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sábado, 28 de novembro de 2015

Crítica: A Visita

M. Night Shyamalan e found footage encontram a redenção em filme de gênero.

Por Pedro Strazza.

Embora seja um subgênero relativamente novo - sua descoberta aconteceu nos anos 90 com A Bruxa de Blair e está em moda desde o fim dos anos 2000 e o advento da franquia Atividade Paranormal - o terror de filmagens encontradas encontrou com velocidade uma estrutura geral que guiasse com satisfação a maioria de seus exemplares. O acréscimo lento de informações, a caracterização jovem das vítimas, o advento do suspense somente no terceiro ato, a câmera na mão e tantos outros elementos criados por Daniel Myrick e Eduardo Sánchez em 1999 parecem ter sido transformadas em diretrizes para o found footage dos dias de hoje, o que contribui para o inevitável esgotamento de tais obras na forma.

Com o manual tão bem estabelecido e decorado pelo público, chega a ser surpreendente então que um filme que se disponha a executar à risca tais regras como A Visita consiga trazer frescor a este. Escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, cineasta de metodologia rígida, e produzido pela mesma Blumhouse Productions responsável pela retomada do subgênero, o longa se diferencia de tantos outros colegas por encarar o found footage menos como um registro de uma situação aterradora e mais como um jogo de percepções.

Percebe-se isso logo na chegada à estação de trem na Pensilvânia dos irmãos Becca (Olivia DeJonge) e Tyler (Ed Oxenbould), que vão pra lá no intuito de conhecer e visitar os avós (interpretados por Deanna Dunagan e Peter McRobbie) e dar algum espaço para sua mãe (Kathryn Hahn) se divertir. De posse de duas câmeras potentes e a ideia de filmar um documentário para reunir a família há tanto tempo quebrada, as crianças captam tudo com preocupação estética evidente, de forma tanto a atender as exigências do filme que querem fazer de início como, mais tarde, para evidenciar sua suspeita com a fazenda e seus parentes.

Essa progressão do mistério em questão e de quê de João e Maria, no entanto, não é lidada na evolução comum do filmagens encontradas, que em teoria prezaria pelas evidências visuais em prol do terror imediato. Cada ato suspeito é trabalhado por Shyamalan em tom de dúvida, seja no deboche escancarado dos irmãos com o horror e o documentário pelas piadas autorreferentes ou na própria falta de confiança que o espectador cria com os protagonistas na narrativa e sua paranoia crescente, lidada por sua mãe como algo infantil. Aliado ao conflito geracional estabelecido nas bordas, a sugestão, aqui, é a principal ferramenta da produção para tensionar o espectador sem que este o perceba.

Nesse momento é que se vê o quão bom fica a mistura do found footage com a narrativa de Shyamalan. Pois embora ambas sejam rígidas em essência, as duas estruturas encontram na pouca informação e no terceiro ato o ponto de catarse para suas histórias, e juntas trabalham para que tais características sejam executadas como se deve. Assim, enquanto a lógica do diretor é capaz de anular o eventual aborrecimento do subgênero com seus clichês e dá fluidez à trama em suas passagens mais lentas (a exemplo da cena de pega-pega nas fundações da casa), os convencionalismos do cineasta indiano - como a necessidade da reviravolta e do viés de relações humanas em suas obras - são melhor aproveitados aos propósitos do subgênero, que ganha estofo no conteúdo e potência em seus objetivos imediatos.

Tudo isso a serviço, claro, do terror, que em A Visita encontra delicioso ápice em todo o seu terceiro ato pelo peso da virada no roteiro e a proximidade naturalmente proporcionada pela visão em primeira pessoa do espectador. Apesar de desconstruir na risada o horror documental, o filme no fundo entende que sua maior força encontra-se no suspense e na reconstrução deste, atendendo tais medidas sem qualquer vergonha.

E se o viés João e Maria desempenha sua tarefa com considerável soberba, o horror acontece com naturalidade.

Nota: 10/10

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Crítica: Chico - Artista Brasileiro

Chico Buarque ganha filme de muitas reverências e pouca substância.

Por Pedro Strazza.

Existe em Chico - Artista Brasileiro uma certa regularidade no uso de cenas que mostrem o músico e escritor Chico Buarque sentado diante de seu computador, pensativo sobre a obra que está compondo ou escrevendo. Esse tipo de cena, frequentemente utilizado como forma de mostrar sem muito alarde o "gênio em ação", serve aqui para destacar o caráter de ídolo que o artista assume no filme e em sua vida nos dias de hoje, fruto de uma extensa carreira de grandes frutos nos mais diversos campos.

Mostrar Chico tantas vezes em tal posição, entretanto, serve também para ilustrar o tipo de figura que o diretor Miguel Faria Jr. busca fazer de seu retratado. Combinando em uma montagem dinâmica e eficaz imagens de época, entrevistas com o protagonista e números musicais realizados pelos mais variados convidados, o filme quer glorificar o ídolo construído em cima do artista sem levar em conta o homem por trás de todo o processo.

Esta é uma atitude nobre se considerarmos o objeto em análise, mas que prova ser pouco eficaz como documentário. Pois enquanto o longa realiza esse ato de reverência máxima ele também procura fazer pouco de episódios que poriam em perspectiva a humanidade por vezes falha do personagem: sublimam-se casos como a polêmica vitória da canção Sábia no III Festival Internacional da Canção e os motivos que ocasionariam o divórcio com a atriz Marieta Severo (pouco mencionada mesmo tendo sido casada com Chico por quase 40 anos, vale acrescentar), e abre-se espaço para momentos do cantor com a família e sua busca por um suposto irmão alemão, que encontra seu fim ao primeiro sinal de conflito com a figura do músico.

Enquanto isso, Faria Jr. faz a festa com a imagem de Chico. As entrevistas, que dão conta de retratar sua genialidade como compositor, dramaturgo e militante contra a ditadura, procuram tirar do filho do sociólogo Sérgio Buarque de Holanda um herói nacional, um símbolo representado na máxima do subtítulo Artista Brasileiro. E quando o entrevistado tem problemas, eles são "demônios internos" - que, claro, não são explorados ou sequer questionados pelo diretor.

Em determinada altura, Chico admite para a câmera a necessidade de criar uma máscara e ser outra pessoa na hora de entrar no palco e encarar o público de seus shows. É uma atitude que acaba por resumir sem querer o filme e seu engrandecido personagem, junto dos belos espetáculos musicais que reforçam o teor peculiar de "especial de fim de ano Roberto Carlos" da obra. Quem sai ganhando no fim é o próprio Chico Buarque, agora protagonista de um espetáculo dedicado a si mesmo.

Nota: 4/10

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Review: Jessica Jones - 1° Temporada

Heroína conversa sobre abuso nas relações com interesse, mas sofre pela interiorização.

Por Pedro Strazza

Não é preciso muito tempo para perceber a propensão de Jessica Jones ao noir. Das ruas mal-iluminadas à maior presença dos metais na trilha sonora, a série estabelece essa ambientação no mesmo passo que introduz o perfil de sua protagonista, cuja primeira participação na obra consiste de arremessar um de seus clientes pelo vidro da porta de seu escritório/apartamento.

É nesse ritmo que os treze episódios da primeira temporada do seriado comandado por Melissa Rosenberg deixam claro ao espectador que a história a ser contada será direta e sem maiores delongas. Embora nunca a chegue a pedir de fato por tal urgência narrativa, a vida de detetive particular da superpoderosa do título interpretada por Krysten Ritter e sua trama de vingança contra o maléfico manipulador de mentes Kilgrave (David Tennant) se desenrola com velocidade, apostando no valor imediato das situações que apresenta. Acima de tudo, Jessica Jones trabalha na reviravolta, no uso quase constante do abalo inicial.

Só isso pode explicar o uso de ganchos ao final dos episódios e de viradas na trama, que se acumulam desordenadamente ao longo de quase 13 horas. Se no início essas ferramentas criam uma sensação de imprevisibilidade aos eventos mostrados, com o tempo elas acabam por tornar a série cansativa, como se o roteiro desenvolvido por Rosenberg e sua equipe de roteiristas dependesse destas para manter o espectador atento à história.

Essa necessidade de ser impactante de cinco em cinco minutos faz sérios danos à estrutura do seriado, mas não o suficiente para prejudicar a sua temática. Pois enquanto série que se dispõe a analisar as repercussões dos relacionamentos abusivos na sociedade Jessica Jones funciona muito bem: seja nos núcleos coadjuvantes ou na própria dinâmica exercida entre a protagonista, Kilgrave e eventualmente Luke Cage (Mike Colter), o seriado é eficaz em evidenciar o processo de isolamento social que tais relações criam, dando destaque claro às vítimas mais comuns (a mulher, sempre tida como inferior no cruel sistema patriarcal) sem contudo expor estas como únicas a receber tal tratamento, graças ao processo de divórcio da advogada Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss), aqui retratada de forma quase tão vilanesca quanto o principal antagonista. O ápice vem no clímax do 12° episódio, em que o diretor Bill Giehart eleva a presença do púrpura de Kilgrave na paleta de cores e demonstra no jogo visual a insegurança máxima provinda do abuso.

(Ainda sobre a personagem de Moss, é interessante e positivo perceber como sua personagem é a primeira homossexual nas séries da Netflix a não ter essa sua característica um ponto essencial de seu perfil. O fato dela ser lésbica, assim como nos papéis de Susie Abromeit e Robin Weigert, em nenhum momento é tratada com a mesma importância que sua falta de escrúpulos no trabalho, por exemplo.)

Dito isso, é sintomático na série tratar esse problema como algo particular dos indivíduos afetados e, principalmente, de Jessica. Clichê danoso do cinema, esse processo de interiorização comum às personagens femininas vai de encontro à definição de heroísmo da personagem, impedindo-a de se tornar um bastião contra tais estupros. É algo que também repercute nas conexões com universo Marvel que o seriado ora ou outra se vê obrigado a fazer (e que soam artificiais por essência) e na ação, filmada como obrigação e no fundo desnecessária à obra.

Por outro lado, Rosenberg mostra visível dificuldade em alinhar os núcleos coadjuvantes na narrativa quando estes não estão em consonância com a trama principal. É visível na série que personagens como Malcolm (Eka Darville), Trish (Rachael Taylor) e Hogarth se tornam um aborrecimento nos momentos em que não são necessários e precisam trabalhar sozinhos, mesmo seus arcos tendo alguma importância na cadeia dos eventos.

Ancorada também por uma ótima atuação de Tennant, capaz de absorver a personalidade atormentada e vilanesca de seu Kilgrave com toques de humor refinados, Jessica Jones acaba por sofrer do mal do imediatismo e da falta de atenção. Embora crie situações que no calor do momento sejam eficazes, no longo prazo elas não são capazes de dar uma unidade à série e sua temática. É como se Rosenberg e os roteiristas se contentassem com o impacto da cena, incapazes de amarrá-los em uma linha de desenvolvimento única. Resta o choque, puro e simples.

Nota: 5/10

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Crítica: Jogos Vorazes - A Esperança - O Final

Em seu desfecho, série retoma valores originais e paga o preço.

Por Pedro Strazza.

Demorou quatro filmes, mas enfim o teen drama chega à série Jogos Vorazes. Mantido sob controle e acumulado em silêncio durante os três primeiros capítulos, esse elemento quase essencial para qualquer franquia que se preze jovem toma o palco de A Esperança - O Final para si, tornando-se o ator principal da obra mesmo que esta não o queira, a todo custo a disfarçando embaixo de uma história de vingança com viés político.
Os esforços da produção, entretanto, não são suficientes para ocultar do espectador essa sua identidade, que estando livre para agir não hesita em tomar o controle dos eventos mostrados e os usar a seu bel prazer. Presente desde o início, o destino do triângulo amoroso formado pela protagonista Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) e seus pretendentes Gale (Liam Hemsworth) e Peeta (Josh Hutcherson) é o grande tema deste quarto e último capítulo, e se instala com conforto nos mais diferentes momentos do desfecho da saga que sempre o rechaçou.
Mas a maior presença e importância das relações juvenis na trama não é o problema principal do longa dirigido por Francis Lawrence, e sim a dificuldade em oferecer algo que se adeque a estas condições. O tabuleiro político e o jogo de sobrevivência, nos outros filmes tão importantes para a condução da história, entram em curto-circuito aqui por não se adequarem às regras da temática maior, sendo simplificadas ao máximo - na política é o desfecho inadequadamente otimista, no lúdico o pouco aproveitamento de seus poucos momentos de destaque, como bem indica a sequência nos túneis em que retoma-se a confusão visual do primeiro capítulo para (tentar) ilustrar ao espectador o que está acontecendo.
Isso tudo, claro, é feito em prol do romance, cujo protagonismo é encarado pelo longa como uma tarefa indesejável. E a repulsa não é feita à toa: tendo se destacado de tantas outras franquias juvenis por justamente ter posto os dilemas da adolescência em segundo plano, Jogos Vorazes criou ao longo de sua quadrilogia uma reputação invejável de ser a marca mais politizada dentro deste universo de adaptações literárias voltadas ao público jovem. Voltar a esse estado primordial e torná-lo protagonista dos atos, ainda que seja inevitável para a trama (vale lembrar, o triângulo é um dos motores do roteiro desde o filme de 2012), é um simbólico gesto de morte à série, que tão logo descobre essa condição já faz de tudo para suplantá-la por meio do grito, do aumento da conotação política da história.
Elevar tal carga, porém, não é suficiente, e na realidade cria danos ainda maiores para a produção. Embora busque a todo instante alguma identificação com as obras de George Orwell (antes era com 1984, agora com a Revolução dos Bichos e seus porcos de fácil sedução pelo poder), A Esperança - O Final acaba vítima da relativização, em mortes que não são sentidas e injunções políticas que soam risonhas graças a esses seus objetivos mais superficiais. O encerramento idílico, feito para agradar os maiores fãs de Katniss com um fim agridoce, ressalta sem querer o contraste, em um escapismo ao mesmo tempo natural e artificial com a situação gerada.
Os erros, entretanto, não são culpa apenas de fatores internos. A decisão de extender a transposição do último livro a duas partes, realizada por motivos puramente comerciais, torna os equívocos cometidos muito mais transparentes graças ao inevitável arrasto narrativo, cuja demora para dar cabo dos poucos fatos em mãos diluem seu impacto original.
Mas é essa necessidade de querer se levar a sério, de ser "filme de gente grande", que faz Jogos Vorazes encontrar sua perdição. Ao abandonar o evento de matança do título e o consequente lado lúdico de sua história para dar prioridade total à sua significação política (feito ao final de Em Chamas, ainda o melhor momento da série nos cinemas), a saga de Katniss deveria também ter deixado de lado suas obrigações imediatas com o público jovem, o que para esta é uma impossibilidade óbvia do princípio. No fundo, A Esperança - O Final foi uma vítima das circunstâncias, das contradições geradas pela própria franquia e seus voos de Ícaro.

Nota: 4/10

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Crítica: Olmo e a Gaivota

Retrato de gravidez aproveita-se pouco do material à disposição.

Por Pedro Strazza.

É de um ponto de vista mais íntimo que de início se estabelece Olmo e a Gaivota, com uma cena de seu primeiro ato que acompanha a protagonista Olivia Corsini fazendo um teste de gravidez. Ao invés de deixar subentendido a realização do exame, em movimentos de câmera que afastariam o espectador da personagem, a diretora Petra Costa e a codiretora dinamarquesa Lea Glob escancaram ao público o teste, em um plano frontal no qual evidencia o desconforto de Corsini em "fazer xixi no pauzinho".
Esse tipo de "ousadia" narrativa permeia a estrutura do filme, cuja mistura de elementos de documentário com os de ficção (presente também na estreia em longas de Costa, Elena) se constitui como seu atrativo mais imediato. Por essa estrutura inusitada, afinal, que a obra se aproxima de Olivia e seu marido Serge Nicolai, parisienses cuja relação amorosa e profissional (os dois trabalham na mesma companhia teatral) é abalada quando a gravidez dela a impede de trabalhar em uma releitura de uma peça de Tchekov que irá para os Estados Unidos. Presa nove meses em casa por causa da gestação, Corsini começa a entrar em crise.
Daí em diante, o filme se dispõe a acompanhar a longa gravidez da protagonista, se aprofundando nas sensações vividas por esta enquanto a barriga cresce. As suas angústias, na realidade: em quase uma hora e meia, Costa usa da extrema aproximação que proporciona na narrativa entre espectador e personagem para evidenciar no primeiro os dilemas vividos pela segunda oriundos do caráter enclausurador de tal processo.
Nesse ponto, Olmo e a Gaivota funciona bastante bem. Com a câmera quase sempre próxima de Olivia e a combinação entre real e imaginário a seu dispor, o longa realiza um retrato bastante íntimo sobre a relação da mulher com o mundo ao seu redor quando engravida, sem pesar moralismos intrínsecos da sociedade neste processo. A grávida, aqui, despe-se de quaisquer simbolismos para ter seu indivíduo tornado o principal foco da produção, sem o julgamento representativo da ficção ou o registro de segundas intenções do documentário.
A solução encontrada por Costa para driblar tais problemáticas, porém, soa limitada por não encontrar algo que sustente toda a estrutura da obra fora disso. Sem objetivos maiores além de criar o retrato de tal estágio reprodutivo, o filme acaba por se fazer supérfluo, incapaz de arranjar um ângulo que seja capaz de usar da gravidez para alcançar outras ideias. Nota-se bastante isso na maneira como o documentário pouco se utiliza da relação de Olivia com o trabalho ou seu marido, em cenas e diálogos que menos ressaltam essas questões na situação vivida por ela e mais a forma com a qual a diretora filma aquilo, como bem indica a sua interrupção na discussão do casal e a consequente proposta de uma nova encenação para tal.
Assim, embora excelente como relato, Olmo e a Gaivota acaba vazio por não ousar fazer algo a mais da história. Por mais que as intenções de Petra Costa sejam as melhores (e elas se realizem como planejado), falta a ela aproveitar-se do que tem para tirar algo a mais de suas obras - e no processo fazer melhor aproveitamento da narrativa inusitada que propõe.

Nota: 6/10

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Crítica: 007 Contra Spectre

Daniel Craig e Sam Mendes encerram sua passagem por James Bond com um filme de poucos atrativos.

Por Pedro Strazza.

Como música, a canção Writings on the Wall sofre com o problema da indecisão. Construída com toda a estrutura de um épico pelo cantor Sam Smith e seu colega Jimmy Napes, a melodia do tema do 24° capítulo da franquia 007 erra por optar por uma "queda" de escala no refrão, momento onde teoricamente teria de "subir" e mostrar o potencial de sua orquestra, exibindo com grandiosidade a tristeza de seus violinos e o tom sofrido de seu intérprete a quem quer que a esteja ouvindo naquele ponto. E por mais ótima que seja até ali, é visível a decepção do ouvinte nessa hora, como bem prova a recepção negativa que a música recebeu do público em seu lançamento.
Essa decepção em parte evoca também tanto a fase da franquia à qual a canção pertence - e que se encaminha para seu encerramento - quanto ao longa que presta serviço. Protagonizada por Daniel Craig, a quadrilogia de filmes de 007 iniciada por Casino Royale, continuada por Quantum of Solace e Operação Skyfall e encerrada agora por 007 Contra Spectre começou com a tarefa de dar ao espião inglês criado na literatura por Ian Fleming uma origem digna de sua passagem pelas telonas, com direito a arco de formação e passado trágico. Mas quando deveria abandonar a estrutura de tais histórias e assumir o manto do ídolo viril de um grande subgênero (coisa que ele sempre foi e sempre será na sétima arte, pelo menos), o James Bond de Craig apenas recuou, constrangido de desempenhar tal função.
É justamente esse receio que entre outras coisas torna 007 Contra Spectre um filme tão difícil de se encarar a princípio. Continuação direta e espiritual de seu antecessor pelo retorno de Sam Mendes à direção e bastante focado na tarefa de conectar todos os quatro episódios de início de carreira e formação do agente interpretado por Craig, o longa esquece de realizar todos os meandros e retoques escapistas característicos da franquia, e entrega uma obra que além de irregular se torna um aborrecimento constante.
Isso já fica evidente no longo plano-sequência que dá o pontapé inicial ao filme, produzida durante uma parada do Dia dos Mortos no México ensaiada para o longa. Embora seja muitíssimo bem executado e impressione o espectador pela grandiosidade e complexidade, a cena não desperta qualquer sensação fora o do encanto pela dificuldade técnica de realizá-la, soando em muitos momentos fria e distante. É como se Mendes não se interessasse pela questão de gênero cinematográfico, que sempre foi característica das aventuras do agente britânico, e a realizasse de maneira burocrática, confirmando essa tendência depois nas cenas de ação silenciosas e apressadas - até mesmo o capanga de unhas metálicas interpretado por Dave Bautista é subaproveitado, desperdiçando seu potencial em cenas de luta que nunca se aproveitam de fato da figura ameaçadora do ator.
No que o diretor se interessa, então? Em Spectre, ele usa mais uma vez a figura de 007 para situar sua temática de eterno conflito entre o velho e o novo, repetindo quase que na íntegra a discussão proposta em Skyfall. Os vilões mais uma vez usam da "ameaçadora" hiperconectividade para atingir seus planos (dessa vez não explicados), os heróis de novo recorrem a ferramentas antigas para combatê-los, a figura de autoridade máxima outra vez vai a campo, denota-se a distância entre os dois tempos novamente por um relacionamento pregresso entre protagonista e antagonista... a grande diferença em relação ao capítulo anterior é que dessa vez Mendes não usa de Bond como uma representação tão literal do passado glorioso, e nem o desloca a um papel coadjuvante para dar ênfase a M (Ralph Fiennes) - mais uma vez ressaltado pelo cineasta, em seu estranho e surpreendente fascínio pelo comandante do projeto 00.
É na mitologia, porém, que o filme encontra sua perdição. Extremamente interessados na brincadeira de reunir todos os quatro capítulos da fase de Daniel Craig e de reapresentar na franquia a clássica organização criminosa do título, Mendes e os roteiristas John Logan, Neal Purvis, Robert Wade e Jez Butterworth tornam o viés canônico central à narrativa, mas ignoram que esse lado é algo a ser desenvolvido pelas laterais. O resultado é previsível: além de se alongar em diálogos expositivos cansados, o longa busca estabelecer uma ligação entre Bond e o vilão Franz Oberhauser (Christoph Waltz, bastante contido para evitar comparações com seu extrovertido Hans Landa de Bastardos Inglórios) que não gera grandes retornos para a narrativa, em parte por causa de sua falta de inspiração
O que incomoda mesmo neste 24° capítulo é entretanto a dificuldade de se aceitar. Apesar de dar todos os sinais de querer se enveredar pelo James Bond mais clássico, com direito a um humor mais solto e bugigangas mais mágicas de Q (Ben Whishaw), o longa parece também querer repudiar esse lado lúdico de seu personagem, adotando um tom de drama que nada tem a ver com essas histórias. E é esse misto de seriedade com descontração que faz mal à história, chegando a um ápice no clímax que une desajeitado a dramaticidade característica dos últimos capítulos (o conflito psicológico, o passado fantasmagórico) com a mirabolância conhecida dos filmes protagonizados por Roger Moore (a rede, o labirinto de corredores em si).
Assim, entre Bond-girls de mera função condutiva - e em tempos de crescimento das lutas feministas, é chocante ver as personagens de Léa Seydoux e Monica Bellucci ficarem sem qualquer função - e a fotografia de Hoyte Van Hoytema que discretamente cria tentáculos nos cenários, 007 Contra Spectre marca o fim do período de Craig interpretando personagem com todas as características que permearam seus filmes. Sofrido, melancólico e de eterno luto por sua amada Vesper, o agente desta era começou disposto a reinventar um personagem de longo histórico, mas terminou indeciso entre mudar de vez os maneirismos do personagem ou voltar às raízes e fazer o filme de gênero. Acima de tudo, o Bond de Daniel Craig será para sempre lembrado como enrustido.

Nota: 4/10

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Crítica: A Bruxa

Terror de isolamento é enfraquecido por viés religioso em história dominada por 8 ou 80.

Por Pedro Strazza.

A Bruxa começa com um ato de expulsão. Por motivos nunca explicados, a família do religioso William (Ralph Ineson) é obrigada pela comunidade de peregrinos puritanos que integram a sair da cidade, condenados a viverem dos próprios meios na floresta inóspita. O plano que pontua essa introdução é emblemático: o clã e todos os seus pertences em uma carroça, que aos poucos se distancia da câmera e adentra o ameaçador desconhecido representado pelas matas fechadas.

Mesmo curto, esse prólogo consegue explicar muito bem qual o tipo de filme que o longa dirigido e roteirizado pelo estreante Robert Eggers deseja ser. Os tormentos ao qual a família devota será submetida remete diretamente aos terrores de isolamento social popularizados por The Evil Dead. Estão lá a solidão imposta, a natureza hostilizante e o elemento sobrenatural, aqui representado por uma bruxa que vive na floresta e que começa a atormentar o grupo formado pelo pai William, a mãe Katherine (Kate Dickie) e os filhos Caleb (Harvey Scrimshaw), Jonas (Lucas Dawson), Mercy (Ellie Grainger), a mais velha Thomasin (Anya Taylor-Joy) e um bebê, raptado pela criatura logo no início.

A comparação com o filme de Sam Raimi não é à toa. Além de ambos serem trabalhos de início de carreira, A Bruxa é bastante influenciada por The Evil Dead no que consta ao uso da deterioração psicológica de seus personagens para causar o terror. Aliado a uma noção de culpabilidade (nenhum dos integrantes parece ser capaz de assumir os próprios erros), o progressivo enlouquecimento do clã é o principal ator na construção do terror buscado por Eggers, que o realiza em um ritmo lento, eficaz e auxiliado pela trilha de Mark Korven.

O erro de A Bruxa, porém, é na maneira como ele alia isso à religião, em teoria o principal alvo de críticas aqui. Usando como base relatos e depoimentos reais da época, o roteiro e a narrativa elaborada não deixam dúvidas de que o filme culpa a devoção cega de tais cerimonialismos, mas a produção encontra dificuldades em demonstrar esse teor acusativo em simultâneo com a construção de seu horror. A fé, a bem da verdade, é usada apenas como mero conduíte por Eggers, e nunca assume de fato a condução do terror.

E é aí que mora o problema, pois ao não se tornar protagonista real da construção a religião acaba por mais prejudicar que auxiliar. Seja no perfil 8 ou 80 de seus personagens - principalmente na mãe interpretada por Dickie, capaz de lidar com tantas viradas de humor somente pela caricatura - ou nos animais de íris coloridas dos animais "demoníacos", o longa não consegue escapar do exagero em suas figuras por causa do comentário religioso, que dá peso à estrutura e chega a tornar risonhos alguns de seus esforços para aterrorizar.

O que salva A Bruxa de se tornar esse desastre, no fim, é a obsessão estética de seu diretor, que emerso do setor de design de produção encontra na obra bastante espaço para obter uma agressiva fidelidade histórica com as vestimentas da época, e a eterna nuvem de incertezas, esse recurso do gênero pelo qual mergulha-se o espectador na dúvida sobre o que vê acontecer na tela e é mais e mais uma muleta narrativa. Ainda falta pulso a Eggers para adequar o tipo de crítica que quer fazer à sua estrutura de horror, algo que só será corrigido com o tempo e experiência.

Nota: 6/10

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Crítica: Boi Neon

Gabriel Mascaro aposta na imagem para falar do social.

Por Pedro Strazza.

Tornou-se meio que um clichê mal assumido do cinema brasileiro que o Nordeste rural serve ao país como exportador interno de mão-de-obra e recursos para as grandes cidades. Quase sempre retratado como uma terra sem grandes oportunidades e algumas vezes desolada, essa região é considerada por muitos uma base necessária e não reconhecida da economia brasileira, fornecendo os elementos necessários à economia sem contudo pedir algo equivalente em troca.

Esta presunção equivocada é posta em questão em Boi Neon, longa cujos valores são o de justamente evidenciar ao público a existência desta reciprocidade. É de apropriação e combinação que vive afinal o filme escrito e dirigido por Gabriel Mascaro, e nada é mais gritante que cenas como a da construção de um shopping "do futuro" ou a de um homem catando manequins em um lamaçal que serve como lixão. Aqui, o jogo de contrastes é a principal regra a ser seguida.

Na história, acompanhamos Iremar (Juliano Cazarré), homem viril que trabalha no cuidado do gado que serve aos espetáculos de rodeio no interior do Pernambuco. Morando na estrada com Galega (Maeve Jinkings) e a pequena Cacá (Alyne Santana), ele sonha em trabalhar no mercado da moda como grande estilista de roupas femininas, e busca realizar esse sonho do jeito que pode, produzindo vestidos pela coleta de materiais despejados e os desenhando nos corpos das mulheres que protagonizam os ensaios das revistas masculinas.

Já se percebe nesta última atividade do protagonista a apropriação a ser estabelecida por Mascaro na narrativa, e não faltam exemplos para consolidar essa imagem. Representação visual e quase literal do que se chama "homem do campo", Iremar desempenha em Boi Neon uma jornada de tentativa de ascensão social, quase dita impossível pela sociedade ao seu redor apesar de nas aparências ela dar indícios do contrário. E como bem indica o título da obra (que por sua vez desemboca numa cena bastante representativa deste processo), ele encontra na combinação do rural com o urbano a única forma de fazer tal escalada e se tornar o "leite que vira sorvete" tão estranhado por Cacá.

Nesse ponto, a atuação de Cazarré é fundamental para a efetuação desta imagem de tentativa de transformação. Filmado por Mascaro com todo o ar de veneração à sua figura masculinizante ideal, consolidada pela cena do banho coletivo que nas sombras destaca o físico nu do ator, Juliano emprega uma brutalidade animalesca com toques de sensibilidade a seu Iremar, sem deixar este exalar uma sensação de violência ao seu perfil ou de revelar sua sexualidade de maneira explícita. Essa dúvida sobre a orientação sexual do protagonista, inclusive, é conduzida pelo diretor até os últimos instantes, que terminam numa cena de sexo que vem para consolidar essa atitude de apoderamento combinativo de Iremar.

Ainda que acabe preso à necessidade de mostrar os resultados do processo, Boi Neon é eficiente nesse esforço de materializar os efeitos da apropriação do rural sobre o urbano e sua suposta superioridade, em cenas que de maneira simples ilustram a complexidade desta mistura sócio-cultural. Falta levar esse contexto à algum lugar, claro, mas só o imagético da coisa já é suficiente para encantar e questionar.

Nota: 7/10