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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Crítica: À Procura

Busca por menor fracassa nos aspectos técnicos da produção

Por Pedro Strazza


Existem vários maneiras de se enxergar um sequestro. Pode-se analisar o evento e todo as suas propagações através da perspectiva dos indivíduos responsáveis por tal crime, como também é possível tomar o ponto de vista das vítimas mantidas em cativeiro por estes ou até pelas pessoas afetadas de forma indireta pelo rapto. Seja qual for, é importante para aquele que analise esse tipo de acontecimento um posicionamento, que irá se refletir em toda a obra acerca do assunto.
Em À Procura, essa lógica "pessoal" parece ser desconsiderada. Pela fotografia pautada em cores frias e as cenas localizadas em diversos espaços temporais da trama, o diretor Atom Egoyan demonstra já no início do filme uma tendência à imparcialidade quanto à história que irá contar, e desenvolve isso ao adotar em sua narrativa diversas linhas de continuidade. Para ele, afinal, o relato do longo desaparecimento da jovem Cass (Peyton Kennedy quando criança, Alexia Fast na adolescência) não tem como ser abordado apenas sob a perspectiva de seus pais ou da polícia, mas sim por todos os envolvidos no caso - seja emocionalmente ou criminalmente.
De fato é uma escolha curiosa na teoria, mas na prática revela-se muito mal aplicada. O roteiro escrito por David Fraser e Egoyan aposta em desenvolver a temporalidade da história de forma não-linear, mas equivoca-se ao estruturá-la sem nenhum indicativo claro do quando seus eventos ocorrem, deixando a trama confusa em diversos momentos. Além disso, o texto do filme superficializa seus personagens em estereótipos aborrecidos, como o do pai de inteligência limitada (pelo menos é isso que Ryan Reynolds passa em sua atuação) ou o do sequestrador que se apega à sua vítima.
Não bastasse esses defeitos, o roteiro ainda é permeado por gravíssimos erros de continuidade, esclarecidos pela péssima montagem de Susan Shipton. Cenas envolvendo a força policial conduzida pelos personagens de Rosario Dawson e Scott Speedman, por exemplo, evidenciam várias vezes uma clara inabilidade profissional destes com o caso, e tornam ridículo todo o suspense em cima da situação. Para piorar, a trilha sonora pouco inspirada de Mychael Danna é usada de forma boba para pontuar mal a história, e consequentemente prejudica o ritmo do longa.
Incapaz de revelar seus mistérios na hora certa e dotado de um desfecho sem graça, À Procura é um fracasso contundente como análise da situação ou exercício de gênero. Para a obra, falta a tensão climática ou os personagens de intenções mais profundas para tornar o sequestro da criança mais preocupante ou instigante para seu espectador, que, sem estas características, só pode rir dos feitos artificiais feitos pelos protagonistas em sua procura supostamente desesperadora.

Nota: 1/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Marvel anuncia Fase 3 nos cinemas e U-A-U

Demorou, mas finalmente aconteceu. Em evento especial realizado no cinema El Capitan, em Los Angeles, a Marvel Studios anunciou hoje para o mundo toda a sua INCRÍVEL agenda da chamada Fase 3 nos cinemas, que vai até o primeiro semestre de 2019. No planejamento do estúdio, vários rumores se confirmaram, incluindo projetos e até escolhas de elenco, mas houveram MUITAS surpresas!
Vamos ao calendário:

  • Em 2016, chegam às telonas Capitão América 3 - GUERRA CIVIL(!!!) e Doutor Estranho, respectivamente nos dias 6 de maio e 4 de novembro;
  • Para 2017, a Marvel vem pela primeira vez com três filmes no cardápio: Guardiões da Galáxia 2 (5 de maio), Thor - Ragnarok (28 de julho) e Pantera Negra (3 de novembro);
  • No ano de 2018, novamente uma trinca de filmes, agora com Vingadores - Guerra Infinita: Parte 1 (4 de maio), Capitã Marvel (6 de julho) e Inumanos (2 de novembro);
  • E em 2019, a Marvel fecha sua terceira fase nas telas com a segunda parte de Vingadores - Guerra Infinita, que sai no dia 3 de maio.
Outro anúncio importante feito por Kevin Feige (presidente da Marvel Studios - e agora do mundo nerd) na ocasião foi a oficialização de Chadwick Boseman como intérprete do Pantera Negra, que além de ter confirmado seu filme solo e sua participação no terceiro capítulo da história de Steve Rogers ganhou uma primeira imagem conceitual de seu visual nos cinemas:

domingo, 26 de outubro de 2014

Crítica: Relatos Selvagens

Fúria irracional e cômica permeia antologia do cotidiano

Por Pedro Strazza

Se violência gera violência, o mundo de hoje está perdido, e o argentino Damián Szifrón sabe muito bem disso. Em Relatos Selvagens, seu terceiro longa-metragem como diretor, o cineasta traz na série de pequenos contos a agressividade do cotidiano, que acontece nos mais diferentes níveis e por diferentes razões. Elas carregam, entretanto, uma característica em comum: Todas foram geradas pelo ser humano e seus atos egoístas.
O egocentrismo de fato é um tema presente em todas as seis histórias escritas por Szifrón. Do pequeno prólogo que envolve uma série de coincidências absurdas em um avião até o desfecho em um casamento fadado ao fracasso, o filme traz em sua rica variedade de personagens a constante do privilégio aos próprios objetivos, e ensaia em alguns momentos um discurso de que a sociedade estaria em queda justamente pelo descaso com o próximo. O segmento Bombita, estrelado por Ricardo Darín, é o que mais evidencia essa tendência crítica da obra ao evidenciar a violência gerada pela relação submissa que o povo de forma insatisfatória tem com a corrupção.
Sob este aspecto, o problema maior do trabalho de Damián é a necessidade em precisar pontuar violentamente (ah, a ironia) a narrativa com pequenas lições de moral a cada novo capítulo mostrado. Sem sutilezas, o texto ácido do cineasta discorre críticas a diversos setores da sociedade, apontando-os como supostos culpados do estado agressivo que a humanidade vive. Discurso este que, claro, irá encontrar simpatizantes em vários espectadores insatisfeitos com o modelo atual de governo ou com os rumos da sociedade.
Digressões teóricas à parte, Relatos Selvagens é incrível pela maneira como constrói e evolue as suas cenas cotidianas de violência para causar humor. Sempre vindo de longe - repare como Szifrón mostra o perigo chegando ao personagem de Leonardo Sbaraglia e seu carro em O Mais Forte -, a fúria irracional é levada ao extremo pelo diretor e roteirista em cada um dos contos, e suas consequências desproporcionais aos eventos iniciais geram um humor negro dos mais risonhos. Não à toa, portanto, que as histórias dos motoristas e do casamento se destaquem com naturalidade das outras (também excelentes e muito interessantes) quatro, pois seus desfechos são os mais absurdos e hilários.
É na capacidade de fazer rir pelo exagero da violência cotidiana que o filme ganha força em sua narrativa e cria interesse nas histórias que conduz com sagacidade e bom ritmo, e não pelo discurso subtextual construído nestas. O grande truque empreendido por Szifrón aqui, porém, é o de oferecer em Relatos Selvagens os dois caminhos simultaneamente, sem prejudicar um ou outro no processo. Violência gera muita violência, mas isso não quer dizer que não possamos rir um pouco dela.

Nota: 8/10

sábado, 25 de outubro de 2014

Crítica: Drácula - A História Nunca Contada

Vampiro vira super-herói na história que nunca deveria ter sido contada

Por Pedro Strazza

Não é de hoje que a Universal quer ressuscitar sua franquia de monstros. Conhecida no passado pela produção desses filmes (e que incluem aí versões famosas como a de Drácula com Béla Lugosi), o estúdio vem tentando, principalmente na última década, trazer de volta estas criaturas às luzes do sucesso, e para isso cometeu obras como a trilogia A Múmia. Mas os retornos cada vez menores de bilheteria do gênero levaram a empresa a progressivamente abandonar o projeto e procurar por novos, e os seres fantásticos do horror dessa maneira foram deixados para outro momento.
O sucesso da Marvel Studios em conceber um universo lucrativo nos cinemas levou a Universal, entretanto, a repensar o planejamento. Querendo uma mínima parcela do sucesso da empresa dona dos Vingadores, o estúdio resolveu tomar como base sua concorrente e transformar a sua franquia em um universo de monstros, de forma a potencializar o sucesso financeiro destes. E o primeiro capítulo desta nova fase das criaturas é Drácula - A História Nunca Contada, centrada justamente no famoso vampiro de Bram Stoker e sua origem.
O estúdio acreditou mesmo, porém, que o formato cinematográfico dos heróis da Marvel poderia ser aplicado passo a passo em qualquer tipo de gênero, e logo no início de seu universo cometeu um erro básico. Interpretado por um dedicado Luke Evans, o Drácula dessa história emana quase sempre os valores e características típicas de um herói dos quadrinhos, mas nunca o perfil do personagem original. Assim, sai de cena o vampiro sedutor e mortal, e entra o homem vítima dos acontecimentos à sua volta e que tenta ser bom da melhor maneira possível.
O roteiro de Matt Sazama e Burk Sharpless também sofre muito dessa interpretação superficial. A visão da guerra e das afetadas por ela, um dos temas centrais da trama, é rasa e prejudicada por metáforas óbvias - "Vocês marcharão sob meu comando com a visão obscurecida" diz em certo momento o vilão Mehmed (Dominic Cooper) -, e o arco trilhado pelo protagonista no longa carece de melhor formatação e execução. Em linhas gerais, o filme dá impressão de que Vlad Tepes (o futuro Drácula), mesmo insistindo no contrário, governe não por seu povo, mas por sua mulher (Sarah Gadon) e seu filho (Art Parkinson).
Ainda dirigido sem imaginação por Gary Shore nas cenas de ação e com um clímax perdido e sem nexo, este Drácula - A História Nunca Contada acrescenta nada novo e interessante ao vampiro mais famoso de todos e sua história. O potencial do universo iniciado, por outro lado, é visível no personagem de Charles Dance, que entre frases de efeito clichê e ações supostamente tenebrosas dá um caminho curioso para os monstros da Universal. Isso, pelo menos, se o estúdio der mesmo continuidade a seu projeto.

Nota: 3/10

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Crítica: Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência

Roy Andersson, o comediante filósofo (ou é o contrário?)

Por Pedro Strazza

O humor é uma forma curiosa de se interpretar e criticar a sociedade e o ser humano. Pelo riso, diversos cineastas já trouxeram às telonas diversos temas sociais e filosóficos sob os mais variados ângulos, empregando a estes sua própria visão (geralmente com muito sarro) do assunto. E quando bem trabalhado, este processo "analítico-risonho" iniciado pelo "humorista" pode gerar um impacto estarrecedor no espectador.
No mundo do cinema, existem vários mestres do riso conhecidos por essa maneira pensante de fazer o público rir, e um deles é Roy Andersson. Sueco, ele é responsável por este Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência, filme que lhe rendeu o Leão de Ouro no Festival de Veneza e encerra a sua trilogia "sobre ser um ser humano", iniciada por Songs From the Second Floor e Vocês, os Vivos.
O longa apresenta desde seu primeiro minuto todas as características de Andersson como diretor e roteirista. Pautada por vinhetas, a narrativa traz em meio à várias subtramas a história de Jonathan (Holger Andersson) e Sam (Nils Westblom), dois vendedores "de entretenimento" que procuram sobreviver da melhor maneira possível na fria e complicada Sué...
Ok, pra falar a verdade isso não interessa tanto. O que de fato importa (e impressiona) em Um Pombo é a maneira como Roy filma suas situações bizarras e as excêntricas pessoas envolvidas nestas, e como ele une todas elas para criar sua "teoria" sobre nós, seres humanos, e a existência. É pelos planos estáticos que forçam a evidência do ponto(s) de fuga - e que consequentemente fazem saltar à tela os cantos das paredes - dos cenários de cores frias e de seus personagens de duro movimento e faces pálidas, afinal, que o cineasta trabalha o seu pensar filosófico sobre a humanidade e suas problemáticas universais e eventualmente tira do público alguma risada alta ou disfarçada, fazendo-o refletir sobre aquilo que lhe é apresentado. Aqui, Andersson dá a impressão de ser um teórico disfarçado de humorista - ou pior, ser um humorista disfarçado de teórico! -, e parece transformar sem pudor algum a tela em um palco de teatro sueco (ou não) para alcançar seus objetivos.
O jeito como o diretor liga tudo isso, porém, é o grande atrativo de sua obra. Através da peculiar estrutura descrita acima, Andersson forma a sua narrativa por meio de elementos e personagens que como o refrão de uma música voltam para emendar os segmentos mostrados de forma sutil e risonha, a exemplo dos arrulhos de pombos que nunca aparecem ou da afirmação "Fico feliz de saber que você está bem", repetida cada vez mais dolorida pelas pessoas em cena. A recorrência da figura do pombo, por sinal, parece trazer à tona uma comparação curiosa entre a ave e o homem, como se nós, mesmo com toda a nossa complexidade, fôssemos tão ridículos e inúteis quanto o pássaro.
Deu pra ver o poder de reflexão do filme nesta última afirmação? Pois é isto mesmo que Roy Andersson procura e atinge em Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência. Na loucura e na comicidade, o sueco atinge uma profundidade filosófica invejável sobre o universo e todo o mais, e faz sair pensativo da sessão até o mais superficial dos homens. Ou assim ele espera.

Nota: 10/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

Crítica: Dois Dias, Uma Noite

Os 16 desafios de Marion Cotillard

Por Pedro Strazza

O cotidiano sempre oferece histórias interessantes, e o cinema é muito consciente disto. Em meio às suas biografias glorificantes e seus épicos estrondosos, a indústria cultural e seus envolvidos encontram no dia-a-dia da sociedade tramas repletas de intrigas, reviravoltas, momentos cômicos e dramáticos e (principalmente) de personagens profundos, às quais transmite ao grande público por meio de suas grandes telas e seus exageros artísticos - pois afinal, quem gostaria de assistir a um filme que não tenha um pouco da famosa "fantasia do cinema"?

A resposta são os irmãos belgas Luc e Jean-Pierre Dardenne, que preferem não se utilizar desses excessos para contar suas histórias ambientadas na dura realidade e provam isso mais uma vez com este Dois Dias, Uma Noite. Com roteiro e direção da dupla, o longa acompanha Sandra (Marion Cotillard), uma operária que certo dia descobre que está prestes a ser demitida do lugar onde trabalha após uma votação entre seus 16 colegas sobre escolher, em tempos de recessão econômica, entre ou o bônus de final de ano ou o emprego dela. Conseguindo um novo sufrágio, ela e seu marido Manu (Fabrizio Rongione) tem então dois dias (e a uma noite do título) para conseguir convencer a maioria dos trabalhadores a mudar o voto e desta maneira manter a sua vaga no trabalho.

Com uma estrutura narrativa simplória - e que nunca deixa de negar esta condição - em mãos, os irmãos Dardenne realizam um curioso estudo em cima de sua protagonista. De frágil condição psicológica, Sandra, através de suas crises de choro e dos comprimidos que toma repetidas vezes, demonstra uma instabilidade latente a cada pessoa contatada e resposta recebida, mas por precisar de seu emprego ela é obrigada a sempre ter de encontrar forças para continuar na luta por ele. Para isso, os diretores (também autores do roteiro da produção) filmam Sandra e suas ações em longos planos, optando sempre por não mostrar diretamente seus momentos de maior vulnerabilidade quando estes acontecem - só reparar, por exemplo, na maneira como vemos ela se medicar ao longo da projeção.

Ainda sob esse aspecto, a atuação de Cotillard é decisiva para o filme, pois incorpora todas as dores sentidas à seu movimento e postura para evidenciar o quão alquebrada é a delicada personagem. A atriz também é muito eficiente ao mostrar de forma clara que Sandra, em meio à sua fragilidade, de fato se importa com seus colegas de trabalho e seus problemas econômicos, mesmo estes sendo responsáveis por decidir o rumo da vida dela e de sua família.

A abordagem narrativa dos outros funcionários é outro ponto forte da obra. De diferentes origens sócioeconômicas, mas ainda assim carregados de problemas muito parecidos, os operários procurados pela protagonista tem seus entraves e deficiências financeiras evidenciados para o espectador por elementos visuais claros como filhos e casas. As crianças, por sinal, ganham na visão dos Dardenne uma atribuição levemente negativa, simbolizando um motivo a mais para seus pais estarem em uma situação mais complicada para pagar as contas.

Centrado em uma protagonista de personalidade profundamente fragmentada e que vive em uma sociedade prejudicada pela economica, Dois Dias, Uma Noite é mais um trabalho interessante dos irmãos Dardenne focado no drama real do cotidiano. Para os cineastas, não importa se o ser humano é frágil ou forte, mas sim se este é capaz de sobreviver aos desafios da rotina.

Nota: 8/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Crítica: Livre

Reese Whiterspoon tenta, mas não consegue salvar filme de seu diretor

Por Pedro Strazza

Os filmes de sobrevivência, conhecidos lá fora como survival films, dependem de alguns elementos específicos para que funcionem propriamente. Levando aos limites a vida de seus personagens, tais obras precisam provocar no espectador, por exemplo, a sensação de isolamento vivida pelo protagonista (ou protagonistas, de vez em quando) naquele momento, elevando com isso a tensão natural dos fatos apresentados. Outro ponto bastante necessário é a presença do intérprete, que tem de ser capaz de trazer o público para dentro da situação e fazer com que este torça por ele em sua luta pela vida. É um papel que muitas vezes requer talento, e por isso talvez faça do subgênero um bom caminho a temporada de premiações nas categorias de atuação.
Depois de vermos atores como Tom Hanks, James Franco e Robert Redford se aventurarem sozinhos nessas histórias de superação própria em meio à iminente morte, é a hora de Reese Whiterspoon provar que também consegue fazer parte deste grupo de sobreviventes - ou morrer tentando, pelo menos. Em Livre, a atriz ganhadora do Oscar interpreta Cheryl Strayed, uma mulher que resolve percorrer a Pacific Crest Trail, uma das trilhas mais difíceis dos Estados Unidos, em homenagem à sua falecida mãe (Laura Dern), ao qual glorifica como modelo de vida. Solitária nesta jornada, ela terá de enfrentar perigos e obstáculos complicados, como comida fria, cobras, montanhas, botas pequenas e...
...uma produção de gosto duvidoso. Conduzido pelo diretor Jean-Marc Vallée, o filme - que é baseado em fatos reais - parece querer impedir o espectador de se conectar com sua protagonista em seu duro caminho trilhado, através dos inúmeros personagens secundários (e terciários, quartenários, etc.), que aparecem para socorrê-la nos momentos mais difíceis, ou da desequilibrada montagem de Martin Pensa e do próprio Vallée, que além de uma voz da consciência realiza cortes rápidos para flashbacks e sonhos muitas vezes desnecessários. Desta forma, a jornada empreendida por Cheryl torna-se rapidamente uma chatice previsível, já que seus maiores desafios quase sempre serão solucionados por outro.
Mas se a direção é equivocada, a atuação de Whiterspoon é eficiente. Quando não está sendo prejudicada por seu diretor ou pelo roteirista Nick Hornby, a atriz entrega à Strayed uma personalidade tocante, capaz de nos poucos momentos disponíveis realizar o movimento de aproximação com o espectador. E Reese faz isso com sutilezas interessantes, a exemplo de sua relação com a gigantesca mala que carrega em suas costas - um simbolismo convincente para os problemas em sua vida - ou de seu relacionamento com sua mãe, bem trabalhada na mão de Dern.
A relação maternal e o trabalho do elenco principal não escondem do filme suas fraquezas, porém. A mão de Vallée, tão boa em Clube de Compras Dallas, pesa muito mal para o longa, que aqui e ali encontra respiros e momentos mais dignos. E paara um filme intitulado Livre, é irônico que falte a solidão e a sobrevivência características deste perfil.

Nota: 4/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Crítica: A Despedida

Nelson Xavier incorpora canto de cisne de personagem em novo trabalho de Marcelo Galvão

Por Pedro Strazza

Logo em seus primeiros momentos, o filme brasileiro A Despedida já mostra ao seu espectador a intensidade emocional com o qual o impactará ao longo de seus noventa minutos através de uma tarefa relativamente simples: acordar. Quem desempenha esta ação, porém, não é alguém jovem e sadio, mas sim um homem velho e apelidado de Almirante (Nelson Xavier), que faz aqui um esforço quase sobre-humano só para se levantar da cama. Seus passos são lentos e a dificuldade é extrema, e ele não esconde sua felicidade em ainda conseguir realizar aquela atividade.

O Almirante sabe, entretanto, que seu tempo na Terra está acabando, e que sua vida em pouco tempo irá se esvair. Sempre atento ao relógio, ele sai de casa uma última vez para acertar as contas restantes e se despedir daqueles que ama de forma profunda, incluindo aí o dono de um bar (Nill Marcondes) do qual é freguês e sua amante Fátima (Juliana Paes), uma mulher muito mais jovem que ele pelo qual nutre um amor profundo.

É justamente este último dia do protagonista que o público irá acompanhar em A Despedida, cuja trama é baseado na história real de um falecido familiar do diretor e roteirista Marcelo Galvão. Assim como nas cenas iniciais, Galvão procura evidenciar no longa as dificuldades pelo qual o Almirante passa para realizar atividades simples, como escovar os dentes ou atravessar a rua, fazendo isto através do olhar sempre atento da sociedade (seja por seus transeuntes, seja por um mendigo sentado confortavelmente no chão) sobre o protagonista no segundo plano. Com isso, o diretor em vários momentos torna as tarefas do personagem muito mais complicadas não pela ação em si, mas sim pelo julgamento social exercido pela população em cima do idoso.

Essa visão sob o coletivo, porém, apenas permeia a estrutura narrativa da obra, que se encontra muito mais focada em observar as ações finais do Almirante. Com sua determinação admirável e sua personalidade marcante, o senhor de idade se conecta com o público por meio de atos simples e que revelam sua natureza simpática e bem-humorada. É por seus elogios frequentes às mulheres com quem fala (e admira com intensidade, como seu diálogo com um taxista bem explicita) e sua disposição em consertar os erros do passado que o espectador conhece e passa a gostar do Almirante, entendendo suas ações no processo mesmo sem conhecê-las de fato.

Mas a conexão que fazemos com o protagonista torna-se fundamental a partir do momento que a personagem de Paes entra em cena no terceiro ato do longa. A relação do idoso com a amante, muito bem esclarecida por Galvão como de mútuo amor, traz à tona a real felicidade do Almirante, que em determinado momento anterior a seu encontro com Fátima diz que "o homem pode ter tantas mulheres quanto quiser, mas apenas uma mulher o terá verdadeiramente". E a direção faz questão de deixar claro esse respiro dado pelo personagem ao esquentar a matiz de cores da produção no apartamento da amada, por exemplo.

Mas o crédito maior de A Despedida deve-se mesmo à atuação do casal protagonista. Se Paes emula em sua Fátima o amor sincero que sente pelo amante, Xavier incorpora a seu Almirante uma fragilidade visível e dolorida através de gestos simples como o tremular das mãos ou a dureza com a qual lida com o andador. Nelson, entretanto, é soberbo ao ser capaz de dar a seu papel um humor sincero, capaz de fazer o espectador rir mesmo nos momentos mais difíceis da trama.

Suave em sua história pesada e belo em sua abordagem sobre temas universais como a velhice e a morte, A Despedida é um filme de personagens profundos e bem interpretados, dirigidos por um Marcelo Galvão sutil e esperto em evitar o melodramático. A dor do iminente fim, poucas vezes encarada com leveza pelo cinema, ganha uma definição tocante nas mãos de Nelson Xavier e seu diretor.

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Crítica: Acima das Nuvens

Olivier Assayas aborda o tempo e suas complicações através de mulheres protagonistas e profundas

Por Pedro Strazza

A vida às vezes pode ser brutal, e Maria Enders (Juliette Binoche) está experimentando isso. Atriz de renome e bastante assediada por diversas produções, ela está no meio do processo de seu divórcio quando recebe a notícia de que seu mentor e grande amigo Wilhem Melchior faleceu de forma súbita, justamente às vésperas de uma homenagem à sua carreira que Enders iria aceitar em seu nome. Desnorteada com a cadeia de eventos, Maria no mesmo dia se engraça com um antigo amor, ao qual fornece o número de seu quarto para ele fazer uma visita de segundas intenções a ela - que, pouco depois descobrimos, nunca acontecerá.
Este momento duro que a protagonista de Acima das Nuvens vive é apenas o começo dos problemas a serem enfrentados por ela aqui. Após participar da cerimônia em homenagem a ele e emocionalmente afetada com o ocorrido, Enders acaba aceitando voltar à peça de Melchior que a colocou no estrelato na juventude, agora em um papel bastante diferente. O texto, sobre um relacionamento lésbico entre uma jovem e uma mulher mais adulta, pede agora dela não o primeiro personagem, mas sim o último, do qual Maria nutre um asco irracional. Mas como ela precisa trabalhar sob este, Enders se refugia com sua assistente Valentine (Kristen Stewart) na casa de Wilhem nos Alpes para praticar e entrar na pessoa ao qual irá interpretar.
Estruturando o filme como uma peça de teatro - São 3 atos, incluindo aí o epílogo, e eles ocorrem em diferentes momentos temporais -, o diretor e roteirista Olivier Assayas começa à partir dessa premissa a analisar Maria e sua relação com o envelhecimento, uma questão que de início parece ser ignorada por ela com todas as forças. Seja nas conversas que tem com a assistente ou nas passagens que interpreta, a atriz denota em muitos momentos uma recusa a aceitar a passagem do tempo e suas consequências, mas não porque queira ficar para sempre jovem. Para ela, a velhice significa a perda progressiva de sua figura respeitável que construiu ao longo dos anos para as novas gerações, muito mais atraentes para a mídia com seus escândalos e casos amorosos - algo bastante esclarecido na participação decisiva da personagem de Chlöe Grace Moretz na última parte da obra.
A relação entre o velho e o novo é ainda mais reforçada pela convivência de Enders com Valentine. Confundindo suas personalidades com os papéis principais da peça de Melchior em muitos momentos, atriz e assistente (muito bem interpretadas por Binoche e Stewart) protagonizam discussões interessantes e bem humoradas acerca do assunto, que ganha simbolismos e pontas incisivas de ironia na própria narrativa do filme - as críticas e piadas de cunho metalinguístico com a indústria cultural atual, por exemplo. O grande acerto de Assayas neste quesito, porém, é o de deixar suavemente implícito no longa o passado amoroso entre as duas mulheres sem precisar demonstrar isto de forma evidente, tornando o relacionamento ali mais profundo e intrigante para o espectador.
Prejudicado um pouco pela montagem em alguns momentos artificial, Acima das Nuvens traz questionamentos problemáticos sobre o tempo e seus efeitos a partir da análise bem trabalhada de sua protagonista, que tenta inutilmente desacelerar o próprio envelhecimento e o consequente "esquecimento". Negligenciar o futuro por causa do passado é uma tarefa impossível, e esta lição Maria Enders irá aprender a duras penas.

Nota: 8/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Crítica: Winter Sleep

Vencedor da Palma de Ouro traz visão desoladora da humanidade enquanto desconstrói seu protagonista

Por Pedro Strazza

Aydin (Haluk Bilginer) é um homem solitário. Mesmo sendo o dono de um pequeno hotel na fria e desértica Anatólia Central e que viva em companhia da jovem esposa Nihal (Melisa Sözen) e da irmã Necla (Demet Akbag), o ex-ator aparenta estar sempre isolado do mundo, e demonstra isto em sua postura encurvada e nas grandes olheiras presentes em seu rosto.
A tônica depressiva descrita no breve parágrafo acima é só um indício do quão desolador será Winter Sleep. Ganhador da Palma de Ouro, o novo trabalho do diretor turco Nuri Bilge Ceylan parte do dia-a-dia de Aydin para trazer à pauta complexos temas existencialistas da humanidade, ao qual discute em verborrágicas conversas entre seus personagens. Estes debates, porém, em nenhum momento trazem esperança ou sequer um lado positivo, refletindo-se de forma emocionalmente impactante naqueles que o debatem.
Mas as pessoas que aparecem em cena e cercam a vida do protagonista só tem sua personalidade afetada por essas discussões por justamente trazerem nessa um perfil falho e deveras machucado por seus erros passados, ao qual maquiam para conseguir viver bem consigo mesmas. Não à toa, Ceylan insiste em filmar seus personagens pelas costas, denotando uma clara necessidade destes em esconder seu verdadeiros medos e anseios do resto do mundo.
O real brilhantismo do filme, entretanto, é o de alinhar esse jogo social com a análise de Aydin e sua própria personalidade falha. Realizado substancialmente em três grandes temas - o problema com o inquilino, a briga com a recém-divorciada irmã e o problemático casamento com Nihal -, o longa desconstrói seu protagonista para revelar sua faceta contraditória, a de um homem que vive das glórias do passado de estrela e não consegue se decidir sobre qual caminho tomar no presente. E a atuação de Bilginer só torna ainda mais evidente os problemas de Aydin ao dar a este uma atitude não muito batalhadora e que pouco se importa com os outros - apesar de tentar demonstrar esta última levianamente em vários momentos da projeção.
O desenvolvimento narrativo de Winter Sleep é algo incrível ao conseguir juntar o questionamento existencial com uma análise de personagem contundente, mas é prejudicada de maneira severa pela própria direção e montagem da produção. Os diálogos, que chegam a levar mais de 20 minutos para serem concluídos, ganham um peso desnecessário na mão de Ceylan, tornando-os parados e monótonos. A edição, por outro lado, é arrastada e contribui para deixar a obra bastante cansativa em suas quase três horas e meia de duração.
Com um elenco excelente e um roteiro denso, Winter Sleep é um filme pessimista sobre a humanidade e seu protagonista, ao qual denota um perfil falho e irremediável. Mesmo lento em seus extensos diálogos, o longa traz através destes uma perspectiva depressiva sobre o ser humano, gerando impacto sobre o espectador. E nenhuma comparação com a humanidade é mais gritante que a visão de um cavalo escapando de uma poça de lama, mas incapaz de prosseguir depois de salvo.

Nota: 7/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

domingo, 19 de outubro de 2014

ESPECIAL: 38° Mostra Internacional de Cinema de SP

Entre os dias 16 e 29 de outubro acontece em São Paulo a Mostra Internacional de Cinema. Em sua 38° edição, o evento traz 330 filmes nos mais variados formatos em 35 salas de 29 espaços, espalhados entre cinemas, museus e espaços culturais da capital paulista. Além da perspectiva internacional e nacional, a Mostra em 2014 dá destaque ao cinema espanhol e uma de suas maiores personalidades, o cineasta Pedro Almodóvar, que ganha uma retrospectiva completa de sua carreira.
A 38° Mostra terá cobertura do O Nerd Contra Ataca, cujas críticas e especiais você confere nesta página. Bons filmes!

Crítica: Boa Sorte

Carolina Jabor faz estréia eficiente e sensível na ficção cinematográfica

Por Pedro Strazza

A reabilitação é um processo duro para o ser humano. Admitir o erro e tentar repará-lo, afinal, torna-se uma tarefa difícil para um animal cujo orgulho, por menos que seja, está sempre presente, e voltar atrás para reaprender tudo de novo é morte a este pilar. Mas há momentos em que esse processo simplesmente não pode ser postergado.
João (João Pedro Zappa) está nessa encruzilhada. Viciado em um determinado remédio, o garoto acaba sendo internado pelos pais em uma clínica de tratamento após sofrer uma overdose, e passa a viver sobre uma rígida e aborrecida rotina de remédios e descaso. Isto, pelo menos, até conhecer Judite (Deborah Secco), uma mulher viciada em drogas e HIV positiva com a qual inicia uma forte amizade.
Boa Sorte, estréia de Carolina Jabor no cinema de ficção, parte desse improvável relacionamento para tocar em diversos temas enquanto desenvolve seus dois protagonistas. Abandonados pelos parentes e tratados como não importantes pelos funcionários da clínica, João e Judite vivem sozinhos em um mundo onde a individualidade é lei e o conjunto é desprezado, e como suas personalidades são frágeis eles não demoram a serem quebrados pelo sistema. Quando se conhecem, entretanto, ambos encontram um no outro uma espécie de porto seguro, um alguém que possa compreender seus medos e anseios, e podem assim começar a compartilhar com um outro aquilo que aprenderam até ali.
É a partir desse canal de comunicação que o filme ganha corpo e profundidade. Os diálogos protagonizados pela dupla "de loucos" traz conceitos tristes sobre a sociedade atual, como a invisibilidade dos dois para o resto do mundo. Estas passagens, porém, não tornam o longa depressivo por causa do trabalho de Jabor, que consegue tirar uma beleza sincera através de planos delicados e bem construídos - como em um plano-sequência em que focaliza seus dois protagonistas e Felipe (Pablo Sanábio) dançando pelos corredores do estabelecimento onde (sobre)vivem.
Sob este olhar, o roteiro de Jorge e Pedro Furtado é eficiente em elaborar personagens sensíveis e profundos em suas dores, e o trabalho do elenco é fundamental para tornar reais seus papéis. Se Zappa consegue envolver o espectador com seu João por meio da inocência e juventude deste, Secco entrega com o corpo cadavérico e as grandes olheiras uma Judite destruída por suas escolhas e próxima da morte, mas em sua atuação a dota de uma vivacidade e alegria sincera.
O filme não esconde, porém, as falhas e problemas que permeiam sua simples estrutura narrativa. A dualidade entre fantasia e realidade, por exemplo, é muito mal trabalhada pelo roteiro, que não consegue se firmar direito em um dos dois para justificar alguns dos acontecimentos da história, enquanto o personagem de Sanábio é superficializado e claramente pontual, assim como os de Fernanda Montenegro e Cássia Kiss, meros coadjuvantes de luxo na produção.
É por causa de defeitos tão incisivos e de um final que escorrega feio no melodrama que Boa Sorte acaba prejudicando em alguns pontos sua bela e triste história de amor. O talento da produção, liderado por uma diretora promissora, minimiza porém os erros dispostos com uma sensibilidade notável e suave, capaz de embelezar até o ponto mais escuro da breve vida de um casal de jovens.

Nota: 6/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

sábado, 18 de outubro de 2014

Crítica: O Juiz

Elenco sustenta filme convencional de tribunal a duras penas

Por Pedro Strazza

Ano a ano, a pré-temporada do Oscar oferece, além dos longas maiores que dominam a competição, filmes focados apenas em alguns aspectos técnicos para conseguir uma vaga na premiação, reconhecida como a mais famosa no mundo. Dentre estas produções, há um grupo que procura encaixar indicações principalmente nas categorias de atuação, onde o destaque é maior devido à fama dos atores. 
O Juiz é o mais recente trabalho cinematográfico a fazer parte deste conjunto, e em nenhum momento disfarça suas pretensões com a Academia. Repleto de estrelas em seu elenco, o filme acompanha Hank Palmer (Robert Downey Jr.), um advogado conhecido por inocentar criminosos nos tribunais que certo dia recebe a notícia do falecimento de sua mãe. Em respeito à morta, Palmer viaja até sua cidade natal e reencontra o pai, o juiz Joseph (Robert Duvall), cujo relacionamento não é dos mais amigáveis. Mas quando está prestes a deixar a cidade, Hank acaba tendo que voltar, pois o pai é acusado de um homicídio e o caso será levado ao tribunal da região.
Daí em diante a história segue sem nenhuma surpresa. Escrito por Nick Schenk e Bill Dubuque, o roteiro nunca parece disposto a tomar qualquer tipo de rumo mais desafiador, preferindo empregar momentos fáceis e sem criatividade. Dessa forma, não demora muito para que o espectador comece a adivinhar cada passo tomado pela narrativa, incluindo suas viradas, suas cenas dramáticas e até seus alívios cômicos.
A atitude “descriativa” no roteiro reflete-se também em todos os outros aspectos técnicos da produção. A direção de David Dobkin, por exemplo, restringe-se a planos e angulamentos que privilegiem o trabalho dos atores, enquanto o trabalho de Janusz Kaminski na fotografia procura composições óbvias – a oposição claro-escuro no tribunal chega a irritar de tão repetitiva e sem imaginação. A trilha sonora de Thomas Newman, por outro lado, surge apenas para ajudar o espectador em suas reações, como quando ele deve dar uma risada ou derramar algumas lágrimas.
Toda esta sensação de repetição, porém, é aliviada pelo trabalho de seu elenco muito bem escalado. Apesar dos papéis medíocres, as atuações de Downey Jr. e Duvall como protagonistas são fortes o suficiente para que o espectador consiga encontrar algum tipo de conexão mínima com os personagens, tornando suportáveis os eventos em tela. Neste meio tempo, as performances de atores de talento como Billy Bob Thornton e Vera Farmiga dão apoio suficiente, mesmo sendo mínimas devido ao tamanho de suas participações, para que os dois principais trabalhem com calma e paciência.
É justamente por esses trabalhos performáticos que o filme consegue render alguma coisa em suas longas duas horas de projeção. Dominado pelo óbvio e a zero criatividade, O Juiz é uma obra que lembra muito a telenovela, arriscando-se tanto quanto esta na concepção de sua história e narrativa. Uma comparação bastante infeliz, vide o objetivo preterido pela produção e seus envolvidos.

Nota: 5/10

Crítica: Pássaro Branco na Nevasca

Análise social e feminista é perdida para resolver principal mistério da trama

Por Pedro Strazza

Baseado no livro homônimo e escrito por Laura Kasischke, Pássaro Branco na Nevasca já traz em seu início vários elementos de qualidade que facilmente poderiam o tornar uma obra-prima: a trama curiosa, o mistério instigante, a protagonista profunda, o elenco talentoso. Estes componentes, porém, são mal direcionados na mão do diretor e roteirista Gregg Araki, que escolhe focar em temas e situações nada interessantes, e a produção transforma-se em algo inconveniente e aborrecido. Mas me precipito.
A trama é simples. Kat (Shailene Woodley), uma adolescente de 17 anos, tem a sua vida alterada profundamente quando sua perturbada mãe Eve (Eva Green) desaparece de forma misteriosa, deixando para trás nenhuma pista de sua localização. Com o sumiço da genitora, Kat ganha mais liberdade em casa, mas logo começa a ser obrigada a confrontar a dura realidade que a permeia e envolve pessoas próxima dela como seu pai Brock (Christopher Meloni), seu namorado Phil (Shiloh Fernandez) e o detetive Scieziesciez (Thomas Jane).
O estranho desaparecimento é utilizado por Araki na primeira metade do longa como um fio condutor eficiente. É a partir desse, afinal, que Pássaro Branco começa a arranhar a superfície de uma crítica à sociedade, realizando-o de fato através dos flashbacks que revelam o problemático relacionamento entre Kat e Eve. Apesar das discussões acaloradas e das brigas constantes, mãe e filha possuem o mesmo perfil de mulher poderosa e em crise com seu futuro pré-estabelecido de dona-de-casa, algo natural se pensarmos no contexto de ascensão do feminismo ocorrido no final dos anos 80 e começo dos 90, justamente a época em que se passa o filme.
Mais curioso, porém, é a maneira como o mundo é encarado por essas duas protagonistas. Pela fotografia quase sempre fixa e o design de produção recheado de cores berrantes, Pássaro Branco na Nevasca revela aos poucos em sua primeira parte uma sociedade repleta de homens unidimensionais e enfraquecidos, dominados por mulheres de futuro promissor e muito mais profundas em seus desejos. Não à toa, os três principais seres masculinos que circundam Kat - Brock, Phil e Scieziesciez - são claramente superficiais em seus desejos e ambições, buscando encontrar apenas uma vida feliz e livre de preocupações.
Mas essa construção crítica do social tão bem apresentada e elaborada pelo roteiro é logo sabotada pelos próprias estruturas primordiais do filme. De sua metade até seu encerramento, o longa abandona uma interessante análise de gênero sobre o mundo para solucionar o mistério que deu início a esta, e faz isso com a ajuda de clichês óbvios e sem graça. A narrativa perde o controle, a direção de Araki se desequilibra e as performances de seu elenco são afetadas seriamente, tornando caricatas atuações antes concisas e equilibradas de Green e Woodley.
Ao subjugar a trama a este processo enfadonho, Pássaro Branco na Nevasca sabota sua própria construção e transforma sua complexidade em algo bobo e desnecessário. E o desfecho da obra, tão anti-climático e mal conduzido, é a prova maior do erro cometido.

Nota: 4/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Crítica: Festa no Céu

Bela animação traz valores diferenciados para público infantil

Por Pedro Strazza

Existem diferentes maneiras de se encarar a morte. A maioria da sociedade mundial e globalizada, fortemente influenciada pelos valores da cultura europeia, atribui ao evento uma conotação negativa pelo fato do falecimento afastar o ser humano daqueles que o amam. Há culturas, porém, que veem no fim da vida um recomeço ou o encerramento de um ciclo, tornando o fato digno de ser celebrado pela família e os amigos do morto.
O povo mexicano faz parte desta última tendência, e traz até em suas festividade uma data dedicada àqueles que se foram: o Dia dos Mortos, celebrado em 2 de novembro. E é justamente desta comemoração a base para a trama de Festa no Céu, filme dirigido por Jorge R. Gutierrez e produzido por Guillermo del Toro. No longa, a Morte e seu amante Xibalba, os dois guardiões do mundo dos mortos, fazem no dia da celebração dos falecidos uma aposta em cima de Manolo e Joaquin, que disputam arduamente pela mão de Maria. Se Manolo se casar com Maria, ganha a Morte; se for Joaquin, Xibalba vence.
É a partir desta competição entre imortais que a obra começa a se aprofundar pela mitologia indígena mexicana, trabalhando com ardor na tarefa de encantar e educar o público infantil no processo. Neste quesito, o design de produção orquestrado por Paul Sullivan e Simon Valdimir Varela é eficiente ao configurar um tom de cores cada vez mais explosivo conforme vai mudando de mundo. Se na realidade atual vemos uma cidade mais acizentada, na vila palco da fábula temos já um aumento considerável na matiz, e quando se avança para o mundo dos mortos usa-se com equilíbrio de tonalidades berrantes que se harmonizam entre si. Outro acerto é transformar os personagens do conto em criaturas de madeira, configurando à produção uma charmosa infantilidade.
O roteiro de Gutierrez e Douglas Langdale é outro bom aspecto de Festa no Céu. Mesmo que traga traços de didatismo excessivo e tenha um clímax dos mais incoerentes no terceiro ato, a história consegue se guiar bem e é capaz de não ser maniqueísta na forma como configura a maioria de seus personagens. Até Xibalba, por exemplo, que é presumido aqui como grande vilão da trama, age por interesses justificáveis.
Contando ainda com uma trilha sonora bela e bastante pautada na cultura mexicana, Festa no Céu é uma animação que se difere de outras por justamente trazer em seu interior valores diferentes dos que a sociedade está acostumada a ver. Apesar de apelar para estruturas narrativas óbvias, a criatividade da produção em apresentar uma outra visão para o público infantil é algo digno de palmas.

Nota: 7/10

Crítica: Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo

Bennett Miller cresce como diretor em filme sobre a derrocada estadunidense

Por Pedro Strazza

O esporte é um tema que é visto pelo cinema das mais diferentes maneiras. Muitas vezes utilizado por diretores e roteiristas como base para a clássica história de superação pelo protagonista - seu maior exemplo sendo, claro, a franquia Rocky -, as práticas esportivas de forma geral são tratadas nas telonas como algo saudável e positivo ao ser humano, seja pela aplicação no dia-a-dia ou em seus torneios. É neste último que o cineasta encontra, inclusive, uma maneira de glorificar a conquista e a consagração, através das vitórias de seus personagens em um contexto de pura dedicação pessoal e suor.
Assim posto, é curioso ver como o diretor Bennett Miller filma com frieza o esporte em Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo. Vencendo ou perdendo os campeonatos de luta greco-romana, os protagonistas do longa aparentam estar sempre com uma carga maior que o necessário em seus emocionais, impedindo-os de desfrutar plenamente da posição adquirida. Isso porque há algo maior em jogo aqui, e os três personagens principais sabem muito bem disso.
Baseado em eventos reais, Foxcatcher reconta a amizade dos irmãos lutadores Mark (Channing Tatum) e Dave Schultz (Mark Ruffalo) com John du Pont (Steve Carell), herdeiro da família mais poderosa dos Estados Unidos na época, e seus trágicos desenrolamentos. Apaixonado pelo esporte, du Pont procura e contrata os dois medalhistas olímpicos para que treinem em Foxcatcher, sua gigantesca propriedade, e representem os EUA e seu clã nos Jogos Olímpicos de Seul de 1988, buscando com isso reerguer o país, seus valores e seus heróis perdidos. A presença do milionário, porém, mostra-se aos poucos cada vez mais destrutiva para seus contratados, e aos poucos ele revela suas verdadeiras intenções com o projeto.
Mesmo que seja um falso objetivo de du Pont, o patriotismo é o grande tema abordado por Miller no filme. Muito mais incisivo e crítico que em seus dois primeiros trabalhos (os também ótimos O Homem que Mudou o Jogo e Capote), o diretor apresenta nos planos filmados uma visão decadente dos Estados Unidos, através de minimalismos contundentes como as diversas bandeiras estadunidenses hasteadas que nunca surgem tremulantes. Neste contexto, a trilha sonora de Rob Simonsen emana um falso nacionalismo, e é levantada para tornar dúbios os poucos momentos de glória da produção.
Mas qual seria a causa maior para a queda do antes poderoso império norte-americano? Na visão crítica de Miller, é a presença de famílias como a du Pont que, agindo por interesses próprios, contribuem para o esvaziamento da alma do país. John, por exemplo, avança pelo mundo do esporte por causa de uma vontade puramente mesquinha (que, por ser um grande spoiler do filme, não será revelado neste texto), e faz questão de exibir isso ao colocar o nome da propriedade da família em todos os uniformes utilizados por ele e sua equipe comprada. E como seu poder político e econômico é imensurável, nada o impedirá de realizar seus corrompidos desejos.
Para tornar visível este deterioramento, o filme conta com um elenco primoroso. Se Carell transmite, embaixo da pesada maquiagem que o deforma, todas as emoções vividas por seu John du Pont sem precisar mexer seu rosto ou sua postura (ambas sempre impassíveis e austeras), Tatum e Ruffalo surgem como contrapontos importantes ao evidenciar, a partir de atos simples, a pouca consciência de seus personagens com o gravíssimo panorama ao qual vivem. Quando Dave percebe, por exemplo, que feriu sem querer o emocional de John, Ruffalo deixa claro em sua performance a inocência do lutador, um homem tão simples e preocupado apenas com sua família - representada por seu irmão Mark (ainda mais inocente, visível principalemente no valor ao qual se vende a du Pont), sua mulher (Sienna Miller, desperdiçada) e seus filhos pequenos.
Por meio de uma história de conquistas pouco enaltecidas e derrotas impactantes, Bennett Miller invoca um alegoria das mais profundas acerca dos Estados Unidos e sua queda, dando com isso um passo importantíssimo em sua carreira como diretor. No subtexto bem trabalhado de Foxcatcher, o interesse privado venceu, e a América livre foi esvaziada de qualquer sentido maior.

Nota: 9/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Crítica: Annabelle

Derivado imita com relativo sucesso a estrutura do longa original

Por Pedro Strazza

Usando com criatividade os clichês do gênero e mais atento ao uso do espaço e da tensão climática, Invocação do Mal conseguiu em 2013 reinventar o terror e suas convenções desgastadas sem adicionar qualquer elemento novo em sua trama ou em seu lado técnico. Com o sucesso do filme, uma continuação foi rapidamente agendada pelo estúdio, que, junto ao diretor James Wan, também demonstrou interesse em produzir mais longas baseados no universo demonologista de Ed e Lorraine Warren. A solução para este desejo foi a de transformar uma maléfica boneca presente no "museu" do casal e coadjuvante na película em protagonista, tornando-a estrela de sua própria história.

Assim nasceu Annabelle, filme que reconta o processo pelo qual o brinquedo se tornou amaldiçoado e a sua trajetória até a casa dos demonólogos. Roteirizado pelo estreante Gary Dauberman e dirigido por John R. Leonetti, a trama acompanha a gestante Mia (Annabelle Wallis) e seu marido John (Ward Horton), um típico casal suburbano que certo dia acaba sendo atacado por integrantes de uma seita satânica. Saídos ilesos do evento, a mulher começa a testemunhar estranhas ocorrências paranormais na casa, causadas pela presença da boneca amaldiçoada do título.

Da mesma maneira que Invocação do Mal, Annabelle logo se destaca por sua eficiência nos sustos que promove. Responsável pela fotografia do filme original, Leonetti é sagaz em desenvolver com frequência a ação do longa em dois planos, mantendo os personagens protagonistas quase sempre no primeiro para no segundo desenvolver o terror da produção. O mais inteligente desta estratégia empreendida pelo diretor, no entanto, é que somente em alguns momentos algo de fato acontece no fundo das cenas, mas o espectador, tensionado pelo que já ocorreu neste plano, fica constantemente atento à esta camada e seus eventos.

Outro ponto beneficiado pelo terror ao qual se busca atingir na película é o design de produção, que concebe uma Annabelle de visual desde o início apavorante e constrói apartamentos aterrorizantes até em plena luz do dia. Através destes, a fotografia de James Kniest progride sem quaisquer obstáculos na evolução sombria do longa, capaz de tornar até mesmo um antes adorável quarto de bebê em algo assustador, conforme a boneca ganha cada vez maior força.

Dedicado em excesso nessa tarefa de causar o susto pela tensão, o filme perde força porém em seus aspectos mais básicos justamente pela falta de alguém mais experiente no comando. Por mais que emende sequências interessantes de suspense com sucesso - e a passagem de Mia pelo porão é uma prova incontestável disso -, Dauberman e Leonetti tem pouco cuidado quando para, por exemplo, desenvolver o casal protagonista, que aliado às performances fracas de Wallis e Horton não conseguem criar qualquer elo emocional com o público. Este problema também é evidente com os coadjuvantes da história, aqui usados apenas como tapa-buracos de roteiro.

O próprio uso do clichê é também comprometido por esse acúmulo de novatos no controle. Procurando emular o trabalho de Wan, Annabelle acabando pesando a mão no lugar-comum e sua trama se perde em situações sem criatividade e soluções fáceis demais para o contexto apresentado. Dessa forma, o terceiro ato do longa, supostamente o que deveria causar maior medo no espectador, soa redundante e preguiçoso em suas resoluções e em seus sustos, e a experiência cinematográfica é prejudicada.

Por ser um derivado de uma produção de sucesso, é compreensivo que Annabelle paute sua estrutura narrativa - e seus erros e acertos, consequentemente - em torno de sua origem. Este esforço imitativo, porém barra o filme de qualquer criatividade, esvaziando-a de um algo a mais que qualifica as obras clássicas do terror. Em suma, Annabelle falta em profundidade o que sobra em susto.

Nota: 6/10

domingo, 12 de outubro de 2014

Crítica: O Homem Mais Procurado

Adaptação de obra de le Carré traz mais uma atuação brilhante de Philip Seymour Hoffman

Por Pedro Strazza

A espionagem é um assunto que o cinema parece ter um prazer em extrapolar para o fantástico. Das adaptações das obras de Tom Clancy às aventuras protagonizadas por James Bond, a indústria cinematográfica tem uma tendência natural em colocar nas inteligências de soberanias e suas histórias uma carga maior de ação e velocidade narrativa, visando dinamizar o ritmo da produção e o processo investigativo de tais operações. Esta necessidade, porém, oculta do espectador a dura realidade dos espiões e de seus chefes, que encaram no dia-a-dia uma rotina paciente e bastante cerebral.
Mas se a indústria imagina a espionagem como uma profissão repleta de cenas de ação, o escritor britânico John le Carré prefere encarar em suas obras o mundo como ele o é, e O Homem Mais Procurado prova mais uma vez esta sua posição realista. Nona adaptação da extensa obra do autor, o filme mostra este lado demorado e burocrático da profissão, aqui exemplificado por uma operação da inteligência alemã, liderada por Günther Bachmann (Philip Seymour Hoffman), em encontrar o imigrante checheno ilegal Issa Karpov (Grigoriy Dobrygin), que tem uma conexão importante com um esquema de lavagem de dinheiro, e usá-lo para capturar o chefe de tal crime.
Assim como no recente (e excelente) O Espião que Sabia Demais, O Homem Mais Procurado procura trazer ao público, através de sua narrativa lenta e de seus personagens visivelmente cansados, a sensação de insatisfação com o sistema e seus problemas. Vivendo na paranóia causada pela queda do World Trade Center, Günther e seus aliados, mesmo mostrando em vários momentos um esforço em fazer o certo, trabalham em um planeta onde a confiança já não existe e que cuja noção real de "bem" e "mal" perdeu-se por completo. Num momento tão conturbado quanto este, não se faz surpresa, portanto, que os cidadãos envolvidos pela inteligência na captura de Karpov mostrem-se tão relutantes em ajudá-los: A espionagem no século XXI está descreditada, e sua reputação negativa com a população só prejudica seu trabalho.
Mesmo com tantos obstáculos e em um ambiente desfavorável, entretanto, o processo empreendido pela inteligência alemã ainda encontra na produção maneiras de fascinar o espectador. Por sua extensa rede de agentes e informantes, Günther vai coordenando com impecabilidade seus "peixinhos" para que estes cumpram suas tarefas e, assim como dito por ele em determinado momento do filme, capturem a barracuda que apanhará o tubarão. Sob este aspecto, a direção do holandês Anton Corbijn é decisiva, pois a tensão do longa precisa ser trabalhada em atos simples como na assinatura de papéis ou na instalação de câmeras.
É na atuação de seu protagonista que a produção porém brilha com maior intensidade. Apoiado por um ótimo elenco de apoio - mesmo desperdiçando no caminho atores excelentes como Nina Hoss e Daniel Brühl em papéis pequenos -, o falecido Seymour Hoffman exibe em seu último trabalho completo uma performance invejável, atribuindo a seu Günther uma postura depressiva e pouco esperançosa. Sempre com uma bebida ou um cigarro na mão, o ator concebe em seu personagem toda a complexidade emocional do filme, e faz com que o espectador consiga se conectar com ele em sua jornada.
Pessimista quanto ao presente e o futuro da humanidade, O Homem Mais Procurado é eficiente principalmente por causa do talento de seu principal ator e do papel deste, pelo qual a produção estrutura toda a sua narrativa. Adaptado por Andrew Bovell, a qualidade do texto de le Carré entretanto não é subjugada pelo desempenho de Hoffman, e isto torna ainda mais profundo a obra cinematográfica e seu conteúdo realista.

Nota: 9/10

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Crítica: Os Boxtrolls

De significado mais profundo, terceiro filme da Laika evidencia mais uma vez principal característica da empresa

Por Pedro Strazza

No competitivo mercado de animações, é curioso perceber que, mesmo sendo dominado por grandes empresas como a Disney-Pixar, a Aardman e a Dreamworks, ele ainda encontre espaços para abrigar com conforto iniciativas pequenas como a Laika. Criado em 2005, o empreendimento vem concebendo seus filmes através de um uso mais atencioso do stop-motion, técnica esta que ganhou em suas mãos um maior nível de detalhismo cenográfico. Seus dois primeiros longa-metragens, Coraline e o Mundo Secreto e Paranorman, encantam os olhos do público justamente por este cuidado técnico, capaz de criar cenários tão espetaculares quanto o jardim do mundo dos botões da obra de Neil Gaiman, por exemplo.
Em Os Boxtrolls esta tendência à meticulosidade não é diferente. À partir do livro Here Be Monsters!, a terceira animação do estúdio fabrica todo um universo para contar a história de Ovo, um garoto que desde pequeno foi criado nos esgotos pelas simpáticas criaturas do título. A vida de sua família, porém, vive sob a ameaça de Arquibaldo Surrupião, um homem que busca capturar todos os boxtrolls para garantir um luxuoso chapéu branco e assim poder sentar com a alta classe da sociedade. Resta ao rapaz e sua amiga Winnie a tarefa de impedir o vilão de cumprir seus objetivos e salvar o grupo.
Assim como nos outros trabalhos da Laika, o design de produção é feliz na maneira como retrata os ambientes e seus personagens. Se na cidade dos humanos a equipe chefiada por Paul Lasaine tende a representar as ruas como estreitas e os prédios como altos - em uma clara referência à Londres vitoriana, também base para o visual dos habitantes -, no lar das criaturas usa-se muito da rusticidade dos moradores (os boxtrolls, afinal, combinam e reinventam objetos do cotidiano em suas criações) para fascinar o espectador, que entende desde a primeira visita ao local o motivo pelo qual o lugar é considerado uma casa pelos seres.
Mas ainda que seja um dos pontos mais fortes, o lado estético da produção serve apenas como base para o desenvolvimento da história, e é neste ponto que o filme apresenta a sua face mais surpreendente. Através da caça aos boxtrolls pelas mãos de Arquibaldo, o roteiro escrito por Irena Brignull e Adam Pava de forma sutil aplica à aventura conceitos da teoria marxista como a luta de classes e a opressão da burguesia ao proletariado, elementos bastante inesperados para um estúdio de animação estadunidense. E mesmo que os alivie de uma carga dramática maior por causa de seu público-alvo (as crianças), estas características se destacam várias vezes na narrativa do longa, principalmente pelos diálogos - "Se eu consegui mudar, vocês também conseguem", "Os ricos não ligam para nós", etc.
O ousado e sutil uso de uma ideologia diferente pela animação, porém, não esconde dele a previsibilidade da trama adotada, e é aí que reside o maior problema de Os Boxtrolls. Desde seus primeiros minutos, o longa erroneamente deixa claro todo o caminho que irá percorrer em sua história, e revela sem cuidado algum os clichês empregados em todos os seus 96 minutos. Dessa forma, as ações empreendidas pelos personagens em nenhum momento chegam a causar surpresa a ninguém, e isto torna a experiência cinematográfica um tanto enfadonha.
Mesmo com esse problema tão básico a produção porém não chega a ser prejudicada. Esteticamente belo e de ideias ousadas, Os Boxtrolls encanta pelos personagens e cenários, que por causa de seus cuidados técnicos disfarçam (na medida do possível) a trama fraca e previsível. Mais um acerto para a Laika, que prossegue com sua ascensão agora em um passo menor.

Nota: 7/10

sábado, 4 de outubro de 2014

Crítica: Garota Exemplar

Filme joga o jogo de superfícies com a ajuda decisiva de seus próprios aspectos técnicos e de um elenco eficiente

Por Pedro Strazza

Como diretor, David Fincher é um excelente analista do ser humano. Desde seus primeiros trabalhos, o cineasta estadunidense busca nos roteiros escolhidos a figura do protagonista problemático e imperfeito, que, consciente de sua condição, tenta solucionar racionalmente os problemas que cercam sua vida em uma sociedade defeituosa e em muitos casos decadente. Quando conseguem, porém, os "heróis" das histórias dos filmes de Fincher são de alguma forma afetados pelos acontecimentos que foram obrigados a passar sobre no curso dos eventos, e os desdobramentos destes irão inevitavelmente alterar suas personalidades de forma definitiva e desoladora.
É nesta falta de esperança, portanto, que o diretor atua cerebralmente, e os altos e "baixos" de sua carreira comprovam isso sem margem para dúvidas. Mesmo entregando seus dois maiores clássicos logo em suas cinco primeiras produções, Fincher cresceu a cada filme lançado, aperfeiçoando com o tempo sua técnica e seus temas. Em mais de 20 anos de carreira em longas-metragens, o cineasta responsável por Clube da Luta e Seven tornou-se mais incisivo e sutil em suas obras, tornando-o capaz de causar ainda mais impacto no público que acompanha e prestigia seu trabalho.
Garota Exemplar é prova definitiva desta sua evolução na direção. Baseado no livro homônimo escrito por Gillian Flynn (que também assina o roteiro da produção), o décimo trabalho de Fincher como diretor apresenta em sua estrutura e narrativa todas as características do cineasta, que as usa com excelência e sagacidade para contar a história de Nick Dunne (Ben Affleck), um jornalista cuja esposa Amy (Rosamund Pike) desaparece no aniversário de cinco anos de seu casamento. Com a polícia no caso, as pistas para o sumiço da mulher aos poucos apontam que Nick seria o verdadeiro culpado pelo crime, e suas ações apenas agravam a incriminação.
A partir daí, a trama do filme se desenrola sob dois pontos de vista: o de Nick, que busca desesperadamente provar sua inocência com a ajuda da irmã Margo (Carrie Coon) e do advogado celebridade Tanner Bolt (Tyler Perry); e o da própria Amy, que narra através de seu diário os acontecimentos que levaram a seu sumiço em flashbacks. Alinhados com perfeição pela montagem de Kirk Baxter, estas duas linhas narrativas se complementam com uma organicidade eficiente - e de transições fantásticas, a exemplo do corte de um plano em que o casal protagonista está a ponto de se beijar para um em que a polícia coleta DNA da boca de Nick - e constroem juntas a tensão da história, repleta de reviravoltas surpreendentes e críticas à sociedade.
Essas críticas são de fato um dos grandes trunfos para o sucesso artístico de Garota Exemplar. Do suspense gerado pelo desaparecimento de Amy, o roteiro de Flynn tece um verdadeiro ataque à superficialidade vivida pela sociedade atual, hiperconectada em um mundo dominado pela internet e suas redes sociais, e à midiatização do jornalismo, cujo sensacionalismo é capaz de condenar sem remorso a vida de um ser humano por causa de um crime que não cometeu. Mas ao invés de deixar esta desconstrução social exposta, Fincher é sagaz em mantê-la entranhada à trama e seus acontecimentos, permitindo que ela contribua para a narrativa enquanto desempenha com sutileza sua função original.
O diretor também é feliz na maneira como realiza o crescimento da história e de seu ritmo estabelecido. Além da montagem, Fincher usa ainda de uma trilha sonora atmosférica e sem obviedades de Trent Reznor e Atticus Ross (sua terceira parceria bem sucedida com a dupla) para trabalhar a tensão da produção com elementos tradicionais de seu trabalho como a fotografia esverdeada ou a câmera enquadrando os personagens de baixo para cima.
O elenco também contribui bastante nessa elaboração, além de ser eficiente em suas respectivas funções. Enquanto Affleck traz em seu Nick Dunne uma brutalidade e desgosto pela vida como disfarce para sua fragilidade interior e acomodada, a atuação de coadjuvantes como Coon, Neil Patrick Harris e Perry (surpreendentemente excelente em seu papel) é essencial para realçar as caraterísticas e imperfeições dos protagonistas.
Mas quem rouba de fato a cena aqui é Pike. Escolhida a dedo pelo diretor, a atriz inglesa faz do potencial previsto em sua Amy uma realidade, e torna evidente a consciência fatal da protagonista com o jogo de aparências da sociedade que a rodeia. Ela contudo não torna exagerado em nenhum momento as patologias de sua personagem, transitando com vigor e astúcia entre a contenção e a explosão performáticas para compor a frieza necessária ao papel.
Mais um trabalho brilhante para a já consagrada carreira de David Fincher, Garota Exemplar é um filme de reflexões brutais sobre a sociedade e de suas instituições, beneficiado no processo por aspectos técnicos muito bem trabalhados e um elenco afinado. Na crítica ao jogo de superfícies da sociedade, é irônico que o longa brilhe justamente por construir seu pessimismo racional entre tantas dimensões e facetas, sejam estas filosóficas, políticas, sociológicas... e "românticas".

Nota: 10/10

Segunda Opinião: Novo filme de David Fincher trata de temas sociais em uma história que prende o espectador

Por Alexandre Dias

David Fincher é um diretor ímpar por, normalmente, conseguir unir em seus filmes uma história impactante e envolvente com questões presentes na sociedade que merecem ser discutidas e pensadas. Em Garota Exemplar não é diferente. Ao mesmo tempo em que temas como a mídia e o casamento são levantados, o espectador não consegue parar de se surpreender durante os seus 149 minutos de duração.
O longa adapta o romance de Gillian Flynn (que também assina o roteiro), em que a esposa de Nick Dunne (Ben Affleck), Amy Dunne (Rosamund Pike), desaparece estranhamente no dia de seu quinto aniversário de casamento. Nick acaba por se tornar um dos principais suspeitos e procura provar sua inocência, assim como investigar o que aconteceu com Amy.
As personalidades do casal de protagonistas são muito bem trabalhadas (e interpretadas) ao longo do filme; à medida que elas vão sendo exploradas, fatos impactantes ocorrem, o que altera o próprio curso da trama e sempre desperta o interesse do espectador em saber as consequências que virão. Podemos observar também, que estes momentos da obra são acompanhados magistralmente pela trilha sonora de Trent Reznor, líder do Nine Inch Nails, e Atticus Ross, aonde a exata sensação de cada cena é transmitida, especialmente nas mais tensas.
Além da história envolvente, Fincher estabelece ótimas reflexões acerca do casamento e da mídia. No primeiro caso, o fator do desgaste matrimonial é trazido à tona, em que a acomodação dos cônjuges em uma vida rotineira e comum vai diminuindo a fervente paixão inicial. Quanto ao quesito midiático, percebe-se como a imagem externa de uma pessoa nos meios de comunicação pode induzir toda uma população à determinada opinião: desde um sorriso em uma foto como a proximidade com um indivíduo podem ser expostos de maneiras diferentes pela informação.
Assim como em Clube da Luta, David Fincher faz a pessoa acabar de assistir Garota Exemplar com a cabeça cheia de pensamentos e opiniões e que só se desenvolverão um tempo depois de absorver tudo o que viu. Quando isso acontece, provavelmente a satisfação será ainda maior do que quando se sai da sala de cinema, pois haverá a percepção de que o longa tem mais significados do que se observa inicialmente.

Nota: 10/10