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domingo, 31 de julho de 2016

Crítica: O Bom Gigante Amigo

Em  chave saudosista, Spielberg volta ao passado em busca de simplicidade.

Por Pedro Strazza.

Ainda que seja responsável por formar cinéfilos e fazer pessoas se apaixonarem pelo cinema, é curioso admitir que Steven Spielberg não é um diretor de filmes para crianças, mas sim de adolescentes. Conhecido por obras responsáveis por marcar uma geração de jovens a ponto de se tornar em um dos pilares da nostalgia pelos anos 80, o cineasta a bem da verdade tem somente três experiências com a menor faixa etária, e duas destas nem parecem ser feitas para tal público: Hook - A Volta do Capitão Gancho é um paradoxal conto infantil voltado para adultos, e A.I. - Inteligência Artificial era um projeto de Stanley Kubrick que foi prosseguido pelo diretor.

Isso posto, é válido que apenas E.T. - O Extraterrestre e, agora, O Bom Gigante Amigo se comportem como únicos reais exemplares de filme infantil dentro da obra do cineasta. Mas enquanto o primeiro, até hoje presente no imaginário infantil, ainda é regido pelos temas e o estilo característico de Spielberg (na realidade ajudou a fundamentar seu cinema hoje tanto reconhecido), a adaptação do livro homônimo de Roal Dahl soa mais como um produto atípico, que se distancia um pouco do traço do diretor para atingir metas diferentes. Não que a história da amizade da pequena orfã Sophie (Ruby Barnhill) com o gigante do título (Mark Rylance) seja uma quebra definitiva dos moldes ditos "spielberguianos" - a ruína familiar ainda é o ponto de partida, por exemplo -, mas há mudanças perceptíveis nessas mecânicas a ponto de causar certo estranhamento.

Essa sensação vem muito da proposta do filme, cujo anacronismo não poderia ser mais evidente. Ao contrário de outros trabalhos, sempre dispostos a tirar de tramas variadas temáticas universais e atemporais - mesmo sua produção recente, que tem uma predisposição evidente de retornar ao passado, mostra alguma preocupação de conectar-se com o presente, seja pela forma (As Aventuras de Tintim) ou conteúdo (Ponte dos Espiões) -, Spielberg aqui se propõe ao resgate da inocência nas tramas de fantasia, de um tempo mais simples no qual mocinhos e vilões eram bem delimitados, configurando em um saudosismo dos mais singelos e elementais. A trama descomplicada e em alguns momentos até episódica do longa parece pregar o ingênuo como motor e estrela-guia, única fonte necessária ao funcionamento e direção dos eventos mostrados mesmo nas situações de humor, infantilóide ao extremo nas piadas com pum e etiqueta.

O que gera o choque com o presente atual, contudo, é o esforço feito pela produção para retomar o uso do fantástico como transformador da realidade à sua volta sem se deixar afetar-se pela mesma, funcionando como uma espécie de refúgio temporário aos problemas cotidianos. O arco de Sophie, afinal, começa com ela sozinha pernambulando pelos corredores do orfanato onde vive, próxima da dura realidade inglesa dos anos 80, para chegar a um lugar dentro do palácio da idílica família real britânica (papéis de Penelope Wilton e Rebecca Hall), um ambiente retratado como um dos ingênuos sonhos capturados e distribuídos por seu amigo, e tem como meio canalizador dessa mudança para melhor justamente a terra dos gigantes ao qual é transportada no início. A cena que melhor consagra isso no longa é a do mergulho no lago, no qual ela e o Bom Gigante Amigo fazem o literal salto para o onírico atrás da matéria dos sonhos.

As intenções de Spielberg com a adaptação são puras, mas acabam não se adequando como estrutura por causa do próprio material base do qual parte. Como o resto da obra de Dahl (e as outras transposições de seus livros para as telonas atestam isso), O Bom Gigante Amigo é carregado de subtextos políticos e aterradores, e por mais que sejam esvaziados pelo roteiro de Melissa Mathison eles não deixam de ser reproduzidos no filme. É o caso do viés militarista e nacionalista da trama à partir da introdução do governo inglês - e a noção do "o mais forte prevalece" só acentua o problema - ou mesmo da moral punitiva, típica na literatura do autor e que se anuncia na resolução final tomada em relação ao grupo de gigantes malvados, verdadeiras crianças mal criadas da história.

O resultado obtido com esse conflito é uma grande salada de sensações contraditórias, com o espectador preso entre o sentimentalismo simples desenvolvido pela produção e as mensagens antiquadas do texto de Dahl. Mas mesmo que não consiga funcionar a pleno vapor na narrativa, a proposta pela descomplicação de Spielberg, uma variante interessante de seu cinema e muito bem explorada nos seus travellings, é capaz de trazer de volta um encanto singelo com o mágico e o passado sem se configurar na tão explorada nostalgia vista na contemporaneidade, um feito fascinante em um de seus filmes mais inconstantes.

Nota: 5/10

sábado, 30 de julho de 2016

Crítica: Os Caça-Noivas

Comédia refaz Penetras Bons de Bico nos anos 2010 por velhos meios.

Por Pedro Strazza.

"Hashtag 2016, as mulheres podem fazer besteira agora" diz Tatiana (Aubrey Plaza) ao chefe do restaurante onde ela e a melhor amiga Alice (Anna Kendrick) trabalham como garçonetes, logo no início de Os Caça-Noivas. É uma maneira pouco sutil da personagem de tentar explicar a seu empregador as ações da colega enquanto esta realiza o trabalho bêbada e dançando em cima da mesa ao som de Rihanna, é verdade, mas também serve de anúncio às intenções do filme, que se baseia em um acontecimento real para criar uma trama de estrutura e situações levemente similares às de Penetras Bons de Bico, comédia de sucesso nos anos 2000.

A história real é a de Mike e Dave Stangle, irmãos que três anos atrás postaram no site Craigslist um anúncio à procura de mulheres "atrativas e agradáveis" para os acompanhá-los no casamento de sua prima no Havaí, que no roteiro escrito pela dupla Andrew Jay Cohen e Brendan O'Brien se torna no matrimônio da irmã Jeanie (Sugar Lyn Beard) com Eric (Sam Richardson). Conhecidos por estragarem os eventos de família com suas peripécias, os garotões vividos no longa por Zac Efron e Adam DeVine são incumbidos de tal tarefa pelos pais (Stephen Root e Stephanie Faracy) e os noivos afim de evitar uma nova calamidade, e depois de implodirem na internet com o anúncio encontram essas duas garotas, aparentemente de boa educação e bastante amigáveis no terreno familiar. Os dois não sabem, porém, que Alice e Tatiana na realidade são ainda mais festeiras que eles, e tão logo elas chegam no hotel as coisas começam a desandar.

Responsáveis pelos roteiros dos dois Vizinhos, Jay Cohen e O'Brien fazem mais uma vez aqui o clima de enfrentamento entre duas partes agora no campo da batalha dos sexos, com as personagens de Kendrick e Plaza fazendo frente aos de Efron e DeVine por quererem ocupar o mesmo status de despreocupação e festejo. Essa estrutura, que aproveita de leve do momento atual de questionamento a machismos do cotidiano e de maior força dos movimentos feministas, lembra também a do novo Caça-Fantasmas (e o título em português parece ter adorado ressaltar esse paralelo), ainda que na comparação com a comédia de Paul Feig ele saia perdendo. Pois se a equipe feminina de investigadoras do paranormal possui no traço do feminino de seu diretor sua maior força, o longa dirigido por Jake Szymanski faz a opção segura e trabalha o humor pelo elenco.

Assim, o que se vê em cena é uma narrativa mais controlada, mesmo que aparente a todo instante estar à beira do completo caos. Construindo esquetes por meio de dinâmicas de duplas simples e inalteráveis no percurso, aliado a um humor de causa e efeito rápido (os cavalos libertados, o massagista e a masturbação feminina se encerram em seus propósitos pouco depois de serem introduzidos), Szymanski mantém o quarteto protagonista em seus arquétipos típicos, com Efron e Kendrick se mostrando comportados em tipos retidos e arcos concisos enquanto Plaza e DeVine ficam soltos para reagir de maneira exagerada aos acontecimentos - e se o segundo apenas se limita a gritar e forçar caretas, a intérprete de Tatiana ensaia aqui e ali momentos (cômicos e dramáticos) mais interessantes à personagem.

A estratégia tem seus pequenos ápices mas não deixa de ser frustrante, porque por mais bem posicionados estejam os quatro atores e atrizes principais eles, como o roteiro, não tem mobilidade suficiente para arriscar algo novo de fato. Ainda que tente se igualar ao estilo desbocado e rebelde que vigora na comédia estadunidense atual, Os Caça-Noivas Preso se prende com seu elenco dentro da narrativa tradicional e coxinha da comédia romântica, com algumas piadas de sexo adicionadas só para apimentar a trama. O curioso é que o melhor elemento dentro dessa dinâmica toda seja justo a noiva de Lyn Beard, que alvo de quase todas as situações pitorescas do filme acaba por entregar as cenas mais cômicas da produção.

Nota: 4/10

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Crítica: Jason Bourne

De volta à franquia, Paul Greengrass e Matt Damon repetem o passado sem grande inspiração.

Por Pedro Strazza.

Ao contrário de outros personagens célebres do gênero, Jason Bourne é um espião que começa sua história já com uma tragédia em movimento e que seguirá assim por toda sua história: a perda de sua real identidade. Encontrado no mar à beira da morte e com amnésia, o agente criado nos livros por Robert Ludlum e protagonista dos filmes A Identidade Bourne, A Supremacia Bourne e O Ultimato Bourne tem no mistério sobre a própria pessoa seu arco dramático, do qual serve de condutor a toda à ação que realiza contra o governo e seus agentes.

É um drama tão intrínseco ao personagem que agora, quase dez anos depois de sua última aparição nos cinemas, volta a ser mais uma vez o centro narrativo em Jason Bourne, quinto capítulo da franquia e que marca o retorno de Matt Damon e do diretor Paul Greengrass ao agente secreto. Vivendo escondido desde o fim de O Ultimato, Bourne ressurge das sombras do anonimato após ser contatado pela amiga Nicky Parsons (Julia Stiles), que o avisa de uma nova operação do governo para criar super espiões e que ele ainda não conhece toda a verdade sobre si. Caçado pelo diretor da CIA Robert Dewey, a hacker da companhia Heather Lee (Alicia Vikander) e um soldado sem nome (Vincent Cassel), ele parte em uma missão para esclarecer os mistérios em suas mãos.

Narrativa principal da produção e que conecta as três grandes sequências de ação, essa busca é trabalhada no roteiro de Greengrass e Christopher Rouse para voltar a manter em movimento os traumas do protagonista, mas mostra dificuldades na hora de expressar na tela esse esforço. Silencioso e brutal, Bourne passa grande parte do longa agonizando pelas mortes dos mais próximos e do passado do qual não possui memória, dramas capazes de impulsioná-lo à próxima tarefa, porém não é capaz de verbalizar isso por outra forma que não seja a violência de seus atos. E por mais funcional que seja à proposta do filme como gênero, esse processo de interiorização e mudez também parece limitar a produção de qualquer escopo que ouse perseguir.

Para o azar de Jason Bourne, essa ambição ao algo a mais existe, conforme Greengrass busca alinhar à trama uma necessária atualização da série a dilemas atuais envolvendo a tecnologia. Junto de temas políticos e sociais contemporâneos como os protestos na Grécia e o ciberativismo, a questão da privacidade na era digital e da vigilância para a segurança nacional são usadas pelo diretor tanto como componente da ação quanto de temática à história, mas à exceção do clímax do primeiro ato (que sabe aproveitar o potencial lúdico das tensões entre policiais e civis gregos à perseguição) elas soam bastante à deriva em meio aos acontecimentos. Parte da culpa recai sobre o tratamento dado a esses assuntos, reduzidos a polarizações simples e bastante genéricas no roteiro - e basta se perguntar qual é o tipo de aplicativo vendido pelo milionário CEO interpretado por Riz Ahmed para constatar o problema.

O maior responsável por esta inconstância, entretanto, é o viés de cultura macho ao qual o longa parece querer se estruturar sobre, concebendo no caminho todos os clichês e estereótipos desse tipo de cinema. Ao dar maior enfoque à jornada de Bourne, a obra não demora muito para se moldar como uma trama de vingança, que tem na violência, nos testes físicos e nas frases prontas o modus operandi pronto para ser seguido e que acaba por esvaziá-lo de maior conteúdo. Não por acaso, a personagem que mais se destaca neste novo capítulo é justamente a hacker de Vikander, cujas motivações e patriotismo em tempos de crise (outro tema central aqui) dão as bases para um arco narrativo mais visível, seguro e, portanto, muito mais interessante em relação ao resto.

Esse elemento, incorporado para aumentar o potencial de serialização do personagem, é uma adição que trabalha muito mais contra que a favor da história do protagonista. Pois se nos outros filmes a delimitação do arco de Bourne permitia a este escapar dos moldes tradicionais do espião sem perder seus principais atrativos e ao mesmo tempo aumentar seu contato com os anseios do panorama da época (o 11 de setembro, a maior preocupação com a segurança nacional, etc), em Jason Bourne ele se vê na exata situação oposta, reduzido aos próprios meandros de uma procura que agora não terá mais fim.

Nota: 5/10

domingo, 24 de julho de 2016

Crítica: A Lenda de Tarzan

Longa retoma origem pulp de Tarzan, mas esquece o viés anacrônico.

Por Pedro Strazza.

É um aspecto comum dos filmes de ação protagonizados por heróis masculinos e musculosos a necessidade constante de reiterar na tela a virilidade de tais homens, verdadeiros machos alfa que com seus feitos salvam o mundo das maiores atrocidades. Essa insistência pode vir de muitas formas (o torso nu é frequente), mas sempre aparece na história para reafirmar o óbvio: tal homem é o cara, ele se difere dos outros, seu perfil é único, sua musculatura é imponente, ele é um colosso provindo da natureza. E apesar de geralmente serem bastante efetivas na entrega da mensagem, tais declarações não deixam de expor uma certa fragilidade emocional, uma fratura nas "armaduras" desses semi-deuses que anuncia em alto bom som a débil fraqueza de precisar manter evidente sua pose.

Em A Lenda de Tarzan, essa rachadura se torna um rombo. Sequência da história conhecida e escrita por Edgar Rice Burroughs, o filme refaz esse processo de afirmação sob um destaque incomum, indo do tradicional aumento progressivo de cenas que exibam o peito e abdômen do ator sueco Alexander Skarsgard na narrativa a momentos dignos do bizarro como o "canto de acasalamento" que o protagonista reproduz para chamar sua esposa Jane (Margot Robbie) ao sexo.

Essas situações, alinhadas a outros pontos característicos de tal reiteração, vem para reforçar o grande plano do diretor David Yates e seus roteiristas Adam Cozad e Craig Brewer de tentar reconduzir o personagem às suas origens pulp, revistas baratas e muito populares no passado que tinham no mistério e exótico seu principal atrativo. Assim, retoma-se na tela os ideais viris típicos de tal literatura para continuar a trajetória de Tarzan (Skarsgard), que agora vive na Londres dos anos 1880 desfrutando de seu título de Lorde Greystoke. Convidado pelo rei da Bélgica para um tour pelas colônias africanas da nação, terra onde cresceu, ele logo se vê no meio de uma armadilha, que o envolve em ter de resgatar sua querida Jane das mãos do vilão León Rom (Christoph Waltz) e salvar a África escravizada dos belgas.

Em conformidade com as fundações de sua adaptação, Yates filma a África sob um ar soturno e ao mesmo tempo extravagante, trabalhando o continente sob os mesmos estereótipos de antigamente para situar os duelos de homem contra a natureza e sociedade que envolvem Tarzan. O herói criado por Burroughs volta aqui a lutar com animais selvagens - dessa vez, gorilas do coletivo que cuidou dele quando criança - apenas para mais uma vez entrar em acordo com estes antes de entrar em combate com a civilização, retratada como a antítese do homem da natureza, culpada de emasculá-lo de toda a sua grandeza. Nesse campo, a posição de Rom oferece a Waltz oportunidades interessantes de trabalhar seu novo antagonista, já que este traz no perfil essa busca do homem moderno por formas de provar sua virilidade por meio do controle da natureza que o cria - e o ator consegue algumas vezes passar essa impressão, principalmente no jantar com Jane e no uso de seu terço como arma.

O que Yates, os roteiristas e a produção não entendem, porém, é que tais valores estão hoje mais do que nunca ultrapassados, e este traço anacrônico concebido no retorno às origens leva A Lenda de Tarzan a um ponto de crise não planejado em sua estrutura. Idolatrado por seus feitos (o personagem de Samuel L. Jackson está ali para lembrar o protagonista e o espectador disso várias e várias vezes), Tarzan acaba submetido no filme a uma verdadeira crise do macho alfa, já que encontra-se castrado de sua virilidade pela civilização e seus costumes, e para contornar isso precisa voltar a entrar em contato com a selva do qual tanto se formava como ícone. Confrontar tribos inimigas, acertar as contas com a "família" e resgatar a mocinha se tornam então em provações, em maneiras de voltar ao antigo status pelos canais de uma natureza cuja primitividade parece oferecer soluções a todos os problemas - Um arco clássico no passado, mas no presente tão ridículo quanto as motivações do líder tribal Mbonga (Djimon Hounsou) para detestar o herói.

Dessa forma, aliado ao pouco espaço dado por Yates ao contexto sócio-político da trama (reduzida a meros mecanismos de roteiro), o longa fica preso no passado que tenta tanto recriar, incapaz de se utilizar dos valores ao qual tanto preza para trazer seu personagem principal ao momento presente. Entre observações ao visual ("seu bigode está desalinhado" diz Jane a León para desestabilizá-lo) e assobios que chamem ao acasalamento, tudo que A Lenda de Tarzan faz evocar é essa imensa delicadeza da imagem de tais heróis másculos do passado.

Nota: 4/10

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Crítica: Dois Caras Legais

Filme segue cartilha do noir voltado para comédia, mas não sai do exercício.

Por Pedro Strazza.

Dois Caras Legais serve a princípio tanto de homenagem quanto de paródia a temas relacionados ao cinema. A piada, claro, é com os filmes de duplas policiais e mesmo com o gênero noir, dois tipos de história que, se no passado foram bastante populares, hoje encontram-se desgastados no cinema estadunidense, dominados por dinâmicas batidas e clichês que cheiram à mais pura naftalina, um cenário perfeito para qualquer comédia.

Já a homenagem, empreendida em clima de festa pelo diretor Shane Black - junto do co-roteirista e estreante Anthony Bagarozzi -, é à geração da Nova Hollywood, cujos excessos e alta carga de autoralidade foram chave para a indústria cinematográfica do país se revigorar em conteúdo e forma a partir do fim dos anos 60. A loucura desse grupo de cineastas (sejam estes diretores, produtores, atores e atrizes...) serve como canal para Black criar uma espécie de declaração de amor visual sobre o passado, mesmo que isso esteja embalado dentro de uma história protagonizada por dois indivíduos que gostam nem um pouco das mudanças que estão acontecendo na época.

Os protagonistas em questão são Holland March (Ryan Gosling) e Jackson Healy (Russel Crowe), dois homens que se veem unidos na procura por uma garota desaparecida chamada Amelia (Margaret Qualley). O primeiro, detetive particular e com a filha Holly (Angourie Rice) para cuidar, busca encontrar a moça para solucionar um caso envolvendo a atriz pornô Misty Mountains (Murielle Telio), que morreu em um estranho acidente de carro dias antes; o segundo, um brutamontes que vive de bater em pessoas, teme pela segurança da jovem após ser pago por ela para protegê-la de perseguidores. A investigação da dupla, como em todo exemplar do noir, seguirá então por um caminho tortuoso e cheio de reviravoltas, que incluem poderosos membros do governo, assassinos de aluguel e até abelhas assassinas do Brasil.

Black trabalha bastante pelo exagero com o momento histórico, um verdadeiro período de transformações dos costumes na sociedade estadunidense que retrata, apostando principalmente nos dois personagens e na relação criada entre eles. Emulando a estrutura do melhor dos filmes buddy cop, o diretor faz de March e Healy um casal, cujas diferenças radicais de atitude encontram um ponto em comum no sentimento que tem com as novas gerações e seu estranhamento quando na presença destes. A dinâmica da dupla, aliada às intervenções de Holly (do qual se geram algumas situações divertidas na ligação "padrasto"-filha desenvolvido com Healy), é a base para um humor mais exagerado, que permeado de piadas físicas e gags recorrentes em cima dos dois dá o gás necessário para o longa em seus pontos altos, como a festa de um produtor pornô ou no clímax da história.

Os momentos cômicos entretém, mas muitas vezes soam um pouco perdidos na própria indecisão da proposta da produção. Da verdadeira passagem de bastão geracional que se situa, Black segue ao mesmo tempo pelo sarro e o tom reverencial na hora de retratar esses dois lados, reconhecendo o lado fundamental do cinema que se instaura (a premissa é basicamente isso) para logo em seguida fazer graça com o próprio (as constantes referências ao pornô). Até a dupla protagonista sente essa instabilidade: Crowe e Gosling sabem brincar muito bem com seus papéis, mas nem sempre são capazes de entender o ponto no qual estes deixam de ser cool para se aproximar da versão suave de velhos rabugentos.

Conforme o filme se aproxima do fim, essa questão é mais ou menos resolvida pela saída fácil da ampla homenagem a ambos lados, que evite um maior aprofundamento na temática e direcione a trama a um reflexo político-econômico superficial com a atualidade. O curioso de Dois Caras Legais, porém, é que essa resolução acabe por resumir o longa em seus intentos e resultados: Black parte da emulação para trabalhar o panorama, mas sua dificuldade em sair do estágio inicial faz com que o filme se torne plano e sem grandes atribuições além do mero exercício de repetição.

Nota: 6/10

terça-feira, 19 de julho de 2016

Review: Stranger Things - 1° Temporada

Série de nostalgia vai além da volta ao passado.

Por Pedro Strazza.

Produto de uma nostalgia sobre a cultura estadunidense dos anos 80, Stranger Things tem na gênese de sua formação dois tipos de história bastante populares na década. De um lado, o terror de criatura, cuja manifestação misteriosa - seja a identidade de um assassino em série ou, nesse caso, a de um monstro - e seus sucessivos ataques em um curto espaço de tempo por si só já eram suficientes para aterrorizar as vítimas e, por consequência, o público; do outro, a aventura adolescente ou infantil, que tem no senso de bravura dessas idades o motor para suas tramas. A Matt e Ross Duffer, criadores, roteiristas e diretores da série, resta combinar e intercalar então os dois gêneros, apostando como principal gatilho na lembrança desse passado cada vez mais distante mas ainda tão fresco na memória coletiva.

Essa estratégia, mesmo limitadora em um sentido de ambição temática, se prova bastante eficaz na obra. Porque ao contrário de tantas outras tentativas de emulação da aura oitentista, que apostavam na repetição de um estilo exagerado, de elementos marcantes ou até mesmo da abundância de néones da época (e o filme que mais vem de imediato à cabeça nesse momento é o curta Kung Fury) como recurso primário ao disparo desse caloroso sentimento, o seriado dos irmãos Duffer mostra-se mais interessado em resgatar o que de fato impactava nesses produtos oitentistas.

Na trama, depois de uma partida de dez horas de RPG com os amigos Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLaughlin), o menino Will Byers (Noah Schnapp) encontra uma assustadora criatura e desaparece na volta para casa. A partir do fato, a série acompanha o que acontece depois de seu sumiço, tanto nos efeitos quanto na investigação sobre o mistério: ao mesmo tempo em que seus amigos procuram achá-lo e lidam com a aparição inexplicável de uma garota com poderes chamada Eleven (Millie Bobby Brown), sua mãe Joyce (Winona Ryder), seu irmão Jonathan (Charlie Heaton), a irmã de Mike Nancy (Natalia Dyer) e o xerife da cidade Jim Hopper (David Harbour) confrontam cada um à sua maneira com estranhos acontecimentos à sua volta.

Esses personagens rapidamente se agrupam em três núcleos distintos e representativos de fases da vida (infância, adolescência e idade adulta), aos quais os irmãos Duffer sem muito esforço aproveitam para influir o valor nostálgico. De maneira discreta ou direta (os pôsteres nas paredes são rápidos na tarefa), Stranger Things recorre com frequência aos terrores e aventuras populares da época para se alinhar a estes logo em seguida, seja nos ataques do monstro ou nos estranhos fenômenos presenciados pelos personagens ou mesmo em atividades cotidianas. O seriado realiza esse movimento mirando na iconografia, com resultados aqui e ali bem sucedidos - os quais se destaca o uso dado por Joyce às luzes de Natal no terceiro capítulo.

O processo de resgate funciona, mas não deixa de causar alguns ruídos na estrutura. O formato de série desenvolvido pelos Duffer, estabelecido no uso de múltiplos pontos de vista para contar uma história, parece não conseguir comportar o desenrolar do mistério ao qual tanto se baseia, já que a cada episódio há a preocupação de ilustrar as ações tomadas pelo personagem de Matthew Modine e sua equipe para encobrir os traços do monstro que libertaram, suprimindo assim qualquer traço da paranoia de seus personagens. O uso desta mecânica, por outro lado, se traduz depois em uma didática um pouco excessiva, principalmente quando é para se explicar a origem de Eleven.

E se a série tivesse no mistério seu elemento mais forte, esses problemas seriam bastante fatais. A sorte é que a produção - talvez por causa da participação de Shawn Levy, cineasta conhecido por filmes feitos para a família (Gigantes de Aço, a série Uma Noite no Museu), na direção de dois episódios e na produção executiva - se esforça continuamente em trabalhar os dois gêneros ao qual se submete para a temática familiar, cuja moral de união é intrínseco à produção cultural estadunidense dos anos 80. Dessa maneira, conforme converge os núcleos de personagens a um ponto narrativo comum, o seriado também refaz a típica formação familiar em meio ao caos da televisão, quase recriando a disposição da Família Do-Ré-Mi a partir de estereótipos oitentistas atormentados (o xerife em luto, a mãe assombrada pela morte do filho, o jovem esquisito, a patricinha do colégio no desabrochar da adolescência, os meninos bullynados).

Tal qual Super 8, a retomada de tais valores dá uma liga interessante à história de Stranger Things, que também se iguala ao filme de J.J. Abrams no ótimo trabalho do elenco - Ryder está ótima em seus desesperos para reaver o filho, e todas as crianças sabem tirar o melhor de seus papéis. Os irmãos Duffer não acrescentam nem problematizam essa moral, deixando-a intocada para que desempenhe seu papel de encantamento, e isso talvez crie um desgaste a quem não tenha grande identificação com a década em pauta. O curioso, porém, é que para uma série de nostalgia tão dedicada a tal objetivo Stranger Things tenha uma ótima tendência a se desvencilhar desta para criar os próprios caminhos.

Nota: 8/10

sábado, 16 de julho de 2016

Crítica: Caça-Fantasmas

Remake atualiza enredo para consagrar feminino como ícone.

Por Pedro Strazza.

Em sua filmografia recente, Paul Feig vem se destacando por criar comédias que, além de trazerem protagonistas femininas, concebem situações capazes de promover a identificação entre mulheres de diferentes perfis para, depois, as uni-las em meio às dificuldades passadas. Missão Madrinha de Casamento e A Espiã que Sabia de Menos, seus longas de maior sucesso até o momento, são dotados de uma carga feminista bastante interessante, e sua direção tende a um teste de limites que tire comédia disso. Com Caça-Fantasmas, reboot da celebrada comédia de 1984 estrelada por Bill Murray e Harold Ramis, esse "maneirismo" de Feig ganha algumas mudanças, mas não por isso o diretor perde sua qualidade - muito pelo contrário, ele tem seu cinema potencializado a novos caminhos.

São mudanças que se percebem na atualização que Feig e sua co-roteirista Katie Dippold buscam nesta reapresentação da franquia, apesar de a dupla manter em voga o arco de personagem típico dos filmes do cineasta. Substituindo o quarteto masculino por um feminino (Kristen Wiig, Melissa McCarthy, Leslie Jones e Kate McKinnon, todas reveladas no programa humorístico SNL), o novo Caça-Fantasmas deixa de lado o senso caótico com os estratos sociais e o abismo entre a elite e o povo para tratar do choque contemporâneo de gêneros, um enfrentamento constante do feminismo com os setores mais conservadores da sociedade. O único ponto de convergência entre original e remake, aqui, é a observação crítica e extremamente bem humorada de tais conflitos, com uma inclinação notável a equilibrar a balança.

No caso da nova versão, esse conflito se estabelece bastante na iconografia de seus personagens e elementos. Mas ao contrário de outros recentes novos capítulos a franquias antigas, que usam disso pelo viés da nostalgia de maneira escancarada e seguem pelo caminho mais fácil e já conhecido do público (Jurassic World, Star Wars - O Despertar da Força, O Exterminador do Futuro - Gênesis, Independence Day - O Ressurgimento), o filme, ainda que continue essa tradição de reverenciar com alguma efusividade o passado - as pontas e referências ao elenco original são muito bem alinhadas às necessidades do roteiro, mas às vezes não deixam de soar gratuitas em seu destaque - prefere trabalhar tal valor imagético pelo exercício da desconstrução, bastante utilizado dentro do gênero da comédia.

Dessa forma, Feig tem em mãos um cenário conhecido e ao mesmo tempo não explorado: Suas protagonistas de novo encaram ambientes que não as reconhecem e que tentam as separar a todo custo, mas sua resolução não se dá por meio do choque de tipos - não há um desentendimento entre as partes envolvidas, afinal. Partindo de perfis visuais universais, Erin Gilbert (Wiig), Abby Yates (McCarthy), Patty Tolan (Jones) e Jillian Holtzmann (McKinnon) seguem unidas em uma jornada de consagração como ícones, heróis femininos em um mundo dominado por homens arrogantes, que no longa são retratados ou de grandes imbecis, a exemplo do prefeito interpretado por Andy Garcia e o hilário assistente da equipe Kevin (Chris Hemsworth, cada vez melhor em papéis cômicos), ou homens assustadores, como o professor Filmore (Charles Dance) e o vilão Rowan North (Neil Casey). Este último inclusive possui todas as características conhecidas do conhecido machão moderno e antagonista ao gênero oposto: fraco, infantil e, como a trama bem define em certo momento, com cara de quem fica em casa o dia inteiro na internet.

O humor do filme surge, então, desses inevitáveis confrontos do cenário. Ao contrário dos outros trabalhos, Feig não mantém um ritmo frenético constante de gags ou leva seus personagens a extremos (a escatologia é controlada), mas direciona seus conceitos de comédia à essa afirmação de gênero da equipe do qual elas obtém a glória. Enquanto dá espaço ao elenco e trabalha com piadas físicas (o laser no saco do inimigo é um belo de um ápice dentro dessa linha), ele também se arrisca na ação, orquestrando planos que escondam (com sucesso ou não) sua inexperiência com o gênero ao materializar o empoderamento de suas protagonistas - não à toa, o longa duas vezes realiza um recuo de câmera que apresenta o momento em que o grupo liga suas armas, uma imagem que sozinha demonstra o poder contido dentro das quatro mulheres.

A força de Caça-Fantasmas mora justamente nesse processo. Pela imagem que coloca suas protagonistas em posições heroicas e a centralidade da temática feminista, Feig e seu quarteto promovem uma obra inspiradora, que tem em seus alicerces a valorização de ideais atuais e fundamentais a uma sociedade em plena transformação. O filme a bem da verdade funciona pela admiração, e a comprovação máxima de sua eficácia é o momento no terceiro ato em que Holtzmann - talvez um dos elementos mais importantes sob esse ângulo - enfrenta sozinha e com um par de pistolas criadas por ela um grupo de fantasmas, derrotando-os um a um com as poses e a imponência das quais tem direito e com naturalidade reivindica para si. O filme de 1984 não poderia estar mais distante e orgulhoso.

Nota: 8/10

sábado, 2 de julho de 2016

Crítica: Piper - Descobrindo o Mundo

Curta é uma esperança no fim do túnel para Pixar.

Por Pedro Strazza.

O fascínio pela animação parte de uma admiração visual. Da recriação fiel da realidade à busca pelo caricato ou mesmo o abstrato, é tarefa vital do animador conceber uma identidade que possibilite ao espectador adentrar por seu universo sem que aconteça grandes ruídos, e nesse momento uma história - mesmo a mais elementar de todas - é vital para esse mergulho.

De certa forma, o parágrafo anterior resume bem o tipo de experiência que Piper - Descobrindo o Mundo, curta que antecede as sessões de Procurando Dory, busca passar a seu público. Bastante antenado com a principal atração do pacote (a ambientação próxima do mar, personagens animalescos), o diretor estreante Alan Barillaro recorre bastante ao básico para contar a história de um filhote de maçarico-rasteirinho (em inglês sandpiper) que precisa se alimentar sozinho pela primeira vez na praia onde ele, sua mãe e seu grupo vivem. O problema é que para isso a pequena ave terá que enfrentar as terríveis e assustadoras ondas do mar.

Reproduzindo a realidade com um leve aspecto de sonho (tudo na praia parece brilhar com a luz do Sol, e a trilha sonora do também estreante Adrian Belew contribui muito a essa sensação), o curta animado se faz em elementos pequenos, atrás de uma simplicidade que por mais rasa que seja não deixa de envolver o público. Barillaro retrata o arco mais universal, o da descoberta de um mundo até então desconhecido por uma criança, e o fascínio desta com o até então aterrador e que posteriormente se transforma em algo mágico é o que faz este pequeno conto funcionar.

Em seu caminho simples e sem espaço para maiores interpretações, Piper é uma espécie de esperança dentro das produções da Pixar, hoje mal acostumadas a lições fáceis e ideias pouco envolventes. A animação encanta sim pelo valor imediato da imagem, mas é o que vem junto que define se ela impactará ou não o espectador.

Nota: 6/10

Crítica: Procurando Dory

Continuação não arrisca e repete história original.

Por Pedro Strazza.

A moral familiar sempre esteve presente em algum nível nas produções da Pixar. Desde o início com Toy Story e Vida de Inseto, o estúdio não esconde que seus filmes, cuja inventividade na contextualização de suas histórias constituem em seu principal atrativo, tem na desagregação seu ponto de partida e na união familiar o seu final feliz, seja por um brinquedo que teme o abandono e termina unido ao motivo de tal anseio ou na formiga que precisa sair de casa e enfrentar o mundo para salvar a colônia que o repele. Essa é a estrutura tradicional de suas obras, em parte uma das grandes responsáveis pelo seu sucesso e consagração com o público.

Em tempos recentes, porém, tal lógica criativa parece desarrumada, afetando sensivelmente o balanço de suas produções mais novas. Talvez à exceção de Divertida Mente (que tem muito a agradecer ao maior aprofundamento psicológico de seus realizadores na trama), os últimos seis filmes do estúdio soam perdidos entre anseios do mercado (Carros 2, Universidade Monstros) e um esgotamento sensível da moral, posta em primeiro e único plano no roteiro de trabalhos como Valente, O Bom Dinossauro e agora de Procurando Dory.

É Procurando Dory inclusive que melhor representa esse momento atual da Pixar ao proporcionar nas telas o casamento das duas causas para seus problemas. Ao mesmo tempo que cumpre com metas econômicas (é uma sequência pedida pelo público há quase 13 anos!), a continuação de Procurando Nemo também prossegue o rumo criativo atual da produtora ao fazer de novo da unidade familiar o motor que avance sua trama - dessa vez, na literal busca por ela.

Passado um ano depois dos eventos do original, o longa escrito por Andrew Stanton, Victoria Strouse e Bob Peterson centraliza suas atenções na antes coadjuvante Dory (Ellen DeGeneres), a adorável e esquecida peixe que agora busca reencontrar seus pais. Ainda que inverta o protagonismo do trio principal - Nemo (Hayden Rolence) e Marlin (Albert Brooks) é que estão atrás da cirurgiã-paleta -, faça flashbacks e envolva um grupo completamente diferente de personagens e espaços, a história da sequência repete no fundo a mesma estrutura do filme de 2003, buscando proporcionar o maior conforto possível ao espectador fã da franquia.

A estratégia segue com o padrão atual das continuações de obras mais velhas, dessa vez com ainda menos espaço para arriscar: Dory, Nemo e Marlin não sofrem alterações substanciais na jornada que seguem, e tampouco parecem aprender alguma grande lição no processo. Essa decisão pelo familiar na narrativa, auxiliada pelo maior interesse do diretor Stanton em destacar a recriação em animação dos cenários marinhos e do aquário (que por sua vez não encantam tanto quanto os de O Bom Dinossauro), seda e restringe a produção de grandes emoções que não seja a nostalgia.

Cabe então aos coadjuvantes exercer as funções vitais do roteiro, carregando com dificuldades o peso de uma responsabilidade ao qual não lhes deveria pertencer. Não à toa, portanto, que o polvo Hank (Ed O'Neill, ator conhecido pelos papéis de patriarca na televisão) ocupe na história uma centralidade inesperada ao ter o desenvolvimento mais claro na narrativa - justamente o arco de socialização, clássico em filmes sobre família - e alívios cômicos como a baleia-branca Bailey (Ty Burrell), a tubarão baleia Destiny (Kaitlin Olson) e as focas Fluke (Idris Elba) e Rudder (Dominic West) acabem atraindo maior atenção que o normal. Mesmo o clímax, que atinge o ápice na queda abstrata de um caminhão no mar, se faz por elementos secundários e como Stanton os usa para criar humor.

Essas medidas funcionam de certa forma para reparar parte dos problemas, até porque as novidades bastam com seu caráter de inédito ao espectador. Elas não impedem, porém, que Procurando Dory se torne em uma experiência superficial e controlada: é agradável rever personagens e situações familiares, mas tão logo termine o filme estas se dissolvem tão rápido na memória quanto comida de peixe em um aquário - um espaço que não por acaso é cenário da continuação.

Nota: 6/10