O que separa as novas versões de Vingador do Futuro e Carrie - A Estranha das de um Cabo do Medo e Scarface, portanto, é o cuidado e o respeito tomados pela equipe criativa na hora de atualizar a trama do original e/ou inventar novos caminhos para a história. Já justificar estas produções é um outro assunto.

O que nos traz ao polêmico remake de Robocop, o clássico e inovador filme de ação de 1987 de Paul Verhoeven. Dirigido pelo brasileiro José Padilha, o longa teve um duro caminho até sua estréia, sendo imensamente criticado e apedrejado, a cada vídeo e arte divulgada, pelos fãs do original, cuja principal reclamação seria a de que o filme não carregaria o mesmo nível de violência (A refilmagem tem classificação indicativa baixa), intensidade e crítica político-social.

Esse grupo obviamente estava certo, mas não inteiramente. Apesar de não trazer a qualidade e inovação absurdas do longa original, o Robocop de Padilha consegue trazer novas ideias para a história de Alex Murphy (interpretado agora por Joel Kinnaman) sem tirar da obra de Verhoeven suas principais fundações subjetivas e tendo assim seus próprios méritos.

A comparação entre as duas versões já parte do perfil de seus diretores. Ao contrário de Verhoeven, que gosta de analisar em suas produções tanto o lado social quanto político, Padilha prefere em seus filmes focar suas críticas nos altos escalões do poder, mostrando diversos ângulos de uma mesma questão. E assim como em seus dois trabalhos anteriores - os conhecidos Tropa de Elite 1 e 2 - este tópico se repete em seu Robocop: Deixam-se de lado as visões do comportamento do público dessa distopia futurista para acompanharmos, sob várias perspectivas, os debates políticos entre a OmniCorp e o governo sobre o uso de robôs no patrulhamento das ruas dos EUA e do mundo - fato este que cutuca no recente debate do governo americano sobre o uso de drones no país e nos conflitos exteriores.

A partir disso a direção de Padilha começa a se ramificar em várias discussões envolvendo a ética da profissões, cada uma personificada por uma peça do intrincado tabuleiro de xadrez político. Do médico que tenta salvar seu paciente a qualquer custo aos policiais corruptos, passando pelo departamento de marketing oportunista e frio e a mídia manipuladora e extremamente tendenciosa, o filme vai criando a cada momento comparações com o cotidiano urbano atual, mas sem entrar de fato na crítica social. O foco aqui é nos poderosos e suas teias de controle, não na população controlada por estes.

Mas se por um lado essa decisão afeta positivamente na caracterização própria do remake, o olhar político de Padilha acaba esquecendo de desenvolver com melhor cuidado a história de seu protagonista, diminuindo assim sua autonomia e relevância para o contexto subjetivo do filme. Se no original o público se identifica com o detetive Murphy, na nova versão o seu drama de perder praticamente tudo (inclusive o corpo) é esvaziado, e a participação maior de sua família na trama, mesmo curiosa, torna-se irrelevante.

Outro problema perigoso (e oriundo do esvaziamento descrito acima) desse novo Robocop são suas cenas de ação. Mesmo não sendo o foco da produção - de novo, estamos falando aqui de um filme político - e tendo uma filmagem interessante na mão do brasileiro, que usa de câmeras termais e noturnas para realizá-las, falta nos tiroteios uma empolgação maior pelos eventos mostrados ali. Sem isso, tira-se do público a tensão e torcida pelo protagonista, pilares fundamentais para se poder envolver com Alex Murphy. Além disso, essa frieza na ação prejudica o ato final do longa, que além de confuso não causa nenhuma catarse eufórica.

Comparando as versões de Padilha e Verhoeven, a primeira perde força por não trazer ao público um protagonista tão interessante quanto o original. O remake sozinho, porém, promove a discussão de questões bastante importantes em nossa sociedade atual como o longa de 1987 soube muito bem fazer na sua época - e até hoje. O novo Robocop pode não ser o melhor das refilmagens e de fato não é uma obra atemporal, mas com certeza é um trabalho digno de respeito.

Nota: 7/10

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Crítica: Nebraska

Um triste olhar sobre o passado e suas decisões

Por Pedro Strazza

[Esta resenha talvez possua alguns leves spoilers sobre a trama do filme. Nada muito pesado, mas se quiser ver o filme como ele o é talvez seja melhor deixar este texto para depois da sessão.]
A vida não foi feliz para Woody Grant (Bruce Dern). Veterano da guerra da Coreia e dependente pesado do álcool, esse humilde mecânico sempre fez questão de ajudar amigos e família, mesmo que isso o arruinasse financeiramente. E agora que está aposentado, sua passagem pelo planeta não parece mais apresentar quaisquer surpresas e novidades, até o momento em que chega em sua casa uma carta afirmando que ele ganhou um milhão de dólares.
A partir deste momento, a vida de Woody ganha um novo e simples objetivo, e Nebraska, o novo filme do diretor Alexander Payne, se inicia. A carta é claramente uma propaganda e a família do ex-mecânico tenta a todo custo demovê-lo da ideia, mas Woody, teimoso como é, não acredita na verdade dita por seus filhos e esposa e começa a tentar ir a pé de Billings, Montana, até Lincoln, Nebraska, para reclamar o "dinheiro", fracassando a cada nova tentativa. Mas como ele parece não desistir nunca do projeto, seu filho mais novo, David (Will Forte), resolve realizar a viagem com Woody, sossegando-o definitivamente e conseguindo, talvez, passar um tempo com seu pai.
Claramente uma história de descobrimento envolvendo pai e filho, Nebraska consegue ser algo mais em seu roteiro (escrito pelo estreante Bob Nelson) do que um clichê filme melodramático. Com auxílio da fotografia preto e branco e da paisagem bucólica, Payne promove aqui uma jornada auto-reflexiva e melancólica de seus personagens diante das mudanças criadas em suas vidas por uma variável inesperada - nesse caso, o falso enriquecimento para Woody e a viagem até a cidade natal dos pais para David -, característica essa bastante usual de seus filmes. Essas mudanças, entretanto, não são feitas no exterior, mas sim no interior dos protagonistas, que ganham novos olhares sobre as pessoas ao seu redor e sobre si mesmas.
Em Nebraska, esse processo ocorre em duas pessoas: O cada vez mais desgarrado da realidade Woody, que já descrevi no começo; e o pacato e mal-sucedido David, cujo fim do relacionamento, a demência progressiva do pai e a inveja profissional pelo irmão Ross (Bob Odenkirk) o consomem diariamente. Juntos nessa viagem, os dois não terão suas vidas mudadas pelos eventos do filme, mas terão, cada um à sua maneira, uma espécie de acerto de contas com o passado.
A construção de personagens nesse momento é importantíssima, e o trabalho de atuação de Dern e Forte complementa esse processo com vigor. Se o último, oriundo do Saturday Night Live, prova ao público que também sabe fazer drama, Bruce traz a Woody toda a derrota causada na vida, seja na abertura exagerada das pernas no andar ou na própria personalidade avoada e perdida, respondendo a qualquer pergunta com um seco "Quê?".
Mas se o filme tem um lado mais emocional e triste por um ângulo, por outro apresenta momentos cômicos impagáveis (também uma outra marca do diretor), e essa faceta ocorre a partir do momento em que a cidade natal de Woody descobre a sua vitória financeira e começa, obviamente, a tirar uma vantagem disso. É nesse momento, inclusive, que a atuação de June Squibb como Kate Grant aparece com força, usando de todo ácido possível para afastar familiares e falsos amigos do "tesouro" do marido.
Com atuações fortes e roteiro introspectivo, Nebraska possui um interessante desenvolvimento do lado humano de seus personagens extremamente falhos. O passeio final de Woody e David pela cidade natal, onde o primeiro faz uma última despedida daqueles que conviveu e ajudou e o último consegue criar alguma conexão com o pai, representa a consolidação de um ciclo de mudanças em seus interiores, feito dessa vez da mais dolorosa e melancólica forma possível.

Nota: 8/10

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Crítica: Ela

O início e o fim do amor

Por Pedro Strazza

O amor é um dos sentimentos mais interessantes no ser humano. A partir do momento em que nascemos, começamos a nos apegar a qualquer coisa - como uma coberta de um berço ou o toque maternal - em busca, talvez, de algum terreno seguro para podermos nos desenvolver com auto-segurança. O tempo passa, nós crescemos e essa sensação se amplifica, indo dos objetos mais simples aos mais complexos, e o ápice de tudo isso ocorre no momento em que nos apaixonamos pelo outro. Afinal, que outro tipo de relação pode ser mais confusa, atordoante e bela que a desempenhada por duas pessoas? Melhor, existe algo mais poderoso que um relacionamento entre dois homo sapiens (independente do gênero dos dois)?
Para Spike Jonze, essa resposta é relativa, e sua explicação está personificada na figura do anti-social e solitário Theodore (Joaquin Phoenix) em Ela, seu mais novo trabalho. Recém-separado e recém-traumatizado de seu casamento com Catherine (Rooney Mara), o escritor de uma empresa que faz cartas amorosas manuscritas digitalmente resolve instalar em seu computador um inovador sistema operacional que, dotado de personalidade, aprende e evolue conforme conversa com seu usuário. Depois de algumas perguntas, o programa cria para Theodore a curiosa e extrovertida Samantha (Scarlett Johansson), com o qual ele começa a interagir e, pouco tempo depois, se apaixonar.
Esse estranho e complicado relacionamento protagonizado por homem e máquina rapidamente é desenvolvido pelo diretor de forma brilhante. Correndo sérios riscos de levar a trama para um lado mais clichê e, com certeza, mais bobinho e infantil, Jonze resolve criar em Ela três camadas de entendimento na história de Theodore e Samantha, e em momento algum do longa rebaixa qualquer uma destas. Apesar de difícil, esta estratégia logo se prova recompensadora, pois deixa o filme muito mais acessível - pois pode-se analisá-lo de três formas diferentes - e torna a experiência cinematográfica deveras mais profunda.
Dentre essas camadas, a mais perceptível é, obviamente, a evolução do romance entre Samantha e Theodore, cuja veracidade é questionada a todo momento pelos amigos do escritor e, principalmente, pelo próprio casal. Afinal, o amor entre os dois ali é algo real ou apenas ditado por linhas de programação e uma loucura do próprio usuário? Como essa paixão se desenvolve, se não há nenhuma conexão carnal entre os dois? Essa última chega a incomodar tanto o sistema operacional vivida por Johansson - cuja voz marca forte presença no filme, mesmo não aparecendo em nenhum momento - que ela chega a contratar uma atriz para "vivê-la" para o marido, protagonizado uma das (senão a) cenas mais engraçadas, interessantes e importantes do longa.
Mas paralelamente a esse processo, outra história também vai se desenrolando (ou melhor, se encerrando) na vida de Theodore: a superação pessoal de seu duradouro relacionamento anterior com Catherine. Não são poucos os momentos em que o escritor precisa encarar no filme o seu passado com a ex-esposa, mostrado em flashbacks silenciosos e rápidos, para oficializar o divórcio. Mas mesmo quando ambos se encontram fisicamente e assinam os papéis - em outro momento que também merece a atenção total do espectador -, a ideia de que o amor ali acabou não é verdadeiramente aceito por Theodore, mesmo ele afirmando a todo momento de sua consciência desse fim com a justificativa de ter seguido em frente com Samantha.
Para funcionar de fato, essa "dualidade" amorosa vivida por Theodore precisa de uma atuação no mínimo boa, e a escalação de Phoenix para o papel não poderia ter sido melhor. Usando de um bigode e óculos parecidos com uma máscara de criança, o ator personifica a figura inicialmente solitária e melancólica de seu personagem, mas ainda mantém os traços leves exigidos pelo perfil da produção. E apesar de contracenar sozinho fisicamente na grande maioria das cenas, ele não é o único a fazer bom trabalho: O elenco de apoio, principalmente Amy Adams e Rooney Mara, trabalha muito bem nos poucos momentos que são exigidos.
Ela, entretanto, não é apenas um filme intimista. Passado em um futuro não determinado, Jonze retrata uma sociedade que vive se relacionando (e se isolando) com a tecnologia e apenas ela, concretizando assim o conceito da multidão solitária proposto há muito tempo pela sociologia. Até as cartas amorosas, dotadas de um razoável nível de pessoalidade, são escritas por outras pessoas, que chegam a conhecer melhor(!) o casal, seus costumes e gostos pessoais que os próprios. E quando vemos algum tipo de interação social que não entre os personagens - como quando um desesperado Theodore cai na rua e é socorrido por alguns transeuntes quaisquer -, torna-se estranho para o espectador esse maior nível de contato humano. E o pior de tudo não é perceber que essa sociedade não está tão longe da nossa, mas sim que talvez já estejamos vivendo essa cultura da solidão.
Aliando esse lado mais social com um outro mais emocional, Ela é uma experiência poderosíssima e igualmente satisfatória. O direcionamento dado por Jonze, a competência de seu protagonista e a análise realizada neste dão ao filme a característica necessária para atingir o público. E não se engane: Apesar de estar disfarçado de uma comédia romântica, há muito mais a ser visto ali.

Nota: 10/10

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Nova Marvel no Brasil: Janeiro/2014

Por Pedro Strazza


Iniciada ano passado após o fim dos eventos de Vingadores vs. X-Men, a Nova Marvel está finalmente chegando ao Brasil. O projeto é, segundo a Marvel, um bom ponto de partida para o público entrar em seu universo, realizando ao mesmo tempo um recomeço para seus personagens como também uma continuidade de todas as tramas. Assim como nos EUA, a Panini decidiu lançar as revistas aos poucos, soltando novidades a cada mês. Resolvemos, então, analisar cada um dos títulos que estão saindo, decidindo se vale a pena para o novo leitor comprar os títulos oferecidos.
Agora em sua reta final de novos lançamentos, a Nova Marvel apresenta neste penúltimo mês de novidades a reformulação do título X-Men Extra e a estréia dos Jovens Vingadores em Homem de Ferro e Thor, como também os encadernados de Capitã Marvel e Selvagem Wolverine. Entretanto, serão analisados nesse especial apenas as duas primeiras citadas, pois daremos um foco maior nos outros dois títulos com suas respectivas críticas.
Confira então o que há de bom e ruim nas novidades da Nova Marvel deste mês:

X-Men Extra

  • X-Men: Lideradas por Tempestade, o título mais feminino (afinal, só há mulheres nesse grupo) do universo mutante tem um início dos mais parados. Com arte competente de Olivier Coipel e roteiro de Brian Wood, a primeira edição tem muito mais papo e mistério do que algum andamento mesmo, deixando a ação para o número 2. Agora, será que o público vai querer fazer isso? Vale a pena acompanhar?: Fica pra próxima
  • X-Men - Legado: Apesar de apresentar uma arte interessante de Tan Eng Huat, a revista solo de David Haller, filho do falecido Charles Xavier e mais conhecido como Legião, desaponta fortemente no roteiro. A trama elaborada por Simon Spurrier tenta a todo custo equilibrar a realidade do personagem com sua confusa e doida mente, mas só consegue nada mais que tédio no final. Não é à toa que já esteja cancelada, logo. Vale a pena acompanhar?: Não.
  • Fabulosa X-Force: Agora que Wolverine tem que dirigir uma escola da maneira mais respeitável possível, sobrou para Tempestade a tarefa de liderar a X-Force, dissolvida pouco antes da Nova Marvel. Mas com os novos integrantes sendo tão fracos (Fomos de Deadpool à Pigmeu? Sério?) e o capítulo inicial não ter atrativos próprios, uma história não-genérica ou um gancho instigante, acompanhar essa nova face do time torna-se bastante complicado. Principalmente se você pensar que a primeira edição tem um bilhão de referências a fatos ocorridos no passado ou em outras séries. Vale a pena acompanhar? Não se você não for um fanzaço da Tempestade.
  • Deadpool: Depois de encarar uma versão maluca de si mesmo, dispensar uma namorada das mais loucas e querer se matar, Deadpool parece ter finalmente voltado ao "normal" nos quadrinhos, sendo o maluco habitual de sempre em histórias que não ultrapassam o limite da doidera - mas que pelo menos atinjam esse nível. Para você entender melhor, o exemplo: Sob o comando de Gerry Duggan e Brian Posehn nos roteiros, o herói mais tagarela do Universo Marvel enfrenta nesse início de ciclo versões zumbi dos presidentes dos EUA a mando da SHIELD, que precisa de um justiceiro "não tão popular" para fazer o serviço sujo, e com a ajuda de um Ben Franklin fantasma. E por incrível que pareça, isso não cai no ridículo! Vale a pena acompanhar? Sim.
  • Cable e X-Force: A segunda X-Force da Nova Marvel só dá motivos para ser ignorada. Além da arte nada inspirada de Salvador Larroca e da trama que mais parece um epílogo de Vingadores vs. X-Men para Esperança e Cable, o roteiro de Dennis Hopeless emula um ar anos 90 nada agradável e dispensável em sua montagem, com situações confusas e inexplicáveis acontecendo a todo momento. Algo desnecessário, no mínimo. Vale a pena acompanhar? Se você tem bom-senso, não!
Veredito: X-Men Extra é uma revista que realmente faz jus a seu título, pois agrupa em seu mix séries que apenas os maiores fãs dos mutantes terão alguma chance de gostar. Nenhuma dos cinco títulos reunidos aqui tem grande relevância para o universo Marvel ou dos X-Men, e a qualidade dos roteiros e desenhos vai do mediano para baixo. Se você está começando a acompanhar quadrinhos, decididamente fuja dessa revista.

Homem de Ferro e Thor

  • Jovens Vingadores: Apesar de estar nesse mix somente por conta da presença de Kid Loki, essa série merece destaque por outro motivo. Reunindo apenas heróis adolescentes, o título escrito por Kieron Gillen traz sensibilidade no ponto certo para abordar o relacionamento dos homossexuais super-poderosos Wiccano e Hulkling, mas também sabe partir para a porrada no momento certo sem cometer os exageros habituais dos quadrinhos, ilustrados com competência por Jamie McKelvie e Mike Norton. Vale a pena acompanhar? Sim!

Confira também:


terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Crítica: Uma Aventura LEGO

Um filme de criação e maluquices

Por Pedro Strazza

O crescimento da LEGO tem sido algo no mínimo impecável nos últimos anos. Seja no Brasil (onde seus produtos chegaram a parar de ser distribuídos no começo da década de 2000) ou no mundo, os bloquinhos coloridos de montar voltaram a ganhar força junto ao público infantil no final da década passada e foram conseguindo, pouco a pouco, estender seus "bracinhos quadrados" para outras áreas do entretenimento, fazendo particularmente bastante sucesso na área dos videogames - onde encanta a crianças e adultos. E essa expansão está dando, a cada ano que passa, passos cada vez maiores.
Depois de fazer algumas pequenas tentativas na televisão, a empresa resolver aceitar a arriscadíssima empreitada de realizar um filme baseado em sua criação, entregando o comando desse projeto insano nas mãos dos também insanos Phil Lord e Chris Miller, dupla de diretores responsável pelos alucinados e bem-sucedidos Anjos da Lei e Tá Chovendo Hambúrguer. O resultado dessa mistura é o divertidíssimo Uma Aventura LEGO, que consegue ser maluco tanto do ponto de vista técnico quanto criativo.
A loucura do longa já começa no próprio visual. Feito quase que por completo em stop-motion (com o CGI auxiliando no movimento de faces e outras pequenas coisas), a produção utiliza um número absurdo de pecinhas para criar um mundo feito inteiramente de LEGO e diversificado, graças aos inúmeros cenários fornecidos. O mais incrível desse uso, porém, não está na quantidade, mas sim no movimento: tudo no filme está o tempo todo fazendo alguma coisa, seja em destaque ou não, na maioria das cenas, criando assim uma vivacidade ao que está sendo visto ali na tela.
Essa concepção trabalhosa é apenas um pano de fundo para a história do jovem Emmet, um esforçado operário que adora sua rotina estabelecida na cidade comandada pelo Sr. Negócios, que faz questão de manter a ordem e todos felizes. Não é à toa, portanto, que o lugar seja dominado pela felicidade e pela repetição, tendo uma mesma música tocada incessantemente na rádio durante o dia e um programa fazendo sucesso com apenas um episódio, que é exibido todos os dias no mesmo horário.
Seguidor fiel de vários manuais de boa conduta, Emmet tem sua vida virada de cabeça para baixo quando, ao final de mais um dia perfeito, acaba conhecendo Megaestilo, uma peça completamente fora da engrenagem social. Para piorar, ela acredita, assim como outros Mestres Construtores, que ele seja "O escolhido", aquele que irá acabar com o mundo imposto por Sr. Negócios e seus planos de grudar todas as peças do mundo, mencionado em uma profecia do velho e sábio Vitruvius.
A partir dessa trama (que contém uma das reviravoltas mais fascinantes dos últimos tempos), Uma Aventura LEGO começa a trabalhar com o melhor aspecto da dupla de diretores: a diversão. E são vários os momentos onde o público se vê dando risada das situações mostradas, que brincam não só com a cena como também com a maneira como as crianças brincam com os bloquinhos, a exemplo dos objetos utilizados para separar peças ou o arame notavelmente visível, utilizado no intuito de flutuar um fantasma. Ao mesmo tempo, o longa traz inúmeras referências a elementos inventados nos sets lançados ao longo do tempo pela empresa - deixando os eventuais fãs felizes pela aparição da famosa marca Octan ou do astronauta Benny e seu capacete quebrado no lugar de sempre - e usa (e abusa) das inúmeras licenças obtidas, não demorando para aparecer em cena ícones da cultura pop como Batman, Gandalf, Dumbledore, Lincoln, astros da NBA(!) e outros tantos personagens.
Divertido e adoidado na medida certa, Uma Aventura LEGO constitui um dos maiores acertos da LEGO até o momento, pois traz todas as qualidades necessárias para o agrado de todos, além de saber o ponto exato onde deve emocionar seu público na medida certa. E com tantos projetos bem-sucedidos, não custa se perguntar agora sobre qual será o próximo grande passo da empresa na expansão de seu império.

Nota: 9/10

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Crítica: Trapaça

David O. Russell mostra seu lado mais "scorsesiano"

Por Pedro Strazza

É bastante curiosa a semelhança que David O. Russell atingiu com os filmes de Martin Scosese em Trapaça, seu mais novo trabalho. Apesar do diretor já ter exibido essa característica em outros filmes, como nos recentes O Lado Bom da Vida e O Vencedor, é só agora que ele incorpora o estilo de filmagem de seu "ídolo" com maior nitidez. E, curiosamente, no ano em que ambos concorrem para o Oscar de Melhor Filme.

Mais interessante, porém, é a estranha afinidade dos dois longas de comédia em relação ao tema - em diferentes épocas - com uma duração aproximadamente igual (entre 2h30 e 3h). Mas enquanto Scorsese explora a vida sem limites dos corretores criminosos da Bolsa de Valores dos tempos atuais com um pique absurdamente acelerado e calibrado em O Lobo de Wall Street, O. Russell adota em Trapaça um ritmo que não chega a ser nem rápido ou devagar, focando novamente no poder de atuação de seu elenco - outro aspecto inspirado nas obras de Martin - para contar a história da Abscam, operação montada pelo FBI para flagrar congressistas aceitando propinas e ficcionalizada aqui pelo roteirista Eric Warren.

E que elenco, diga-se de passagem. Fazendo uma espécie de "reunião" dos atores de seus dois últimos filmes, o diretor realça sua habilidade em extrair de sua equipe as interpretações mais interessantes dos personagens. Seja na preparação cuidadosa de Irving Rosenfeld (Christian Bale) com seu cabelo ou na dança carnal protagonizada por Sydney Prosser (Amy Adams) e Richie DiMaso (Bradley Cooper) em uma discoteca, a câmera sabe e capta o preciso momento em que cada ator e atriz "explode" em sua performance, aumentando ao mesmo tempo a dramaticidade dessas cenas. Não é à toa portanto que esse seja a segunda produção consecutiva de O. Russell que consegue o feito raro de emplacar indicações em todas as categorias de atuação do Oscar

Os destaques ficam, porém, para Christian Bale e Amy Adams, os protagonistas do filme. Se o "Batman de Christopher Nolan" cria em seu Irving uma figura indecisa mas perigosa (além de modificar mais uma vez seu corpo em prol do papel, agora ganhando uma barriga grotesca), Adams traz o perfeito equilíbrio entre loucura, inteligência e sensualidade para Sydney, tornando-a uma pessoa tão ou mais perigosa que seu parceiro de crimes. Cooper e Jennifer Lawrence (que faz a mulher de Irving, Roselyn) também se fazem visíveis em vários momentos, mas acabam sendo ocultados pelo casal acima - principalmente a última, escalada erroneamente pelo diretor para um papel notavelmente adulto demais para os seus jovens 23 anos, fazendo de seu papel então uma espécie de repetição de sua atuação amalucada e premiada em O Lado Bom da Vida.

A "ambientalização" do filme também é outro ponto bastante positivo. Os figurinos feitos por Michael Wilkinson e o design de produção de Judy Becker criam no longa o clima de exagero que O. Russell procura em seus personagens, cujas preocupações com seus visuais são vitais para o sucesso da operação. Ao mesmo tempo, o cuidado com a imagem faz uma espécie de revival do estilo de cinema hollywoodiano nos anos 70, a exemplo da engraçadíssima cena na entrada de um hotel onde um dos holofotes de repente quebra e esfumaça o local, permitindo que diversos personagens façam aparições triunfais com figurinos "majestosos".

Mas se nesses dois aspectos Trapaça se destaca, no resto o longa perde a força. Com vários plot-twists, a trama perde o fôlego em vários momentos, devido principalmente à precária montagem, que corta o desenvolvimento emocional de inúmeras cenas no momento mais errado. Sem isso, as duas horas e meia de duração e reviravoltas (que ao final são solucionadas como um capítulo deturpado de Scooby-Doo) aos poucos tornam-se cansativas e penosas de se aguentar e acompanhar, além de tirar qualquer ritmo possível da produção.

O próprio roteiro também não ajuda, pois há várias cenas que não contribuem em nada para o andamento da história e só arrancam mais algumas risadas de seu público. Estas em sua maioria são protagonizadas por Roselyn, que serve mais como alívio cômico do que uma engrenagem para a trama - apesar de no final sua figura ser fundamental -, como sua dancinha ao som de Live and Let Die ou o beijo que dá em Sydney no banheiro feminino.

Mesmo que acerte mais uma vez na questão de elenco, como filmá-lo e vesti-lo, O. Russell esquece de criar em Trapaça os elementos fundamentais para que o público consiga acompanhar a história, como ritmo ou edição. Nesse quesito, a comparação com a mais recente obra de seu mestre torna-se ainda mais fundamental, e prova que ele ainda precisa aprender muito com os filmes de Scorsese.

Nota: 6/10