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segunda-feira, 27 de junho de 2016

Crítica: As Montanhas se Separam

Jia Zhangke estabelece pesos iguais a universal e local em filme sobre tradição e a dificuldade de se comunicar.

Por Pedro Strazza.

Filmes de panorama tem no âmago de sua concepção uma inclinação de se dedicar mais às alegorias que fabulam em detrimento dos personagens e situações elaborados para tal fim. Essa decisão não é ruim, dado a própria complexidade e grandiloquência de temas aos quais estas obras se sujeitam a explorar, mas pode surgir depois como uma espécie de efeito limitador da aproximação que esses longas podem chegar a ter com o espectador, restringindo seu alcance a um âmbito muito mais local que seus realizadores gostariam de início. Em As Montanhas se Separam, o diretor Jia Zhangke encontra uma solução interessante para este aparente paradoxo.

A produção se divide em três momentos históricos distintos, que ocupam identificações simbólicas de tempos passado, presente e futuro. No primeiro, situado na Fenyang da virada do século XX para o XXI, o público é apresentado a Shen Tao (Tao Zhao), uma jovem trabalhadora que tem seu coração disputado por Zhang Jinsheng (Yi Zhang), um rico proprietário de um posto de gasolina, e Liangzi (Jing Dong Liang), típico minerador pobre da região; depois, a trama pula quinze anos no futuro para acompanhar as consequências mais imediatas da decisão tomada por Shen, que incluem ter de lidar com a morte recente de um membro de sua família e se aproximar de seu filho pequeno, Zhang Daole (Zishan Rong); por fim, o longa se situa no futuro de 2025, onde um agora adolescente Zhang, renomeado Dollar (Zijian Dong) e cidadão australiano, encontra-se indeciso sobre que caminho seguir com sua vida e é atormentado por um passado do qual não consegue se recordar.

Ainda que se torne visível somente no terceiro ato, esse tormento passado por Dollar não é exclusivo do personagem, mas também serve ao filme como uma emoção recorrente. Da evolução progressiva da trama em seus três momentos, Zhangke faz um retrato da entrada da China no novo século guiado por uma amargura subentendida, estabelecida no choque da tradição cultural do país com a globalização à qual este abraçou no campo econômico e que depois possibilitou o crescimento de sua importância no cenário mundial. Tal choque, porém, implica uma tragédia implícita, que promove a derrocada das tradições que caracterizam a unidade nacional e limam valores dos quais a sociedade se baseou para a sua própria formação cultural, em ordem de substituir estas por outras mais universais - uma questão problemática comum deste processo político-econômico do qual vive o mundo contemporâneo.

Esse drama local, tema central do lado panorama de As Montanhas se Separam, ocupa esta sua posição de direito nos dois primeiros terços do roteiro, que deixa evidente seus esforços de maneiras distintas em cada realidade apresentada. Se nas cenas de 1999 Zhangke recorre com frequência a materiais filmados por ele mesmo na época, capazes de levar o espectador àquele tempo e também criar imagens de impacto (a cena do caminhão com carga de carvão atolado ou da multidão em dia de ano-novo, por exemplo), no presente ele prefere ressaltar a mudança naquela cultura pela tecnologia e o contraste com o cenário, mostrando várias vezes seus personagens portando celulares e tablets de forma ostensiva e ao mesmo tempo retomando lugares envelhecidos e carcomidos pelo tempo. O cineasta também abre espaço para elementos presentes nos três momentos, e a que mais chama a atenção nesse caso são duas músicas ("Take Care", cantada em cantonês pela artista pop chinesa Sally Yeh, e "Go West", hit dos Pet Shop Boys) cuja oposição simbólica serve de tema musical ao filme.

Mas por mais fundamental que seja essa grande análise sociocultural, é na parte fantástica que o longa de Zhangke de fato se desprende de suas amarras e ganha uma intensidade quase sobrenatural. Isso porque a mudança de eixo (seja de protagonismo, com Dollar assumindo o posto da mãe Tao, ou da transição de realismo para uma imaginação do futuro) possibilita ao diretor que consiga explorar dramas humanos em tom mais igualitário com o quadro geral, sem que este de fato sofra perdas significativas de conteúdo.

Assim, o mundo de amanhã da produção, dominado pela globalização e marcado pelo abandono de tradições fundamentais (até mesmo a língua chinesa parece minguante!), cria um espaço cinematográfico peculiar a esta. Ao mesmo tempo que o filme se transporta de um ambiente local para um mais global, ele também particulariza e torna mais íntimo as situações vividas por seus personagens, cujos dramas por sua vez parecem intensificações da atualidade.

Mas que dramas seriam esses, capazes de envolver tanto o dilema cultural proposto por Zhangke no primeiro ato (um grande prólogo, bem pontuado pelo surgimento do título ao seu fim) e o mundo de hoje? A dificuldade de se comunicar soa como um capaz de arregimentar o todo, dado a própria tendência do diretor em se dedicar a apresentar momentos que evidenciem a artificialização dos meios comunicativos - o conflito entre Jinsheng e Liangzi no passado, as conversas constantes de Daole com a madrasta (que nunca é apresentada) pelo Skype e o uso massivo de celulares no presente - e aprofundem o tema em momentos críticos, como na luta de Dollar para conversar em inglês com o pai (cuja identidade não será revelada aqui para preservar a trama) reticente em deixar de falar o chinês ou, depois, na natureza do relacionamento do protagonista com sua professora Mia (Sylvia Chang).

Dessa maneira, Jia Zhangke cria uma concomitância fascinante entre uma problematização de uma tema de ambientação local (a evaporação e a tentativa da preservação da tradição move a trama em todos os instantes) com a abordagem de questões universais e de fácil identificação. Isso tudo dentro do campo de uma imagem que, apesar de atualizada a cada pulo temporal, ainda é capaz de causar uma impressão e fazer o espectador questionar a própria natureza do objeto em real análise aqui: a tradição. Partindo de passado e presente para atingir o futuro, As Montanhas se Separam é um filme dotado de uma transcendentalidade temporal extraordinária e, felizmente, bastante única.

Nota: 10/10

sábado, 25 de junho de 2016

Crítica: Independence Day - O Ressurgimento

Sequência parece vinda diretamente dos anos 90, mas traz novidades.

Por Pedro Strazza.

Não chega mais a ser novidade que a popularidade do cinema de Roland Emmerich tenha ido por água abaixo desde Independence Day. Diretor formado pelo blockbuster desde que veio trabalhar nos EUA, o alemão ficou mais conhecido por filmes desastre como Godzilla, O Dia Depois de Amanhã e 2012 nos anos posteriores ao longa estrelado por Will Smith e Jeff Goldblum, sem contudo reproduzir o mesmo impacto na bilheteria ou até de qualidade. É para a surpresa de ninguém, então, que o cineasta volte ao longa que o lançou no mercado, produzindo quase vinte anos depois a sequência inevitável para seu maior sucesso.

Esse retorno, entretanto, não revela apenas uma simplicidade mercadológica no raciocínio de Emmerich, mas também um pouco mais do que funciona e não funciona em seu cinema dito "destrutivo" quando posto ao lado de outros trabalhos de sua carreira. Pois enquanto nos três filmes desastre citados acima o diretor tende ao banal e a problemas graves de conteúdo, no primeiro Independence Day e nesse O Ressurgimento ele mostra uma coesão incomum dentro do gênero e das grandes produções hollywoodianas, do qual só se beneficia quando mais precisa. É como se Emmerich só funcionasse nos filmes dessa agora franquia de guerra entre aliens e humanos, até porque é nela que ele parece acreditar de fato na mensagem que passa.

Ambientado exatos vinte anos depois do original e em uma realidade onde a sociedade aproveitou-se dos restos da invasão alienígena para desenvolver sua própria tecnologia, o longa mostra um segundo ataque empreendido pelos aliens ao planeta Terra, dessa vez em uma escala bem maior. A estrutura da trama, escrita por Nicolas Wright, James A. Woods, Dean Devlin, James Vanderbilt e o próprio Emmerich, é bastante similar à do primeiro capítulo, adicionando novos e jovens personagens (representados por atores como Maika Monroe, Liam Hemsworth e Jessie T. Usher) e buscando no fundo os mesmos objetivos de entretenimento despretensioso e moral de união dos povos.

Mas se na superfície o longa demonstra um claro conforto em manter o tom idêntico ao do antecessor, indicando uma clara preferência pela nostalgia noventista que cada dia mais caracteriza as produções de alto orçamento estadunidenses, Independence Day - O Ressurgimento traz novidades que simultaneamente o mantém preso aos dias de hoje - mesmo tendo seu conflito travado em um mundo 100% diferente do real - e não atrapalhem sua fórmula. Seja no elenco mais inclusivo (e que atende interesses econômicos, como a maior participação da China bem exemplifica), na total globalização do planeta vista concebida pela trama ou até na leve mudança de eixo que tira a moral nacionalista da história e a substitui por uma mais global, essas atualizações proporcionam um frescor necessário à armação exagerada do filme, cuja escalada incessante para eventos maiores cansaria o espectador em menos de cinco minutos.

O grande atrativo da obra, porém, continua a ser as pequenas intersecções com outros gêneros feitas dentro do próprio filme desastre que realiza, agora alinhados com uma convicção plena do diretor em se divertir pelo blockbuster, ainda que prejudicado ora ou outra pelos próprios esforços de serialização da história (mais danosas no fim do terceiro ato). A ação que permeia as batalhas sempre é capaz de abrir espaço para o longa englobar esses experimentos, como a do terror inerente na cena de perseguição envolvendo um monstro gigante com uma arma atrás de um ônibus escolar ou na espécie de reprodução de uma Guerra do Vietnã dentro da espaçonave alienígena. Emmerich é pragmático na execução desses momentos, focado em tirar diversão da vocação para filme B da produção, mas aqui e ali tem momentos inspirados, principalmente quando faz a progressão comparativa da escala dos armamentos e objetos utilizados por aliens e humanos - e seu uso de planos abertos que forcem o fator "uau" em cima do tamanho destes, similar aos de Gareth Edwards em Godzilla, é bastante divertido.

É aí que mora talvez o ponto de separação dos dois Independence Day de outros trabalhos do cineasta no gênero. Se a destruição de cidades e pontos turísticos em 2012 e O Dia Depois de Amanhã soam contraditórias por quererem escapar do superficial mas no fim o assumirem como principal atrativo, em O Ressurgimento a adesão escancarada a esta (presente até mesmo no elenco mais velho e liderado por atores como Jeff Goldblum e, óbvio, Bill Pullman) permitem a diretor e filme que funcionem dentro do ridículo estabelecido, concebendo um espaço onde sua noção de entretenimento é capaz de ser explorada com satisfatoriedade. Por mais efêmero que seja, Independence Day - O Ressurgimento é um dos poucos produtos dos anos 2010 a se beneficiar dos resquícios de uma aura noventista ditada pelo imediatismo, com um mínimo de consideração feito pela posterioridade.

Nota: 8/10

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Crítica: Como Eu Era Antes de Você

Conto de Bela e a Fera tem no conforto seu modo de operação.

Por Pedro Strazza.

Assim como todo romance adolescente dos dias de hoje, Como Eu Era Antes de Você parte de uma tragédia mais ou menos anunciada. Vítima de um atropelamento de moto que lhe tirou os movimentos do corpo há dois anos, o herdeiro milionário Will Traynor (Sam Claflin) tem uma vida depressiva e isolada, preso a uma cadeira de rodas que detesta e uma rotina difícil de dores e medicamentos. Para auxiliá-lo nas tarefas do dia-a-dia, seus pais contratam a alegre e vibrante Lou Clark para ser sua ajudante, e estando disposta a trazer alguma alegria a ele não demora muito para os dois se apaixonarem.

É uma situação de opostos que rapidamente se configura no filme de Thea Sharrock e se revela como principal mote para esta elaborar e entrelaçar seus protagonistas. Baseado no livro homônimo de Jojo Moyes (que também assina o roteiro da adaptação), o longa busca deixar claro do princípio essa sua estrutura típica dos romances com toques de Bela e a Fera, com uma espécie de homem "ideal" amaldiçoado e afastado da sociedade que tem seu mau agouro desfeito por uma bela, inocente e humilde donzela (também o ponto de vista do espectador na história) mesmo os dois possuindo nada em comum a primeira vista. Uma posição bastante confortável, diga-se de passagem.

Sharrock se contenta em executar a trama de forma mecânica, presa a uma narrativa que não permite grandes arroubos criativos ou sequer inspirados. O filme se basta no jogo romântico que faz entre Will e Lou, sem se dedicar muito a apresentá-los no começo como forma de manter seus perfis antagônicos em maior evidência - ele com seu semblante triste, culto, de elite e representante da morte (algo um pouco problemático se pensar que sua depressão após o acidente é natural e o longa trata isso como exceção, mas Claflin sabe disfarçar o problema com uma atuação entretida em materializar o seu lado Fera), ela sempre otimista, de gosto popular e com um guarda-roupa berrante, colorido e bastante representativo da espontaneidade da vida -, e se prende a isso até o fim. A diretora bem tenta desenvolver uma dinâmica visual capaz de retratar o trauma de Will com o toque (e o momento no qual seu antigo amigo, após revelar que irá se casar com sua ex-namorada, se despede dele colocando a mão em seu ombro é bem representativa disso), mas os mecanismos da fórmula ao qual se submete não a permitem ir muito além na proposta.

A bem da verdade, a única mudança de eixo que Como Eu Era Antes de Você busca realizar aqui é o da transformação final, antes dada à criatura e nesse caso conferida à garota. Uma reforma simples da fórmula, com seu encanto por proporcionar uma moral libertadora e um pouco mais interessante que o habitual, ideal para unir casais pelo típico amor trágico dos jovens. A comodidade chama mais alto nesse caso, mas a produção parece estar tranquila quanto a essa decisão.

Nota: 4/10

sábado, 11 de junho de 2016

Crítica: Invocação do Mal 2

James Wan volta a fazer terror lúdico baseado no casal Warren com novidades revigoradoras.

Por Pedro Strazza.

Já bastante complicado como conceito, a continuação torna-se ainda mais difícil de dar certo dentro do terror, gênero acostumado a trabalhar pelo inédito mesmo quando reaproveita valores já abordados no passado. Trabalhar uma sequência para um filme que se sustenta pelo medo implica a seus realizadores ir além da mera refabricação, precisando de fato acrescentar novas camadas e mecanismos que tragam o espectador mais uma vez ao ponto de partida e façam-no temer um desconhecido agora nem tanto desconhecido por ele.

No caso de Invocação do Mal, filme de 2013 que foi muito pautado pelo exercício do gênero em sua forma mais pura e descolada da realidade o possível - e que gerou no processo uma obra bastante funcional -, a solução encontrada pelo diretor James Wan e seus parceiros no roteiro Carey Hayes, Chad Hayes e David Johnson foi a de não manter-se preso às restrições do original. O que sua sequência faz é justamente encaixar o exercício em um contexto, com o objetivo de aumentar a tensão e os sustos. Assim, o casal de investigadores paranormais Ed (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga) não mais precisa ajudar uma família dona de uma velha e isolada mansão mal-assombrada nos pântanos estadunidenses, mas sim uma assombrada por uma entidade dentro de uma casa típica dos subúrbios da Inglaterra do governo de Margaret Tatcher. 

Ainda que se deixe afetar por esse encaixe histórico (fica claro do princípio a busca da trama por uma afinidade entre o caso e as medidas individualizadoras da Dama de Ferro), a estrutura permanece tão lúdica quanto a do primeiro capítulo. Wan aproveita o cenário no qual a trama se situa como elemento de potencialização de seu terror, principalmente na primeira metade do longa, onde precisa estabelecer a criatura da vez e suas vítimas - no caso a mãe divorciada e trabalhadora Peggy Hodgson (Frances O'Connor) e seus filhos, incluindo a pequena Janet (Madison Wolfe) que serve de interesse da vez ao demônio.

Fartos na narrativa e onde Invocação do Mal 2 pode exercer de fato o que se espera dele, esses momentos são os melhores do filme, aliando os excessos de estilo de seu diretor com uma paixão escancarada pelo gênero para criar o horror de sua história. Além de repetir os jogos de visão do espectador por movimentos de câmera muito mais perceptíveis (e em alguns casos até com maior sucesso, a exemplo de toda a sequência envolvendo o quadro na casa dos Warren), Wan também mostra maior conforto nas referências que faz  aos ícones visuais do terror, capazes de enriquecer a experiência pela simples lembrança. Essa iconografia, presente também no original e no derivado Annabelle e que aqui faz referência a longas célebres como O Iluminado, O Exorcista e Horror em Amityville, é o que no fim a agora franquia parece trazer de novo ao gênero, numa tradução encantadora de sua própria cinefilia.

É uma proposta admirável, mas que não esconde do público a má resolvida conexão desta com o viés "família" que o longa segue conforme se aproxima do fim. Embora siga a cartilha e quebre as relações entre os personagens para torná-los - junto com o espectador - suscetíveis à influência do espírito que os assombra, Wan ainda possui alguma esperança na unidade familiar como salvação, e não se resguarda em manter essa chama acesa em cenas como a de quando Ed Warren canta Elvis para as crianças. Nem todo terror precisa terminar de maneira pessimista, é verdade, mas por funcionar na incerteza ele não é capaz de comportar a confiança de que tudo vá dar certo enquanto acontece - algo pelo qual o filme não está disposto a abandonar.

Isso, em parceria com o caráter episódico com o qual a franquia se encaminha para adotar como característico, talvez impeça Invocação do Mal 2 de realmente materializar o horror ao qual se dedica, reduzindo-o a uma casa de sustos mais elaborada. Uma estrutura que se desgasta com rapidez, mas que não deixa de ser divertida quando em mãos certas, seguras e dispostas a fazer a manutenção necessária para manter as coisas interessantes.

Nota: 7/10

domingo, 5 de junho de 2016

Crítica: Warcraft - O Primeiro Encontro de Dois Mundos

Adaptação perde toda a força na abordagem distante das relações.

Por Pedro Strazza.

É um incômodo denominador comum entre grande parte das adaptações de videogames para o cinema a maior necessidade de se dar maior e desproporcional espaço na narrativa ao cenário no qual a história se desenrole, mesmo que a estrutura concebida por estes não seja desenvolvida para suportar tal fim. Extremamente vital na construção do game como obra, essa inserção do jogador ao meio e contexto vivido pelos personagens ao quais interage é muito diferente daquela pela qual o espectador é submetido quando este assiste a um filme, que defronte à tela não possui nenhum elemento de contato com a produção além do próprio olhar e, logo, depende do que a câmera lhe mostra para conhecer e entender a situação ao qual o longa busca apresentar ali. É uma diferença sensível e lógica, mas que ainda não foi bem compreendida por quem arrisca traçar a ponte de game para filme, gerando resultados bastante desastrosos no processo.

Bom exemplo deste problema é Warcraft - O Primeiro Encontro de Dois Mundos, a transposição do jogo on-line da Blizzard Entertainment para as telonas. Dirigido por Duncan Jones, o épico fantástico tem em mãos todos os elementos necessários para materializar essas suas propensões ambiciosas de gênero, mas ele parece preso a demandas que a princípio o impedem de estabelecer suas bases e, mais tarde, o derrubam em seus próprios conceitos.

Escrito por Jones e Charles Leavitt, o longa reconta as origens do conflito entre orcs (agrupados pela bandeira da Horda) e humanos (reunidos pelo nome de Aliança), formado a partir do momento que os primeiros invadem o mundo dos segundos através de um portal criado pelo vilanesco mago orc Gul'dan (Daniel Wu). Buscando manter a paz do território chefiado pelo rei Llane (Dominic Cooper) e salvar seu povo do inimigo, o cavaleiro Lothar (Travis Fimmel), ao lado do aprendiz de mago Khadgar (Ben Schnetzer), vai atrás de Medivh (Ben Foster), Guardião do reino e em teoria único capaz de oferecer proteção à população e às tropas. Nesse meio tempo, o orc Durotan (Toby Kebbell), que acaba de ter um filho com a esposa Draka (Anna Galvin), tem suspeitas de que o poder utilizado por Gul'dan para abrir o portal são os mesmos responsáveis pela destruição dos recursos de seu planeta natal, e junto do amigo Orgrim (Robert Kazinsky) e da orquisa mestiça Garona (Paula Patton) tenta criar alguma comunicação com os humanos para estabelecer a paz entre os dois povos.

Como se pode perceber pelo parágrafo acima, o longa possui as propensões de uma fantasia medieval grandiosa, que tem na macroestrutura a intenção de deslumbrar e encantar o público com sua História. E visualmente Jones materializa essa vontade de sua produção com bastante eficácia, criando ambientes e personagens de traços exagerados, seja pelos humanos com suas armaduras de ombreiras gigantes e espadas de guarda-mão ornamentadas mais do que o normal ou os orcs com seu design que mistura cartunesco (as mãos e corpos desproporcionais) e realismo (os rostos) com alguma eficácia. O diretor mostra-se aqui bastante à vontade para criar uma identidade visual distinta, que diferencie o filme de outras obras do gênero.

Jones, entretanto, mostra-se deslumbrado demais pela apresentação e configuração deste universo no cinema, e parece esquecer que o que proporciona a sensação de grandeza de tais épicos - e ao qual ele tanto busca repetir em Warcraft, sem sucesso - são as pequenas histórias que permeiam e formam a História daquele mundo. E chega a ser triste as consequências de tal equívoco: enquanto o diretor de forma débil recorre aos momentos de maior exibição de poder e de teste de força para alimentar os ápices de sua história, os arcos vividos pelos atores de tais atos são abandonados, introduzidos às pressas somente para dar alguma base ao espectador e não tomar muito tempo do resto da parte (em teoria) mais atrativa da trama, que acaba esvaziada de maior sentido emocional justamente por tais ausências. Tragédias se desenrolam e mortes acontecem, mas tudo soa distante e muito frio ao público, incapaz de sentir qualquer interesse com os personagens e seus destinos.

É claro que Jones não faz isso de forma inconsciente. O diretor quer que o espectador tenha maior atenção no quadro maior do roteiro, focada na grande guerra entre humanos e orcs e nos efeitos desta nas duas sociedades em igual medida, visando uma problematização do tema mais interessada nos coletivos ao invés dos indivíduos. Essa decisão, porém, se perde na distância concebida, que impede Warcraft de ter bons personagens dispostos a trabalhar tamanha temática com a eficiência necessária e termina por contribuir para tornar a história em um enrustido confronto maniqueísta. O Primeiro Encontro de Dois Mundos tem intenções boas, mas sua frieza com seus elementos o esvaziam de todo e qualquer encanto.

Nota: 4/10

sábado, 4 de junho de 2016

Do Baú: Sin City - Balas, Garotas e Bebidas

Contos servem de frontispício para maculada cidade de Frank Miller.

Por Marina Ammar.

Reunindo onze contos escritos e desenhados por Miller, Balas, Garotas e Bebidas é o ideal abrir de cortinas para o universo de Sin City.

Os contos são curtos, altamente climáticos e de temas e personagens variados, alguns decerto melhores do que outros, mas no todo uma leitura tão empolgante quanto angustiante, o que Sin City algum não pode deixar de ser. O desenho de Miller, primoroso no contraste entre preto e branco e no uso de luz e sombra, entrega os segredos e violências da cidade de forma explícita ou sutil quando necessário, casando bem com a narrativa de pegada noir e retornando com personagens dos volumes principais, como Marv, Nancy, Gale, Dwight e até mesmo a dupla de assassinos Fat Man e Little Boy. 

Além das costumeiras violência e sensualidade, Balas, Garotas e Bebidas também traz humor consigo, de forma ocasional e passageira, às vezes bem-vindo e outras nem tanto. Apesar disso, a atmosfera geral se mantém sólida ao longo de cada conto, – principalmente sustentada pelos desenhos de Miller, muitas vezes surpreendentes na escolha de enquadramento e sequencialidade – e a Sin City conhecida de volumes anteriores se mantém a velha e nem tão boa cidade de sempre. 

Em suma, é uma das leituras mais leves que se pode ter dentro do universo de Sin City, tanto porque, em histórias curtas, não há tempo para que se forme um apego a qualquer causa ou personagem. Mas é também justamente pela duração das histórias que, apesar de possuírem momentos chave de tensão, não permitem que a angústia permaneça. Para os leitores acostumados e fãs de outras histórias da cidade (ou mesmo dos filmes) o volume é uma adição interessante ao universo de Sin City, um reencontro em leitura confortável com os personagens já conhecidos e os apresentados pela primeira vez.

E para os novos leitores, é um abrir portas para um universo envolvente e personagens bastante cativantes em sua quase geral condição de anti-heróis, um convite sucinto para que o leitor volte a visitar a cidade de Sin City, apesar dos riscos. 

Nota: 6/10

Na seção "Do Baú", a equipe do site analisa e indica histórias em quadrinhos que já foram lançadas no exterior há algum tempo e que recentemente foram republicadas no Brasil, seja o motivo de sua reimpressão a sua chegada tardia nas bancas e livrarias do país, a mudança de seus direitos de publicação para outra editora ou que ela ganhou uma nova e melhorada edição.