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sábado, 29 de outubro de 2016

Crítica: O Nascimento de uma Nação

Violência histórica busca contornos de épico negro em filme de pouca catarse.

Por Pedro Strazza.

Está claro desde os primeiros momentos os objetivos de Nate Parker com O Nascimento de uma Nação, filme que retrata a violenta rebelião de escravos ocorrida no estado americano da Virginia em 1831. Não somente porque o título remete ao longa homônimo de D.W. Griffith - fundamental à História do cinema dos EUA mesmo dotado de um racismo protuberante -, a produção já em suas primeiras cenas evidencia as suas aspirações aos épicos mais tradicionais, que busca incorporar à cultura negra estadunidense que ali encontra-se em plena formação.

A referência imediata de Parker aqui curiosamente é com o Êxodo, trama religiosa clássica que prevê irmãos sociais entrando em pé de guerra. Essa dinâmica se forma entre o protagonista e líder da rebelião Nat Turner (Parker) - que tem seu quê de Moisés, com a cultura africana que herda da família e sua figura de escolhido apresentado no início - e seu dono, o jovem fazendeiro Samuel Turner (Armie Hammer), cujas distintas e rápidas ascensões à liderança e suas maneiras de lidar com isso dominam os primeiros dois terços da trama. Para o último, a responsabilidade vem pela necessidade de assumir desde cedo as terras da família por causa da morte súbita do pai, tendo de lidar com todas as pressões da sociedade escravocrata ao qual adentra para manter o nome familiar intacto; para Nat, ela surge pelo papel de pregador dos negros que ganha após ter suas habilidades de leitura descobertas pela mãe de Samuel, Elizabeth (Penelope Ann Miller), e na sua posição de hipocrisia ao ter de suavizar o sofrimento dos escravos aos quais prega.

Enquanto situado nesse molde, O Nascimento de uma Nação funciona para deixar à mostra a tragédia dos tempos de escravidão, um trauma que até os dias de hoje está presente nas relações dos Estados Unidos e do mundo. Precisando se desenvolver em um mundo de injustiças, as lutas próprias de Samuel e principalmente Nat para se manterem íntegros sofre golpes constantes pelos eventos atrozes aos quais são forçados a testemunhar e até realizar, maus tratos a seres humanos cuja única culpa que carregam é a cor de sua pele. E em seu afã de fazer um filme que trate da "real" História dos Estados Unidos, Parker não hesita em retratar a violência, não desviando a câmera nas cenas viscerais do roteiro que ele mesmo escreve.

O diretor, porém, tem dois problemas bastante danosos nessa narrativa. A primeira, mais sutil, é sua dificuldade de relacionar as dores de seu protagonista com a luta social que aos poucos se manifesta: Enquanto o arco percorrido por Nat na trama sugere uma complexidade emocional e raiva interior, os escravos que o cercam parecem existir apenas para aumentar sua fúria contra os brancos escravocratas. Embora o longa trabalhe com coadjuvantes recorrentes, todos os traumas aos quais o personagem é obrigado a testemunhar enquanto padre soam como fruto de um momento imediato, de uma violência que começa e se encerra ali. Quando ele enfim se revolta e lidera a rebelião, a obra mais soa como uma história de vingança que o épico de enfrentamento racial e do "nós contra eles" propriamente dito. O "lute por nós" dito pela esposa Cherry (Aja Naomi King) não poderia representar melhor este processo.

O segundo elemento dissonante - e o mais problemático - é o instante em que o filme tem de deixar de lado o retrato para realizar o ato de violência. Quando é para colocar a mão em armas e proporcionar à obra o veio pulsante da revolta, enfim tornando claro a origem dos conflitos que ele busca tanto mostrar e assumindo o viés de Spartacus da trama (a espada na parede é a referência mais direta possível, nesse sentido), Parker recua. A rebelião de 48 horas no longa parece durar cinco minutos, e a fúria se traduz em cenas que não querem sair do protocolo.

Isso ocorre talvez porque o cineasta queira apenas evidenciar as origens ao invés de partir para a ação ou porque ele no fim se dê melhor com o drama maniqueísta (vale dizer, Jackie Earle Haley ainda sabe como trabalhar papéis detestáveis), mas a verdade é que essa hesitação no clímax priva O Nascimento de uma Nação de uma sensação de catarse primordial. Sem isso, o filme torna-se numa obra de justiça histórica um tanto quanto complacente, incapaz de assumir a raiva que carrega para conceber uma revolta de momento, sem forças para ir além da situação retratada. Uma pena, pois os EUA de hoje precisa mais do que nunca de obras de reflexão histórica sobre o racismo.

Nota: 6/10

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Crítica: Paterson

Elegia aos hábitos do dia-a-dia.

Por Pedro Strazza.

Como todo filme sobre poesia que se preze, Paterson deixa mais claro sua proposta em uma de suas cenas finais. Nela (e sem entrar em muitos detalhes sobre os eventos da trama), após experimentar um momento trágico, o protagonista vivido por Adam Driver vai passear sozinho para clarear as idéias, e depois de muito procurar encontra um lugar para descanso em um banco de frente para a cachoeira que é cartão postal da cidade onde mora. Na composição de um dos planos da cena que ocorre a seguir, vemos o personagem de costas olhando para esse monumento da natureza, que no alto tem uma bandeira dos EUA hasteada e tremulando.

A maneira como o símbolo estadunidense máximo é inserido - de um modo quase no estilo de um confessionário, como se Driver estivesse lamentando suas dores não ditas para a bandeira – revela o quão ligado o longa do diretor Jim Jarmusch está ao cenário do país, o que ajuda a entender a estrutura até então enigmática. Esse mistério surge, porém, não por causa de uma complexidade maior da trama, mas sim pelo que é a aparente vida trivial do protagonista.

Escrito por Jarmusch, o filme acompanha durante uma semana o cotidiano de Paterson (Driver), um motorista de ônibus da cidade de Paterson que tem uma rotina das mais repetitivas: Ele acorda ao lado da esposa Laura (Golshifteh Farahani) às seis e pouco da manhã, toma sucrilhos em um copo de leite, caminha em direção ao trabalho, escreve suas poesias em um caderno secreto antes de começar o dia, dirige o ônibus, entrega o ônibus ao parceiro (que vive a reclamar dos problemas financeiros de casa), volta caminhando para casa, conversa com a mulher, janta, leva o cachorro para seu passeio noturno e termina a noite no bar local. Sua ordem estabelecida, porém, começa aos poucos a ser desfeita nos sete dias que se seguem.

Essa interrupção na rotina é somente um dos muitos traços que Paterson tem em comum com Amantes Eternos, longa anterior do diretor que apesar de tratar de vampiros imortais também tinha na repetição algo a ser enfrentado e a arte como meio de escape à dura realidade do país nos tempos posteriores à crise de 2008. O que há de diferente entre os dois trabalhos é a maneira como essa fuga atua nos personagens: Se os apreciadores de sangue humano de Tilda Swinton e Tom Hiddleston apreciavam a música e a literatura para evitar considerar sobre os rumos históricos, o motorista de ônibus de Driver escreve sua poesia baseando-se no olhar, tirando belas palavras da banalidade de seu pequeno mundo de forma a disfarçar um tempo nublado que se forma no horizonte.

Isso ocorre porque Jarmusch aqui realiza uma espécie de elegia a uma vida mais simples, calcada num american way que presume acima de tudo o bem estar familiar de casa e busca a beleza nas pequenas coisas. Não à toa, existe no longa uma presença constante de duplos que se complementam ou são iguais, dos dois pares de gêmeos presentes na história aos casais que entram em choque para depois se refazerem, passando pelo divertido encontro de Paterson com uma garotinha que também escreve poesia. Mesmo o relacionamento do protagonista com a esposa passa por esse processo, com o deleite do motorista com o ordinário contrapondo a necessidade de Laura em se expressar ou de fazer algo diferente todo dia.

A vida da cidade pacata torna-se então num oásis dentro do caos que se instala nos EUA do pós-crise, cuja inevitabilidade aos poucos se instala. Nesse sentido, as interrupções nos hábitos do protagonista servem para denotar a precariedade do sistema ao qual ele e os outros estão inseridos, formando uma alegoria para as mudanças estruturais do país de tempos recentes. Dos movimentos mais estrondosos (o ônibus quebrado, a grande tragédia mencionada no início do texto) aos mais discretos (o atraso para a caminhada, quando Paterson desperta do sono e não vê a mulher na cama), o filme desfaz o espaço na realidade encontrado pelo personagem principal para suportar o cotidiano.

Tal desfazimento, porém, não impede Paterson de ser um filme inesperadamente otimista. Não apenas pela maneira como retrata a cidade – bem distante da decrepitude da Detroit de Amantes e próxima de um sonho com toques realistas -, Jarmusch faz do longa uma mensagem de esperança para essas mudanças que chegaram, no fim preservando a funcionalidade da rotina e fazendo do futuro uma página em branco que nas palavras do estrangeiro que conversa com Paterson no momento da cachoeira tem “mais potencial que as escritas”. Mesmo ingênua, esta é uma forma agradável de pensar os próximos caminhos e enxergar a arte como canal deste processo.

Nota: 7/10

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Crítica: Martírio

Documentário alcança o ponto de encontro entre cinema e causa social.

Por Pedro Strazza.

Em seu grande hall de injustiças históricas feitas a minorias, o Brasil talvez tenha na figura do índio seu integrante mais antigo. Desde a descoberta do país pelos portugueses, as populações indígenas passam por uma trajetória de extermínio e deslocamento, tendo as cada vez mais reduzidas tribos expulsas de seus territórios para viver em locais nada propícios a tal fim. Tudo em nome de um suposto progresso nacional, que faz questão de deteriorar a imagem do índio e transformá-lo em um mero invasor de terras e incômodo aos grandes e nobres proprietários de terra.

É da necessidade de recontar a História e realizar o retrato contemporâneo desse povo que parte Martírio, novo filme do documentarista e antropólogo Vincent Carelli. Acompanhando o sofrimento passado por índios guarani-kaiowá para recuperar suas terras no Mato Grosso do Sul enquanto simultaneamente refaz o percurso do índio no processo histórico brasileiro, o longa tem como propósito central a ressignificação dessa população dentro do imaginário e da sociedade brasileira.

Carelli tem perfeita compreensão do tema que discute. Documentando a luta dos guarani-kaiowá desde 1988, o cineasta concebe uma narrativa fluida e bastante didática, que dê conta de traçar um panorama dessa população sem perder de vista o lado emocional. É um estudo antropológico desprovido de elitismos, que dá ao espectador o caminho para se envolver com a situação mesmo que não se tenha no filme personagens que sirvam de presença constante em suas quase três horas de duração a não ser a própria equipe de produção.

O panorama, claro, é complexo. Cinema puro de causa social, Martírio tem no quadro histórico uma potência para escancarar os diferentes níveis e processos de marginalização aos quais o índio foi submetido, desde a escravização até as formas de "acolhimento" que o Estado da ditadura e dos governos atuais deram a essas tribos. Os fatos guiam a história sem nunca exatamente assumir um papel de autoridade - como algo dogmático e informativo em seu viés mais burocrático -, mas de forma a proporcionar no público o sentimento de tragédia que domina esse trajeto.

O longa, porém, é esperto de envolver neste relato o lado pessoal, e é aí que a obra alcança seus objetivos. As memórias e experiências de Carelli - que narra o filme - na documentação da luta são um fio condutor ideal para o diretor envolver o público, e como contador de histórias ele tem perfeita noção de como surpreender seu espectador. A produção mantém um ritmo impecável nesse sentido, provocando choques e reviravoltas a todo instante.

Essa combinação de narrativas faz de Martírio um filme envolvente e decididamente de impacto, mas o que Carelli realiza nos últimos minutos potencializa a obra no campo do limite da arte e realidade que no fim é vital ao documentário. Ao conferir aos índios poder sobre a imagem, como um verdadeiro Prometeu a dar o fogo aos homens, Carelli chega enfim ao ponto de intersecção entre retrator e retratado, tornando o cinema social em algo capaz de auxiliar na luta. O controle sobre a História, agora, muda de mãos.

Nota: 9/10

Crítica: Ma' Rosa

Brillante Mendoza escapa do senso comum, mas não chega a reinventar subgênero como gostaria.

Por Pedro Strazza.

Filmes que tratam da temática dos marginalizados, especialmente aqueles ambientados na favela, tem a tendência natural de assumir a causa social como norte, seja pela militância ou por sua faceta mais perversa. É um viés inevitável de qualquer produção do tipo, mas hora ou outra aparece alguma produção disposta a desafiar estes conceitos. Ma' Rosa, novo trabalho do diretor Brillante Mendoza, é um desses filmes.

Escrito por Troy Espiritu, o longa acompanha Rosa (Jaclyn Jose) e Nestor (Julio Diaz), casal que junto dos três filhos toca uma lojinha na região periférica de Manila e, para ajudar a pagar as contas, usa o local como ponto de venda de drogas pesadas. Certa noite, porém, os dois são presos em flagrante pela polícia, que mantendo-os presos na central pedem por um caríssimo suborno para liberá-los. Os filhos, então, passam a correr atrás de recursos que libertem seus pais.

Permeado por personagens tipo conhecidos do subgênero (o traficante, o policial corrupto, o ladrão, o prostituto, etc), a história é desenvolvida por Mendoza como um filme lúdico e que privilegia os espaços como seu campo de atuação. Sinal mais claro disso está na delegacia e na sala onde grande parte da trama se passa, local que o diretor filipino desenvolve uma dinâmica pautada por planos longos e dominado por constantes aproximações de câmera nos elementos que lhe importam no momento. É uma maneira inusitada de criar uma maior tensão nas cenas, que pelas shaky cams fazem o conhecido retrato da sujeira institucional na polícia sem necessariamente criar algum julgamento sobre tal.

Essa medida tira Ma'Rosa do campo do óbvio, mas também não faz muito na hora de dar sustentação a ele. Ao deixar de lado a crítica social, o longa parece ser incapaz de substituir a temática por outra de igual valor, o que por consequência a esvazia de significado. Mendoza até ensaia nos últimos momentos uma união familiar em meio à crise, mas seu filme não escapa de se situar sobre um senso comunitário arredio que domina os personagens e os diversos mundos que habitam mesmo estando em um mesmo ambiente.

Se isso chega a funcionar alguma vez, é porque a dinâmica espacial do diretor é muito bem resolvida, como nas duas cenas que envolvem um personagem fazendo a travessia do fundo até a fachada da delegacia e (principalmente) na situação claustrofóbica que se concebe no palco central da delegacia. O clichê da câmera tremida permanece aqui como um elemento importante para situar o espectador no cenário do marginalizado, mas ganha retoques de um primeiro ato de truque de mágica, disfarçando um experimento de subgênero inesperado de obra que segue todos os moldes deste. Uma pena, então, que a parte final dessa mágica seja um tanto quanto decepcionante.

Nota: 5/10

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Crítica: O Apartamento

Asghar Farhadi repete dramas e renega o que há mais de interessante na narrativa.

Por Pedro Strazza.


É comum no cinema que diretores aproveitem a abertura de seus filmes para transmitir uma espécie de anunciação ao espectador, um gesto inicial que diga a este qual é o seu objetivo com a obra em mãos. No caso de O Apartamento, o iraniano Asghar Farhadi inicia o longa com duas cenas: na primeira, que acompanha os créditos iniciais, um pequeno palco vai sendo iluminado por uma equipe; a segunda, filmada em um plano sequência, acompanha o desespero de moradores de um prédio que no meio da noite são obrigados a saírem de seus apartamentos porque o edifício está quase desabando por causa da construção vizinha.

São dois momentos distintos cuja relação entre si ajuda a delimitar a temática do filme, mas que também provocam posteriormente um sentimento de frustração. Se Farhadi a princípio parece ensaiar um filme de espaços e encenação (e portanto um trabalho mais metalinguístico dentro de seu cinema de dramas contidos) ao apresentar o cenário de uma peça sendo iluminado, essa proposta aos poucos se dissipa e dá lugar a um longa de maiores raízes com a cultura de seu país. Nesse ponto, a sequência do desespero dos moradores dá maiores pistas ao espectador sobre o conteúdo da produção, principalmente quando termina seu longo plano enfocando a escavadeira que do lado de fora é responsável pelos abalos interiores na estrutura do prédio.

São esses mesmos abalos que se sucedem na vida do casal Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) após serem obrigados a saírem de seu lar no antigo edifício, indo viver em um pequeno flat enquanto não encontram lugar melhor para ficar. Certa noite, o apartamento é invadido e Rana é encontrada desacordada e com machucados no rosto pelos vizinhos, que assumem que o responsável por tais atos tenham algo a ver com a antiga moradora, considerada por todos como promíscua. Extremamente incomodado com o mistério do invasor e da antiga inquilina, Emad parte então em busca de respostas.

O roteiro de Farhadi trabalha aqui com noções de público e privado dentro de um contexto de drama de relações, aproveitando-se disso para problematizar a contenção cultural característica do Irã. Esse viés do roteiro fica evidente nas situações que demonstram o trauma do casal em se tornar o centro das atenções por causa da invasão domiciliar, seja no colégio onde Emad leciona literatura para um grupo de garotos ou na peça em que eles atuam. Escancarar a vida pessoal do próximo, aqui, é um ato de impacto, capaz de destruir uma pessoa pela mera revelação de um fato de sua vida.

O que o diretor talvez não perceba, porém, é o quanto de sua estrutura acaba pro se tornar em gordura por causa dessa decisão, limitando a obra a ser pautada apenas sobre tais situações. O ambiente do teatro é o que melhor escancara essa problemática, ao fornecer ao longa uma dinâmica de espaços (com os dois apartamentos e mesmo a sala de aula) que nunca chega a ser explorada pelo roteiro, mas não é o único. Farhadi enfoca tanto a questão da importância do privado em suas relações que depois mostra dificuldades em estabelecer a delicada situação entre os dois protagonistas, somente insinuada em momentos pontuais.

Essa dificuldade aos poucos se acumula na narrativa e é a grande responsável por tornar arrastado o clímax do filme, justo o momento em que os longas de Farhadi explodem para revelar a precariedade das relações entre seus personagens. Já a verdadeira presepada que se sucede no fim de O Apartamento vem para revelar a precariedade de sua própria estrutura, que de tão comprometida com seu fim acaba por relegar o resto ao fundo de cena.

Nota: 4/10

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

ESPECIAL: 40° Mostra de São Paulo

Entre os dias 20 de outubro e 2 de novembro é realizado na capital paulista a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, tradicional festival de cinema que este ano traz 322 filmes a salas espalhadas pela cidade.

Além do foco polonês, a edição deste ano faz uma homenagem ao cineasta italiano Marco Bellocchio - autor do pôster da 40° Mostra - e conta com retrospectivas de diretores consagrados, como Andrzej Wajda, Jim Jarmusch e Willian Friedkin.

A 40° Mostra de São Paulo terá cobertura do O Nerd Contra Ataca, cujas críticas e especiais você confere na lista abaixo. Bons filmes!

Outras coberturas da Mostra

domingo, 23 de outubro de 2016

Crítica: Invasão Zumbi

Combinação de adrenalina e George A. Romero, terror é cartunesco e claustrofóbico em seus melhores momentos.

Por Pedro Strazza.

Chega a ser um pouco transparente demais as influências que o sul-coreano Yeon Sang-ho teve ao conceber Invasão Zumbi, terror que estreou no Festival de Cannes e que vem ganhando atenção especial do público desde então. Cineasta emerso da animação, o diretor e roteirista adota como norte para o longa principalmente o ritmo frenético, ponto característico de sua área de experiência, e o flerte constante com a obra de George A. Romero, pai do gênero ao qual ele agora busca se encaixar.

São duas máximas que logo se convertem em convenções no longa, que segue um grupo de passageiros de um trem em busca de uma escapatória do apocalipse zumbi que acaba de estourar. Para isso, eles precisam chegar à estação da cidade de Busan, local onde em teoria há uma das últimas zonas de segurança contra a infecção de causas desconhecidas. O caminho até lá, porém, não será dos mais fáceis, e é nesse cenário que Sang-ho aproveita para trabalhar seus sets de ação desesperadores e da mais pura pretensão lúdica.

Nesse sentido, Invasão Zumbi é ao mesmo tempo um filme bastante honesto e recompensador no que faz. Com personagens estereotipados e uma alegoria social adequada à realidade coreana em mãos, a produção sabe se valer do ambiente claustrofóbico do trem onde a maioria da história se passa para imprimir tensão, ainda mais com uma dinâmica tão corrida e dotada de uma fisicalidade rara ao gênero hoje - os personagens não exatamente possuem muitos recursos além dos próprios punhos para se defender dos zumbis atléticos que os perseguem. O uso disso para criar imagens que remetem à questão do crescimento desenfreado da população no país ajuda a tornar tudo isso ainda mais único, diferenciando a obras de tantas outras no tema.

Mas em meio a essa habilidade em lidar com uma narrativa mais dinâmica o diretor talvez acabe por se apoiar demais nos próprios referenciais, o que não só leva o longa ao campo do óbvio como também o transforma num trem sem freio e desgovernado. Prova disso é o terceiro ato do filme, que longe das situações contidas oferecidas anteriormente usa demais dos clichês para resolver os arcos dos personagens em caráter quase sequencial, envolvendo questões de sacrifício e sobrevivência que parecem funcionar apenas no sentido de retardar o "frenetismo" da produção. Nesse momento, Sang-ho confunde o flerte com cópia, e assume um conjunto de resoluções que já foi levado à exaustão no cinema de Romero.

No fim, o que faz de Invasão Zumbi um trabalho tão divertido é essa mistura de uma ação mais cartunesca e típica da produção sul-coreana - os zumbis quase dançam break dance em suas poses e tremeliques - com a alegoria social típica do gênero, que preza por uma mensagem forte sem perder de vista o entretenimento. O exercício de conciliação dessas duas partes parece ser suficiente a Sang-ho, que no resto não pode fazer muito mais além de injetar adrenalina.

Nota: 6/10

Crítica: A Criada

Diretor de Oldboy faz mais uma obra de perversidade, agora de significações mais complexas.

Por Pedro Strazza.

De início, A Criada é um filme que ensaia combinar temas complexos. O novo trabalho de Park Chan-wook situa-se, afinal, na Coréia dos tempos de ocupação japonesa, um cenário histórico por si só de amplas possibilidades, e sua trama de romance entre duas mulheres tende a ocupar esse espaço político de rivalidade com naturalidade. Mas como qualquer obra de Chan-wook que se preze, essa estrutura esconde algo que vai muito além das aparências.

Baseado no livro homônimo de Sarah Waters, o longa acompanha a história de Sook-Hee (Tae Ri Kim), uma experiente e pobre vigarista coreana que é enviada por seu superior (Ha Jung-woo) para ser criada de Lady Hideko (Kim Min-hee), herdeira de uma grande riqueza. O plano é simples: criando intimidade com sua senhora, ela facilitaria os planos do golpista - disfarçado sob o nome de Conde Fujiwara - de dar o golpe do baú na mulher, casando-se com ela para depois trancá-la no hospício e ficar com o dinheiro. Sook-he, porém, começa a se apaixonar por Hideko, simpatizando com sua tristeza por estar isolada da sociedade pelo tio (Jo Jin-woong), que também planeja se casar com ela por motivos financeiros.

A partir deste ponto não vale a pena entrar em maiores detalhes da trama, até porque o filme se faz bastante em cima das sucessivas reviravoltas que produz. O que pode ser dito é que Chan-wook realiza aqui mais uma obra de intenções lúdicas, que se estrutura em cima de uma dinâmica repleta de perversidades sexuais e constantemente brinca com flashbacks e noções de duplos - no primeiro ato isso fica menos evidente, mas está presente no viés de O Príncipe e o Mendigo lésbico da amizade entre Sook-Hee e Hideko - para desestabilizar o público.

O ambiente é bastante propício ao diretor, cujo cinema já é conhecido por obras que tem no choque seu principal chamariz, mas A Criada acaba por sofrer abalos justo nisso que é seu ponto mais forte. Preocupado em traduzir para a tela a sua complexa rede de intrigas e traições, o longa não dá conta de manter em foco as temáticas manifestadas nas relações de dominação (seja sexual ou política) dos personagens, o que esvazia a trama de um impacto simbólico e a torna refém de suas viradas. A preocupação em não deixar ponto sem nó é tão grande que no fim ele se dedica somente a isso.

Não que A Criada se faça como um filme efetivamente vazio, de puro ludismo disfarçado de falsos significados; Chan-wook sabe manter o básico da coerência das questões propostas, até porque elas estão inseridas em seu jogo de perversidades e potencializam sua proposta - a relação das duas protagonistas, por exemplo, não deixa de emular a situação política da época nos momentos mais, vamos dizer, intensos. A dúvida é se a produção tem consciência do desenvolvimento natural dessa mecânica no roteiro (e portanto se deixar guiar por ela como forma de aumentar o impacto) ou se ela a possui como mero acessório de luxo.

Nota: 7/10

sábado, 22 de outubro de 2016

Crítica: Jovens, Loucos e Mais Rebeldes

Richard Linklater aborda figuras do passado em retrato de parte de uma geração.

Por Pedro Strazza.

“É tudo muito tribal, cara” diz Finnegan (Glen Powell) para o protagonista Jake (Blake Jenner) no desenrolar de uma das situações iniciais de Jovens, Loucos e Mais Rebeldes. Ele faz esse comentário logo depois do grupo de atletas ao qual ambos estão inseridos ser expulso de uma boate disco por causa de uma bobagem: um dos integrantes, mais esquentado, brigou com o bartender por qualquer questão tola envolvendo a veracidade de sua masculinidade.

A observação dita por Finnegan pode soar um tanto rasa a princípio, mas como outras linhas de diálogos pescadas das conversas travadas por outros integrantes do grupo ao longo da história ela ajuda a esclarecer o objetivo que o diretor e roteirista Richard Linklater busca alcançar com o filme. A dúvida, afinal, não poderia ser mais sincera: o que diabos o cineasta busca tirar do cotidiano de um grupo de jocks (o estereótipo estadunidense do atleta) nos últimos dias de suas férias?

O retrato geracional talvez seja a melhor resposta para a pergunta, mas não é exatamente capaz de englobar a totalidade do significado que Linklater busca promover no longa. Jovens, Loucos e Mais Rebeldes é um filme que de fato se aproxima em muitos momentos de outros trabalhos do gênero do diretor (como Boyhood e, claro, Jovens, Loucos e Rebeldes) por conta da maneira como ele situa a sua história em um tempo e espaço específico por meio de canções e elementos de cena - no caso, os Estados Unidos do fim dos anos 70, que começa a superar os traumas da Guerra do Vietnã e assume a rebeldia pelo viés anárquico, a exemplo do punk. Ele, porém, também se distancia deste quadro pelo próprio perfil de seu grupo de protagonistas, que transitam pelos mais distintos ambientes com toda a inadequação de quem definitivamente não pertence a estes.

“Somos camaleões” afirma Finnegan em outro momento do filme, quando confrontado por Jake sobre eles não terem lugar dentro do show de rock onde estão. O espetáculo, que conta com um bate-cabeça ao som da versão punk do tema da série Gilligan’s Island, é uma das quatro festas que o grupo participa nos três dias anteriores ao início de suas aulas que reforçam esse sentimento de deslocamento proporcionado de forma sutil por Linklater, sensação que já é introduzida no início quando o grupo é rechaçado por duas garotas depois de duas tentativas bastante distintas de “aproximação”.

É algo que ocorre justamente pelo fato deste retrato geracional não se tratar de um pressuposto para que o cineasta faça sua análise de um momento histórico, mas sim de um tipo histórico dentro do cinema estadunidense. Jovens, Loucos e Mais Rebeldes tem aqui a pretensão de entender a figura do jock como algo além das caracterizações clássicas de herói ou vilão, perfis que não só acentuaram sua queda como ideário dentro do universo universitário mas também tornaram esse personagem clássico em um elemento já ultrapassado. Não é à toa que na contemporaneidade existam tantas produções dispostas a reinventar e brincar com o atleta e seu perfil musculoso e “burro”, e Linklater é esperto o suficiente para driblar esse lugar comum e abordar essas figuras de maneira mais tradicional.

O diretor aqui volta a trabalhar esse tipo como algo relacionável, humanizando as relações de superficialidade e ritualísticas que compõem essa cultura afim de entender seu funcionamento. O cotidiano de competições, pegadinhas e festas do grupo formado por Jake, Finnegan, Roper (Ryan Guzman), Jay (Juston Street), McReynolds (Tyler Hoechlin), Willoughby (Wyatt Russell), Plummer (Temple Baker), Dale (J. Quinton Johnson), Beuter (Will Brittain), Nesbit (Austin Amelio), Brumley (Tanner Kalina) e Coma (Forrest Vickery) serve a Linklater como uma forma de constatar a temporalidade do jock no cenário histórico, algo que fica claro não apenas pelo destino de Willoughby mas também no fato do grupo estar unido por ser um time de baseball, o esporte que tem um dos públicos mais envelhecidos e em plena queda nos EUA de hoje.

Linklater, porém, não busca a redenção ou mesmo consagração dessa figura como ideário de um tempo passado, a exemplo de Boyhood adotando a nostalgia como linha narrativa central. Ele inclusive procura brincar com os pontos característicos desses personagens, levando a limites fatores como competitividade e o culto ao corpo (as cenas que mostram o grupo se aprontando para as festas são hilárias) como forma de manter as coisas sempre balanceadas entre comédia de costumes e de tipos. Tem um quê de desconstrução, mas isso é feito apenas para esclarecer sua temporalidade quando confrontada com as mudanças histórias provindas do fim da década, tornando o deslocamento ainda mais evidente.


Esse processo de desfalecimento do jock, entretanto, não poderia ser mais respeitoso, se envolvendo com suas ações sem qualquer noção de julgamento. É uma forma singela de não só tornar a produção condizente com o universo que retrata, mas também de capturar a efemeridade da juventude em todo seu esplendor. Os atletas de Linklater não poderiam estar mais ultrapassados, mas sua rotina de diversão e descompromisso os impelem a um caráter atemporal que transcende a metáfora do sofrimento de Sísifo e os "condena" a uma eternidade repleta de álcool e sexo em um passado já consumado pela sociedade.

Nota: 9/10

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Crítica: O Ignorante

Por meio de retrato do fim, Vecchiali faz um de seus trabalhos mais acessíveis.

Por Pedro Strazza.

Cineasta que tem dado maior foco a mise-en-scenè de seus filmes desde que voltou a trabalhar com maior frequência, o francês Paul Vecchiali concebeu em seus últimos trabalhos um paradoxo inusitado dentro dessa questão. Prezando pela esfera sentimental que caracteriza sua obra, seus longas possuem uma diagramação de cena e enquadramento simples, mas são complexos naquilo que buscam passar ao espectador. O Ignorante, seu novo trabalho, não foge a essa regra.

Escrito e protagonizado pelo diretor, o filme segue Rodolphe, dono de uma empresa que tem uma vida reclusa até o dia que seu filho, Laurent (Pascal Cervo), volta para casa. Com um relacionamento difícil, os dois passam a compartilhar mágoas e receios dentro da moradia: o primeiro, atormentado pelas lembranças de uma mulher chamada Marguerite (Catherine Deneuve), começa a receber a visita dos diversos amores de sua vida; o segundo, perdido e sem rumo, busca encontrar um sentido ao que quer que vá fazer no futuro.

Como nos filmes anteriores, Vecchiali volta a manter como prioridade a encenação do que escreve, buscando criar uma dialética simples que proporcione grande impacto a seu público. Diretor que nunca deixa de incluir dança e música (cujas letras dessa vez ele mesmo compõe) em suas obras, ele procura aqui simplificar ainda mais a movimentação de personagens dentro de seu cenário estático, resumindo momentos mais emocionais em gestos pequenos e simultaneamente singelos. Essa dinâmica, ao qual evita o exagero provocado pela explosão mas não a nega em última instância - são momentos de fúria bastante controlados, de novo por causa do foco em cima da encenação -, torna o longa mais acessível a quem não está habituado aos trabalhos do cineasta: os planos fechados podem confundir a princípio, porém com o tempo revelam por seu caráter direto uma gama de sentimentos que atinge qualquer um.

Isso ocorre também porque a temática abordada por O Ignorante não é estranha ou complexa como a de É o Amor, longa anterior do cineasta. Flertando muitas vezes com um tom autobiográfico - mas nunca o assumindo de fato -, o diretor realiza um clássico filme de arrependimento, que explora reminiscências de conflitos não resolvidos - o pai e filho, as relações com mulheres e a própria morte - para fazer um retrato melancólico e ao mesmo tempo belo do fim da existência.

Para a sorte do espectador, tal retrato não necessariamente chega às vias do depressivo, graças tanto à característica contenção do diretor quanto de seu bom humor. Por mais sério que se faça na mise-en-scène, Vecchiali não deixa de usar a atuação (sua ou do elenco) em seu viés mais físico e cômico, com piadas que envolvem desde sonambulismo até Tintim. Os diálogos de seu roteiro e a montagem também possuem esse lado de humor, ainda que no fundo brinquem com os mesmos temas de outros trabalhos do cineasta - e ainda que funcionem, elementos como a questão da homossexualidade de alguns personagens e as elipses inusitadas aos poucos se tornam elementos batidos de seu cinema.

Essa talvez seja a maior força de seus filmes, incluindo este O Ignorante. Vecchiali consegue transitar entre o drama e à comédia sem nunca se trair, muito porque suas encenações nunca adotam um tom cínico ou de ironia auto desconstrutiva. Há quem diga que isso leve o longa ao caminho tolo da ingenuidade, mas é justo esta que proporciona a ele um melhor contato com seu tão querido lado sentimental.

Nota: 8/10

Crítica: O Plano de Maggie

Rebecca Miller realiza exercício de combinação em comédia que prioriza o mais fácil.

Por Pedro Strazza.

Desde que estreou no festival de Toronto do ano passado, O Plano de Maggie vem acumulando comparações da crítica com os filmes de Woody Allen, seja na forma de elogios ou críticas. É verdade que o longa de Rebecca Miller não hesita em copiar os moldes consagrados pelo diretor nova iorquino, preservando no processo (de alguma maneira) suas discussões sobre a veracidade da magia do amor, mas a cineasta não deixa de adicionar elementos próprios à fórmula.

O filme conta a história de Maggie (Greta Gerwig), uma professora de uma universidade de design que quer se tornar uma mãe solteira. Para isso, ela resolve fazer uma inseminação artificial por conta própria, usando o esperma cedido por um empreendedor de picles local (Travis Fimmel) que ela não deseja. Sua ideia, porém, é abandonada quando ela conhece e se apaixona por  John (Ethan Hawke), um antropólogo casado com outra antropóloga (Julianne Moore), pai de dois filhos e que tem uma vida infeliz.

Miller alia aqui as comédias de tipos clássicas de Allen com as do gênero screwball que caracterizam uma porção da produção independente dos Estados Unidos, e no geral não sai muito desse esquema. É uma decisão correta, ainda que preguiçosa como o longa bem comprova em alguns momentos:  se o segundo subgênero gera uma zona de conforto à cineasta e seu elenco - com Gerwig, Hawke e os coadjuvantes Bill Hader e Maya Rudolph bastante à vontade para repetir seus papéis de sempre, enquanto Moore se diverte como a mulher divorciada e ressentida – o primeiro é um território onde a diretora e roteirista pode experimentar algumas novas ideias sem arriscar a estrutura geral da obra, injetando no filme uma problematização de uma temática conhecida ao público.

E qual temática seria essa? Essa é uma questão que Miller aos poucos revela em seu longa, que no fundo se faz em uma história em dois atos (a repetição da cena do jantar, mesmo que rápida, é fundamental para entender isso) e preza por enxergar uma rotatividade nas relações amorosas. É para isso dar certo que Miller realiza esse exercício de combinação de gêneros, misturando os trejeitos e manias imutáveis dos personagens tipificados com a escalada de confusão ao qual o screwball se define como tal.

De certa forma, isso acaba por funcionar muito bem ao Plano de Maggie, que com isso ganha um fio condutor mínimo. O filme talvez se perca demais nas complicações que realiza na trama e aos seus personagens (há uns bons vinte minutos ali no meio que são improdutivos) e no fim ele pode soar um pouco sem ponto, mas seu esforço de ressignificação do gênero - e mesmo de questionamento do amor como fim - oferece um charme inegável à produção, ainda que bem disfarçado na estética mecânica de um trabalho de Woody Allen.

Nota: 6/10

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

20 filmes para se ver na 40° Mostra SP

Conheça alguns dos mais de 300 filmes que compõem o mais tradicional festival de cinema de São Paulo.

Por Pedro Strazza.

Começa na próxima quinta (20) a 40° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, tradicional festival de cinema que ocorre em vários locais da capital paulista. Com 322 filmes, o evento acontece até o dia 2 de novembro em várias salas espalhadas pela cidade, incluindo regiões centrais e periféricas.

Com tantos filmes interessantes passando ao mesmo tempo e em poucas sessões, talvez fique difícil para quem não acompanha o circuito escolher algo dentro da programação da Mostra. É pensando nisso que selecionamos abaixo vinte programas que com certeza estarão em destaque nas próximas duas semanas, incluindo tanto obras que esse ano saíram vencedoras dos festivais de cinema mais importantes quanto retrospectivas que valem a pena serem acompanhadas. Confira:

  • Retrospectiva Andrzej Wajda

Principal nome do Foco Polônia proposto pela curadoria da Mostra este ano, Andrzej Wajda foi um dos diretores que melhor retratou as transformações sociais do país no século 20, do fim da Segunda Guerra Mundial até o fim do comunismo. Dono de uma carreira prolífica, ele terá dezessete de seus filmes exibidos no festival, além de receber uma homenagem póstuma - Wajda morreu no último dia 9, somente um dia depois do evento divulgar sua lista de filmes e retrospectivas.

  • Animais Noturnos

Vencedor do Grande Prêmio do Júri no último Festival de Veneza e com passagem pelo Festival de Toronto, o segundo filme do famoso estilista Tom Ford tem ganhado vários elogios por causa de seu elenco estrelado, que conta com nomes como Amy Adams, Jake Gyllenhall, Michael Shannon e Aaron Taylor-Johnson. A trama, adaptação de um livro de Austin Wright, trata de uma mulher (Adams) que é assombrada por um romance dedicado a ela pelo ex-marido (Gyllenhaal).

Dias de exibição: 25/10 (21h55, Espaço Itaú Frei Caneca), 27/10 (18h, Cinesala), 29/10 (21h50, Espaço Itáu Augusta) e 1/11 (21h30, Cinemark Cidade São Paulo).

  • O Apartamento

Mais novo trabalho do cultuado cineasta iraniano Asghar Farhadi - bastante conhecido aqui por A Separação, longa vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2012 -, O Apartamento saiu do Festival de Cannes desse ano vitorioso com o prêmio de Melhor Roteiro, dado por seu desenvolvimento da história de um casal que começa a passar por dificuldades após ser obrigado a sair de casa.

Dias de exibição: 20/10 (19h30, Espaço Itaú Frei Caneca), 21/10 (17h50, Cinesesc), 22/10 (19h50, Cinearte), 24/10 (21h30, Cinemark Cidade São Paulo) e 30/10 (19h50, Cinesala).

  • Cameraperson

Filme que tem faturado prêmios em festivais ao redor do mundo e chamado a atenção da crítica e do público, Cameraperson marca a estreia na direção de Kirsten Johnson, cinegrafista que trabalhou em documentários celebrados como Citizenfour e The Oath. Aqui, a cineasta reúne imagens filmadas por ela ao longo da carreira para discutir algo que é intrínseco ao documentário: a relação entre objeto e observador.  

Dias de exibição: 23/10 (22h10, Cinearte), 25/10 (18h30, Reserva Cultural), 31/10 (16h40) e 2/11 (17h, Museu da Imagem e do Som).

  • Canção para um Doloroso Mistério

Para quem está com um tempo mais livre nas próximas duas semanas, vale a pena conferir um dos novos filmes do filipino Lav Diaz, em alta graças aos prêmios recebidos nos festivais de Veneza (Leão de Ouro) e Berlim (Urso de Prata), respectivamente por A Mulher que se Foi e este Canção Para um Doloroso Mistério. O programa, porém, exige dedicação: Tratando da história pela busca do corpo de um dos pais da Revolução Filipina, o filme tem nada menos que oito horas de duração. 

Dias de exibição: 23/10 (14h, Cinearte) e 25/10 (15h20, Espaço Itaú Frei Caneca).

  • Cinema Novo

Brasileiro que venceu em Cannes o prêmio de Melhor Documentário, Cinema Novo é um filme-ensaio do diretor Eryk Rocha (filho do famoso cineasta Glauber Rocha) sobre o movimento cinematográfico do título, um dos principais na América Latina nos anos de repressão e ditadura. Com o Cinema Novo sendo tão pouco conhecido pelo público nos dias de hoje, o longa é obrigatório para quem quer conhecer mais da História da produção cinematográfica nacional e da América. 

Dias de exibição: 31/10 (20h40, Espaço Itaú Frei Caneca) e 2/11 (20h20, Cinesala).

  • Depois da Tempestade

Filme que fez parte da mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes desse ano, Depois da Tempestade é o novo trabalho do japonês Hirozaku Koreeda, que teve passagem pelos circuito comercial esse ano com Nossa Irmã Mais Nova. O diretor repete aqui sua predileção por temas familiares, tratando de um homem que procura desesperadamente fazer as pazes com a família. 

Dias de exibição: 22/10 (21h25, Reserva Cultural), 25/10 (19h45, Cinearte), 27/10 (13h30, Espaço Itaú Frei Caneca) e 29/10 (21h30, Cinemark Cidade São Paulo).

  • O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki

Falando em Un Certain Regard, o grande vencedor da seção marcará presença na 40° Mostra. Do finlandês Juho Kuosmanen, o longa segue um lutador de boxe que nos anos 60 quer o título mundial dos pesos-pequenos.

Dias de exibição: 23/10 (19h50, Espaço Itaú Augusta), 24/10 (21h50, Reserva Cultural), 25/10 (15h40, Espaço Itaú Frei Caneca) e 27/10 (15h50, Espaço Itaú Frei Caneca).

  • Elle

Novo e (como sempre) polêmico filme do holandês Paul Verhoeven (conhecido por obras como Robocop e O Vingador do Futuro), o longa - que trata de um estupro - foi bastante aplaudido em seu debute em Cannes, e mesmo não tendo levado nada no festival será o representante da França na corrida pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro do ano que vem. Aproveitando a estreia do longa, a Mostra também passará na programação O Quarto Homem, um de seus primeiros trabalhos a lhe dar destaque internacionalmente. Ambos o filmes valem a visita no festival, ainda que Elle já estreie no circuito comercial em meados de novembro.

Dias de exibição: 21/10 (21h40, Cinearte), 23/10 (21h30, Cinemark Cidade São Paulo), 25/10 (15h, Cinesesc) e 27/10 (16h10, Espaço Itaú Augusta).

  • A Garota Desconhecida

Novo trabalho dos Irmãos Dardenne (que há dois anos vieram para a Mostra com Dois Dias, Uma Noite), o filme é mais uma obra da dupla que trabalha com temas do cotidiano: Uma jovem médica busca descobrir a identidade de uma mulher morta ao qual recusou atendimento no fim de seu expediente certa noite.

Dias de exibição: 20/10 (22h, Cinesala), 21/10 (19h, Cinemark Cidade São Paulo), 25/10 (16h, Cinearte), 30/10 (19h10, Cine Caixa Belas Artes) e 31/10 (13h30, Espaço Itaú, Frei Caneca).

  • The Handmaiden

O filme do sul-coreano Park Chan-Wook chamou bastante a atenção do público e da crítica em Cannes, e sua trama sobre um relacionamento lésbico entre uma herdeira de uma rica família e sua empregada durante a ocupação japonesa no país nos anos 30 promete deixar os espectadores brasileiros aturdidos. O cinema do cineasta, conhecido por aqui por obras como Oldboy e Mr. Vingança, opera afinal sobre este eixo.

Dias de exibição: 21/10 (21h15, Espaço Itaú Frei Caneca), 27/10 (21h10, Espaço Itaú Frei Caneca), 28/10 (18h55, Cine Caixa Belas Artes) e 2/11 (14h, Espaço Itaú Augusta).

  • O Ignorante

Outro que também vem de Cannes, O Ignorante é o novo trabalho do veterano do cinema francês Paul Vecchiali, que vem marcando presença na Mostra em caráter anual. Aqui, ele aborda um drama familiar com toques de dificuldade de comunicação e amores não atendidos, além de estrelar a própria obra junto de atores como Mathieu Amalric e Catherine Deneuve.

Dias de exibição: 20/10 (21h30, Cinemark Cidade São Paulo), 21/10 (13h30, Espaço Itaú Frei Caneca), 23/10 (21h45, Cinesala), 25/10 (15h50, Espaço Itaú Augusta) e 26/10 (14h50, Espaço Itaú, Frei Caneca).

  • Ma' Rosa

Vencedor do prêmio de Melhor Atriz em Cannes, o drama filipino segue uma dona de uma loja de conveniências de um bairro pobre na capital que um dia é presa junto do marido por causa de venda de drogas. O longa de Brillante Ma.Mendoza segue então as tentativas dos filhos do casal de tirá-los da cadeia.

Dias de exibição: 26/10 (21h45, Espaço Itaú Frei Caneca), 31/10 (21h20, Cinesala), 1/11 (13h30, Espaço Itaú Frei Caneca) e 2/11 (15h, Cinesesc).

  • Homenagem a Marco Bellocchio

Grande homenageado da Mostra este ano, o cineasta italiano Marco Bellocchio é um dos maiores nomes do cinema político do país nos anos 1960 e 1970. O diretor terá doze de seus filmes exibidos no festival, incluindo os recentes Belos Sonhos (foto) e Pagliacci. A retrospectiva de sua obra, que inclui trabalhos como De Punhos Cerrados, A China Está Próxima e Bom Dia, Noite, torna a Mostra mais aberta para discussões sobre o tema, algo fundamental para aproximar o evento da realidade vivida hoje pelo país.

  • Martírio

Antrópologo conhecido por seu trabalho com tribos indígenas, o francês Vincent Carelli vem pela primeira vez à Mostra com Martírio, documentário de mais de duas horas sobre a insurgência dos índios guarani-kaiowá para recuperar suas terras no Mato Grosso do Sul. O filme estreou no Festival de Brasília, onde foi bastante aplaudido e elogiado pela crítica pelo duro retrato da realidade.

Dias de exibição: 23/10 (18h30, Espaço Itaú Frei Caneca), 25/10 (15h50, Espaço Itaú Frei Caneca) e 29/10 (15h40, Cine Caixa Belas Artes).

  • Morte em Sarajevo

Vencedor do Grande Prêmio do Júri e do Prêmio da Crítica no Festival de Berlim, o longa bósnio-herzegovino promete ferver o festival com sua trama de enfrentamento ideológico, bem condizente com o cenário político brasileiro atual. O filme de Danis Tanovic trata dos preparativos de um hotel para a festa de gala em homenagem à morte do arquiduque Francisco Ferdinando - um dos eventos que gerou a Primeira Guerra Mundial - e da greve que funcionários planejam para estragar a celebração.

Dias de exibição: 27/10 (15h45, Espaço Itaú Frei Caneca), 29/10 (20h30, Sesc Osasco), 31/10 (13h30, Espaço Itaú Frei Caneca) e 1/11 (22h, Espaço Itaú Frei Caneca).

  • O Nascimento de uma Nação

Sensação no último Festival de Sundance e que era um dos principais concorrentes ao Oscar até seu diretor ser acusado de estupro, o filme de Nate Parker toma o título de uma das produções fundamentais e mais racistas da História do cinema para tratar da violenta repressão à rebelião liderada por um ex-escravo em uma região sulista dos Estados Unidos em 1831. O longa é o carro-chefe na lista de produções dispostas a acabar com Oscars So White no próximo ano, e considerando que as produções indicadas só chegam ao circuito comercial brasileiro só no ano que vem a Mostra se torna em uma ótima oportunidade para conhecer antecipadamente um dos aspirantes ao prêmio.

Dias de exibição: 28/10 (20h15, Cinearte), 29/10 (21h15, Espaço Itaú Frei Caneca) e 2/11 (20h40, Espaço Itaú Augusta).

  • Paterson

Novo filme do diretor estadunidense Jim Jarmusch - que também ganha na Mostra desse ano uma miniretrospectiva, reexibindo os trabalhos Estranhos no Paraíso, Férias Permanentes e Daunbailó -, Paterson foi bastante elogiado em sua estreia em Cannes. Estrelado por Adam Driver, o longa mostra o cotidiano de um jovem motorista de ônibus da cidade de Paterson, que inclui tanto o convívio com a esposa quanto seu trabalho com poesia.

Dias de exibição: 23/10 (19h30, Cinearte), 27/10 (21h40, Espaço Itaú Frei Caneca) e 28/10 (21h35, Cine Caixa Belas Artes).

  • O Segredo da Câmara Escura

Diretor prolífico e que vem aparecendo com mais frequência no circuito brasileiro - seja comercial ou de festivais -, o japonês Kiyoshi Kurosawa tem mais um de seus novos trabalhos exibidos na Mostra desse ano. Produzido em território francês, O Segredo da Câmara Escura promete mais um dos flertes sinistros com o sobrenatural do cineasta, que agora conta a história de um assistente de fotógrafo que começa a não conseguir mais distinguir imagem de realidade.

Dias de exibição: 26/10 (17h, Espaço Itaú Frei Caneca), 28/10 (23h, Cinesesc), 29/10 (17h, Espaço Itaú Frei Caneca), 30/10 (19h, Espaço Itaú Frei Caneca) e 31/10 (15h30, Cinearte).

  • Retrospectiva Willian Friedkin

O icônico diretor estadunidense é também alvo de uma miniretrospectiva no festival, contando com sua celebrada fase dos anos 70 e 80. Além dos famosos O Exorcista e Operação França, a Mostra também exibirá filmes menos conhecidos de Friedkin - mas não menos importantes - como Parceiros da Noite (longa ambientado na cena gay de Nova York com Al Pacino) e o tensíssimo suspense Comboio do Medo. Viver ou Morrer em Los Angeles, Possuídos e Killer Joe - Matador de Aluguel completam o pacote.

A dica: No domingo, dia 30, duas salas do Espaço Itaú Frei Caneca exibirão em sequência Viver ou Morrer em Los Angeles, Parceiros da Noite, Operação França e O Exorcista.

domingo, 16 de outubro de 2016

Crítica: Mônica - Força

Com drama familiar intenso, 12° Graphic MSP opta por saídas fáceis.

Por Marina Ammar.

O que aconteceria com a querida Mônica se a dona da rua não pudesse utilizar de sua força para resolver um problema?

É com essa questão que Bianca Pinheiro apresenta sua adição ao selo Graphic MSP. Força é uma história protagonizada apenas por Mônica, em contrapartida com os volumes Laços e Lições dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, protagonizados pelo quarteto do Limoeiro. 

Na obra¸ Bianca propõe explorar mais a fundo um lado pouco exposto da personagem: sua fragilidade diante de situações que não podem ser resolvidas através da força bruta. Para isso, o conflito principal envolve seus pais, enrolados com brigas e ameaças de separação. Para Mônica, em seus 7 anos de vida, a percepção do peso de sua realidade vem bem retratado no ritmo frenético e ao mesmo tempo rotineiro com o qual Bianca apresenta a evolução do dia a dia da menina, a cada página mostrando um novo choque dentro de um mesmo contexto. 

A discussão dos pais em si é permeada eternamente pela torneira da cozinha, que, quebrada, pinga sem parar, estressando-os ainda mais. Mônica sugere ao pai que peça ajuda da esposa e à mãe a do marido, mas ambos se recusam de maneira terminal a trabalhar juntos para resolver o problema. 

Intercalando a narrativa da atmosfera pesada na casa de Mônica com curtos passeios pela rua, Bianca mostra como o conflito interno na vida da garota afeta seu comportamento. A percepção de que sua força física não pode resolver sozinha os problemas a desanima, fazendo-a recusar bater em Cebolinha e Cascão - mesmo após mais uma das repetidas travessuras - e evitar as amigas em prol de permanecer em casa. Fechada em seu quarto, Mônica matuta na melancolia infantil de uma criança que começa a compreender a mutabilidade de seu mundo. 

Finalmente assolada por um pesadelo que materializa as brigas como um monstro que ela não pode derrotar com os punhos, Mônica acorda de madrugada e encontra o pai no sofá. Ao pedir por uma explicação, ele diz que precisa de espaço para pensar, e que ele e a mãe podem não conseguir pensar no mesmo quarto (ou na mesma casa) apenas porque algumas vezes as pessoas saem de sintonia.  Revoltada com a quebra familiar tão iminente, Mônica toma para si a responsabilidade de consertar a pia, cujo barulho das gotas parece agora ritmar os conflitos em sua casa. A noite passa improdutiva, claro, mas ao encontrar a filha adormecida na cozinha após exigir que o barulho que rompia seu ambiente fosse consertado os pais se reconciliam para consertar a torneira. 

Mônica acorda e caminha para a cozinha para descobrir os pais trabalhando em união e ser recebida por um bom dia morno e familiar, ao invés da atmosfera de reunião forçada que havia sido apresentada para si nos dias anteriores. O fim da história, ao menos pelo que se pode ver, é feliz – a família reunida pelos esforços de uma criança que faz o que está ao seu alcance para evitar uma mudança drástica de seu mundo. 

Apesar de terna e explorar de maneira íntima a capacidade da força interna de Mônica - não apenas exaltando sua conhecida força interior - Força falta porém com a própria lição ao apresentar um final “feliz”. Essa decisão quebra com a moral que viria pelo aprendizado de superação de uma adversidade e o de aceitar uma nova situação, apresentando ao invés disso uma previsível vitória sobre um problema em prol da retomada da situação original. Apesar de sensível, o fim torna precário a felicidade familiar apresentada no final da história, já que não há garantia alguma de que os esforços infantis de Mônica sejam capazes de manter a família em conjunto. 

Apesar de atrapalhada com a conclusão, Pinheiro ainda assim nos oferece um conto ilustrado com delicadeza e a adorabilidade de um traço macio, com expressões que apesar de pesarem no contexto, não agridem os olhos. Ela é capaz de abordar o tema doloroso para uma criança e apresentar urgência sem criar em excesso sentimentos angustiantes ao redor de uma personagem tão querida, e mesmo que contrarie uma possível moral nos prova que Mônica possui a força exterior e interior de uma verdadeira dona da rua.

Nota: 7/10