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sábado, 23 de setembro de 2017

Crítica: Mãe!

Em terror intimista, Darren Aronofsky se rende ao lado mais imediatista do cinema de provocação.

Por Pedro Strazza.

[Esta crítica aborda reviravoltas da trama. Se você ainda não assistiu o filme, leia por sua própria conta e risco]

Para bem ou para mal, Mãe! é o filme que debulha o cinema de Darren Aronofsky a seu essencial ao mesmo tempo que busca o impulsionar a novas alturas. Se por um lado o terror intimista protagonizado por Jennifer Lawrence funciona tematicamente no mesmo eixo dos últimos trabalhos do cineasta, ele também serve ao diretor como forma de testar os limites de seu próprio jogo, criando assimilações e paralelos que sem dúvida são os principais fatores para tornar a produção uma obra de provocações, como bem atesta as reações bastante divisivas do público neste primeiro momento do lançamento.

Se os atos de resumir ao que importa e explorar novos caminhos soam como definições opostas no papel, na tela este leve paradoxo está sem dúvida destinado a explodir em sentimentos contraditórios, o que já é um indício do tipo de experiência buscada pelo longa aqui. O roteiro escrito por Aronofsky a princípio flerta com o terror da vida privada, situando temas conhecidos de sua carreira em posição mais ou menos periféricas conforme ele centraliza tudo na perspectiva da personagem de Lawrence. Enquanto a câmera se basta em filmar o rosto da atriz e o seu literal ponto de vista (uma medida traduzida em planos longos e dispostos a criar tensão pelos cantos), constantes da carreira do cineasta como os dilemas do autor e a atração pelas imagens bíblicas permanecem restritas aos outros personagens, e o que persevera a princípio é esse horror quase cômico de intrusão da intimidade - e sob esta perspectiva quem mais se diverte é Michelle Pfeiffer, que se diverte enquanto trabalha este dueto emocional no papel de inquisidora de rotinas femininas.

Esta proposta, no entanto, não passa de um grande jogo de dispositivos de trama farsesco, pois aos poucos a produção devolve os grandes temas de Aronofsky ao seu lugar de direito com intensidade multiplicada. O que era trama se converte subitamente em quadro de simbolismos em constante ressignificação, e conforme Mãe! acelera a cadeia de eventos em "pulos temporais" e mergulha na total insanidade o filme se revela uma grande alegoria imagética dos tormentos de criação, obstinado como O Lutador, Cisne Negro e Noé em transbordar ao espectador as emoções conflitantes do autor.

Não deixa de ser um movimento oportuno que o filme mantenha-se colado à perspectiva da protagonista nesta transição, porém. Crente maior da própria metodologia de seu cinema, Aronofsky parece se entregar por completo aos delírios de grandeza neste novo trabalho, assumindo os paralelos de arte e cristianismo como motores maiores não só de seu modo de operação mas do próprio ato de existir. Se no longa há a noção constante de uma grande interpretação única e que diz respeito somente ao diretor - a metáfora da relação entre os personagens de Lawrence e Javier Bardem, bem como o aceno explicativo nos últimos minutos da projeção, são grandes indicativos desta tendência - persiste também a anulação desta, desde a negação da presença da voz ativa da protagonista ao clímax apoteótico que culmina na autodestruição, uma medida que mesmo atendendo ao direcionamento da alegoria serve para provar e encerrar sua existência única e exclusiva como montagem.

É este caos estrutural que no fundo teima em sabotar e tornar a experiência de Mãe! um tanto sofrível (apesar da missão aparente do filme ser a de instigar), mas há outros elementos em jogo que agravam o cenário da obra, e entre eles o principal é sem dúvida a disposição de Aronofsky em se postar como figura divina em meio a todas as alusões bíblicas que faz - algumas inclusive feitas à toa, um exercício banal de poder, a exemplo da passagem à la Caim e Abel protagonizada por Brian e Domhnall Gleeson. A proposta não só soa como o ápice de todas as provocações realizadas pelo diretor ao longo da produção, mas também termina por tornar ainda mais evidente as limitações do longa enquanto construto, restringindo a alegoria para si da mesma forma que a clareira é o único espaço possível para a protagonista existir.

A disposição de levar o longa ao caos completo não deixa de ser um esforço interessante (ainda mais porque ele de fato parece tirar prazer deste colapso), mas ela sozinha não é capaz de preencher este vazio de significados que a produção parece abraçar com gosto. Não deixa de ser uma pena: enquanto Aronofsky se satisfaz nos delírios com o conteúdo e as reações extremas e distintas da própria obra, seu cinema se entrega na mesma medida a provocações de cunho imediatista ao invés de seguir por novos caminhos, erguendo um culto de imagem que se prende à telona como único resquício de existência. E para um exercício de metalinguagem, Mãe! se mostra contente demais em permanecer interiorizado, dono das técnicas e metáforas que o ajudem a mantê-lo exclusivamente como mestre de seus domínios.

Nota: 3/10

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Crítica: Rodin

Cinebiografia do famoso escultor cai em formatos tradicionais, mas encontra na arte um conduíte digno.

Por Pedro Strazza.

Auguste Rodin foi um artista que à sua maneira desafiou os valores de sua época. Ainda que nunca tenha sido classificado como transgressor, suas produções realísticas e dotadas de superfícies irregulares iam na contramão das buscas idílicas do ideal de seus contemporâneos, uma atitude que se por um lado o diferenciou a ponto de se tornar um dos escultores mais conhecidos da História também o tornou numa figura periférica do cenário artístico de seu tempo.

Esta contrapartida é um dos principais temas de Rodin, cinebiografia do autor escrita e dirigida por Jacques Doillon que fez passagem discreta na competição da Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano. É a distância do escultor da comunidade parisiense que surge a princípio como elemento central do drama do longa, que opta por seguir um caminho seguro e trabalha o artista (vivido por Vincent Lindon) pelo viés universal do tormento de criação, um dilema recorrente em obras dedicadas a criadores e seus trabalhos.

A presença desta temática no centro de todas as coisas já é um indício de que a produção será convencional em muitos sentidos dentro daquilo entendido como filme de arte (ou, no mínimo, as obras que frequentam os festivais de cinema de prestígio). Situada no período no qual Rodin foi comissionado a produzir a Porta do Inferno e o monumento em homenagem ao escritor até então recém-falecido Honoré de Balzac, o longa faz o caminho tradicional no que consta a protagonistas dotados de imensa fúria interna, filmando em planos longos o artista enquanto produz no interior de seu ateliê para expor sua intensidade criativa. Rodin é, ao olhar de Doillon, tão atormentado quanto suas esculturas buscam se portar, e nesse sentido Lindon vive o escultor de maneira consideravelmente previsível, com o semblante quase sempre franzido e uma movimentação mais bruta.

Seguir lógicas conhecidas não é um problema no cinema, mas para o filme ela funciona quase como se acuasse a produção em alguns momentos, como se Doillon se forçasse a seguir um livro de regras imaginário ao invés de trilhar caminho próprio atrás do retrato de seu objeto de estudo. Quem acaba por sofrer mais neste processo é o próprio drama, que muitas vezes se encontra perdido e ineficiente quando para trabalhar o relacionamento extra-conjugal de Rodin com a também escultora Camille Claudel (Izïa Higelin). A situação logo se transforma em um triângulo amoroso de viradas e conflitos previsíveis, com direito a ultimato e amante e esposa se confrontando no ateliê, além de ter pouco a oferecer sobre o impacto emocional que o caso teve à carreira dos dois artistas - especialmente Claudel, que tem seu trágico fim suprimido da trama.

Ao diretor e roteirista, porém, interessa mesmo apenas o espírito em conflito de seu protagonista, e se no drama a obra emperra na arte ela encontra o espaço ideal para desovar tais angústias. Entre os corpos despidos, os diferentes materiais esculpidos e a pose atarracada do escultor, Rodin se faz num interessante filme de texturas, filmando essas diferentes superfícies de forma quase pornográfica afim de encontrar o ponto de fascínio da produção do autor e a evolução de seu processo criativo, movido pela aceitação inevitável de uma maior liberdade estilística. É uma maneira inesperada de enquadrar o personagem, de fato, mas a narrativa ganha força conforme o artista começa a improvisar e o longa (na medida do possível) se liberta de seu rigor formal pré-estabelecido - quando Rodin vai transar com duas modelos, por exemplo, a câmera se basta em filmar as preliminares sobre o filtro do vidro da porta, que forma um inesperado quadro abstrato à partir da situação.

Quando inscrito nesta abordagem, Doillon chega a se esquecer do cinema prestigiado que busca alçar seu trabalho e passa a atuar sob efeito das sensações que capta com a câmera, guiando-se por aquilo que seu personagem absorve do mundo - o choro na exposição de Claudel, o olhar obsessivo quando faz seus desenhos de observação, a mão na superfície irregular das estátuas - e põe em seus trabalhos. O filme nunca se desvencilha de seu formato tradicional, é verdade, mas esses pequenos momentos de fuga soam como suficientes à produção para dar ao seu retrato de Rodin um olhar menos contemplativo e mais tátil de sua persona, bem ao gosto do artista.

Nota: 6/10

domingo, 17 de setembro de 2017

Crítica: Columbus

Estreia de ensaísta na direção encontra na arquitetura o fio de condução para o drama.

Por Pedro Strazza.

É uma comparação inevitável o paralelo entre Columbus, o elogiado debute na direção de Kogonada, com os filmes de Yasujirô Ozu. Além do próprio fato do nome usado pelo diretor ser uma homenagem do conhecido vídeo ensaísta a Kogo Noda, colaborador de roteiro habitual do grande cineasta japonês, o longa é também um que busca seguir a cartilha do cinema de Era Uma Vez em Tóquio e Pai e Filha, empregando planos abertos que pautam a narrativa pelos ambientes ocupados pelos personagens e seus dramas.

As semelhanças e a influência de Ozu, porém, começam e se encerram na parte estética da produção, pois fora da dimensão visual perfeccionista (e, naturalmente, bela) o estreante diretor sul-coreano demonstra ter interesses muito diferentes de seu ídolo japonês. A começar pela própria relação dos ambientes com a história a ser contada no filme que, mesmo que pautada por relações familiares, está longe desta desconstrução de valores proposta pelo falecido mestre cineasta em sua extensa obra.

A trama, escrita pelo próprio Kogonada, acompanha Jin (John Cho) e Casey (Haley Lu Richardson), dois indivíduos que estão na Columbus do título e passam por momentos muito distintos de suas vidas. Ele, coreano de educação estadunidense que trabalha na tradução de livros, vem aos Estados Unidos para acompanhar o pai enquanto este - um famoso arquiteto - encontra-se em um coma crítico no hospital da cidade; ela, nascida na região, está em conflito entre sair para o mundo e fazer a faculdade e ficar em casa e cuidar da mãe. Conhecendo-se por acaso um dia, os dois passam a sair juntos para discutir arquitetura, um assunto que é paixão dela e tema recorrente na rotina dele graças ao pai.

São dessas conversas que o longa então passa a trabalhar a sua narrativa, e é daí que já se percebe as diferenças de direcionamento entre aprendiz e mestre. Tal distinção se faz por meio de uma inversão de raciocínio bastante pontual: se em Ozu os ambientes serviam para dimensionar a rotina e compreender as mudanças em curso sentidas pelos personagens, Columbus funciona em cima da maneira pela qual seus personagens afetam o cenário, transformando-os em seus universos particulares à partir de suas próprias experiências. É um exercício de intimidade a ser sentido pela arquitetura dos espaços, tema que Kogonada põe de central na obra sem muita sutileza em momentos como a resposta suprimida de Casey sobre o porquê de certo prédio ser seu favorito (na hora, observa-se apenas o brilho de seu olhar na hora de sua explicação) ou a passagem que mostra uma faxineira limpando o apartamento de Jin, uma cena capaz de sozinha evidenciar a fragilidade da noção do espaço como memória - afinal, aquele microverso criado pelos personagens não deixa de ser só um espaço ocupado por cadeiras e espelhos.

Mas se o diretor segue no caminho inverso de outros cineastas admiradores de Ozu (como Ira Sachs e seu recente Melhores Amigos) no que diz respeito a ambições temáticas, seu filme não deixa de ser um emulador das mesmas emoções tocantes deste cinema. O que o atrapalha a princípio neste debute, entretanto, está nas próprias características da trama e no jeito como ele a aborda, pois a história no fundo não consegue ser o veículo ideal para suas ambições temáticas. Além do paralelo traçado entre os dramas dos dois protagonistas ser frágil demais para entregar a profundidade emocional requerida (o longa se basta em unir seus traumas de separação pelo viés das diferentes idades), a produção também termina por privilegiar sua visão arquitetônica dos espaços em detrimento dos personagens, o que contribui para tornar o todo um tanto artificial - talvez o que mais deixa claro esta tendência são os coadjuvantes, restritos a executar suas funções na história e privados de qualquer arco emocional.

Isso não significa, porém, que Columbus passe sem conseguir transmitir qualquer sinal de emoção, muito pelo contrário. Se Kogonada sofre com os típicos dilemas de quem está começando a formular uma visão própria de cinema, indeciso entre emular suas inspirações e seguir caminho próprio, suas decisões estéticas e narrativas estão suficientemente bem costuradas para dar ao filme momentos de intimidade muito tocantes, refletidas em espaços vazios que são capazes de conduzir a dramaturgia da cena como o encontro privado de Jin com a assistente do pai (Parker Posey) enquadrado pelos espelhos do apartamento. Este é sem dúvida o tipo de benção esperado dos aprendizes de Ozu, e ver isso materializado na tela é sinal de que a carreira do diretor está no rumo certo.

Nota: 6/10