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terça-feira, 31 de março de 2015

Crítica: O Sal da Terra

Homenagem a Sebastião Salgado sofre com delírios de seus diretores.

Por Pedro Strazza.

Logo nos primeiros minutos, Wim Wenders conta para o público a maneira como conheceu o trabalho de Sebastião Salgado e os motivos para ter aceitado codirigir o documentário sobre a carreira do fotógrafo ao lado do filho deste, Juliano Ribeiro. Em sua narração, o cineasta alemão exibe grande fascínio pela obra do mineiro, ressaltando o seu talento único em capturar a humanidade com um único clique - uma das fotos de Sebastião inclusive se encontra em seu escritório para sempre lhe fazer chorar, segundo o próprio.
Esse sentimento de homenagem, misturado à massagem do ego dos envolvidos, permanece na narrativa de O Sal da Terra como o principal fio condutor de sua história. O filme, afinal, foi concebido por Juliano como maneira de entender e divulgar o trabalho do pai, que aproveita a oportunidade para engrandecer sua extensa carreira fotográfica, desde os primórdios tímidos em Minas Gerais à consagração profissional mundo afora. Um motivo justo, mas que acaba vitimado pelos esforços de seus diretores em tentar tornar claro demais seus reais motivos para filmá-lo.
Isso ocorre porque Wenders e Ribeiro possuem o mesmo objetivo, mas não a mesma intenção com Sebastião. Se o segundo busca no filme o porquê do homem ter sido menos "de família" e mais fotógrafo em sua vida, passando grandes espaços de tempo longe da mulher e dos filhos, o primeiro quer aqui desvendar o autor das fotos que o atingiram emocionalmente, quase numa relação confusa e mal estabelecida entre "mestres das artes". Quem se aproveita nesse choque é o próprio alvo dos documentaristas, que posicionado em frente aos seus trabalhos os analisa com superficialidade e conta um pouco de seus bastidores.
E de certa forma, o maior atrativo do longa acaba por ser justamente essa exibição dos livros e exposições do retratista. Mesmo que estas sejam passadas sem muita reflexão e tornem a produção em um candidato perfeito para uma mostra dedicada a Salgado, as fotografias tiradas por este encantam pela estética, dura e implacável com a miséria humana e encantadora com a natureza rejuvenescida.
Esse fascínio com a obra do mestre em questão, porém, fica por isso mesmo na narrativa elaborada. Sem o retrato rico e multifacetado de Cássia Eller ou o estado meditativo sobre a profissão e a arte visto há pouco tempo em Nick Cave - 20.000 Dias na Terra, O Sal da Terra é mais um atestado cinematográfico que um documentário em si, frustrado por estar no meio de uma briga de egos que buscam diferentes "algo a mais" do tema em questão.

Nota: 6/10

segunda-feira, 30 de março de 2015

Crítica: Frozen - Febre Congelante

Curta-metragem garante boas risadas e garante preocupação de mais receosos com franquia de longa.

Por Pedro Strazza.

Chega a ser curioso que Frozen - Febre Congelante seja o curta que antecede a exibição de Cinderela nos cinemas. O filme, situado no reino (agora endinheirado) de Anna e Elsa, é quase uma pequena representação do éden buscado pelas reinterpretações live-action dos contos de fada, possuindo tanto a qualidade quanto o sucesso financeiro à sua disposição.
Dado o tempo disponível e o futuro garantido (a continuação de Frozen já foi confirmada pela Disney), a trama de Febre Congelante é básica e não perde tempo em entregar o que quer: É aniversário da princesa Anna, e a rainha Elsa, depois de anos decepcionando a irmã, quer compensar tudo com uma grande festa. O problema é que ela está gripada, e isso tanto acaba com sua disposição física quanto oferece um grande perigo para seus planos.
Confusões acontecem, mas tudo é resolvido com tranquilidade, e os personagens mantém em seu âmago as mesmas funções. As duas irmãs protagonistas continuam o elemento principal, enquanto o boneco de neve Olaf, Kristoff e sua rena são os bons alívios cômicos. A grande adição são os "olafinhos", pequenas criaturas criadas pelos espirros de Elsa que encantam pela fofura e os ótimos esquetes feitos com os outros personagens.
Criado a partir de uma música remanescente do longa original, Frozen - Febre Congelante diverte pela despreocupação e despretensão, e com isso mostra ao público o potencial que a obra baseada no conto de Hans Christian Andersen tem como franquia, agora a ser explorada pelo estúdio que a popularizou.

Nota: 8/10

Crítica: Cinderela

Kenneth Branagh conta a mesma história sem temer o óbvio.

Por Pedro Strazza.

Embora seja ao lado das adaptações de quadrinhos um dos temas mais fortes financeiramente no mercado cinematográfico atual, a releitura em live-action de clássicos infantis até aqui não esbanjou grandes motivos para merecer toda a bilheteria que arrecada. Desde o fraco retorno de Alice ao País das Maravilhas pelos olhos de Tim Burton, o subgênero entregou nada além de produções que ou reproduziam sua história em tons sombrios previsíveis (algo levado ao extremo no fraco Branca de Neve e o Caçador) ou revisavam e atualizavam a trama sem conseguir arrancar algo interessante disso (tarefa esta quase alcançada pelo péssimo Malévola).

A grande verdade é que está faltando nessa nova leva de contos-de-fada o brilho ingênuo e infantil que Walt Disney empregou com sabedoria em suas animações, devidamente eternizadas na memória de crianças e adultos por décadas a fio. Não à toa, o melhor produto da "nova geração" surge agora com o Cinderela de Kenneth Branagh, um filme que não busca um visual moderno para sua reinterpretação da história escrita por Charles Perrault, mas sim relembrar sua inocência e delicadeza.

Roteirizado por Chris Weitz, o longa acompanha Ella (Lily James), uma jovem e bondosa garota que após perder o pai (Ben Chaplin) e a mãe (Hayley Atwell) acaba aos tratos de sua Madrasta (Cate Blanchett) e suas maléficas filhas Anastasia (Holliday Grainger) e Drisella (Sophie McShera), que a obrigam a trabalhar sem descanso dia e noite devido à falta de dinheiro para contratar empregados. Certo dia, porém, o príncipe Kit (Richard Madden) promove um baile no reino para escolher sua esposa, e... bem, você conhece o resto da animação infantil, reproduzido com fidelidade por Branagh em quase todos os seus detalhes - sendo a grande exceção a ausência do lado musical.

Essa necessidade do diretor em refazer o conto infantil tanto funciona quanto prejudica o filme. Se por um lado o conservadorismo do material original emerge sem nenhuma delicadeza do roteiro ingênuo - principalmente em sua perspectiva machista, que prega como objetivo maior na vida da mulher a busca por um marido -, ele encaixa com perfeição no estilo autoral de Branagh, famoso por evocar em seus filmes a estética e maneirismos do teatro. E essa característica encontra em Cinderela uma grande liberdade para se expressar, como bem esclarecem o design de produção de Dante Ferreti, os figurinos exuberantes de Sandy Powell (destaque para o uso constante do verde berrante nos vestidos da Madrasta) e a maquiagem bastante plástica e esbranquiçada dos personagens, que juntos chegam ao ápice no baile orquestrado com excelência por Branagh.

A nova versão de Cinderela, entretanto, encontra problemas sérios em seus personagens, sejam estes principais ou meros secundários. Não bastasse o número excessivo de alívios cômicos, criados para compensar a ausência de canções (chega a ser irritante o uso do ganso para piadas periféricas), e a ida e volta constante de coadjuvantes ao bel-prazer do longa, o roteiro de Weitz falha ao ignorar bons arcos de desenvolvimento no processo de apenas passar as peças para um novo tabuleiro. Assim, dramas interessantes como o vivido pela Madrasta passam batidos na narrativa e prejudicam a atuação de seu bom elenco - em especial a própria Cate Blanchett, incapacitada de criar uma antagonista memorável por essa poda equivocada.

Mas mesmo com erros tão berrantes Cinderela se sobressai com facilidade às outras produções do tipo. O segredo é simples: Ao invés de ir atrás de atualizações visuais ou querer reinventar sem muito zelo a obra adaptada, Branagh faz o feijão com arroz e conta a mesma história sem medo de admitir isso. Que o tradicionalismo brega incomoda não há dúvidas; sua precisão, porém, é infalível.

Nota: 7/10

domingo, 29 de março de 2015

Crítica: Vício Inerente

Quando a maneira como se conta uma história ofusca a própria.

Por Pedro Strazza.

Por mais que andem juntos e em sintonia, roteiro e narrativa são dois elementos cinematográficos bastante distintos e independentes entre si. O primeiro, tarefa óbvia de um roteirista, tem como missão básica estabelecer trama e personagens, e pode trazer nestes algum significado maior. Esta última tarefa também é atribuída ao segundo, que surge coordenado pelo diretor tanto para transpor a história escrita à realidade da tela quanto para dinamizá-la e torná-la atrativa ao espectador, sugando-o a seu universo e seus acontecimentos (sejam estes reais ou de pura fantasia).
Argumento e direção, portanto, se unem no momento em que o diretor decide por conduzir o filme e a atenção de seu público pela história a ser contada, mas por mais lógico que seja esse não é o único caminho disponível. Um grande exemplo dessa multiplicidade de opções é Vício Inerente, novo trabalho de Paul Thomas Anderson cujo grande trunfo não é a trama narrada por Sortilège (Joanna Newsom) ou seus simbolismos, mas sim a própria narrativa elaborada pelo diretor.
Adaptação do livro homônimo escrito por Thomas Pynchon (a primeira autorizada pelo escritor), o longa acompanha Larry "Doc" Sportello (Joaquin Phoenix), um detetive particular hippie que certa noite dos anos 70 é avisado por sua ex-namorada Shasta Fay (Katherine Waterston) de um esquema de assassinato de um grande empresário (Eric Roberts). Com o sumiço da garota e da vítima, Doc começa a investigar as circunstâncias dos desaparecimentos, mas para resolver o caso terá de enfrentar não só as mais variadas resistências à sua presença como também a própria mente, perdida no meio de tantos casos policiais e drogas usufruídas.
Apesar de ter um mistério complicado como tema de sua história, Anderson prefere focar suas atenções no protagonista de Vício Inerente. Centrado por completo na figura de Sportello (são um ou dois os momentos em que ele não está em cena), o diretor e roteirista força o espectador a acompanhar o desenrolar dos fatos pela visão de Doc, esta prejudicada pelos efeitos entorpecentes da maconha e outras substâncias.
É justamente essa ausência de um ponto de vista confiável que traz fascínio à produção. Complexo e repleto de personagens ocasionais (sem contar as outras investigações ocorridas no período), a busca realizada por Larry torna-se ainda mais difícil para ele e o público por causa de sua mente, mergulhada em um clima de paranoia e teorias loucas sem fim. E essa moral duvidosa do protagonista é acentuada pelo diretor, que não economiza em notabilizar o clima demente por meios técnicos, como nos closes lentos em longos diálogos ou na continuidade da trilha sonora setentista em cenas estabelecidas em diferentes cenários, e (principalmente) narrativos, a exemplo da própria Sortilège e sua dualidade como representação máxima da imaginação ébria de Sportello e de persona presente em toda viagem causada pelas drogas.
Nesse contexto de loucura e confusão, a ambientação acaba por ser um fator importante para conceber o estado em que se encontra Doc. O design de produção de David Crank e os figurinos de Mark Bridges combinam-se para elaborar uma Los Angeles multicolorida e lisérgica, feita para estabelecer o detetive em uma sociedade que não apenas aprovam seu estilo descompromissado de vida, mas o vivem com intensidade.
Assim, mergulhado em um universo esfumaçado e conduzido por um personagem que não dá motivo algum para ser confiado, o espectador torna-se refém da narrativa em uma história completamente sem nexo, mas meticulosamente planejada para tal. Isso porque Paul Thomas Anderson é sábio em não tornar o filme vítima de sua própria loucura, e desenvolve o roteiro com todas as estruturas clássicas - os três atos, os elementos noir, o arco de amadurecimento e a desconstrução da sociedade analisada típicos de sua carreira, etc.
Os simbolismos (bastante bem-humorados, a exemplo da reprodução da Santa Ceia com hippies em uma pizzaria) e os personagens representativos (o detetive vivido por Josh Brolin surge brilhante como homem racional frustado pela realidade dos tempos) estão presentes ali; o que está ausente mesmo em Vício Inerente é a trama lógica, típica de produções do gênero e que não encontra espaços para aparecer na viagem empreendida por Doc em busca de seu amor.

Nota: 10/10

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  • Até o Fim: História a favor de outros propósitos.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Crítica: Mapa Para as Estrelas

Cronenberg faz sátira convincente da Hollywood de celebridades.

Por Pedro Strazza.

Na temporada dominada por filmes que tratam sobre a própria maneira de se fazer arte, chega a ser curioso o olhar comum para a relação do ator com a indústria ao qual ele presta serviço. No mundo cinematográfico, o Birdman de Alejandro González Iñarritu discute o ofício da atuação sob o espectro do julgamento em Hollywood na mesma época em que o Acima das Nuvens de Olivier Assayas conversa a relação do intérprete com o interpretado no mesmo contexto; no musical, o Whiplash de Damien Chazelle enxerga como obsessivo essa mesma necessidade com o reconhecimento.
A eles se junta Mapa Para as Estrelas, novo trabalho de David Cronenberg que em essência não busca causar uma grande reflexão sobre o tema, e sim satirizá-lo como possível. Como em grande parte da obra do cineasta canadense, busca-se no roteiro (escrito aqui por Bruce Wagner) uma visão perturbadora de seus personagens, retratados como monstros por seu diretor para enaltecer seu pessimismo com a humanidade.
A diferença aqui é que, ao contrário de outros trabalhos como A Mosca ou Videodrome, Cronenberg não ressalta o lado repulsivo de suas figuras por meio de seu visual, mas sim pela sua personalidade escondida nos bons modos. Centrado em duas celebridades nascidas e criadas na própria Hollywood - a adulta Havana Segrand (Julianne Moore) e o garoto Benjie Weiss (Evan Bird) -, o longa mostra estas como pessoas movidas pela insignificância de atos mesquinhos, feitos apenas para atingir objetivos superficiais ou de um sentimentalismo imediato típico de adolescentes fúteis. Não à toa, a juventude é tratada por esse universo como a maior das dádivas, e o envelhecimento natural o antagonista a ser evitado a qualquer custo.
Exibindo suas criaturas como modelos disponíveis em uma vitrine de uma loja de horrores, Cronenberg acaba por tropeçar, porém, ao querer buscar nestes uma profundidade maior que a existente. Das aparições fantasmagóricas à trama novelesca sobre a jornada de retorno da jovem Agatha (Mia Wasikowska) a essa Hollywood aterrorizante, o filme surge perdido na tentativa de causar uma reflexão existencial em aberrações tão rasas, ainda que encontre alguns bons momentos na trajetória de Benji e seu perfil de queda na indústria. Não há como trabalhar o tema sob essas condições, mesmo com o bom equilíbrio de atuações do forte elenco.
Coroado por um encerramento pouco convincente em sua pontuação, Mapa Para as Estrelas surge com força na maneira debochada com a qual enxerga o universo do trabalho no cinema, mas equivoca-se em exigir demais desta visão. Cronenberg foi ambicioso e quis unir reflexão e sátira, mas seu produto é claramente dedicado apenas ao último.

Nota: 6/10

domingo, 22 de março de 2015

Crítica: Dívida de Honra

Tommy Lee Jones desconstrói papel da mulher no Velho Oeste estadunidense.

Por Pedro Strazza.

Não chega a ser mistério para ninguém que o faroeste seja um dos gêneros com maior disposição a emitir machismos em suas histórias. A expansão para o Oeste realizada nos Estados Unidos entre os séculos XVIII e XIX foi comandada e executada por homens, e à mulher não sobrou muito para fazer além do cuidado da casa e o útero capaz de alimentar a conquista do terreno "selvagem" de mais soldados - e isso foi repercutido à exaustão por grande parte das produções do consagrado cinema de John Ford e Howard Hanks.
A situação da mulher em um ambiente tão insalubre, porém, não deixa de ser uma questão interessante e digna de problematização e análise no movimento revisionista do gênero, e é exatamente isto que Tommy Lee Jones faz em Dívida de Honra, seu segundo longa-metragem como diretor.
Baseado na obra homônima de Glendon Swarthout, o filme conta a história de Mary Bee Cuddy (Hilary Swank), uma fazendeira solteira de um vilarejo localizado no meio do Nebraska que recebe a tarefa de levar três mulheres enlouquecidas (Grace Gummer, Miranda Otto e Sonja Richter) para a Costa Leste, onde serão tratadas e reintroduzidas à sociedade pela paróquia do local. E para ajudá-la nessa nada habitual tarefa (normalmente dada a homens), Cuddy tem apenas empregado o posseiro trambiqueiro George Briggs (Jones), que tem a dívida do título com ela por ter sua vida salva por Mary Bee.
Por mais que use em essência uma estrutura clássica do faroeste - a famosa jornada de travessia -, de resto a obra dirigida por Jones sai por completo dos clichês e maneirismos da categoria. Não existem aqui grandes, misteriosos e masculinos mocinhos para fazer justiça aos mais fracos ou vilões recorrentes que sempre estão de preto; em seu lugar, surgem seres humanos combalidos, rechaçados pelo sistema impiedoso da época e que fazem a viagem inversa de seus compatriotas após verem frustradas suas esperanças de novas oportunidades nas terras inexploradas do continente.
E quem melhor para representar essa falta de chances na América do Velho Oeste que a mulher? Além das três loucas carregadas como objeto na carroça, todas elas esposas levadas a esse estado após verem sua função primordial naquela sociedade destruída de maneira arrasadora, a própria Mary Bee Cuddy também traz em seu ser a desesperança de seu gênero, já que é uma fêmea adulta sem marido para cuidar. Não à toa, seu arco no roteiro escrito por Jones, Kieran Fitzgerald e Wesley A. Oliver é o de enlouquecimento, feito por justamente se ver forçada a retornar fracassada ao lar.
Mas o estudo do feminino não se faz sem voltar essa desconstrução do papel para o homem da época analisada. Assim, Tommy Lee Jones (um ator conhecido pelos personagens patrulheiros e rangers) encarna o lado oposto dessa balança sem equilíbrio e faz de seu Briggs a testemunha deste sofrimento da mulher, que mesmo conscientizado da dor infligida a esse gênero nada tem a fazer sobre o cenário que vive.
Ainda que tenha problemas claros de narrativa - Tommy Lee Jones se demora demais para estabelecer no início a teatralidade de sua história a partir do reforço de linhas em planos frontais e laterais - e alguns momentos mal encaixados, como a passagem no hotel do personagem de James Spader, Dívida de Honra é primordialmente uma revisão de um estereótipo presente em um gênero. E mesmo não sendo feminista ou inédito, ele não deixa de ser um trabalho importante.

Nota: 8/10

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terça-feira, 17 de março de 2015

Crítica: Mortdecai - A Arte da Trapaça

Mais uma bomba para a carreira de Johnny Depp.

Por Pedro Strazza.

O mercado de atores e atrizes de Hollywood é em parte um ciclo de altos e baixos. Quase sempre começando pelo anonimato, o artista começa a ganhar maior reconhecimento do público a cada produção de sucesso que se destaca, mas se se envolve em um trabalho de fracasso sua reputação cai com velocidade. Sair do desconhecimento público, entretanto, é um caminho sem volta, pois a partir daí cada erro cometido na carreira passa a ser julgado pelo espectador.
Um exemplo claro desse "tribunal público cinematográfico" é a trajetória recente de Johnny Depp. Desde sua brilhante parceria com Michael Mann em Inimigos Públicos, o eterno parceiro de Tim Burton naufragou em credibilidade e nos últimos cinco anos se tornou uma caricatura de seu Jack Sparrow, procurando emplacar em todas as produções que participa os trejeitos e maneirismos do protagonista da franquia Piratas do Caribe. Esta necessidade inexplicável do ator foi um tiro no pé em sua carreira, e as tentativas pífias de Depp o deixam cada vez mais distante da badalada reputação de outrora.
Mortdecai - A Arte da Trapaça, um dos mais recentes projetos protagonizados pelo artista, não escapa dessa sua queda vertiginosa; ela a acelera ainda mais. Adaptação da antologia homônima escrita por Kyril Bonfiglioli, o filme dirigido por David Koepp soa como um grito desesperado em busca de risadas, afim de entreter com uma história fraca e repleta de piadas grosseiras vergonhosamente executadas.
O motivo, porém, não passa desapercebido. São notáveis as tentativas de Koepp e do roteirista Eric Aronson em querer fazer da comédia protagonizada pelo bigodudo Mortdecai uma colorida sátira às tramas de investigação no mundo da arte que alguns filmes noir das décadas de 40 e 50 centravam suas atenções. Mas ao contrário de produções como as da franquia da Pantera Cor-de-Rosa, o longa se equivoca em querer fazer de seu protagonista uma figura comercializável e base para uma franquia de potencial lucro ao invés de simples ponto central na temática de seu escárnio.
E se é para tentar tornar um personagem marcante, quem seria a melhor escolha para o papel senão Depp? Com poucos segundos em cena o ator mostra mais uma vez sua predileção por repetir traços de Jack Sparrow, agora feitos para compor seu Mortdecai: Estão lá o jeito bêbado de agir, a maneira como pronuncia as palavras, o comportamento desastrado e outras tantas características do personagem predileto do ator, realizado sem medo algum de parecer similar a seus outros papéis recentes.
Com um elenco invejável e desperdiçado (chega a doer as participações de Ewan McGregor, Gwyneth Paltrow e Paul Bettany) e um ritmo cômico desengonçado ao extremo, Mortdecai - A Arte da Trapaça poderia ter sido filmado facilmente em outra época e condições pela Happy Madison de Adam Sandler, produtora famosa pelas comédias escrachadas e esquecíveis. Mas saber que o projeto acabou nas mãos de um ator três vezes indicado ao Oscar e que ele mesmo assim obteve o mesmo resultado só ressalta o quão para baixo foi a carreira de Johnny Depp nesses últimos tempos.

Nota: 1/10

domingo, 15 de março de 2015

Crítica: Para Sempre Alice

Atuação de Julianne Moore é único atrativo em filme sobre Alzheimer.

Por Pedro Strazza.

Adoecer de maneira terminal é um processo natural, mas muito dolorido da vida humana, principalmente quando este demora bastante tempo para agir. Não apenas por acabar com a passagem de alguém no mundo, a morte arrastada é a pior de todas por também afetar todo o núcleo de familiares e amizades que circunda a vítima, levando ao limite da dor qualquer um dos envolvidos. Não há quem escape ileso, seja qual for o culpado.
No caso de Alice Howland (Julianne Moore), o responsável por colocá-la nesse caminho desolador é o Mal de Alzheimer, doença neuro-degenerativa que a cada dia deixa a pessoa em um estado maior de demência. Jovem e acadêmica, ela tem os sintomas do quadro acelerados, e em questão de poucos meses o que era apenas dificuldade de lembrar algumas palavras torna-se um apagão geral, capaz de deixá-la fora da realidade por longos períodos de tempo.
Baseado no livro escrito por Lisa Genova, Para Sempre Alice dedica-se inteiramente a mostrar esse arco de decadência que ocorre com sua protagonista. Da esperta fotografia de desfoques e vazios de cenários ao uso dos coadjuvantes, o longa roteirizado e dirigido por Wash Westmoreland e o falecido Richard Glatzer não esconde sua intenção de apenas mostrar a evolução da doença e seus efeitos cruéis, e em muitas passagens lembra mais um panfleto médico que um filme em si.
A razão disso não poderia ser mais simples: A atenção é tanta em cima da personagem principal e seu quadro clínico que esquece-se de desenvolver o mundo em torno dela. Na narrativa desenvolvida pelos dois diretores, são poucas as ocasiões onde se dá espaço para outros assuntos senão o Alzheimer de Alice, e isso prejudica bastante a própria maneira como a obra lida a enfermidade. Um exemplo claro dessa problemática é a família de Howland, minimizada a tipos simples e ausente de dramas mais complexos que possam aprofundar os danos infligidos pela doença - algo fatal para o trabalho dos bons atores Alec Baldwin e Kristen Stewart.
O que alivia esse excesso de foco - e até torna o lado panfletário da produção suportável, de certa maneira - é a atuação de Julianne Moore. Sutil, a atriz de início encarna a protagonista com confiança e astúcia para progressivamente levá-la ao definhamento, tornando-a menos adulta e mais assustada e ingênua. O grande trunfo de Moore, entretanto, é o jeito desapercebido com que realiza essa transformação, e o atestado maior dessa genialidade ocorre quando o filme confronta as duas Alices da história em uma única cena.
Ademais, o longa é convencional e óbvio. Com uma delicada defesa à eutanásia e um ou dois momentos interessantes (todos, óbvio, gerados pelo trabalho de Moore), Para Sempre Alice gira exageradamente em torno de um quadro clínico fatal e terrível, compondo uma trama sem surpresas ou maiores reflexões. É um alerta médico, vazio como uma reportagem sobre o assunto que busca apenas a conscientização de seu público em um final de domingo.

Nota: 5/10

sábado, 14 de março de 2015

Crítica: Golpe Duplo

Novo trabalho de Glenn Ficarra e John Requa sofre sem confiança do espectador.

Por Pedro Strazza.

É interessante analisar a trajetória do farsante na História do cinema. Figura clássica, esse tipo de personagem nunca sofreu grandes alterações em sua essência, mantendo (e no máximo retocando com sutileza) as características básicas presentes nos mais diferentes gêneros e épocas. Seja em Golpe de Mestre, Onze Homens e Um Segredo ou até em As Loucuras de Dick e Jane, o mentiroso mantém a irreverência e o charme, pronto para aplicar o seu golpe na primeira oportunidade oferecida - esta planejada aos mínimos detalhes muito antes do processo começar.

Em Golpe Duplo, esses aspectos primordiais do ladrão são novamente repetidos pelos diretores e roteiristas Glenn Ficarra e John Requa para brincar com os clichês das engenhosas artimanhas e amores improváveis do nicho. A história protagonizada por Nicky (Will Smith) e Jess (Margot Robbie), afinal, não esconde do público sua predisposição em seguir toda a cartilha de reviravoltas presentes nessa categoria de filme, mas também mostra estar confortável em apenas entreter sem reflexões maiores.

A posição tomada pela obra tanto funciona quanto prejudica sua estrutura. Se em alguns momentos o longa oferece ótimos momentos de descompromisso e rasicidade, como na relação desenvolvida entre os dois personagens principais - mistura-se aprendizado com paixão sem nenhuma parcimônia, mas ninguém na produção ali parece preocupado em trabalhar isso direito -, em outros ele parece se embananar ao ter que contar sua própria trama de golpe.

Isso ocorre porque a própria narrativa de Golpe Duplo é incoerente com seu gênero. Já com a negativa de centrar suas atenções em protagonistas extremamente unidimensionais - e que nada oferecem para Smith e Robbie trabalharem suas atuações -, o filme busca sem motivo algum realizar dois grandes estratagemas em dois momentos distintos de seu enredo despretensioso. O resultado é óbvio: com a confiança traída na primeira artimanha (ocorrida na metade da duração do longa), o espectador não consegue ter sua atenção levada para aonde Ficarra e Requa querem que ela vá, e fica curioso apenas em quando (e não como) a virada de roteiro irá acontecer na (demasiada extensa e repleta de coadjuvantes dispensáveis) segunda parte.

Isso não significa, porém, que a obra errou por completo dentro de seu gênero. Mesmo enquadrada como problema maior na construção da história e com explicações nada plausíveis, a primeira artimanha é muito bem elaborada ao criar no público a sensação de irritação com os clichês oferecidos em seu início (o problema de Nicky com o jogo, o azar contínuo que geralmente surge nesse momento da trama, etc), feitos para desviar a atenção do observador e logo depois surpreendê-lo com o que de fato está acontecendo naquela situação.

Ainda com uma fotografia acertada quando lhe é permitida a originalidade (as duas inversões de perspectiva geradas por Xavier Grobet são deliciosas de se presenciar), Golpe Duplo é um filme que fracassa ao estabelecer a simplicidade e depois buscar a ambição. Junto do casal protagonista, Ficarra e Requa fazem no começo uma história sem maiores anseios, mas esquecem disso lá para o meio dela e complicam tudo para atingir nada.

Nota: 5/10

terça-feira, 10 de março de 2015

HEY, Eu Quero Uma Segunda Opinião!: Kingsman - Serviço Secreto

Matthew Vaughn acerta na sátira dos espiões.

Por Alexandre Dias.

Kingsman: Serviço Secreto não é um filme inédito. Já vimos organizações que operam no escuro com os Homens de Preto, espiões elegantes na gigantesca franquia de 007, ação frenética com Jason Bourne e sapatos que não são apenas calçados na série de televisão do Agente 86. Nem por isso a nova produção do diretor Matthew Vaughn deixa de ser uma novidade, pois quando estes elementos são combinados de maneira competente, temos um resultado positivíssimo.
Há duas tramas que correm em paralelo: o treinamento de Eggsy (Taron Egerton) para se tornar um agente Kingsman- a propósito, construído por meio de cenas bem empolgantes- e o combate contra o vilão Valentine (Samuel L. Jackson, ótimo). Ambas formam uma história louca de espionagem, que funciona tanto na seriedade quanto na sátira.
No primeiro caso, podemos identificar em Galahad (Colin Firth, esbanjando elegância) que cometeu um erro no passado, na própria jornada pessoal (envolvendo também o drama familiar) do personagem de Egerton e, como não podiam faltar, nas reviravoltas. Já a satirização acontece, principalmente, pela ação violenta (pessoas partidas ao meio e dentes voando em câmera lenta são alguns exemplos) e pela comédia (boas piadas, mas também pelo cômico politicamente incorreto).
O roteiro recheado de clichês não compromete. Pelo contrário, ele é até necessário, porque se permite que a loucura encaixe na fórmula dos espiões. É possível exemplificar isso por meio do peculiar antagonista que quer dominar o mundo e de sua assistente Gazelle (Sofia Boutella), esta com lâminas no lugar das canelas para baixo. Ou mesmo pelos equipamentos sofisticados da agência, que são óbvios, mas longe de serem desinteressantes.
Kingsman é nostálgico, pois existe há tempos, porém conseguiu-se criar uma identidade própria nesta junção de fatores já presentes no cinema. Portanto, não há dúvidas de que os alfaiates espiões serão lembrados no mundo dos agentes secretos, afinal, não é sempre que vemos Colin Firth chutando alguns traseiros.

Nota: 9/10

segunda-feira, 9 de março de 2015

Crítica: 118 Dias

Qualidade do texto não omite defeitos de direção na primeira incursão de Jon Stewart em longas-metragens.

Por Pedro Strazza.

Em um mundo cada vez mais conectado, é cada vez mais difícil de viver isolado. O advento da internet e das redes sociais, capazes de tornar acessível o contato entre as regiões mais distantes do globo, obrigou o ser humano a se submeter a um processo de dependência "virtual" da convivência, mesmo que esta na maioria das vezes ocorra sem qualquer tipo de contato físico. De certa maneira, é como um vício esta interação social mundial, e ela se acentua a cada dia passado.
Mas o que acontece quando essa conexão é perdida? Como sobreviver a esta abstinência? São duas questões complexas que o (agora quase ex) apresentador do The Daily Show Jon Stewart aborda em 118 Dias, sua primeira aventura no cinema. Através da história de Maziar Bahari, jornalista iraniano-canadense que foi preso e torturado por 118 dias pelo governo do Irã sob suspeitas de espionagem, Stewart procura entender essa relação de submissão através do jornalismo, o ramo de maior vinculação a ela desde sempre.
Para isso, o diretor e roteirista do projeto realiza um contraste interessante entre os dois extremos: Ele primeiro apresenta Bahari (Gael García Bernal) como um homem extremamente conectado com o mundo, íntimo desde pequeno com a cultura mundial (guiada, clara, pelos Estados Unidos, como prova a coleção de coisas presentes na casa de sua mãe); já no cárcere, Maziar tem tudo tirado dele para ser confrontado com a solidão total e de fácil manipulação. A oposição entre os dois ambientes é exagerada, mas real o suficiente para que o público consiga entender o raciocínio do cineasta com a questão apresentada.
A estrutura narrativa elaborada por Stewart, porém, não esconde do filme os problemas que o circundam. A começar pelo próprio protagonista, que tratado com distância fria pelo diretor para talvez reforçar o sentimento de isolamento social acaba sem momentos para criar conexões com o espectador. García Bernal até tenta esboçar alguma simpatia pelo personagem com sua competência artística, mas seu papel unidimensional fraqueja quaisquer esforços feitos.
Outro problema sério são os próprios 118 dias do título. Mais interessado na filosofia de seu questionamento, o filme equivoca-se em negar aspectos básicos da situação de cárcere a seu protagonista como o arco de loucura (não demora dois dias e Bahari deriva com o pai morto e precisa da luz do Sol para se sentir melhor com a privação do mundo). Tudo soa absurdo e sem qualquer desenvolvimento mínimo, e a produção se enrola com facilidade nesses problemas.
Importante pela reflexão que faz sobre um tema cada vez mais importante na atualidade, 118 Dias sofre com aspectos criativos e mesmo técnicos (chega a ser embaraçoso a família do protagonista ser introduzida pelas "paredes do passado funesto") para chegar à sua totalidade. Mas se Jon Stewart erra a mão pela falta de experiência real com o formato, ele pelo menos tem a esperança de um futuro promissor graças à sua visão autoral da dura realidade que vivemos.

Nota: 6/10

domingo, 8 de março de 2015

Crítica: Kingsman - Serviço Secreto

Final explosivo e hilário coroa reverência ao espião idealizado.

Por Pedro Strazza.

Assim como todo o grande gênero da ação, a espionagem passou no cinema por mudanças visíveis de estrutura e abordagem no século XXI. Antes dominada por uma visão fantasiosa e cheia de luxos (cujo maior representante é sem dúvida os James Bonds de Sean Connery e, principalmente, Roger Moore), a profissão deixou os excessos no mundo pós-11 de setembro e virou assunto sério nas telonas, aproximando-se da realidade dura, difícil e política. Mesmo 007, esse símbolo máximo do absurdo, abandonou as festas e os martínis para confrontar o seu próprio eu na fase mais recente.
O passado, porém, tende a deixar o ser humano saudoso dos "velhos tempos", e Matthew Vaughn tem esse sentimento com o espião "que me amava". É de nostalgia, afinal, que é feito Kingsman - Serviço Secreto, o quinto trabalho do cineasta na direção, e Vaughn não perde tempo para tanto homenagear como satirizar o agente secreto charmoso, mas obsoleto da era passada.
Adaptação da graphic novel homônima escrita por Mark Millar e desenhada por Dave Gibbons, o longa acompanha Eggsy (Taron Egerton), um jovem rebelde e pobre de Londres que certo dia acaba livre da prisão graças à ajuda de Harry Hart (Colin Firth), um cidadão cavalheiresco que lhe oferece a oportunidade de entrar no Kingsman, uma sociedade secreta disposta a proteger o mundo (não me diga!). A partir daí, Eggsy não só precisa passar por uma verdadeira transformação social digna de My Fair Lady ou Uma Linda Mulher para se tornar um superespião como também tem o dever de evitar que os planos maléficos do bilionário Valentine (Samuel L. Jackson) e de sua parceira Gazelle (Sofia Boutella) se concretizem.
A trama óbvia e clichê descrita acima já evidencia tanto a maior qualidade quanto o maior defeito da obra adaptada para as telonas por Jane Goldman e o próprio Vaughn. Se por um lado o diretor é eficaz em reproduzir os lugares-comum do roteiro de uma maneira divertida para evitar que o resultado final seja maçante para o espectador, o filme sofre em seus dois primeiros atos com a falta de riso daquilo que mostra, demonstrando preocupação excessiva em homenagear o passado do gênero. O universo habitado por Eggsy e o agente Hart parece querer ter o mesmo grau de realidade e dramaticidade dos dias de hoje, mas também o tom cômico da espionagem de Moore - e o único que se salva dessa contradição é o vilão Valentine, tratado desde o princípio com todo a comicidade e absurdo da figura do personagem por L. Jackson.
Essa problemática, entretanto, desaparece no terceiro ato, quando o filme se solta da obrigatoriedade da reverência e abraça efusivamente o ridículo. Do clímax explosivo na base secreta do antagonista ao seu desfecho, Kingsman aceita rir dos clichês que tanto enalteceu e faz isso sem dó alguma, abusando da paleta de cores berrantes e trocadilhos exagerados (Rei Artur, Sherlock Holmes, Jack Bauer, ninguém escapa) presentes em toda a narrativa. E isso inclui todos os preconceitos e suposições da época, como bem esclarece a piada anal que encerra o longa ou a sequência espacial feita sem muito acabamento.
Mas se há problemas nesse antagonismo entre comédia e veneração, na elaboração técnica Vaughn prova de novo seu talento. Sua direção é elegante e prática, capaz tanto de criar cenas de ação muito bem montadas e executadas (o angulamento feito pelos óculos do espião é caricatural na medida certa) quanto a de tornar Colin Firth, um ator conhecido pelos papéis dramáticos e serenos, em uma figura de ação sem que o público estranhe esta transformação drástica.
Divertido e caricato, Kingsman - Serviço Secreto é mais uma reverência óbvia que uma risada descarada de escárnio na maneira como o cinema retratava a espionagem no passado. Sua capacidade de virar de cabeça pra baixo essa afirmação no encerramento, porém, não só mostra o seu potencial como comédia exagerada, mas também traz um contraste interessante com todo o panorama atual de um gênero cada vez mais realista e menos despreocupado.

Nota: 7/10

Gostou? Assista Também:
  • Top Secret! - Superconfidencial/Austin Powers - O Agente Nada Misterioso: Escárnio e homenagem ao espião do século XX na mesma medida.
  • O Homem Mais Procurado: O espião dos dias de hoje.

terça-feira, 3 de março de 2015

Review: House of Cards - 3° Temporada

Tom caricatural funciona tanto para bem quanto para mal no primeiro mandato de Frank Underwood.

Por Pedro Strazza.

É com uma mijada no túmulo de um de seus antepassados que Frank Underwood inaugura a terceira temporada de House of Cards mostrando a solução da série para seus problemas narrativos inevitáveis. Com esse simbolismo claro e grosseiro (característica essa bastante presente na produção desde seu princípio), a versão estadunidense da minissérie da BBC oficializa ao espectador uma mudança radical de tom para contar sua história de poder e desejo, e no processo distancia-se de toda a construção feita no primeiro ano e preservada em alguns pontos no segundo. Se antes a política era tratada com seriedade e com algumas pontadas de ironia, ela agora é satirizada e ridicularizada a todo momento possível.

A alteração não é à toa. Depois de duas temporadas armando esquemas e fazendo intrigas, Underwood (Kevin Spacey) enfim conseguiu o que queria e chegou à presidência dos Estados Unidos, o topo da cadeia política do país. Mas não há tempo para celebrações, pois Frank, junto de sua esposa Claire (Robin Wright), precisa lidar com todo tipo de questões para salvar seu governo e garantir o segundo mandato, e isso exigirá tudo. A manutenção do poder é muito mais complicado que alcançá-lo, e os 13 episódios usam do exagero para evidenciar esse contraste.

Para grande parte de sua trama, essa abordagem funciona muito bem. Apesar de nunca alcançar a qualidade atingida no primeiro ano, o terceiro consegue pelo menos se sair melhor que o segundo ao aceitar o ridículo que se tornou, e o emprega para brincar com o panorama atual do país.

Assim, se na temporada passada era visível o incômodo e a indecisão em separar o debate político da bobagem sensacionalista, a série aqui se sente confortável em misturar as duas coisas e tratá-las com humor como uma só, obtendo a partir disso momentos tanto fascinantes em sua concepção como divertidos por seu absurdo. Quem melhor se aproveita disso é Lars Mikkelsen, que entende essa visão para fazer de seu presidente Petrov ao mesmo tempo uma caricatura muito bem feita de Vladimir Putin e um antagonista mais interessante que o Raymond Tusk de Gerald McRaney.

A "política do exacerbamento" também se faz eficiente com os personagens coadjuvantes, pois encontra neles um espaço amplo para trabalhar. Do arco de recuperação vivido por Doug Stamper (Michael Kelly), destacado sem muita sutileza pela temporada, às pequenas trajetórias de personagens como a de Heather Dunbar (Elizabeth Marvel) ou Remy Danton (Mahershala Ali), o elenco periférico mantém sua qualidade por conseguir trabalhar no caricato seus papéis rasos e unidimensionais para torná-los minimamente interessantes.

A dupla protagonista, por outro lado, sofre com esses excessos por já estarem nessa posição caricatural desde o início da série. A crise de relacionamento gerada pelo poder é um tema muito batido para um casal frio e racional como o de Frank e Claire, e mesmo que este gere episódios fantásticos - o sétimo capítulo pode cometer erros em sua temporalidade, mas é certeiro ao explorar mais a fundo e com sensibilidade a dinâmica dos dois - e um personagem tão bem encaixado entre os dois como é o escritor vivido por Paul Sparks, na maioria das vezes ele resulta em situações patéticas, e os últimos episódios da temporada (além do gancho para a quarta) são prova disso. Nesse meio tempo, as atuações de Spacey (mais caras e bocas impossível, apesar de quebrar menos a quarta parede) e Wright passam do limite e tornam-se canastrãs, graças aos diálogos fracos realizados entre os dois.

Mesmo superior ao ano anterior e ser parcialmente feliz em sua aposta drástica, a terceira temporada de House of Cards não consegue fazer muito mais que manter ao mínimo a qualidade da série, e evidencia o desgaste cada vez maior da obra. A cada nova leva de episódios, o seriado criado por Beau Willimon soa mais e mais como uma paródia de si mesmo, e tornar cômico o tom da narrativa ou exagerar na composição de seu protagonista não são capazes de esconder esse problema.

Nota: 7/10

segunda-feira, 2 de março de 2015

Não Perda!: Fevereiro/2015

Por Pedro Strazza.

O mês acabou, e está na hora de ver aqueles lançamentos legais que ninguém viu (mas deveria ver) porque "Não deu tempo..." ou "Não quis arriscar minha grana suada com isso!". No Não Perda! de fevereiro de 2015 temos:

Embora tenha sido Sniper Americano que arrecadou milhões nas bilheterias e que ganhou várias nomeações na temporada de prêmios, o filme de guerra que deveria ter mesmo recebido todas essas honrarias foi Corações de Ferro. O longa dirigido por David Ayer (responsável futuramente pela adaptação do Esquadrão Suicida para as telonas) possui não só pontos técnicos excelentes - o design e a mixagem de som foram esnobados sem justiça no Oscar - como também traz uma narrativa excelente, capaz de tornar a história de um tanque e seus soldados em um faroeste de guerra quase claustrofóbico.

São muitas as ressalvas que podem ser feitas a essa ópera espacial dos irmãos Wachowski, mas não se pode negar sua criatividade visual encantadora. Assim como em A Viagem, Speed Racer e na trilogia Matrix (o primeiro sendo o ápice precoce dos cineastas), a dupla de diretores concebe em O Destino de Júpiter um universo e mitologia fascinantes, cuja complexidade tornou-se um dos principais motivos para o filme fracassar (com certo merecimento) como produto e obra. O que é uma pena, vide a originalidade única de Andy e Lana.

  • Nick Cave - 20.000 Dias na Terra

Normalmente, um documentário sobre uma personalidade tende a afastar sua produção do protagonista para poder desconstruir sua figura e fazer seu retrato. É quase uma lei não escrita esta metodologia, e Nick Cave a quebra junto dos diretores Iain Forsyth e Jane Pollard para refletir sobre sua própria existência e a maneira como a música o atinge no documentário centrado em sua pessoa. Nick Cave - 20.000 Dias na Terra é acima de tudo um filme denso formado em sensações, poderoso por trazer a reflexão egocêntrica do músico para o espectador.

Não Perda!: Janeiro/2015