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sábado, 31 de dezembro de 2016

O Cinema em 2016: Melhores do Ano

Os melhores filmes de 2016, o ranking final do ano e algumas considerações.

Por Pedro Strazza.

Que 2016 foi um ano difícil não há dúvidas. Para onde quer que se olhe, os últimos 365 dias foram extremamente danosos, proporcionando perdas irreparáveis em todos os campos e áreas de atuação. De tragédias e mortes a Donald Trump presidente dos Estados Unidos, os momentos de horror se multiplicaram, ao passo que foram poucos os instantes de alívio. 

No cinema, as péssimas notícias não vieram somente dos filmes ruins. Perdemos pessoas talentosíssimas das mais diferentes formas nestes últimos doze meses, cada falecimento sendo uma porrada mais forte. Abbas Kiarostami,  Alan Rickman, Anton Yelchin, Carrie Fisher, David Bowie, Debbie Reynolds, Gene Wilder, Héctor Babenco, Michael Cimino, Zsa Zsa Gabor... foram muitos nomes, nomes demais para que qualquer um aguentasse.

Já na produção cinematográfica, 2016 revelou-se curioso e cheio de reviravoltas. Começando com uma temporada de premiações dominada por polêmicas quanto à falta de diversidade na indústria hollywoodiana e um total enigma sobre o grande vencedor do Oscar (que acabou indo para Spotlight - Segredos Revelados), o ano prosseguiu mantendo o inesperado como palavra-chave: o júri do Festival de Cannes só fez escolhas controversas para a Palma de Ouro, a safra de blockbusters hollywoodianos foi a mais má recebida em anos, Aquarius foi recebido com amor por onde quer que passasse mas viu o Ministério da Cultura escolher o desconhecido Pequeno Segredo para representar o Brasil no Oscar (que no fim morreu na praia), Batman vs Superman - A Origem da Justiça dividiu radicalmente o público e viu Deadpool superá-lo na bilheteria, o ovacionado em Sundance e até então favorito ao Oscar 2017 O Nascimento de uma Nação naufragou na corrida após seu diretor ter um caso de estupro revelado, Rogue One - Uma História Star Wars ressuscitou os mortos enquanto a Disney fazia o mesmo com a magia de suas histórias infantis.

De certa forma, o Melhores do Ano acaba por incorporar essa lei de 2016 à sua disposição, apresentando surpresas na ordenação das 156 produções aqui listadas. Embora o ano não tenha sido lá dos melhores no circuito de salas de cinema brasileiro - somente 28 obras alcançaram nota igual ou superior a 8/10 no ranking -, o top 25 possui algumas características únicas, como a presença marcante de longas asiáticos (são cinco, mais uma produção estrangeira situada no continente) e de filmes comandados por diretores com mais de 70 anos (de novo cinco mais um que está à beira de chegar a essa idade).

Do legado de 2015 pouca coisa mudou, mas há algumas boas notícias. Dos 25 melhores filmes deste ano, temos agora doze protagonizados por mulheres e vinte com personagens femininas relevantes à trama, batendo respectivamente os onze e catorze do ano passado. Na direção, nada de novo: Ainda que o número de diretoras no top 25 seja de dois agora, nos 50 primeiros lugares permanecem a mesma quantidade de quatro cineastas mulheres do ano passado (dessa vez Anna Muylaert, Deniz Gamze Ergüven, Jennifer Yuh Nelson e Mia Hansen-Løve).

Esclarecido todos estes pontos, vamos ao que interessa. Algumas observações pontuais:

- Mantendo o que foi estabelecido em 2015, a lista deste ano põe em destaque 25 produções de forma a abranger um número significativo de filmes que ao meu ver marcaram este 2016 que já se vai.

- Ao fim da contagem, disponibilizo o já tradicional ranking completo com mais doze top 10, um dedicado a cada mês do ano e seus lançamentos.

- Para entrar neste verdadeiro listão a regra é simples: o filme precisa ter estreado no circuito comercial de cinemas brasileiros nos últimos 365 dias e ter sido visto por minha pessoa. Além disso, o longa só entra se for inédito e produzido nos últimos cinco anos - o que por tabela exclui obras como Blow-Up: Depois Daquele Beijo, 8 1/2, 2001 - Uma Odisseia no Espaço e etc.

- Também no ranking de 2016 volto a incluir as revisões de nota de algumas das produções presentes na lista. Devido à urgência requerida para escrever as críticas, algumas obras geralmente não tem o tempo necessário de digestão (também conhecido como "período em que o filme permanece vivo na memória"), ganhando notas mais baixas ou mais altas. Essas revisões foram feitas por minha pessoa no decorrer do ano e estão demarcadas na lista com a nota original entre colchetes.

Enfim, vamos a eles. MAS ANTES uma pequena menção honrosa:

Hors-Concours: Visita ou Memórias e Confissões, de Manoel de Oliveira

Por causa das regras acima citadas achei melhor deixar este último filme do falecido cineasta português de fora do ranking, mas também não queria relegá-lo ao esquecimento. Trabalho feito em 1982 para ser lançado depois de sua morte, Visita ou Memórias e Confissões serve a Manoel de Oliveira tanto como uma grande reflexão sobre sua vida (o longa trata de suas memórias e da casa onde viveu, afinal) quanto sobre o cinema ao qual tanto se dedicou, resultando em um trabalho que explora com maestria a relação do espectador com a sétima arte. Uma obra transcendental e que merece a visita.

E agora sim aos Melhores do Ano 2016:

25) A Assassina

Que o wuxia - gênero fantástico chinês que mistura lutas de espada, artes marciais e tempos medievais - no cinema tem como uma de suas bases a movimentação de seus personagens é uma constatação óbvia, mas quando alguém resolve encarar esta como força motriz única de um filme do tipo o desafio é bastante árduo. Este é o mote de A Assassina, filme do diretor taiwanês Hou Hsiao-Hsien que pega um conto tradicional chinês e, em meio a uma trama palaciana das mais confusas (e desinteressantes ao cineasta), o transforma em uma verdadeira questão de equilíbrio entre expressão e interiorização. Pela curva de aprendizado da assassina do título, Hsiao-Hsien volta a tornar o espectador atento ao movimento dos personagens, tirando dramas mal resolvidos de situações de absoluto silêncio e imobilidade para ao menor dos gestos transformar a visão que temos sobre aqueles personagens e suas histórias. Uma obra extremamente difícil, mas tão recompensadora quanto.

24) O que Está por Vir

Novamente tratando da inevitabilidade da mudança, a cineasta francesa Mia Hansen-Løve volta a mergulhar o público numa grande reflexão sobre os mecanismos que regem a vida em O que Está por Vir, auxiliada agora por (mais) uma atuação soberba de Isabelle Huppert. A partir da história de uma professora de filosofia que vê sua rotina ser virada de cabeça para baixo, a diretora trabalha dramas do cotidiano sob uma ótica menos condenatória e pautada em nos esforços individuais para se manter firme em meio a fatos que insistem em nos derrubar. É uma proposta que beira ao simples, mas é por ela que Hansen-Løve aos poucos revela facetas fascinantes e difíceis de serem evidenciadas sobre a humanidade.

23) O Ignorante

O trabalho mais recente do também francês Paul Vecchiali é ideal para quem quer começar a ver os filmes do diretor, tratando de temas universais sob a ótica de seu cinema tão distinto. Centrada na encenação, este estilo encontra momentos soberbos na trama sobre a relação turbulenta de um senhor com seu filho, ainda mais porque Vecchiali incorpora questionamentos próprios dentro da estrutura do longa. Alternando-se muito bem entre drama e comédia, O Ignorante se faz como uma fábula de fácil acesso sobre a velhice e o arrependimento, uma obra que dentro de uma forma muito específica é tocante em muitos sentidos.

22) Belos Sonhos

O cineasta Marco Bellocchio voltou a tratar do mãe-e-filho italiano em 2016 com Belos Sonhos, a adaptação do romance autobiográfico do jornalista Massimo Gramellini. A análise, entretanto, está desta vez muito mais ligada a um viés interiorizado, de trauma pela separação inevitável e muitas vezes abrupta entre as duas partes, algo que o diretor logo transforma em um assombro simbólico para o protagonista tornado órfão de mãe tão cedo. Os mistérios que regem tal relação tão primordial continua intacto no cinema de Bellocchio, mas ao levantar tais questões ele desperta questionamentos individuais adormecidos em cada um de seus espectadores.

21) Cemitério do Esplendor

O tailandês Apichatpong Weerasethakul (o Joe) voltou a proporcionar mais uma fabulosa experiência cinematográfica introspectiva em 2016 com Cemitério do Esplendor. De mise-en-scène simples e ao mesmo tempo complexo em tudo que desperta, o filme traz imagens e momentos de impacto que se deslocam com fluidez ímpar e beleza subjetiva. Esvaziando cenas de movimento e prezando ao máximo pelo essencial daquilo que capta, Joe trabalha com emoções difíceis de serem descritas e tempos muito particulares, aos quais honra com uma metodologia bastante respeitosa da posição grandiosa que ocupam em seu espaço.

20) Vizinhos 2

Pelo menos do ponto de vista de atualização, Vizinhos 2 é sem dúvida alguma o ponto de virada no cinema do grupo de comediantes encabeçado por Seth Rogen e Evan Goldberg. Depois de encenar os conflitos geracionais tradicionais no primeiro capítulo, a sequência incorpora ao estilo desvairado da dupla e do diretor Nicholas Stoller questões relevante do mundo contemporâneo (feminismo, os millennials, a problematização do macho) de uma forma que eleve o duelo central da trama a um nível melhor conectado à realidade. Beneficiado por um elenco que sabe tornar seus personagens totens sociais em status de enfrentamento (Zac Efron e Chloë Grace Moretz estão ótimos) e com uma mensagem de conciliação das mais otimistas, o filme é aquilo que a comédia estadunidense precisa se espelhar para se manter funcional aos tempos difíceis que virão.

19) Cinco Graças

Filme francês dirigido, estrelado, escrito e passado na Turquia, Cinco Graças sabe muito bem como trabalhar a opressão feminina pelas tradições e ritos do país. Pela história de cinco irmãs órfãs que são submetidas a casamentos arranjados, a diretora Deniz Gamze Ergüven mantém um olhar atento sobre o enfrentamento natural entre as duas partes, guiando o espectador pela sensação de acuamento constante que as protagonistas vivem. Embora não busque o debate (a história parte de um campo maniqueísta), o sofrimento retratado na tela é suficiente para problematizar as questões apresentadas.

18) Rua Cloverfield, 10

A continuação tão esperada de Cloverfield revelou-se ser um filme de câmara dos mais satisfatórios. Ancorado por ótimas atuações de Mary Elizabeth Winstead (uma excelente atriz que decididamente precisa de melhor espaço na indústia) e John Goodman, o novato diretor Dan Trachtenberg sabe brincar muito bem a tensão crescente que se faz sobre a realidade exterior e interior vivida por seus personagens para consumá-los no fim sem nenhuma das partes soar dissonante. Tal qual o original, Rua Cloverfield, 10 demonstra um controle difícil de ser obtido sobre os espaços que ocupa.

17) Depois da Tempestade

O novo trabalho do japonês Hirokazu Koreeda é mais uma produção do país a carregar a tradição do país de análise sobre a unidade familiar, sob uma ótica que em alguns momentos remete à abordagem das obras do mestre Yasujirô Ozu. O que faz este Depois da Tempestade se destacar, porém, é a forma como o diretor encontra para desconstruir a família, que no mundo contemporâneo se encontra mudada por completo em relação àquela vista na Era de Ouro do cinema japonês e não possui mais espaço para existir. Koreeda não busca encontrar aqui uma forma de remendar as partes desassociadas da unidade, mas de equilibrá-las para mantê-la em funcionamento apesar de todos os percalços. A paz que seus personagens encontram no fim da história vem para desfazer expectativas vãs de encontrar uma família ideal sem exatamente fazê-los perder a esperança na unidade.

16) A Academia das Musas

O novo filme do espanhol José Luis Guerín é talvez o mais cabeçudo desta lista, graças a seus academicismos em torno da busca que se propõe a realizar. O eruditismo da produção, porém, é somente a base para que Academia das Musas exiba uma discussão profunda sobre a figura mitológica da musa e como esta afeta homens e mulheres. Da problematização desta presença à revelação de seu significado, o longa é exato naquilo que demonstra e evidencia sobre a condição humana.

15) Caça-Fantasmas

Todo o ódio direcionado à refilmagem de Caça-Fantasmas não conseguiu impedir Paul Feig de mais uma vez fazer o que sabe fazer de melhor. Com um time de protagonistas muito bem entrosado, o diretor de A Espiã que Sabia de Menos repetiu sua tiração de sarro com o ideal masculino com o extra de consagrar o feminino como ícone. O resultado é uma obra explosiva, que não tem medo de escrachar seus alvos por diversas modalidades de humor e tem uma nobreza de intenções que transparece na tela de maneira belíssima. Se há uma cena que permanecerá viva na memória é com certeza a do duelo da personagem de Kate McKinnon com incontáveis fantasmas masculinos que avançam contra ela.

14) Sully - O Herói do Rio Hudson

Clint Eastwood é conhecido por manter como temática de seus filmes a construção ou desconstrução do herói americano, algo que com certeza afetou a visão de muitos sobre este Sully - O Herói do Rio Hudson. O curioso do filme - que retrata os acontecimentos que cercaram o pouso de um avião em um dos rios de Nova York - é que o diretor, ainda que preso a seu protagonista, trabalha contra aquilo que origina o arquétipo que o consagrou, tornando o longa em um elogio dos mais afetuosos ao espírito coletivo. Para seu herói, vivido por Tom Hanks com competência de sobra, resta apenas sentir o peso da responsabilidade.

13) Café Society

Eterno defensor da magia (seja qual for sua forma) e do amor em seus filmes, Woody Allen trabalha Café Society sob um olhar mais sóbrio e realista. Seus amantes da vez estão condenados a nunca ficarem juntos, vítimas das circunstâncias sociais e históricas que os cercam, mas o diretor tira deste sentimento melancólico de incompletude uma bela forma de encarar o encantamento subsequente da paixão. É o que faz deste filme, a princípio formado apenas de nostalgia, em uma obra com algo a mais dentro da extensa e bem-sucedida carreira do cineasta.

12) Meu Amigo, o Dragão

Se o Mogli de Jon Favreau trouxe de volta à Disney o encanto conhecido das fábulas infantis, Meu Amigo, o Dragão representou para o estúdio a retomada dos valores profundamente atribuídos a tais contos. Emerso do cenário independente estadunidense, David Lowery refaz na refilmagem da história do menino e seu dragão o valor lendário e geracional dessas fábulas, concebendo um longa que reafirma a unidade familiar como atemporal mesmo em um ambiente contemporâneo. Pode soar antiquado, mas essa percepção do conto confere ao filme uma carga emocional incomparável, capaz de atingir adultos e crianças em igual medida.

11) Elle

Seria impossível não citar nesta lista o explosivo e gerador de discórdias que é o novo trabalho do holandês Paul Verhoeven. Mais uma obra de perversidades do cineasta, Elle eleva ao nível do doentio os jogos sexuais que caracterizam o cinema do diretor, virando a mesa para os desejos sexuais dos homens em relação às mulheres. Isabelle Huppert (de novo ela!) mostra controle absoluto sobre sua personagem em um filme que Verhoeven, acima de tudo, desconstrói de novo a relação do espectador com o prazer.

10) Kubo e as Cordas Mágicas

Abrindo o top 10 de 2016, Kubo e as Cordas Mágicas comprovou para o público este ano que a Laika é um estúdio de animação a ser admirado. Da jornada do herói percorrida pelo menino do shamisen, o estreante na direção Travis Knight concebe uma história tocante e mitológica sobre conflitos familiares, traduzindo dores, anseios, expectativas frustradas e esperanças depositadas sob tamanha unidade em alegorias ilustradas por um belíssimo stop-motion. A relação de Kubo com os pais e o avô podem ser universais, mas ocupam uma esfera particular das mais intensas.

9) Creed - Nascido Para Lutar

De todos os reboots de grandes franquias hollywoodianas que se sucederam até o momento, nenhuma conseguiu acertar tanto e foi ousada no mesmo nível que Creed - Nascido Para Lutar. Preservando os elementos conhecidos da série Rocky, a continuação sob a perspectiva do filho de Apollo Creed leva a história do Garanhão Italiano para o mundo negro, criando uma jornada de provação de seu protagonista que se faz em cima deste cenário. Ao mesmo tempo, o diretor Ryan Coogler reformula e preserva o legado de Sylvester Stallone, que volta ao seu personagem mais uma vez para brilhar. Somado a um arco crescente de adrenalina e um trabalho primoroso de consagração do negro como herói, Creed é uma lição de como fazer cinema pipoca com algo a mais para dizer.

8) Águas Rasas

Sim, um shark porn foi um dos melhores filmes de 2016. Diretor que vem ganhando cada vez mais o merecido destaque, Jaume Collet-Serra realizou com Águas Rasas um exercício de gênero desconcertante, que leva o lado raso da trama (bela mulher contra tubarão assassino) a profundidades fascinantes. O cineasta espanhol alterna com esmero entre o simples e o complexo, provocando a própria posição do espectador com o subgênero que assiste sem esquecer de desempenhar este, com sets de suspense tensos que mergulham muito bem no terror daquilo que é visto e não visto.

7) Certo Agora, Errado Antes

Certo Agora, Errado Antes possui uma forma muito bela de olhar seus protagonistas, um homem e uma mulher que se conhecem por acaso e saem em um encontro certa noite. Por meio de um díptico, o coreano Hong Sang-Soo desconstrói os acontecimentos que se sucederam pela visão dos dois, enxergando somente pelo uso da câmera as aflições e vontades que tomam os dois personagens ao longo do encontro e entendendo seus perfis interiores por completo. Sang-Soo possui aqui uma percepção e compreensão difíceis de se obter e ainda mais de se reproduzir, fabricando uma concepção de paixão efêmera, universal e dolorida. E isso tudo somente pela observação.

6) A Grande Aposta

É inacreditável afirmar isso, mas se havia alguém que poderia resumir o estopim da crise econômica de 2008, este alguém era Adam McKay. Ou, pelo menos, o sentimento: Em A Grande Aposta, o diretor de O Âncora e Tudo por um Furo realiza um panorama envolvente sobre o status dos Estados Unidos da época sem precisar explicar nada sobre economia, centrando-se na missão de levar o espectador a entender como aquele desastre se sucedeu. Uma tarefa realizada com louvor, que primeiro tira sarro do cenário para depois mergulhar no caos consequente.

5) Os Oito Odiados

Em seu oitavo e a princípio antepenúltimo filme da carreira, Quentin Tarantino se envereda por um projeto ambicioso. Seu novo cabin fever faz um retrato do ódio nos Estados Unidos de outrora, criando um verdadeiro caldeirão social pronto para explodir na cabana onde oito personagens se abrigam do frio desconfiados um do outro. Uma obra grandiosa, pretensiosa na medida certa e que entrega um banho de sangue furioso - além de muito divertido.

4) Jovens, Loucos e Mais Rebeldes

Richard Linklater volta a fazer com Jovens, Loucos e Mais Rebeldes mais um panorama geracional dos Estados Unidos, mas dessa vez ele foi pra lá de específico e com objetivos muito diferentes. A princípio algo totalmente despretensioso, a história das aventuras passadas por um grupo de atletas estudantis de beisebol nos três dias finais de suas férias adquire aos poucos um sentido especial, se fazendo como um retrato não de uma década mas de um tipo social muito distinto dentro dela. Pode parecer algo inacreditável, mas o diretor de Boyhood e Escola do Rock aqui consagra o jock universitário como uma verdadeira figura mitológica, de um passado distante do qual não se desprenderá jamais.

3) Aquarius

É sem dúvida alguma o filme que definiu o Brasil em 2016, e isso não é culpa apenas das brigas que gerou. O longa de Kléber Mendonça Filho trabalha tempo e espaço de maneira ímpar, a partir da memória concebendo uma investigação emocional das mais poderosas e enriquecedoras. Mas isso não seria nada sem a atuação de Sônia Braga, que como uma Iemanjá da memória domina Aquarius e torna-se no canal ideal para seu total funcionamento.

2) As Montanhas se Separam

Filme de panorama que vai para o drama emocional sem hesitar, As Montanhas se Separam possui uma forma muito única de traçar uma relação entre o indivíduo e o sentimento nacional. Em três atos/épocas, o chinês Jia Zhangke traz a história de uma relação entre mãe e filho que precisa sobreviver ao teste do tempo e da mudança, da globalização que parece existir aqui apenas para destruir a memória de seus personagens. Do retrato da China de hoje ao drama de incomunicabilidade mais puro, o longa é uma obra complexa e de diferentes camadas, capaz de abordar temáticas universais e particulares ao mesmo tempo sem perder o fino equilíbrio que constrói. Um trabalho espetacular e significativo em diversos níveis de conhecimento.

Mas o melhor filme de 2016 foi...

1) Carol

O "Eu te amo" mais impactante que presenciei no cinema este ano, nesta década, talvez nesta vida. Da adaptação do romance homônimo de Patricia Highsmith, o americano Todd Haynes esboça o que pode ser considerado um dos maiores tratados sobre o amor da existência, enxergando a paixão de duas mulheres de classes e ambientes sociais diferentes pela ótica visual e somente esta. Rooney Mara e Cate Blanchett tornam-se nas mãos do diretor em verdadeiros avatares universais deste sentimento tão natural, traduzidos em movimentos, toques e olhares que vão muito além daquilo que é dito. Carol é uma obra singular naquilo que propõe, que reafirma o amor como força em tempos onde este fato parece ser cada vez mais esquecido. 

Rankings

Por mês:
E a versão final do Ranking 2016 de Cinema:

  1. Carol (10/10)
  2. As Montanhas se Separam
  3. Aquarius
  4. Jovens, Loucos e Mais Rebeldes (9/10)
  5. Os Oito Odiados
  6. A Grande Aposta
  7. Certo Agora, Errado Antes
  8. Águas Rasas (8/10)
  9. Creed - Nascido Para Lutar
  10. Kubo e as Cordas Mágicas [7/10 antes da revisão]
  11. Elle
  12. Meu Amigo, o Dragão
  13. Café Society
  14. Sully - O Herói do Rio Hudson
  15. Caça-Fantasmas
  16. A Academia das Musas
  17. Depois da Tempestade
  18. Rua Cloverfield, 10
  19. Cinco Graças
  20. Vizinhos 2 [9/10 antes da revisão]
  21. Cemitério do Esplendor
  22. Belos Sonhos
  23. O Ignorante
  24. O que Está por Vir
  25. A Assassina
  26. Mogli - O Menino Lobo
  27. Conspiração e Poder
  28. Desajustados [9/10 antes da revisão]
  29. Batman vs Superman - A Origem da Justiça (7/10)
  30. Creepy
  31. Amor e Amizade
  32. Mais Forte que Bombas
  33. Invocação do Mal 2
  34. Boi Neon
  35. Doutor Estranho
  36. Neruda
  37. Trumbo - Lista Negra
  38. Ave, César!
  39. Ouija - Origem do Mal
  40. X-Men - Apocalipse
  41. O Quarto de Jack
  42. Cinema Novo
  43. Bruxa de Blair
  44. O Conto dos Contos
  45. Mãe Só Há Uma
  46. Kung Fu Panda 3
  47. Para Minha Amada Morta
  48. Filho de Saul
  49. Como Ser Solteira
  50. É o Amor
  51. White God
  52. Janis Joplin - Little Girl Blue
  53. O Abraço da Serpente
  54. Body
  55. Tangerine (6/10)
  56. Brooklyn
  57. Mate-me Por Favor
  58. Nerve - Um Jogo Sem Regras
  59. Horizonte Profundo - Desastre no Golfo
  60. A Bruxa
  61. Julieta [5/10 antes da revisão]
  62. De Amor e Trevas
  63. 13 Horas - Os Soldados Secretos de Benghazi
  64. O Dono do Jogo
  65. O Silêncio do Céu
  66. Invasão Zumbi
  67. Star Trek - Sem Fronteiras
  68. Sangue do meu Sangue
  69. Capitão América - Guerra Civil [7/10 antes da revisão]
  70. O Lobo do Deserto
  71. Rogue One - Uma História Star Wars
  72. Spotlight - Segredos Revelados
  73. 12 Horas para Sobreviver - O Ano da Eleição
  74. Sinfonia da Necrópole
  75. O Nascimento de uma Nação
  76. Espaço Além - Marina Abramovic e o Brasil
  77. Procurando Dory
  78. A Garota no Trem
  79. A Última Premonição
  80. Dois Caras Legais
  81. Capitão Fantástico
  82. Anomalisa
  83. Independence Day - O Ressurgimento [8/10 antes da revisão]
  84. Rock em Cabul
  85. Steve Jobs
  86. A Juventude
  87. Jack Reacher - Sem Retorno
  88. A Ovelha Negra
  89. O Bom Dinossauro
  90. O Plano de Maggie
  91. O Bom Gigante Amigo (5/10)
  92. Joy - O Nome do Sucesso
  93. O Caçador e a Rainha de Gelo
  94. Tirando o Atraso [4/10 antes da revisão]
  95. Zootopia - Essa Cidade é o Bicho
  96. A Chegada
  97. Cães de Guerra
  98. O Homem nas Trevas
  99. Sieranevada
  100. Festa da Salsicha
  101. Animais Fantásticos e Onde Habitam
  102. Alice Através do Espelho
  103. Francofonia - Louvre Sob Ocupação
  104. Jason Bourne
  105. Fogo no Mar
  106. Snoopy e Charlie Brown - Peanuts, O Filme
  107. Deadpool
  108. Inferno
  109. Florence - Quem É Essa Mulher?
  110. A Senhora da Van
  111. Tudo Vai Ficar Bem
  112. Futuro Junho
  113. Nosso Fiel Traidor
  114. Elis
  115. O Lar das Crianças Peculiares (4/10)
  116. O Demônio de Neon
  117. Os Caça-Noivas
  118. Negócio das Arábias
  119. A Última Ressaca do Ano
  120. Como Eu Era Antes de Você
  121. Irmãs
  122. Horas Decisivas
  123. Snowden - Herói ou Traidor
  124. Jogo do Dinheiro
  125. Zoolander 2
  126. Boneco do Mal
  127. A Luz Entre Oceanos
  128. O Caseiro
  129. Amor por Direito
  130. A Lenda de Tarzan
  131. Um Espião e Meio
  132. As Tartarugas Ninja - Fora das Sombras
  133. A Garota Dinamarquesa
  134. Quando as Luzes se Apagam
  135. O Botão de Pérola
  136. Warcraft - O Primeiro Encontro de Dois Mundos
  137. Porta dos Fundos - Contrato Vitalício
  138. Um Homem Entre Gigantes
  139. Canção da Volta
  140. Pequeno Segredo
  141. A Maldição da Floresta (3/10)
  142. Zoom
  143. Voando Alto [2/10 antes da revisão]
  144. Últimos Dias no Deserto
  145. Orgulho e Preconceito e Zumbis
  146. Reza a Lenda
  147. Animais Noturnos
  148. O Regresso
  149. Caçadores de Emoção - Além do Limite
  150. Perfeita é a Mãe!
  151. Angry Birds - O Filme
  152. Boa Noite, Mamãe
  153. De Longe Te Observo (2/10)
  154. Sete Homens e um Destino
  155. Truque de Mestre - O Segundo Ato
  156. Esquadrão Suicida

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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O Cinema em 2016: Piores do Ano

As grandes bombas de 2016.

Por Pedro Strazza.

Todo ano é a mesma coisa. Renovados pela virada e pela promessa interna de que tempos melhores virão, começamos 2016 na esperança de vermos apenas bons filmes e ter sorte de não nos depararmos com nenhuma produção de qualidade duvidosa.

E como em todos os outros anos, nós rapidamente percebemos que de sorte temos nada.

Por uma série de motivos, 2016 foi um ano duro. Estes últimos 365 dias se provaram complicados para onde quer que olhássemos, e no cinema isso não foi muito diferente. Para exorcizar estes momentos de horror que vivemos dentro das salas dos diversos multiplexes e cinemas de rua, O Nerd Contra-Ataca apresenta mais uma edição do Piores do Ano, a nossa tradicional lista de fim de ano com as dez piores produções lançadas no circuito comercial de cinemas brasileiros entre os dias 1° de janeiro e 31 de dezembro. Uma lista que este ano, ao contrário dos últimos dois, não conta com uma produção estrelada por Johnny Depp na primeira posição (ele cavou a cova em outros lugares em 2016), o que só aumenta o suspense sobre o nosso grande "campeão".

Vamos a eles?

10) Animais Noturnos

Talvez o melhor pior filme sobre bolo da História? Não há muito que possa ser defendido no segundo trabalho do diretor e estilista Tom Ford além do famoso argumento "Visualmente é lindo!". Incapaz de conciliar as duas tramas presentes no livro de Austin Wright, o longa ainda conta com cenas de humor involuntário - Amy Adams levando o susto com o bebê, que momento! - e atuações que soam caricatas mesmo que tentem manter a seriedade do texto - se Michael Shannon veio só pelo cheque, Aaron Taylor-Johnson mostra tanto comprometimento com seu psicopata ridículo que chega a dar pena. Não que o conteúdo esteja ajudando muito também (um "oi sumida" de vingança, sério?), mas pelo menos o sofrimento aqui dura pouco, ao contrário de...

9) O Regresso

Sim, ele mesmo, o exercício de ego mais irritante do ano. Se em Birdman Alejandro G. Iñárritu conseguia disfarçar seus rompantes de auto-promoção em uma história que sabia tirar sarro de si mesma, em O Regresso isso é substituído por uma jornada de provação masculina das mais desesperadas para mostrar que é verdadeira. No processo, o filme serve de trampolim para que todos os envolvidos esbanjem seus talentos de forma a já saírem adorados, bem no esquema daquilo que Birdman tanto tratava como ridículo. Iñárritu busca uma consagração imediata, Lubezki pira nas paisagens de fundo de tela de Windows e DiCaprio sofre e se arrasta pelo Oscar de Melhor Ator: todos alcançaram seus objetivos, mas... para que mesmo?

8) Caçadores de Emoção - Além do Limite

Tudo bem, o Caçadores de Emoção original, dirigido por Kathryn Bigelow em 1991, não era lá essas coisas, mas ele pelo menos tinha um charme que sua refilmagem definitivamente falhou em obter agora em 2016. Investindo no lado mais X Games da trama policial para criar cenas de ação ainda mais "radicais" - mas que nunca trazem algum impacto de tão genéricas que são - o longa de Ericson Core esvazia por completo a dinâmica de gato-e-rato entre seus dois protagonistas sem conseguir um substituto à altura. O resultado é um filme protocolar, um remake sem razão de existir e com dificuldades para proporcionar um mínimo de tensão a seu espectador. Um grande desperdício.

7) Perfeita é a Mãe!

Primeiro filme da lista que parece ter como lema a frase "Boas intenções, péssima execução", este que é o segundo projeto de direção de Jon Lucas e Scott Moore (roteiristas do primeiro Se Beber, Não Case!) parte da boa ideia de ilustrar um pouco mais das dificuldades passadas por qualquer mãe no dia-a-dia. É triste, porém, perceber que a dupla, além de incapaz de promover uma risada com o bom grupo de comediantes reunidas - Mila Kunis, Kristen Bell, Kathryn Hahn e Christina Applegate fazem um baita time, mas nem elas são capazes de tirar algo do roteiro -, no fim se fazem como verdadeiros alienígenas no mundo que tanto querem fazer piada. Acima de tudo, Perfeita é a Mãe! busca ser um outro Se Beber, Não Case! quando poderia arranjar uma voz própria.

6) Angry Birds - O Filme

Warcraft foi uma grande bobagem, mas nem de perto chegou a ser tão horroroso quanto Angry Birds, com certeza a pior adaptação de um videogame para os cinemas dos últimos cinco anos (e isso não é pouco!). Insuportável do começo ao fim, talvez a única cena minimamente tragável do filme seja a da Grande Águia fazendo xixi no lago - o que por si só denota o nível da produção.

5) Boa Noite, Mamãe

Usar a violência para chocar nunca deixou de ser um bom elemento de cena, desde que usado com um mínimo de coerência. Para o azar do espectador, o terror austríaco Boa Noite, Mamãe parece ser incapaz de funcionar como filme de gênero fora do trauma visual, empregando cenas de gore que no fim não consegue justificar. Adicione a este uma péssima virada de roteiro e pronto, tem em mãos um filme de horror dos mais bobos ainda que ele se pregue como superior o tempo todo. 

4) De Longe Te Observo

Grande vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2015, o venezuelano De Longe Te Observo tem como mote a relação de amor e ódio entre um rico dentista e um pobre garoto. O diretor Lorenzo Vigas busca tirar das interações entre os dois uma verdadeira dissecação da sociedade do país, mas nunca sai do ensaio propriamente dito, jogando temas aqui e ali só para deixar a história em movimento. E não bastasse o caráter enfadonho da produção, ela se torna ainda mais irritante pelo perfil desprezível de seus dois personagens principais.  

3) Sete Homens e um Destino

O outro filme que levou a ferro o lema "Boas intenções, péssima execução" foi o remake do faroeste de John Sturges (que já era uma refilmagem de Os Sete Samurais de Akira Kurosawa). O longa do diretor Antonine Fuqua busca trazer para a história dos sete pistoleiros que aceitam defender um pobre vilarejo de bandidos uma mensagem de diversidade e igualdade ao trazer atores de diferentes raças para o grupo de heróis, mas acaba soando estereotipado em suas próprias pretensões. Além disso, Fuqua - que também mostra dificuldades nas cenas de ação, fazendo-as da maneira mais burocrática possível - não entende o sentido do sacrifício final dos pistoleiros, tornando-o heróis dispostos a tal feito somente para aquecer suas sedes individualistas de consagração, algo contrário ao final coletivo dos outros dois longas anteriores.

2) Truque de Mestre - O Segundo Ato

O primeiro Truque de Mestre já tinha sido uma grande bobagem em meio àquela quantidade abstrata de planos de grua e reviravoltas, mas nada, absolutamente nada nos preparou para a continuação. Dirigido por Jon M. Chu, O Segundo Ato é um desastre do começo ao fim, multiplicando reviravoltas e truques de mágica claramente impossíveis (é mágiCa, não magia!) para criar uma sequência ainda mais descontrolada e que tenta se enquadrar no estilo de filme família consagrado pela franquia Velozes e Furiosos. É de se admirar o grande elenco jogado no lixo na mesma medida que é desperdiçado a proposta de iludir o espectador, transformada em desculpa para efeitos visuais sem qualquer sentido. O desastre encenado aqui é revoltante.

Mas um filme conseguiu ser pior.

1) Esquadrão Suicida

A escolha mais óbvia, mas também inevitável. Grande promessa de 2016 para injetar novidade ao gênero dos filmes de super-herói, Esquadrão Suicida acabou se provando uma gigantesca pilha de excrementos, arruinando uma trama simples das maneiras mais inimagináveis. Os fãs podem vir com todas as justificativas sobre o porquê do desastre ter se sucedido desta maneira e como a Arlequina salvou a produção (observação: ela não salva), mas a verdade é que o longa é um desastre sob todos os ângulos.

O que não deixa de ser uma tristeza, claro, seja porque o diretor David Ayer tinha mostrado seu valor no ano anterior com Corações de Ferro ou porque o elenco dá seu melhor para sustentar a coisa (mesmo Jay Courtney está esforçado aqui!). Mas só a lembrança do Coringa de Jared Leto é suficiente para estraçalhar qualquer defesa e traumatizar qualquer um.

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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

O Cinema em 2016: Destaques do Ano

Quinze filmes que se destacaram no ano.

Por Pedro Strazza.

2016 enfim está chegando ao fim e, como de costume nesta época do ano, começam a pipocar nas redes sociais e sites especializados as famosas listas, rankings e retrospectivas dos últimos 365 dias. No cinema, este momento de reflexão geralmente se dá pelas tradicionais publicações que reúnem as melhores e piores produções do ano, polarizando a discussão em um verdadeiro gostei/não gostei que visa acima de tudo a consagração de uma parcela de filmes lançados neste ciclo que agora se encerra.

No O Nerd Contra-Ataca essa metodologia não é diferente, mas também não nos satisfaz por completo. Acompanhar a produção cinematográfica contemporânea de perto implica em ter contato com uma quantidade de filmes gigantesca, tão grande que seria impossível de resumi-la em duas listas pequenas.

É por isso que, desde 2013, o site lança com muito orgulho uma terceira lista chamada Destaques do Ano, com títulos que embora não tenham conseguido o necessário para ficar entre os melhores foram bons o suficiente para impactar o público. Todos produções inéditas lançadas no circuito comercial de cinemas brasileiros entre os dias primeiro de janeiro e 31 dezembro, os quinze filmes aqui reunidos merecem de alguma maneira esta lembrança, muito por causa das novas ideias, visões e maneiras de encarar o cinema, seus gêneros e suas temáticas.

Sem mais delongas e em ordem alfabética, vamos a eles:

  • Amor e Amizade

Depois de tantas adaptações da obra de Jane Austen para o cinema, é de se admirar o frescor que o diretor estadunidense Whit Stillman imprime em Amor e Amizade, filme que traz para as telas o curto romance da autora inglesa. Mais interessado no caráter novelesco da história, o longa escapa do tom dramático e do comentário social que são típicos de tais produções para se divertir com a comédia de costumes que tem em mãos, trabalhando os conflitos palacianos das classes mais altas da sociedade inglesa sob um clima despretensioso dos mais agradáveis. Aliado a isso, Stillman ainda conta com uma grande performance de Kate Beckinsale, que mostra ter grande controle sob a protagonista da história e seu perfil quase enigmático aos demais personagens.

Sim, ele não poderia deixar de marcar presença aqui. Um dos (senão o) filmes mais polêmicos do ano, o primeiro encontro de Batman e Superman no cinema dividiu opiniões em caráter extremo, com defensores ardorosos e detratores extremamente zangados quase saindo no soco sobre a qualidade da produção. E ainda que os defeitos sejam óbvios (alguém chegou a curtir aquele confronto final com o Apocalipse?), há o que gostar sim no longa: Mais descontrolado do que nunca em seus slow motions e fetiches por corpos musculosos, Zack Snyder promove em Batman vs Superman - A Origem da Justiça um dos mais fascinantes processos de igualamento de mitos, contrapondo as figuras heroicas do homem-morcego e do filho de Krypton sob um prisma inesperado, pretensioso, piegas e (quem diria!) bastante funcional. Gostando ou não, sua existência agora é inegável.

Spotlight pode ter levado o Oscar e ganho fãs em toda a parte, mas o filme mais intrigante sobre Jornalismo em 2016 foi este relato dos últimos dias de trabalho do âncora Dan Rather na CBS. Estréia do roteirista James Vanderbilt na direção, Conspiração e Poder traz para a tela toda uma problematização dos rumos do Jornalismo no mundo de hoje, evidenciando transformações no meio que embora adotem um viés conservador (o tão temido fim da profissão é escancarado aqui) não adotam sob nenhuma maneira a elegia ou homenagem ao que veio antes. Sem contar que o diretor sabe fazer da mudança quase um horror por si só, como bem provam cenas como a da personagem de Cate Blanchett lendo os comentários de ódio à sua pessoa na internet.

Adaptação do livro autobiográfico do prestigiado autor Amós Oz e debute de Natalie Portman na direção, De Amor e Trevas é um filme que é frio na abordagem que faz da relação central entre o protagonista e sua mãe. Tal distanciamento, porém, é muito bem calculado pela diretora, que mantém seu espectador constantemente intrigado sobre o enigma da figura materna (interpretada pela própria Portman) na mesma proporção que esta é ao próprio filho. Um sentimento paradoxal de atração e afastamento que acaba por servir muito bem aos propósitos da produção, concebendo uma das experiências imersivas mais curiosas deste ano.

  • Horizonte Profundo - Desastre no Golfo

Depois de traumatizar o público sobre as ações dos militares estadunidenses em terras estrangeiras com O Grande Herói, o diretor estadunidense Peter Berg volta a proporcionar a mesma sensação neste Horizonte Profundo - Desastre no Golfo. Seu olhar agora recai sobre o interesse privado, as grandes corporações petrolíferas cujos desejos e metas financeiras levaram ao colapso da plataforma Deep Horizon em 2010 (um dos maiores acidentes da História do ramo), e o diretor faz o que sabe fazer de melhor. Seja pelo engravatado de John Malkovich encharcado de petróleo, o engenheiro de Kurt Russell tentando deixar todos seguros mesmo com o corpo todo machucado pela explosão ou o momento final vivido pelo protagonista de Mark Whalberg, caído no chão e em prantos, Berg não permite ao espectador um respiro na narrativa, condenando-o a viver o sofrimento que recai sob seus personagens por causa da mesquinhez de alguns. Uma verdadeira porrada no estômago.

Os filmes de zumbi podem estar vivendo um momento de esgotamento pleno nos dias de hoje, mas ainda há bons exemplares do gênero surgindo aqui e ali. Um deles é este Invasão Zumbi do sul-coreano de Yeon Sang-Ho, que faz da jornada dos passageiros de um trem para a cidade do Busão e de suas tentativas de sobrevivência ao apocalipse zumbi um frenesi dominado pela adrenalina e a tensão. Cartunesco, claustrofóbico e bastante físico (a ausência de armas gera uma instabilidade sensível no espectador), o longa combina muito bem a alegoria social com os elementos típicos do cinema sul-coreano, resultando em um terror divertido ainda que efêmero.

Outro terror bastante encantador de 2016 foi a continuação de Invocação do Mal, cuja influência e homenagem a obras-primas do gênero não ficou no caminho de grandes sequências de tensão. Em alta em Hollywood, o diretor James Wan repete aqui seu terror lúdico e espacial com enorme destreza, aproveitando ambientes vazios e planos longos para pôr seu espectador em situações de total desconforto. O resultado é um filme de horror bastante eficiente, capaz de traumatizar alguns e deixar outros admirados com a destreza exibida pelo cineasta.

  • Julieta

Julieta não chega a ser um grande trabalho de Pedro Almodóvar, mas com certeza é daqueles que toca no íntimo. Mais uma vez tratando da relações entre mães e filhas, o cineasta espanhol combina três histórias escritas por Alice Munro que tratam do sofrimento e da angústia materna, abordando a questão com a sensibilidade necessária. O mistério que envolve o conflito entre a mãe Julieta e a filha Antía, elemento central da trama, gera toda uma constelação de emoções em seu espectador, evocando neste uma reflexão profunda sobre a complexidade desta relação tão essencial. 

  • Mãe Só Há Uma

Embora esteja um pouco abaixo do nível alcançado por Anna Muylaert em Que Horas Ela Volta?, Mãe Só Há Uma é mais um bom trabalho da diretora, que prova de novo ter bom controle espacial das situações que propõe. O momento difícil pelo qual passa seu protagonista, jovem que descobre que sua mãe o roubou da maternidade no nascimento e precisa se ajustar a uma nova família e condição social enquanto na adolescência, se torna no campo ideal para a cineasta gerar conflitos de classe complexos, que abandonam o maniqueísmo de seu último trabalho para adotar uma compreensão dolorosa de todas as partes envolvidas. O filme talvez não saiba resolver a situação que estabelece, mas decididamente é capaz de transparecer o emocional de todos ali envolvidos.

Terceiro longa-metragem do dinamarquês Joachim Trier, Mais Forte que Bombas parte de dramas familiares para atingir questões imagéticas das mais dolorosas. Seja na morte ou no nascimento, os momentos de transformação da vida se tornam na base sólida para que o diretor trabalhe seus personagens e as relações difíceis que nutrem entre si sob o viés da projeção, da imagem que um cria sobre o outro e as consequências de tal ato. Uma maneira instigante de enxergar os relacionamentos familiares.

  • Mate-me Por Favor

Chega a ser fascinante como Mate-me Por Favor não mede esforços para dar destaque à sua temática, abrindo mão até de sua trama no processo. Uma decisão das mais controversas, é verdade, mas que não impede o longa dirigido por Anita Rocha da Silveira de brilhar em suas pretensões. Alegoria extremamente direta à posição da mulher na sociedade machista e misógina, o filme tira do cotidiano de quatro amigas um retrato angustiante e perturbador, capaz de ressaltar o sofrimento diário da população feminina pelo arco de coming of age mais simples possível.

Depois de passar um tempo fazendo filmes esquecíveis (nunca nos esqueceremos de Cowboys e Aliens, certo?), Jon Favreau voltou a acertar a mão este ano com o live-action de Mogli - O Menino Lobo, clássico infantil do escritor Rudyard Kipling que finalmente ganhou uma adaptação à altura de seu legado. Se na animação de 1967 a história da criança criada na floresta era um verdadeiro pot-pourri tresloucado, o filme de 2016 combina efeitos visuais de primeira categoria com a jornada do protagonista para refazer o deslumbramento dos contos infantis, trazendo de volta uma magia há algum tempo perdida nas aventuras infantis. Esta conquista deve se tornar agora em fórmula para os próximos projetos da Disney, mas é sempre bom saber que alguém ainda é capaz de proporcionar tal encanto ao público.

  • Nerve - Um Jogo Sem Regras

Quem também trouxe uma bem-vinda renovação a um determinado tipo de história é Nerve - Um Jogo Sem Regras, que trouxe para o gênero do cyberpunk as histórias de amor juvenis sem deixar uma das partes ficar sem sal. Aliando a crítica às redes sociais com a emancipação adolescente, o filme da dupla de diretores Ariel Schulman e Henry Joost mantém o espectador preso em uma dinâmica recompensadora dentro do mundo que propõe, alimentando a narrativa com viradas funcionais e capazes de transformar a percepção do público sobre os eventos sem que a lógica dos eventos mostrados se perca. No resto, é um teen drama convincente e deveras charmoso, que sabe trabalhar a jornada de sua protagonista com o encanto típico dos contos-de-fada tradicionais em um mundo contemporâneo recheado de dúvidas e anseios.

  • Sinfonia da Necrópole

Dos filmes de gênero o que talvez menos se espere da produção cinematográfica brasileira é o musical, algo que não impede o simpático Sinfonia da Necrópole de fazer o que bem entende. Passado em um dos cemitérios de São Paulo, o longa de Juliana Rojas sabe realizar a crítica social que se propõe a fazer ao mesmo tempo que se enquadra nas convenções do gênero e se arrisca em outros (os flertes com horror são divertidos). Talvez falte um melhor preparo nas canções, mas isso não impede a produção de alcançar seus objetivos.

  • Tangerine

Filmado inteiramente no celular e tratando de um universo marginalizado pela sociedade contemporânea, Tangerine funciona muito bem como comédia de relações atípicas à grande parte das pessoas, mas que ao mesmo tempo não são nem um pouco estranhas a elas. A jornada de duas prostitutas transexuais para encontrar e confrontar o namorado de uma destas (que está saindo com outra após a amada ir parar na cadeia), afinal, aproxima o público dos dramas cotidianos de suas personagens e cria uma identificação bastante complacente com estas. Este dever quase humanitário, porém, não é o único objetivo da produção, que também promove uma bela mensagem de união e amizade a pessoas imersas em um mundo de preconceitos, configurando-se em um dos mais bem intencionados contos de Cinderela do ano e (possivelmente) da década.

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