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domingo, 25 de maio de 2014

Crítica: X-Men - Dias de um Futuro Esquecido

Bryan Singer, o consertador de linhas temporais da saga mutante

Por Pedro Strazza

Se a franquia X-Men pudesse ser resumida em apenas um adjetivo, este seria "confusa". Pioneiros na retomada dos filmes de super-heróis e das adaptações de quadrinhos, os mutantes tiveram uma cronologia bem estabelecida em sua primeira trilogia com Bryan Singer, que, mesmo alterando características básicas da equipe liderada por Charles Xavier, entregou ao público uma obra coesa e dinâmica - o que inclui o esquecível terceiro capítulo dirigido por Brett Ratner. O único erro de Singer nessa equação, porém, foi o de achar que uma trilogia bastaria para saciar os fãs e a Fox, e nesse momento começaram as confusões.

Procurando reiniciar a franquia nos cinemas, o estúdio responsável pelos mutantes lançou outras três produções sobre as criações de Stan Lee e Jack Kirby, mas sem se preocupar em checar com os roteiristas se estes novos capítulos tinham relação ou não com a história inicial. Assim, ao mesmo tempo em que a trama original continuava a existir pela franquia solo de Wolverine em X-Men Origens e Imortal, a linha temporal parecia sofrer um reboot com X-Men: Primeira Classe - e, com isso, as incoerências temporais se acumulavam na mente dos fãs. Percebendo seu erro quase que tarde demais, a Fox parecia ter criado um problema para o qual não conseguiria arranjar resposta, e uma ajuda de alguém experiente se fazia urgentemente necessária.

Singer, então, saiu da posição de produtor para voltar a assumir as rédeas da franquia, e, com o objetivo de consertar a cronologia mutante, procurou nos quadrinhos um arco que poderia suprir suas necessidades. A solução veio com a clássica HQ Dias de um Futuro Esquecido, cuja estrutura é agora adaptada para os cinemas sob a forma de quinto capítulo dos X-Men. Além de envolver elementos como viagem no tempo e um futuro apocalíptico, o roteiro de Chris Claremont e John Byrne também se adequa aos propósitos do diretor por justamente gerar na franquia a oportunidade única de reunir em um só filme as duas gerações de mutantes no cinema, algo financeiramente interessante para a produção.
A premissa, considerando os objetivos principais desta sequência, é relativamente simples. Encurralados em um futuro onde tanto a raça humana quanto a mutante foram extintas pelos inderrotáveis Sentinelas e sabendo que sua salvação só se dará por corrigir o passado, o professor Xavier (Patrick Stewart) e seus alunos enviam a mente de Wolverine (Hugh Jackman) aos anos 70 no intuito de evitar que Mística (Jennifer Lawrence, estranhamente menos maquiada no papel que no último filme) assassine Bolivar Trask (Peter Dinklage) e desencadeie todo o processo de aniquilação. Mas para que isso ocorra, Logan terá que reunir os jovens Xavier (James McAvoy) e Magneto (Michael Fassbender) sob um mesmo propósito, uma missão extremamente complicada considerando a reciprocidade entre os dois naquele momento.

O foco nessa relação tumultuosa entre os futuros líderes mutantes constitui-se como um dos principais acertos de Singer aqui. Atento ao fato de que a geração apresentada em Primeira Classe será o novo foco da franquia, o diretor realiza o mesmo procedimento do longa de 2011 de centrar a trama no trio formado por Xavier, Magneto e Mística e continua a os desenvolver, cada um de uma maneira diferente. Enquanto o professor precisa lidar com seu drama para aceitar a cadeira de rodas, Erik continua sua transformação em líder radical de sua espécie ao mesmo tempo em que a transmorfa dá seus passos para se tornar a vilã conhecida dos quadrinhos.

Esta maior atenção ao trio protagonista não tira do filme, porém, a oportunidade de usar seus coadjuvantes com perspicácia e sabedoria, e Singer sabe mais do que ninguém como fazer isso. Em vários momentos, o diretor utiliza-se de seus personagens secundários em duas categotias distintas: Ou para encantar o público com cenas extremamente bem elaboradas - principalmente na ação, bem organizada e orquestrada de forma que o espectador acompanhe as brigas sem se perder - ou continuar a trama em momentos pontuais e cruciais - E aqui se encaixam as participações do Xavier do futuro e de Kitty Pride (Ellen Page). O maior destaque do elenco secundário (e do longa, no geral), entretanto, está inacreditavelmente no rebelde Mercúrio (Evan Peters), cuja breve sequência que protagoniza em uma cozinha se faz como uma das melhores cenas em um filme de super-herói da História.
Mas os acertos realizados na construção da estrutura de Dias de um Futuro Esquecido em quase nada fariam efeito se o principal objetivo da produção não fosse atingido. Afinal, o filme corrige a cronologia mutante no cinema?

E a resposta é: mais ou menos. Apesar de consertar efetivamente vários defeitos de continuidade da franquia e descontinuar a trilogia original em prol da nova, Singer ignora várias incoerências ajambradas pela série solo de Wolverine - que nesta sequência é acertadamente utilizado apenas como um elo entre o presente e o passado - e O Confronto Final. As correções realizadas, por outro lado, são eficazes - mesmo que podendo ser quebradas facilmente por uma rápida reflexão do espectador após a sessão -, mas esvaziam do filme qualquer maior aprofundamento sobre a questão dos mutantes na sociedade e sua aceitação, principal pauta da franquia desde sempre, devido ao tempo que levam para serem feitas.

Esta problemática, porém, em nada interfere no resultado geral obtido pela produção aqui. Divertido e eficiente na medida certa, Dias de um Futuro Esquecido continua com primor a evolução natural da franquia X-Men nos cinemas ao mesmo tempo em que organiza a linha temporal da série da melhor maneira possível. A partir daqui, cabe a Bryan Singer a tarefa de continuar a trama sem querer acabar com ela logo - e evitar, claro, quaisquer novas confusões temporais na cronologia.

Nota: 9/10

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Crítica: Praia do Futuro

Karim Aïnouz estuda a vida e a adaptação à mudança

Por Pedro Strazza

Como tantas outras pessoas, Donato (Wagner Moura) é um homem que vive feliz sua rotina. Salva-vidas na Praia do Futuro, o cearense tem na família - principalmente com o irmão Ayrton (Savio Ygor Ramos/Jesuíta Barbosa) -, no trabalho e no mar o ideal de conforto e felicidade, e conquanto estas três bases não sofram modificações seu dia-a-dia não se alterará. Mas a vida de Donato, assim como a de qualquer outro indivíduo, mudará, e ele terá de lidar com isso à sua maneira.
Praia do Futuro, quinto longa-metragem de Karim Aïnouz como diretor, é um filme que toca exatamente neste assunto. Condição inerente à vivência do ser humano, a mudança ocorre em momentos geralmente não esperados e de maneiras misteriosas, fazendo com que a pessoa só perceba que ela ocorreu após muito tempo. Para Donato, a mudança acontece quando não consegue salvar alguém do mar pela primeira vez em sua vida, o que desencadeia, por sua vez, em uma sequência de eventos que o levará a morar na Alemanha com o namorado Konrad (Clemens Schick).
Essa drástica alteração traz inicialmente ao protagonista uma clara sensação de desconforto. Longe do mar e de sua família e amigos, Donato fica dividido entre a saudade e a paixão, gerando em seu interior uma angústia e depressão profundas e cada vez piores enquanto não se decidir. Atacado tanto pelo medo de abandonar seu romance quanto pela culpa de não voltar, ele resolve então permanecer ao lado de Konrad, optando por começar uma nova vida na Europa. Neste processo, porém, o ex-salva-vidas abandona o passado, e este virá exigir explicações mais tarde sob a forma do agora jovem Ayrton, irado pelo esquecimento do irmão em relação à família e ele.
Estruturado em três capítulos de conexões temporais não explicitadas e situado em eventos que se desenrolam por quase dez anos, Praia do Futuro usa da jornada pessoal de seu protagonista em direção à conciliação e de sua relação com outras duas pessoas próximas a ele para abordar essa relação que o ser humano tem com a vida e suas mudanças. Ayrton e Konrad representam aqui respectivamente o passado e o futuro, e cabe ao homem (Donato) escolher a qual dos dois caminhos seguir.
Para fazer com que o espectador compreenda melhor esta grande alegoria sobre o ser humano, Aïnouz se utiliza de várias ferramentas visuais e narrativas. Da estrutura do roteiro (os capítulos são indicadores primordiais da continuidade da história e, portanto, da vida dos personagens) à fotografia contrastante (quente e calorosa no Ceará, fria e hostil em Berlim), a produção é cuidadosa para recriar no público a sensação de deslocamento que Donato vive por não conseguir fazer nada pelo seu passado e, consequentemente, não progredir sua vida como deveria.
De protagonista complexo e roteiro bem desenvolvido, Praia do Futuro promove uma interessante reflexão sobre o mudar e suas complicações. Como a experiência de adaptação de Donato muito bem sugere na produção, não se pode atrelar a vida ao passado nem abandonar esta por completo. É preciso achar o meio termo, e continuar se adaptando conforme as mudanças vem à tona.

Nota: 8/10

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Review: Arrow - 2° Temporada

Um novo Arqueiro para um novo universo

Por Pedro Strazza

[Esta resenha possui pesados SPOILERS sobre a segunda temporada de Arrow. Se ainda não viu, é melhor ler este review em outro momento.]
Matar nem sempre é a melhor forma de se fazer justiça, e Oliver Queen (Stephen Amell) aprendeu isso duramente. A morte de seu melhor amigo, Tommy Merlyn (Colin Donnell), pelas mãos de um plano diabólico que não pode impedir mostraram ao alter-ego do Arqueiro Verde que, para o bem de Starling City, seus métodos de combate ao crime teriam de ser alterados, e o até então vigilante precisaria se transformar em um herói.
Esse processo de "super-heroização", entretanto, não se restringe ao dono das Indústrias Queen nesta segunda temporada de Arrow. Agora com um universo estabelecido, a série pôde enfim começar a expandir seus horizontes e usar de vários elementos e personagens da DC Comics para contar sua história, criando portanto um mundo um pouco menos realista e mais quadrinhos - centrando sua narrativa, claro, na figura de seu protagonista e sua evolução pessoal.
Dessa forma, mesmo que ainda cometendo alguns dos mesmos erros básicos da primeira temporada, o seriado se tornou mais orgânico e divertido para os fãs, que puderam ver um mundo mais rico nas telinhas. Os easter-eggs, escondidos no primeiro ano, desabrocharam-se em novas e interessantes tramas; heróis e vilões conhecidos das HQs foram introduzidos; personagens coadjuvantes ganharam desenvolvimento independente do protagonista. Arrow cresceu, sadio e forte, como seriado, e não deixou dúvidas disso.
Mas esta evolução da série não esqueceu de suas fundações. Ao invés de se perder num universo repleto de histórias confusas e entrelaçadas nos mais diversos pontos, a produção optou sabiamente por manter seu foco na trajetória de Oliver Queen e sua cruzada justiceira, e apresentou suas novidades conforme o espectador ia acompanhando o Arqueiro. Assim, foram introduzidos ao panorama do herói peças curiosas e independentes que funcionavam com a proposta da temporada, como o candidato a prefeito Sebastian Blood (Kevin Alejandro) e seus planos, a A.R.G.U.S. e o Esquadrão Suicida de Amanda Waller (Cynthia Addai-Robinson) e os retornos de Slade Wilson (Manu Bennett) e Sarah Lance (Caity Lotz) à vida.
Neste último, nota-se o quão cuidadosos foram os roteiristas Greg Berlanti e Marc Guggenheim para construir a história desta temporada, visto que estes dois personagens foram essenciais, junto com o protagonista, para realizar a ponte entre as duas linhas narrativas principais da série. Organizadas de forma a se complementar, tanto passado quanto presente usaram do trio formado por Oliver, Sarah e Slade para guiar os eventos ocorridos nos 24 episódios, tornando ainda mais interessante seus conflitos a partir da morte de Shado (Celina Jade) - a grande justificativa, junto com o Mirakuru, para a transformação de Slade em vilão. E ainda que em vários momentos essa complementariedade tenha sofrido no andamento da série (Não foram poucos os momentos em que a montagem de Arrow errou na distribuição dos dois tempos), o alinhamento funcionou suficientemente bem para justificar a presença do passado de Oliver na narrativa.
A série, porém, não realizou apenas acertos em sua segunda passagem pela televisão. Apesar de ter acertado no desenvolvimento de vários personagens coadjuvantes - Como Diggle (David Ramsey), Felicity (Emily Bett Rickards) e o casal Roy (Colton Haynes)/Thea (Willa Holland) -, sobraram erros para a trajetória de Laurel (Katie Cassidy), cujo luto por Tommy desembocou numa confusa crise. Seu relacionamento com família e amigos, por exemplo, teve conflitos e resoluções para estes extremamente incoerentes, deixando suas participações cada vez mais exageradas e irritantes.
Outro defeito claro na composição narrativa da série foi o uso irregular de alguns integrantes importantes do elenco coadjuvante. Tal qual uma criança pequena que deixa de lado algum brinquedo quando ganha um novo, o roteiro esquecia de usar estas peças quando novas entravam, só reutilizando as primeiras episódios depois. Personagens fundamentais como Isabel Rochev (Summer Glau) e Blood, por exemplo, ficaram por muito tempo ausentes da trama, retornando apenas quando necessários para seu andamento - Para tornar este problema ainda mais evidente, note que Rochev, vilã corporativa aqui, aparece em apenas nove dos 24 episódios da temporada.
Esses problemas, porém, tornaram-se pequenos comparados aos resultados que a série alcançou nesta segunda temporada. Fechando mais um ciclo de aprendizado importante para Oliver Queen, Arrow também deu passos importantes para o universo DC ser estabelecido no canal the CW - que já autorizou a produção de uma nova série baseada em outro personagem icônico da editora, Flash -, algo importante para o amadurecimento do seriado. Para o terceiro ano, resta agora corrigir erros e concluir a formação heroica do Arqueiro, que, se tudo der certo, terá seu nome inteiramente falado na televisão em pouco tempo.

Nota: 9/10

domingo, 18 de maio de 2014

Crítica: Sob a Pele

Filme traz questionamentos interessantes, mas esquece de desenvolvê-los

Por Pedro Strazza

O ser humano, assim como todos os outros seres vivos do planeta, tem em suas obrigações biológicas o dever de perpetuar a existência de sua espécie. Pelo menos para as ciências da natureza, essa necessidade é primária em qualquer comunidade, e precisa ser realizada da melhor maneira possível dada as suas condições disponíveis. Assim, em termos oriundos da Biologia, se em uma sociedade hipotética existissem apenas um homem e uma mulher, os dois precisariam necessariamente se juntar e começar a procriar em ordem de manter a humanidade viva, não importando sua "química de casal" ou coisa do tipo.
Mas se adicionarmos apenas um homem ou uma mulher à essa mistura, um novo e complexo elemento se junta à equação da vida: O julgamento. De início aparentemente inofensivo, esta variável será responsável por dar ao lado menos populoso da balança o poder de escolher o parceiro com o qual cumprirá suas obrigações existenciais (ainda em termos biológicos, lembrando), e criará no outro prato uma disputa pelo indivíduo que detém esta capacidade. A partir deste momento, surgem os rituais de acasalamento, as brigas entre integrantes do sexo masculino ou feminino por um ser de mútuo interesse, o amor e, no nível atual de desenvolvimento da espécie humana, a ciência dos relacionamentos.
E neste estudo intricado do comportamento, a questão primordial é: Como escolher, entre os mais diversos candidatos, o parceiro ideal? Seja homem ou mulher, os procedimentos para resolver o problema são vários, mas naturalmente ambos os gêneros iniciam sua "avaliação" pelo físico do outro. E apesar de ter alterado seus valores (e, em certos casos, tê-lo invertido por completo) com o passar do tempo, o julgamento da beleza feminina e masculina se manteve essencial para o ser humano realizar seus rituais de sexualidade.
Com a evolução social, porém, essa avaliação humana abandonou aos poucos outros vários importantes fatores a serem considerados, tais como a inteligência ou a compatibilidade entre os dois envolvidos, e focou-se cada vez mais no aspecto físico. Mas a beleza poderia ser tão grande assim para ocupar tal posto importante na reprodução humana?
Sob a Pele, terceira obra do diretor Jonathan Glazer, estabelece sua discussão exatamente neste ponto. Baseado no romance homônimo de Michel Faber, o filme questiona, através da trajetória de uma alienígena (vivida com primor pela bela Scarlett Johansson) que seduz homens para se alimentar de seus corpos, o quão superficiais somos neste processo de avaliação superficial através das próprias reflexões de sua protagonista, mas não se dispõe a debater o assunto.
Dessa maneira, sucedem-se na produção ideias e imagens ao longo dos seus 108 minutos que são de fato interessantes, mas que em nenhum momento chegam a serem desenvolvidas pelo roteiro de Walter Campbell e Glazer. Cenas como a criatura tentando comer um bolo ou envolver-se com um humano, por exemplo, poderiam ser ótimos pontos de início para uma discussão acerca da procura da personagem em humanizar-se ou de seu efeito estético que busca passar à humanidade, mas acabam por serem transformados em fatos pontuais da narrativa, extremamente precária em sua concepção.
Ao mesmo tempo que atira ideias ao espectador, Sob a Pele traz também excelentes momentos de tensão, causados principalmente pelo teor da história e da trilha sonora do novato Mica Levi, cujo exagero e recorrência tornam a experiência cinematográfica angustiante. Usando destes dois elementos, Glazer conduz a trama a partir de seu visual, criando cenas de impacto para afundar seu espectador no clima do filme na mesma medida que a alienígena faz com suas vítimas. Esse procedimento ainda serve de auxílio para fixar no público os conceitos, ainda que não discutidos, propostos pelo roteiro.
Com premissa interessante e aberta a uma discussão complexa, Sob a Pele não consegue ser totalmente eficaz em sua proposta por sofrer demais da falta de seu desenvolvimento filosófico. Ao jogar para o espectador toda a tarefa de debater sobre suas ideias, o filme esquece de desenvolver estas de forma apropriada e esvazia a discussão que procura criar de uma possível profundidade maior e adequada ao tópico.

Nota: 6/10

sábado, 17 de maio de 2014

Crítica: Godzilla

Um filme sobre seres humanos em um mundo de monstros

Por Pedro Strazza

"A arrogância dos homens é pensar que a natureza está em seu controle e não o contrário." diz o doutor Serizawa (Ken Watanabe) ao almirante Stenz (David Strathairn) quando, em determinado momento de Godzilla, as Forças Armadas estadunidenses percebem sua ineficácia perante à ameaça de extinção trazida pelos enormes kaijus. As palavras do cientista, além de sábias, resumem não só este reconhecimento da humanidade de seu fracasso - que, aliado ao medo desestabilizante de depender de uma força ao qual não pode controlar ou sequer negociar com, aterroriza um planeta onde tudo pode ser medido, estudado ou governado - como também os objetivos de Gareth Edwards nesta nova refilmagem de Hollywood sobre o clássico monstro japonês.

Contrariando por completo as ideias do fracassado filme de 1998 comandado por Roland Emmerich, o novato diretor procura promover aqui tanto uma homenagem à produção original japonesa e seus valores - e agradando vários fãs da criatura no processo - quanto analisar a hipotética situação onde o ser humano seria minimizado por um acontecimento maior. Assim, quando monstros maiores que prédios começam a caminhar pela superfície da Terra e a destruir cidades inteiras sem qualquer esforço ou intenção, Edwards faz questão de mover sua câmera da causa para as vítimas, omitindo do espectador o monstro para dar preferência à visão dos efeitos de sua passagem. E apesar de não fazer isso com requintes de crueldade (quase nunca vemos corpos, por exemplo), o filme consegue ainda trazer este colapso físico-social proporcionado pela existência breve destas (poucas) criaturas.

Estes seres gigantescos, diferente de outras produções originadas pelos tokusatsus (incluindo aí o recente Círculo de Fogo), não possuem em seu âmago nenhuma vilania ou sequer má intenção. Extremamente bem retratados pelos ótimos efeitos visuais do filme, os monstros deste Godzilla - à exceção do próprio, que aqui surge estranhamente como um "agente de equilíbrio" da natureza - tem por objetivo primário a perpetuação de sua espécie, e não se diferenciam portanto dos outros seres vivos do planeta. E como qualquer outra criatura, seu "ódio" pelos homens (tão mínimos quanto uma formiga é para eles) só aparecerá quando estes, em desespero para sobreviverem aos eventos, começam a interferir em seu projeto.

Mas se nos monstros Edwards é eficaz em seus esforços de "humanização", com os seres humanos o filme se perde. Inicialmente uma tarefa simples quando em comparação com a anterior, o roteiro de Max Borenstein e Dave Callaham é demasiado superficial e básico com o seu núcleo de personagens, prejudicando seriamente a pauta principal da produção e tornando a condução da trama em algo deveras enfadonho. Se melhor desenvolvidos ou utilizados, o elenco - composto por nomes fortes como Bryan Cranston, Juliette Binoche, Aaron Taylor-Johnson, Elizabeth Olsen, Watanabe e Strahairn - poderia carregar o filme como exigido e tornar a experiência que Godzilla se propõe a ser mais orgânica e funcional.

Sem isso, entretanto, o caminho tomado é o oposto, e o espectador é tomado por uma incômoda e recorrente sensação de frustração. A cada nova aparição de um monstro na tela, Edwards realiza aquele seu movimento descrito há pouco com uma intenção nobre (e em diversos momentos genial, a exemplo dos planos cortados pelo fechamento de uma porta ou passada direta para uma TV que noticia o momento), mas isso se traduz erroneamente ao público graças à falta de interesse desta com os personagens-guia. Dessa forma, a expectativa para o combate final entre as criaturas gigantes aumenta em caráter desnecessariamente exponencial para o último ato - que, por sua curta duração, pode não atender às promessas de todos.

Conduzido por uma excelente trilha de Alexander Desplat, cuja tensão e aplicação são bem dosadas, Godzilla é um projeto de ideias ousadas e corajosas, mas de aplicação não muito bem planejada. Erros e decisões precipitadas à parte, o filme apresenta em sua estrutura uma abordagem curiosa e bem trabalhada dos monstros que o cinema sempre admirou e temeu, mas nunca antes reconheceu como outro ser vivo qualquer - em proporções bem grotescas, claro.

Nota: 7/10

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Crítica: Getúlio

Didático e sem opinião

Por Pedro Strazza

É inegável a afirmação de que Getúlio Vargas foi um dos políticos mais interessantes de toda a História brasileira. Dotado de uma popularidade com a população invejável, Vargas foi responsável por acabar com o domínio político imposto por São Paulo e Minas Gerais no país e também por criar as primeiras (e importantes) leis trabalhistas do Brasil, mas também se elegeu como ditador e perseguiu, torturou e matou milhares de inocentes que protestavam contra sua tomada de poder ilícita. O mais curioso de sua trajetória, porém, foi que, pouco tempo depois de sair do controle do Brasil como ditador, ele conseguiu voltar a ocupar a presidência, onde desempenhou seu problemático mandato até o suicídio, em 1954.
Em Getúlio, o novo filme do diretor João Jardim, estes últimos dias do presidente antes de se matar são retratados. Do atentado na rua Tonelero ao jornalista Carlos Lacerda (Alexandre Borges) ao próprio suicídio de Vargas (Tony Ramos), o roteiro escrito por Jardim e George Moura se restringe a apenas acompanhar os acontecimentos ocorridos sem dar ao espectador qualquer interpretação à figura do ex-presidente. Para o filme, vale mais a didática que a opinião, polêmica em qualquer um dos pólos disponíveis.
A tendência à neutralidade é notável na composição dada ao protagonista, bem interpretado por um maquiado Tony Ramos. Se em vários momentos o filme apresenta ao público um Getúlio humano, como nas cenas em que contracena com sua filha Alzira (Drica Moraes, caricata) ou na falta de habilidade em amarrar um sapato (algo que confere, na medida do possível, um caráter humilde ao personagem), a direção não esconde ao público que este homem foi um ditador terrível e culpado de todos os crimes humanitários ao qual foi acusado. Antagônicas em sua natureza, o conflito destas duas figuras de Getúlio poderia tornar a produção em algo mais interessante, mas aqui são tratadas como separadas pelo roteiro - Estranho, se pensarmos que estamos falando do mesmo personagem.
Se pelo lado opinativo Getúlio é ausente, por um lado histórico a produção é muito bem trabalhada. À exceção da questão dos eventos pós-suicídio - Limitados aqui a imagens-arquivo e letreiros que escolhem os fatos a serem contados -, o longa recria em seus cem minutos de projeção todos os acontecimentos ocorridos no período, apresentando desde as intrigas do poder ao caso envolvendo o atentado na rua Toneleros e o homem de confiança de Vargas, Gregório Fortunato (Thiago Justino, eficiente na composição do personagem). Para deixar esse quadro histórico-político ainda mais claro, a produção esclarece ao espectador quem é quem dos personagens coadjuvantes através de letreiros, tornando a obra muita mais documental que artística.
Como recriação histórica, Getúlio é uma obra eficiente, mas se limita apenas a isso. E em se tratando de uma personalidade tão importante e intrigante da política brasileira como o personagem-título, esta produção perde uma chance incrível de fazer algo mais.

Nota: 5/10

Crítica: O Passado

Asghar Farhadi traz visão melancólica em personagens de passado recorrente

Por Pedro Strazza

[Esta resenha talvez possua alguns leves spoilers sobre a trama do filme. Nada muito pesado, mas se quiser ver o filme como ele o é talvez seja melhor deixar este texto para depois da sessão.]
Se há uma coisa que assusta o ser humano, esta é o de enxergar a própria trajetória percorrida. Apesar de se compor de início como uma simples auto-análise, relembrar o passado é uma atividade que envolve muito da reabertura dolorida de erros cometidos ao longo de nossa curta existência a custo de absolutamente nada (afinal, qual seria o propósito de repensar brigas, conflitos e dramas desnecessários?) e de forma geralmente voluntária. Este exercício, além de punitivo, é causado em grande parte das vezes por um reencontro físico da pessoa com um objeto antigo ou uma pessoa cuja face não se via há tempos - E neste último caso, a dor infligida pelo reencontro aumenta à medida em que o tempo de convívio com o indivíduo passa.
Para Marie (Bérénice Bejo), o passado bate em sua porta quando seu marido iraniano Ahmad (Ali Mosaffa) desembarca em Paris para, a seu pedido, assinar o divórcio entre os dois. Dona de casa e atendente em uma farmácia, a francesa mora em uma pequena casa na periferia da cidade junto de Samir (Tamar Rahim), seu esposo, e três criançadas trazidas pelos dois de outros casamentos - Nenhum deles geneticamente ligado a Ahmad - em uma conflituosa convivência. Desconfiado das brigas que permeiam esta família, o iraniano vai aos poucos descobrindo os mistérios causadores de tamanhos rebuliços, todos envoltos nos passados de Marie e de seu cônjuge proprietário de uma lavanderia.
Interessantemente, todas as perguntas envoltas na trama de O Passado giram em torno da culpa não assumida. Seja na dor de Samir em não desistir da possibilidade de sua ex-mulher estar viva após o suicídio ou na de Marie e outras pessoas em talvez ter sido a grande responsável pelo suicídio desta - passando até pelos surtos de raiva e rebeldia do pequeno Fouad (Elyes Aguis) acerca dos mais diversos motivos - o filme evidencia como os personagens sofrem por tomar essa decisão a partir de suas trajetórias emocionais no longa. Os diálogos, realizados de maneira conflituosa na maioria das vezes (e encerrados de maneira não amistosa em quase todos os momentos), também ajudam a pintar esse duelo interior que ocorre nessas pessoas, pois tornam claros o quão problemáticas e mal-resolvidas elas são no que toca suas vidas.
Mas mesmo elaborando um quadro de desolação emocional o longa ainda encontra espaço para desenvolver um contraponto, representado pela figura de Ahmad. Apesar de ainda não ser o parâmetro ideal de personalidade, o iraniano possui aqui uma tranquilidade espiritual incomum ao roteiro, causada justamente pela ausência do medo em admitir seus defeitos e humanidade. Dessa forma, Ahmad torna-se o personagem perfeito para tentar auxiliar os outros a realizar tal caminho, e, mesmo que não alcançando o sucesso na maioria das vezes, sua participação é decisiva para operar algum tipo de mudança (mesmo que pequena) no interior dessas.
Ainda sim, o roteiro escrito pelo diretor Asghar Farhadi não apresenta quaisquer traços de otimismo, e deixa claro que a situação apresentada aqui não será resolvida pela breve estadia de Ahmad. As angústias de seus personagens, dolorosas em todas as medidas, seguirão acontecendo enquanto suas ações anteriores as assombrarem, e como os eventos do presente se baseiam no passado, esta psicologia depressiva só há de aumentar. Como na metáfora final de O Passado, deixar uma singela caixa de perfumes para trás em um hospital é uma tarefa tão difícil quanto seguir em frente sem olhar para trás e pensar: "E se eu tentasse de novo?".

Nota: 9/10

domingo, 4 de maio de 2014

Crítica: O Espetacular Homem-Aranha 2 - A Ameaça de Electro

Não é espetacular, mas está no caminho certo para ser

Por Pedro Strazza

Nascido no início dos anos 60, o Homem-Aranha é um super-herói que encanta pela complexidade psicológica escondida no interior de seu uniforme azul e vermelho. Adolescente, humilde, pobre e bullynado pelos colegas de escola, Peter Parker encarna em sua essência todos os dramas e conflitos emocionais vividos por qualquer pessoa de sua idade - incluindo aí os primeiros romances, trabalhos e perdas - ao mesmo tempo em que luta contra o crime com suas teias, ao contrário de outros vigilantes milionários como Batman ou o Homem de Ferro, supridos por fortunas ou poderes imensos. O mais incrível de sua personalidade, porém, é a vontade que o guia a superar suas sucessivas derrotas pessoais e o mantém seguindo o famoso lema eternizado por seu tio Ben: "Com grandes poderes vem grandes responsabilidades".
Quando foi adaptado para os cinemas pelas mãos de Sam Raimi, essa construção heroica do personagem se manteve com esplendor. Apesar de ter tropeçado feio no terceiro capítulo, o diretor de Evil Dead manteve no roteiro de seus filmes a índole presente em toda a trajetória de Peter Parker nos quadrinhos, intercalando a isso conflitos e combates que se encaixavam perfeitamente nas situações apresentadas na primeira trilogia. E no momento em que a Sony resolveu realizar um reinício à saga do Amigão da Vizinhança, fãs antigos e novos (estes últimos majoritariamente formados pelos longas originais) temeram ver nas telas uma versão incoerente do vigilante nas telas - temores que só aumentaram com o resultado mediano de O Espetacular Homem-Aranha, perdido em meio a uma proposta dark e incoerente ao protagonista.
O desafio proposto ao diretor Marc Webb e os roteiristas Jeff Pinkner, Roberto Orci e Alex Kurtzman para essa continuação, portanto, seria o de entregar ao público uma versão psicológica de Parker mais próxima de seu original nos quadrinhos do que visto na primeira tentativa do reboot. Para isso acontecer de fato, seriam necessários correções em todos os defeitos - A leitura rasa de Parker, a questão envolvendo os pais, etc. - e ajustes nos acertos do início da franquia - a química do casal principal, as adaptações diretas dos quadrinhos, etc. Além disso, a equipe criativa tinha que, a mando dos desejos financeiro do estúdio, estabelecer conexões para os futuros filmes derivados da franquia, mais especificamente a existência do Sexteto Sinistro.
Com tantos afazeres a serem feitos, pode-se afirmar que o resultado obtido por Pinkner, Orci, Kurtzman e Webb em O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro não é de todo perfeito, mas pelo menos bota o reboot no caminho certo. Divertido e dramático na medida certa, a sequência peca por abordar ao mesmo tempo duas tramas completamente distintas entre si e nada complementares, mas acerta ao manter um ritmo constante e empolgante à história que quer contar.
Este desenvolvimento "alegre" da narrativa é tecnicamente realizado por Webb através de uma fotografia berrante e rápida, típica dos quadrinhos. Ao contrário de seu antecessor, que procurava se assimilar ao clima mais sombrio da trilogia O Cavaleiro das Trevas, O Espetacular Homem-Aranha 2 usa de um visual colorido e de uma captação dinâmica de suas cenas (além de uma péssima trilha sonora de Hans Zimmer) em prol de uma maior diversão institiva do público - algo que se torna ainda mais visível na concepção física do vilão Electro (Jamie Foxx, canastríssimo na atuação) e no uniforme do próprio Cabeça de Teia.
Mas se na imagem o filme abandona a trilogia de Christopher Nolan, no roteiro ela ainda insiste parcialmente em utilizá-la como base. Principalmente no último ato, a produção usa (e abusa) de estruturas presentes em O Cavaleiro das Trevas e O Cavaleiro das Trevas ressurge - os inocentes postos indiretamente em perigo, a falsa sensação de vitória, o surgimento de um inimigo ainda mais poderoso, por aí vai - para conferir maior dramaticidade aos eventos, o que colide diretamente com o tom mais "leve" adotado e torna a experiência em um verdadeiro "cabo de guerra". Esse confronto de linhas narrativas fica ainda mais claro quando se analisa os dois grandes vilões e seus desenvolvimentos pessoais na trama: Se Harry Osborn (Dane DeHaan) realiza uma trajetória complexa (até onde é possível) de transformação psicológica para se tornar o Duende Verde, Max Dillon é um personagem de perfil extremamente superficial e estereotipado em sua evolução para Electro.
No centro desta confusão há ainda a relação entre Parker e Gwen Stacy, carregada do primeiro filme e novamente bem elaborada pelo diretor. Interpretados com carisma por Andrew Garfield e Emma Stone, o casal passa por crises ainda maiores devido à promessa que Peter fez ao falecido pai de sua namorada, tornando seus diálogos autorreferentes e fofos ainda mais interessantes. Aqui, a direção de Webb, aliada às performances dos atores, se faz fundamental, visto que o relacionamento dos dois é central para a trama e o desenvolvimento psicológico do protagonista como pessoa e super-herói.
A personalidade de Peter, por outro lado, mudou bastante do filme de 2012 para esse. Dividido entre uma personalidade hipster e nerd no primeiro capítulo, a produção abraça de vez aqui a primeira persona, mas não se esquece de manter (ou melhor, adaptar) as características do Homem-Aranha elaborado por Stan Lee em 1962, tais como o humor que descarrega nos vilões e o lado loser para relacionamentos, com o cuidado necessário.
Com final bombástico (mas prejudicado por uma conexão nada sutil com o Sexteto Sinistro) e ação veloz - Como Andrew Garfield bem disse em entrevistas, o Homem-Aranha nunca esteve tão Pernalonga -, O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro se constitui como um bom passo para o sucesso qualitativo da franquia. Ao eliminar tramas e defeitos desnecessários e adicionar interessantes ingredientes à mistura, o filme estabelece nos cinemas um novo Peter Parker, mas próximo da psicologia de sua versão original nos quadrinhos. Ainda há muito a ser feito na trajetória deste Homem-Aranha hipster, é claro, mas já se vê aqui algum progresso real.

Nota: 7/10

sábado, 3 de maio de 2014

Primeiras Impressões: Guerra da Trindade

Luz, câmera, confusão!

Por Pedro Strazza

Já não é novidade para ninguém que, em retrospecto recente, a DC Comics têm comido poeira da Marvel Comics no mercado de quadrinhos. Desde os tempos em que se salvou da falência, a editora de Stan Lee vem constantemente dominando as vendas de gibis nos Estados Unidos, deixando para trás nesse processo a rival tradicional da área, cujas tentativas de inverter esse panorama, à exceção da iniciativa Os Novos 52 (que mesmo sendo um sucesso cumpriu seu objetivo primário brevemente), sempre fracassaram.
As explicações para esse "fenômeno editorial" são várias - e incluem fatores como o crescimento da Marvel nos cinemas, compra desta pela Disney, maior número de mudanças bombásticas em seus personagens, etc. -, mas uma se destaca em termos de roteiro: As mega-sagas. Enquanto a Casa das Ideias realizava estes eventos grandiosos de seu universo na grande maioria das vezes com maestria e sabia separar o esqueleto principal destes das tramas nas revistas solos de seus super-heróis, a DC poucas vezes teve a mesma mão para esse tipo de história, fracassando a cada nova tentativa com um enredo mais e mais exagerado. Ciente disso, a editora de Batman e Superman se propôs, quando realizou o reboot de seu universo, a abandonar essa estratégia em prol do desenvolvimento individual de seus personagens, priorizando conflitos nos pequenos universos de cada vigilante e super-herói em arcos fechados como Morte da Família ou O Trono de Atlântida.
Mas a Marvel continuou a ampliar seu mercado com base nas mega-sagas, e a DC, perdendo público, precisou mais uma vez apelar para os grandes eventos. E como a mais recente empreitada da adversária envolveu o combate de suas duas maiores equipes de super-heróis, por que não fazer o mesmo?
Surge assim esta Guerra da Trindade, crossover preparatório da DC Comics para a grande saga Forever Evil (em português algo como Eternamente Vilão) que coloca em conflito as três maiores Ligas da Justiça de seu universo: A regular, a da América e a Dark. No centro deste combate entre amigos temos Pandora, a responsável pela abertura da caixa de Pandora, um dos três amaldiçoados pelo antigos a viver eternamente por causa de seus crimes, considerados os piores que a espécie humana poderia oferecer, e ainda responsável pelo pontapé inicial da pancadaria super-heroica.
Repleta de reviravoltas, trocas de lado e divisões entre equipes, a Guerra da Trindade oferece em sua confusa trajetória (tanto de roteiro quanto de revista, visto que tem seus capítulos principais pulverizados nas três revistas mensais das Ligas) uma típica estrutura das mega-sagas da DC Comics. Pelo menos nos três primeiros capítulos, elementos típicos de suas histórias como o inimigo nas sombras e a transformação de seus super-heróis em meros peões são empregados sem medo pelos roteiristas Geoff Johns e Jeff Lemire, que ainda fazem questão de evidenciar isso em seus diálogos - Torna-se até cômico perceber que o Arqueiro Verde ressalta duas vezes estar desconfiado da existência de um plano maior a partir do argumento "É o Superman, ele não faria isto!".
Ainda que carregue muitos desses pequenos clichês, entretanto, a história diverte pela própria proposta (afinal, quem não estava afim de ver Superman brigando com Shazam ou Zatanna se aliando à Liga da Justiça?), e isso pode ser um alicerce fundamental para o sucesso desta. Se apostar nesta tendência e deixar de lado a complexidade típica da editora, a Guerra da Trindade pode se tornar um bom ponto de início para a primeira grande saga dos Novos 52. Mas para isso será necessário uma pequena ousadia dos roteiristas, e eis que a maior questão da saga aparece.