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domingo, 31 de maio de 2015

Crítica: Terremoto - A Falha de San Andreas

Filme de desastre espetaculariza desastre, mas ignora problemas vitais.

Por Pedro Strazza.

Logo na introdução, Terremoto - A Falha de San Andreas já mostra a que veio com uma cena ao mesmo tempo peculiar e típica de resgate. Na situação, temos uma jovem presa dentro de seu carro, que se encontra instável na beira de um penhasco após ela cometer o pecado mortal de dirigir olhando o celular; uma equipe de socorro composta basicamente por homens musculosos e movidos à testosterona, prontos para acudir a garota; e uma equipe de jornal, que documenta os esforços e sacrifícios heroicos do time para salvar a vítima de seu fim precoce prontos para eternizá-los.
Como bem exemplifica a descrição acima, os clichês e lugares comuns do subgênero reinam no filme de desastre dirigido por Brad Peyton. Da família em crise que se reúne graças às forças da natureza ao "dramático" momento de morre-não-morre no fim do clímax, a história do longa se guia pelos caminhos mais óbvios possíveis sem no mínimo se preocupar em esconder isso. Não há aqui um drama que você já não tenha visto pelo menos outras três vezes na telona, e com menos de cinco minutos já se consegue prever aonde tudo aquilo vai.
E isso seria um problema gravíssimo se não fosse feito de maneira tão divertida pelo roteirista Carlton Cuse, que assume as trivialidades da trama para compor um filme honesto de entretenimento raso.
Para tal, Cuse facilita todas as dramas de sua história para reforçar o lado mais espetáculo do desastre que dá nome ao longa. Assim, enquanto prédios desabam como dominós e a terra racha e cria abismos gigantescos para matar milhões de figurantes aos quais vemos uma ou duas vezes em destaque, a família formada pelos personagens interpretados por Dwayne Johnson, Carla Gugino e Alexandra Daddario lutam para se reunir em meio ao caos, reformando uma instituição familiar que apesar de estar em crise não encontra tanto obstáculos para voltar a funcionar - os maiores opositores, o novo interesse romântico da esposa (papel de Ioan Gruffudd, no caso) e os erros do passado, são resolvidos antes de chegarmos à metade da trama.
O mérito maior do texto de Cuse, porém, é o de conseguir conceber situações criativas para seus personagens sobreviverem ao terremoto, e levá-los a estas com naturalidade. Seja nas manobras de um helicóptero para fugir de edifícios que desabam ou no "afogamento" progressivo de um prédio em construção, Terremoto sabe brincar bem com os efeitos da devastação que oferece ao fazê-lo um playground de destruição. E se ficamos confusos com a maneira como os personagens escapam da morte nestas ou na forma que chegam a elas, o filme se prontifica com explicações mínimas como "Meu guia tem tudo que a gente precisa", "Eu aprendi isso com meu pai" ou no núcleo liderado pelo especialista vivido por Paul Giamatti e a jornalista de Archie Panjabi.
Mas se nessa execução de gênero o longa se sai bem, de resto as rachaduras são evidentes. Muito em parte do próprio acúmulo dos clichês citados anteriormente, mas também do trabalho de Peyton na direção, que além de não saber trabalhar a claustrofobia dos ambientes (a cena da garagem é confusa do início ao fim) não tem habilidade suficiente para disfarçar os absurdos cometidos por Cuse em sua espetacularização do desastre - e aqui é impossível não citar o fato do personagem de Johnson ser um homicida tão grande quanto o Superman de O Homem de Aço ao abandonar o trabalho no momento mais vital somente para salvar sua família - e inclusão de simbologias desastrosas como a gigantesca bandeira estadunidense no fim da produção. Para piorar, Peyton se prova ineficaz em tirar da ação criada mais que o padrão, se bastando em fazer no segundo ato um inesperado porém pouco interessante falso plano-sequência.
Dessa maneira, Terremoto - A Falha de San Andreas entra em um desequilíbrio estável. Se cumpre bem com aquilo que se propõe a fazer, é inegável suas falhas no resto, acumuladas por defeitos abraçados desde o início. Alguns julgarão ser insuficiente; para outros, bastará as bases à beira do colapso e o heroísmo canastrão do núcleo principal.

Nota: 6/10

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Crítica: Crimes Ocultos

Thriller de época soa tão falso quanto o seu inglês de sotaque russo.

Por Pedro Strazza.

Embora seja vendido como uma história de mistério travestida de filme de época, Crimes Ocultos mostra desde o início uma propensão maior ao novelesco. Baseado no primeiro de uma série de livros policiais escritos por Tom Rob Smith, o longa dirigido por Daniel Espinosa usa muito de sua trama de investigação como mote, mas em muitos momentos parece querer deixar o gênero para trabalhar os dramas vividos por seus personagens enquanto estes se dedicam a solucionar o enigma que tem em mãos. E isso não seria uma má ideia se não fosse tão mal executada.
Estamos na União Soviética do pós-Segunda Guerra, uma nação que busca viver em uma espécie de utopia mesmo esta não existindo - "Não há assassinos no paraíso", repetem os oficiais do governo como um mantra a ser seguido às cegas, e ai de quem for de encontro a esta ordem. Neste contexto, o respeitado agente da MGB Leo Demidov (Tom Hardy) encontra sua desolação ao questionar a sanidade do sistema e investigar a fundo o caso do assassinato do filho de um de seus colegas, e como consequência acaba rebaixado sem honras na hierarquia militar soviética e transferido para uma cidade pequena do interior do país. Esse choque com a moral de sua nação o faz entrar em uma espiral descendente, e o força a revisitar o passado funesto que tanto renega.
Há nesta história toda uma lógica que no papel parece ser bastante profunda, mas na realidade prova ser o contrário. O roteiro escrito por Richard Price parte de muitos pressupostos para construir seus personagens, e assume maniqueísmos que desde o início provam ser infundados, como o de o sistema ser ruim por naturalmente ser ruim, e logo todos os subordinados a ele serem pessoas más - algo que de imediato esvazia dos antagonistas qualquer significado maior. O pior, porém, é que Crimes Ocultos busca tirar disso um desenvolvimento maior e moralista, e sem uma base sólida sua argumentação colapsa de maneira vergonhosa.
Um exemplo claro desse vazio pretensioso são os próprios personagens, elaborados sem inspiração e com o maior número de clichês possíveis, incluindo aí os próprios protagonistas. Ainda que soem complexos e cheios de facetas, Demidov e sua esposa Raisa (Noomi Rapace) são figuras caricaturais de personas típicas do suspense, e os conflitos e diálogos que realizam entre si chegam ao cúmulo da previsibilidade - "Você é um monstro", profere ela ao marido em determinada altura da trama, realçando algo que estava claro desde o princípio. O direcionamento do próprio Demidov, de certa forma, passa por esse mesmo crivo de obviedades: É a jornada de descoberta do próprio mal, feita da maneira mais enfadonha possível.
E se nos principais a condição é enferma, nos coadjuvantes o quadro se acentua. Enquanto o sargento interpretado por Gary Oldman se restringe ao papel de falsa autoridade moral e em crise, o oficial Vasili de Joel Kinnaman é atribuído à figura de vilão apenas por ser o representante imediato da corrupção do sistema, e suas motivações param nessa simbologia básica. E para o longa, basta uma explicação das mais rasas (a responsabilidade da bandeira, esse símbolo máximo do nacionalismo exacerbado) para o porquê de seus sucessivos embates com o protagonista.
O que resta então a Crimes Ocultos? Em casos como esse, o melhor a se fazer é se deixar levar pela proposta maniqueísta e se prender ao mistério que conduz a trama, torcendo para que as propostas de vigilantismo e justiça com as próprias mãos façam um mínimo de sentido. Uma pena que, nesse caso específico, essa redenção superficial não chegue a tempo de entregar essa pequena recompensa.

Nota: 3/10

domingo, 24 de maio de 2015

Crítica: Poltergeist - O Fenômeno

Refilmagem funciona como entretenimento simples, mas não vai muito além disso.

Por Pedro Strazza.

O primeiro Poltergeist é um filme que conseguiu se destacar por um conjunto de fatores. Além da suposta maldição acontecida nos bastidores e de ser lançado praticamente no início da explosão dos blockbusters, o longa escrito e produzido por Steven Spielberg chama a atenção por realizar bem seu papel como comédia de horror e ao mesmo tempo fazer uma crítica severa ao "american way of life" e o cinema que tão bem o propagandeava nas telonas e telinhas. Do conto sobrenatural vivido pela família Freeling em um conjunto imobiliário em plena expansão, Spielberg e o diretor Tobe Hopper expõem ao espectador as diversas hipocrisias da América típica dos anos 50, que tentou retornar como modelo de consumo durante os mandatos do presidente Reagan nos anos 80.
A força criativa de Poltergeist, portanto, tem muita base no momento histórico vivido, cujas características são tão únicas a ponto de dificilmente serem repetidas. Dessa maneira, uma refilmagem do filme já sai perdendo em comparação com outras por ter de lidar com uma variável que não lhe ocorrerá, e logo tem que se fazer funcionar por outros caminhos.
Esse é o grande desafio do diretor Gil Kenan, que inicia a versão 2015 de O Fenômeno já distanciando seus protagonistas dos do longa de 1982 não só em suas identidades e perfis, mas também em sua situação econômica. Os Estados Unidos, afinal, ainda vivem os efeitos da crise econômica de 2008, e os Bowen são a típica representação da família afetada por ela: Temos o pai e a mãe desempregados (Sam Rockwell e Rosemarie DeWitt), a filha adolescente rebelde e apegada em tecnologia (Saxon Sharbino) e as crianças alheias a tudo ao seu redor (Kyle Catlett e Kennedi Clements). Todos em busca de um lugar que os abrigue durante os tempos difíceis, e que os força a se realocar no subúrbio destruído pela quebra do sistema imobiliário.
Não há então algum tipo de otimismo cego que cegue os personagens do mundo neste contexto tão pessimista, e isso esvazia a produção de qualquer conteúdo real. Quando o personagem de Rockwell olha pelo retrovisor do carro e vê um estacionamento abandonado às moscas, percebe-se em sua aparência todo o desencanto com os caminhos tomados em sua vida - e, consequentemente, pelos EUA até aquele ponto. E depois de estabelecer uma posição tão desesperançosa, a aparição dos fantasmas do passado, no original vitais para dar contraponto a todo o falso sentimento de segurança, não tem motivos para existir nesta nova versão, soando como mais um lembrete gratuito dessa época de recessão.
Sem o parâmetro social-econômico, resta então a esse novo Poltergeist se comportar como filme de gênero purista, e Kenan erra na mesma medida que acerta. Se por um lado o responsável pelo bom A Casa Monstro consegue equilibrar o humor com o suspense sem deixar transparecer demais um ou outro, sua abordagem de desenvolvimento de personagens soa limitada quando a faz apenas nos momentos cômicos da narrativa. Separar nitidamente o riso do susto em uma estrutura de comédia de horror é uma opção difícil de ser executada e exige muito da produção, coisa que Kenan não consegue alcançar de fato aqui.
Por outro lado, o diretor é feliz ao realçar na refilmagem o lado de entretenimento simples que o original tão bem carregava. Ainda que se repita demais no processo de viajar pela casa com a câmera, Kenan consegue arrancar das cenas de tensão sustos que facilmente se encaixariam nas atrações de terror de um parque de diversão decadente.
E no final é essa analogia que melhor descreve o novo Poltergeist. Embora esteja obviamente deslocado de seu tempo e não funcione tão bem como antes, ele consegue ainda entregar aqui e ali bons momentos para seus pagantes, desde que estes entrem conscientes de sua condição. O cheiro de mofo incomoda? Sim. As engrenagens poderiam servir de algum reparo? Claro. As atrações precisam ser substituídas? Com certeza.
Mas está tudo bem, desde que alguém se divirta no processo.

Nota: 6/10

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Crítica: A Incrível História de Adaline

Juventude eterna e aborrecida.

Por Pedro Strazza.

A imortalidade e suas inevitáveis consequências são um tema bastante recorrente no cinema, principalmente quando o indivíduo envolvido é jovem. Dos arroubos poéticos do primeiro Highlander aos vampiros de questionamentos filosóficos como os de Amantes Eternos, o dom muitas vezes sobrenatural de não conseguir morrer se faz interessante pela gama de possibilidades que traz às suas histórias, sejam estas tramas melodramáticas, existenciais ou mesmo cômicas, como bem lembra o Feitiço do Tempo de Harold Ramis.
No caso de A Incrível História de Adaline, a opção é pelo primeiro caminho. Dirigido por Lee Toland Krieger, o filme conta a história de Adaline (Blake Lively), uma típica mãe dona-de-casa do início da década de XX que certo noite acaba sofrendo um acidente de carro e é atirada com o veículo para uma lagoa próxima. O que era pra ser uma trágica morte, porém, acaba por dar à moça de 29 anos a inexplicável condição de não conseguir mais envelhecer fisicamente, mantendo-a com a mesma aparência para sempre.
Daí em diante, o longa escrito por J. Mills Goodloe e Salvador Paskowitz opta por caminhos fáceis e usa das estruturas narrativas mais simples para estabelecê-la, o que chega a ser uma pena se considerarmos a rara posição na qual a protagonista se localiza. Presa no visual ao passado e incapaz de acompanhar os amigos e familiares, Adaline tem em mãos um problema denso de adequação ao mundo, mas ao primeiro sinal de perigo (representado pelo agente de autoridade mais óbvio e ao mesmo tempo mais incoerente possível, o FBI) ela opta por fugir de sua realidade e ganhar uma nova identidade - que, claro, não difere em nada da outra e só serve para seus fins mais rasos. Várias repetições desse processo depois, surge sem rodeios o interesse amoroso para chocar escapismo com coração, originando o conhecido conflito emocional dos filmes românticos.
A grande verdade é que o filme parece desaperceber o potencial da história que conta ou de sua personagem central, e essa situação piora quando se introduz o personagem interpretado por Harrison Ford, cuja complexidade relacional com Adaline é subaproveitada para fins simples. E isso não seria tão problemático se não fosse tão claro: Do triângulo formado entre Adaline, seu namorado e o papel do ator veterano se aproveita apenas o lado romântico, que busca unir dois personagens depois de uma tensão criada por um terceiro, e deixa-se para trás toda uma teia complexa e até edipiana às avessas de relações.
De resto, A Incrível História de Adaline funciona aos trancos e barrancos. De poucas atuações interessantes - Lively, coitada, tem todo o potencial da transformação gradual da protagonista reduzido aos cortes de cabelo - e com um final desenvolvido com pressa, o filme faz bem aquilo que busca, mas se perde por ter objetivos tão pequenos. Não à toa, a sensação que se dá é que a história seria muito mais intrigante se contada pelo lado de um coadjuvante, e não de sua protagonista.

Nota: 4/10

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Crítica: Mad Max - Estrada da Fúria

Fúria narrativa e roteiro questionador lideram épico de ação de George Miller.

Por Pedro Strazza.

Desde seu primeiro filme, a trilogia Mad Max estabeleceu com sucesso novas maneiras de se fazer ação no mesmo ritmo que construiu a escalada para o absurdo de seu universo pós-apocalíptico. Na jornada de formação do cavaleiro solitário que é seu protagonista, o diretor George Miller inovou o cinema em diversas vertentes, trazendo a este ideias e conceitos que seriam repetidos à exaustão por outras histórias em décadas posteriores, além de sagrar-se bastião do ascendente cinema australiano da época.
Realizar uma nova continuação para uma franquia tão fundamental após tantos anos, portanto, seria uma loucura em quaisquer medidas, e envolveria uma alta responsabilidade de qualquer um que o tomasse como tarefa. Para a sorte do cinema, essa responsabilidade foi levada em conta, pois Mad Max - Estrada da Fúria mostra desde o primeiro minuto uma inclinação visível à progressão - seja esta de sua franquia, gênero ou da História.
Em desenvolvimento desde 2011 e contando com o retorno de Miller à direção e roteiro (escrito junto dos estreantes Brendan McCarthy e Nick Lathouris), o quarto capítulo usa da jornada de travessia - um tipo de história típico do faroeste - como premissa de sua trama simples. A carga a ser transportada aqui são as jovens esposas do líder religioso e industrial Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), que fogem de seus domínios lideradas por Imperator Furiosa (Charlize Theron) em busca de um lugar seguro. Atrás de seus futuros herdeiros na barriga das mulheres e com um exército de homens e automóveis em seu controle, Joe inicia uma caçada pelo veículo dirigido pelo grupo, que terá o auxílio de Max Rockatansky (Tom Hardy) para sobreviver ao caminho perigoso.
De certa forma, a história de Estrada da Fúria não escapa do que foi visto nos três primeiros Mad Max, mas acrescenta a elas mecanismos importantes. Max continua a agir como o justiceiro vindo de longe que se envolve e resolve auxiliar a jornada das vítimas da região, mas desta vez as vítimas estão mais preparadas para sobreviver ao inimigo opressor. Em muitos momentos, Furiosa assume no longa a posição de personagem principal nas ações ocorridas e relega a Rockatansky um papel secundário, e com isso põe-se em conflito o próprio papel do protagonista e seu papel de cavaleiro solitário, algo que acaba por repercutir de maneira interessante por todo o roteiro e sua estrutura de gênero.
Cientes dessa elaboração narrativa, Theron e Hardy a incorporam e fazem seus papéis em cima desta. A atriz imprime os efeitos de um mundo tão duro na figura de autoridade e decisiva de sua Furiosa, enquanto o novo intérprete de Max constrói o herói da maneira mais animalesca possível, distanciando-se como pode do trabalho de Mel Gibson no personagem e colaborando para estabelecer o tom da produção.
Por outro lado, a construção do universo pós-apocalíptico concebido por Miller contribui efusivamente para a escalada de loucura da franquia. Feito em simbolismos escancarados (o volante virar um instrumento de culto e veneração, por exemplo), uniões constantes entre elementos mitológicos clássicos e cultura contemporânea (o "mcbanquete nos portões do Valhalla" é o grande objetivo dos "kamicrazys", para se ter dois exemplos) e um deserto monocromático berrante, o mundo estabelecido neste quarto filme é exageradíssimo, mas ainda assim orgânico e bastante funcional, capaz de fazer o espectador compreender seus mecanismos pelos movimentos expositivos mais discretos em uma narrativa que se atrela quase que por completo ao visual.
E é justamente no jeito de contar sua história que o diretor mais acerta nesta nova incursão. Acelerado ao extremo, Estrada da Fúria é ágil e ordenado em construir os personagens e as situações ao mesmo tempo em que combina o lado técnico com os elementos da trama. O ápice, claro, é o carro sonoro conduzido por um guitarrista, que simultaneamente se envereda pela trilha sonora de Junkie XL e constrói a figura arrogante de Immortan Joe - afinal, quem diabos seria capaz de construir um veículo do tipo apenas para dar um acompanhamento musical às ações de seu exército?
Toda a estrutura elaborada é feita para culminar sempre em cenas de ação, orquestradas com precisão milimétrica pelo cineasta australiano. Miller inclusive rejeita a tendência recente do cinema em filmar a ação por closes e planos que inserem o espectador na ação, e opta por planos fixos para explicitar a magnitude e brutalidade das perseguições, que ganham mais peso nas colisões reais protagonizadas pelos veículos montados. O mundo aqui sobreviveu ao fim e sua sanidade desapareceu, e o longa incorpora isso da melhor maneira possível.
Com identidade oitentista e execução contemporânea, Mad Max - Estrada da Fúria é na raiz uma experiência intensa, capaz de inserir o espectador na loucura de sua história sem se perder no caminho. Acima de tudo, porém, o filme respeita suas origens e continua a construir o protagonista em sua jornada pós-apocalíptica, que, se tudo der certo, continuará a ser feita no futuro.

Nota: 10/10

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terça-feira, 12 de maio de 2015

Crítica: Wilder Mind (Mumford and Sons)

Após 6 anos, quarteto britânico aposenta os banjos e veste a costumeira emoção com guitarras e sintetizadores.

Por Guilherme Umeda.

"This is never gonna go our way if i'm gonna have to guess what's on your mind..."
Quando o Mumford and Sons surgiu, foi um refresco. Era o que de maior qualidade havia surgido até então para representar esse eixo do novo folk rock (vertente do indie? Talvez?): usava dedos rápidos no banjo, e batidas às vezes mais comedidas, às vezes em compasso menos espaçado, porém sempre firmes e mais fortes em momentos quase sempre inesperados, mas toda vez milimetricamente calculados para agarrar o ouvinte pelo colarinho e fazê-lo ouvir uma música atrás da outra na esperança de sentir os pelos da nuca arrepiar. E, deve-se dizer, essa esperança era quase sempre atendida.
Depois de seguir esse script para lançar com sucesso estrondoso Sigh no More (2009) e Babel (2012), seria muito fácil e conveniente para os caras simplesmente fazer mais do mesmo e lançar um terceiro disco de folk rock guiado pelo banjo, violino, sanfona... Levando em conta o talento para a composição que fica claro nos primeiros álbuns, pode-se dizer que o disco seria um sucesso.
Mas, para a alegria da nação (e, principalmente, deste rapaz que vos fala), "Believe", primeira faixa do novo disco, Wilder Mind (WM), a ser divulgada, anunciou que não seria bem assim. Os instrumentos foram trocados: banjo, violino e sanfona deram lugar às guitarras e sintetizadores.
Por que a alegria? Porque, ao arriscar e reconhecer que era hora de mudar de fase, o Mumford and Sons provou - pelo menos por enquanto - que não será uma maravilha efêmera.
Se fizesse mais do mesmo no novo álbum, faria sucesso por mais algum tempo, mas logo cairia no esquecimento. E isso, dado, por exemplo, a capacidade que o grupo tem de escrever músicas com um clímax longo e que emocionam, seria uma pena.
Felizmente, Marcus Mumford (vocalista) e seus amigos nos deram, ainda antes do lançamento do álbum, mais um motivo para aumentar o otimismo e alimentar as expectativas em relação a WM. O segundo single “The Wolf” veio para cumprir muito bem a tarefa de consolidar nas mentes dos fãs que a mudança de sonoridade não foi feita de qualquer jeito e não estava presente só em uma faixa. De forma curiosa, “The Wolf”, apesar de ter em segundos a mesma duração de “Believe”, parece ser mais conciso, se arrastar menos e, até por isso, acaba sendo mais eficiente na missão de apresentar as novas nuances da banda.
Ambas as faixas vieram para serem os carros chefe de WM, e não pense aqui, caro leitor, que estou subjugando uma à outra. As duas seguem uma mesma receita, porém de formas diferentes. A “fórmula” consiste em momentos de serenidade seguidos de um estouro para surpreender o ouvinte. O toque final da “fórmula” é o toque especial do chef: a capacidade que a Mumford & Sons sempre mostrou de fazer com que aquele arregalar de olhos vindo da surpresa se mantenha por muito tempo dentro da música (suspiros – másculos – de admiração). Jon Nolan, da Rolling Stone, definiu bem: "Mesmo em meio a toda essa nova sonoridade em Wilder Mind, o fervor apaixonado que fez Mumford & Sons brilhar ainda é a sua força motora".
Mas, enfim... onde estávamos mesmo? Ah, sim! Comparando “Believe” e “The Wolf”.
A receita, como dito antes, é a mesma para as duas. No entanto, elas diferem no tempo que o “estouro” leva para aparecer e também na intensidade dos momentos mais serenos. “Believe” é levada desde o começo apenas pelo vocal de Marcus enquadrado ao fundo pelo som de sintetizadores e guarda seu ponto alto para o final; enquanto que “The Wolf” já começa com um curto período de “barulheira”, seguido pela parte mais serena. Nesta segunda faixa, porém, mesmo as partes mais serenas têm ao seu fundo uma marcação leve da bateria e – talvez esse seja o fator mais determinante no diferencial das duas – há mais de um estouro na música.
O leitor mais crítico (pra não dizer chato) deve estar nesse momento dizendo: “P#$@, Guilherme! Achei que você fosse falar do álbum todo! Já li um monte e até agora só li sobre duas músicas! Seu lixo!”. Meu querido amigo, tente se acalmar. Concordo que, quiçá, as palavras que dediquei até agora a “Believe” e “The Wolf” tenham sido demasiadas, porém, de forma alguma foram levianas. Estas duas foram tão dissecadas justamente por serem as duas faixas de mais peso no álbum, acompanhadas de talvez mais duas outras canções (sobre as quais falarei a seguir).
Respire fundo, meu caro. Chegou a hora. Vamos ao álbum todo.
A escolha de “Tompkins Square Park” para primeira faixa foi, em parte inteligente, em parte nem tanto. O começo da música é cativante, com ecos de guitarra que, tranquilamente, se encaixariam em qualquer música de El Pintor (2014), brilhante álbum do Interpol. Essa empolgação se mantem, mais ou menos, até os 3:20 min. A partir daí, até o final dos 5:11 min (é a faixa mais longa do álbum), a música não vai a lugar algum. Talvez o erro tenha sido justamente alongar tanto. Se acabasse nos 3:20, essa desorientação poderia não acontecer. “Tompkins” cozinha e cozinha o galo, mas não come.
Sobre as segunda e terceira faixas (“Believe” e “The Wolf”) eu não falarei mais, pois temo pela minha vida. Sigamos em frente.
Vem então a faixa que dá nome ao disco. “Wilder Mind” é uma das boas músicas do álbum, porém, não é nada demais. De forma alguma é ruim, mas nem de longe é tão marcante quanto o quarteto de ferro do álbum – ao qual chegaremos em breve. O início de “Wilder” soa até um pouco estranho para o perfil da banda (uma batidinha talvez um pouco animada demais), mas logo o dedilhar da guitarra e o baixo vêm para conferir mais sobriedade ao som. O melhor momento nesta talvez seja o solo de guitarra no meio: curto, porém interessante.
Senhoras e senhores, eu lhes apresento a terceira integrante do quarteto de ferro de WM: “Just Smoke”. Quinta faixa do álbum, talvez seja o momento em que as sonoridades antiga e nova da banda melhor se fundem. O verso é quase que falado por Marcus, relembrando os melhores momentos de Babel, e seguido por um pré-refrão e refrão ambos marcados pela harmonia de vozes em alto registro (também marca dos primeiros álbuns). Porém, isso tudo enquadrado por uma batida, que apesar de comedida é marcante, e por um dedilhar de guitarra tão marcante quanto. É como se tivessem feito uma versão “plugged” de uma das faixas dos primeiros álbuns.
Neste momento de benevolência, caro leitor, vou quebrar a linearidade da sequencia das faixas e ir a o que interessa: o quarto e último membro do quarteto.
Décima faixa do álbum, “Ditmas” é algo diferente. A letra vai agradar aos que curtem uma “broken hearted song”, não só pela temática, mas também pela forma como é contada. O simples fato de, nos momentos mais calmos e quase falados da música, Marcus incluir um “oh, love” entre os versos, dá um tom de pessoalidade tão grande. É o tipo de música com a qual quase todos que já sofreram por amor se identificam de alguma forma.
Mas não é só isso que há em “Ditmas”. A sonoridade é algo de sensacional, de certa forma hipnotizante e com um final surpreendente. Ficar descrevendo esse aspecto da faixa seria uma crueldade com você, caro leitor. Não quero estragar nenhuma surpresa. Apenas ouça e tire suas conclusões. Porém, algo merece ser dito: “Ditmas” tem tudo para ser o hit com maior longevidade de WM.
Conforme nos encaminhamos para o final do texto, um último destaque merece ser feito. A seção “nostalgia” de WM.
Ainda que a mudança de sonoridade tenha feito muito bem à banda e seja um aspecto fundamental para manter o Mumford & Sons relevante, há fãs e críticos que não tenham gostado dessa metamorfose. Sendo assim, Marcus Mumford e seus amigos, muito inteligentes que são, incluíram em WM duas faixas que tem o estilo “old Mumford”. “Broad-Shouldered Beasts” e “Only Love” (a primeira mais do que a segunda) vão agradar mesmo às viúvas dos banjos que marcaram a fase inicial da banda. Espertos esses meninos...

Wilder Mind, de forma alguma, vem com uma mentalidade como a que dominou a primeira fase do modernismo no Brasil (destruir o velho, dizer que este não presta). Pelo contrário: o álbum mantem vivos os melhores traços da primeira fase da banda e dá ao som uma roupagem nova. Tem falhas (não muitas), mas tem mais acertos do que erros.

Nota: 8/10

domingo, 10 de maio de 2015

Crítica: A Estrada 47

Filme de guerra brasileiro busca debater papel do país na Segunda Guerra.

Por Pedro Strazza.

Não é mistério para ninguém que o Brasil foi um coadjuvante bastante discreto na Segunda Guerra Mundial. Foi um conflito que pouco envolveu a América do Sul e Central, mas a batalha dos Aliados contra o Eixo contou com uma leve participação brasileira na Itália, onde o pequeno contingente de voluntários reunidos pela Força Expedicionária Brasileira (cerca de 25.000 soldados) auxiliou os estadunidenses no avanço pelo Sul em direção à Alemanha nazista.
Tão poucos em um confronto tão grande e que pouco lhes cabia responsabilidade, é fácil imaginar os pracinhas muitas vezes se sentindo deslocados nos fronts de batalha estrangeiros ao qual eram mandados para combater o inimigo, uma sensação que o diretor Vicente Ferraz busca reproduzir com fidelidade em A Estrada 47. O Brasil não deveria estar na guerra, como bem diz um coronel alemão a certa altura do filme, e sua presença no inverno italiano é quase desnecessária.
Como contar uma história de Segunda Guerra com brasileiros como protagonistas é então o grande desafio de Ferraz, e sua solução no roteiro para o problema em mãos tanto funciona quanto prejudica. Ao invés de tentar encaixar as tropas tupiniquins no contexto geral, o diretor e roteirista do longa foca suas atenções em uma missão pequena e pouco importante para o conflito, mas fundamental para as pessoas localizadas na região: liberar a estrada 47, única conexão para uma cidade chave no comando de uma área e que se encontra minada por bombas antitanque nazistas. Com o clima rigoroso e o recuo das tropas estadunidenses, resta a um grupo de quatro soldados e um jornalista brasileiros abrir caminho, mesmo que isso signifique a entrega de suas vidas.
A premissa é ideal para tornar os coadjuvantes em protagonistas na narrativa elaborada, mas encontra dificuldades em conciliar isso com a crítica à guerra típica do gênero. Isso porque Ferraz, como bem esclarece na fala dita pelo alemão interpretado por Richard Sammel, busca muitas vezes expor a sensação de deslocamento vivido pelos protagonistas, mas ao mesmo tempo quer tornar os mesmos em heróis. E mesmo esse heroísmo sendo não proposital, os soldados vividos por Daniel de Oliveira, Thogun Teixeira, Francisco Gaspar e Júlio Andrade não conseguem absorver duas figuras tão opostas.
A culpa de tal problemática, porém, não recai nos ombros do elenco, que entrega aqui atuações convincentes e bem preparadas, mas sim da própria configuração de seus personagens, resumidos a tipos conhecidos dos filmes de guerra - o indivíduo enlouquecido pelo combate (Gaspar), o amargurado pelos erros do passado (Oliveira), o líder despreparado (Andrade), o explosivo (Teixeira) - que por natureza não conseguem elaborar a profundidade necessária para tal conflito. Até mesmo o jornalista de Ivo Canelas, cuja participação se resume à de testemunha dos esforços da tropa, é obrigado a passar por tal crivo unidimensional.
Ainda eficaz em sua recriação histórica e equivocado na narração em off (a exposição dos conflitos emocionais dos pracinhas é desnecessária quando a estamos testemunhando), A Estrada 47 surge como um filme de gênero peculiar na produção nacional, graças à própria raridade do tema em terras brasileiras. Sua execução, entretanto, carece de sutileza maior em definir exatamente qual o papel de seus protagonistas na situação única ao qual se situam, e a restrição imposta por seu realizador acaba por dar cabo de uma profundidade quase necessária à produção.

Nota: 7/10

terça-feira, 5 de maio de 2015

Não Perda!: Abril/2015

Filmes de máfia, de superação e de loucura se destacam no mês que prenuncia a temporada de blockbusters.

Por Pedro Strazza.

O mês acabou, e está na hora de ver aqueles lançamentos legais que ninguém viu (mas deveria ver) porque "Não deu tempo..." ou "Não quis arriscar minha grana suada com isso!". No Não Perda! de abril de 2015 - ou "O mês que teve Vingadores - A Era de Ultron e Velozes e Furiosos 7" - temos:

O que acontece quando um indivíduo tem que lidar sozinho com todo um sistema em decadência para deixar viva sua família e sua empresa? Terceiro longa-metragem dirigido por J.C. Chandor, O Ano Mais Violento é um filme de máfia que não se comporta como tal, empregando um olhar diferente sobre o subgênero e o crime dos dias de hoje. Sua ausência no Oscar 2015 foi sentida.

  • Cake - Uma Razão Para Viver

Outro que não deu as caras na cerimônia de premiação dos Academy Awards foi Jennifer Aniston, que entregou com Cake uma atuação diferente das de seus trabalhos habituais. Ainda que exiba nos fundos os mesmos trejeitos de patricinha mimada, a atriz deu um passo importante na tentativa de se distanciar da Rachel de Friends neste filme que se faz interessante pela sua abordagem na depressão. E mesmo que em alguns momentos caia nos trilhos da auto-ajuda superficial, Cake - Uma Razão Para Viver já se faz notado por encarar de frente um distúrbio tão pesado.

Enquanto Cake conversa sobre depressão, Entre Abelhas fala sobre solidão. A doença vivida pelo protagonista do filme dirigido por Ian Sbf, que consiste basicamente nele não conseguir mais enxergar as pessoas, funciona bem como retrato da individualização crescente da sociedade, cada vez mais uma multidão solitária. Sua maior força, porém, reside no humor, graças à influência do Porta dos Fundos que o diretor e seu elenco carrega para a produção.

Das situações inusitadas que estrearam nesse mês, entretanto, a mais esquisita com certeza é a do filme que coloca Michael Fassbender numa cabeça gigante de papelão. Encantador com uma trama simples, Frank faz o típico caminho trilhado por bandas na época contemporânea, onde os artistas se veem em conflito constante entre a fama comercial e o sucesso profissional. Poucas ousadias, mas bastante efetivo.

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domingo, 3 de maio de 2015

Crítica: Noite Sem Fim

Patriarcas em conflito com a realidade.

Por Pedro Strazza.

Nos filmes de máfia, é comum assumir logo de início que na família quem comanda é o pai. Quase uma característica básica do gênero, essa identificação patriarcal dos negócios tem origem no desenvolvimento histórico da sociedade, e presume o homem como mais capacitado que sua mulher e seus filhos para proteger esses e outros parentes próximos dos "perigos de fora". É um viés machista e ultrapassado, que vem sendo combatido já há décadas com a revolução das relações familiares e sua consequente desconstrução em novas maneiras de liderança e organização.

O crime, porém, parece sempre estar atrasado em relação ao mundo, e pelo menos no cinema sua formatação ainda mantém como máxima a afirmação do pai de família, mesmo esta chocando-se com a realidade de tempos em tempos. Saber como esse choque ocorre e se a crise de relações de fato acontece aparecem então como temas interessantes a serem analisados, e Noite Sem Fim os usa em sua trama pronto para tentar entendê-los a fundo.

É de confrontos, afinal, que o longa dirigido por Jaume Collet-Serra constrói sua história, e os três guerreiros que a protagonizam são justamente chefes de família. De um lado temos ambientado em uma premissa de último serviço o típico conflito de Davi e Golias, representados nas respectivas figuras do mercenário Jimmy Conlon (Liam Neeson) e do líder do crime organizado Shawn Maguire (Ed Harris); do outro, o drama geracional e de legado vivido por Conlon com o filho Mike (Joel Kinnaman). E ambos são acionados pelo ato mais indesculpável em questão de genealogia: o assassinato de um filho, o fim prematuro de uma linhagem inteira.

Estabelece-se assim entre os envolvidos um impasse sem maiores saídas senão à da morte, cuja obsolescência é óbvia no panorama contemporâneo desde o primeiro instante de existência. Enquanto Maguire se vê obrigado a autodestruir o resto de seu mundo por ter sua herança destruída em definitivo - mesmo ele sabendo que tal futuro já estava comprometido pelos mesmos erros que havia presenciado nos colegas mortos na juventude -, Mike se vê na ingrata posição de ter de apostar a sobrevivência de sua pessoa e família ao passado renegado, a figura paterna corroída pelo mal ao qual se quer ver tão distante.

O vilão em ambos os casos, claro, é o homem isolado, o mercenário que na busca por algo a mais acabou sem ninguém e vive em desgosto profundo. Dito isso, é curioso perceber como o roteiro de Brad Ingelsby use do antagonista principal como justiceiro, e faz de Jimmy um herói em combate com o próprio passado. Um clichê bem empregado (o detetive interpretado por Vincent D'Onofrio está posicionado sem maior elaboração para apenas lembrar do peso carregado pelo protagonista, por exemplo) e feito para fazer fluir a narrativa, mas que encontra seus momentos - e é perfeito para Neeson reproduzir seu arquétipo recente de figura de lei em busca da redenção.

Embora tenha seus problemas na hora de contar sua história - a fotografia de Martin Ruhe parece não entender como lidar com espaços para a ação, a exemplo das cenas envolvendo banheiros -, Noite Sem Fim desempenha bem seu papel de bater de frente o tradicional com os novos tempos. Não à toa, o super mercenário feito por Common contratado para matar pai e filho surge robótico e com os aparatos mais modernos, pronto para dar cabo do passado e abrir espaço para o futuro, seja esse qual for.

Nota: 7/10

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sábado, 2 de maio de 2015

Crítica: Entre Abelhas

Comédia dramática problematiza menos e brinca mais com alienação progressiva da sociedade atual.

Por Pedro Strazza.

Bruno (Fábio Porchat) não está no melhor momento de sua vida. Seu casamento com Regina (Giovanna Lancellotti) foi por água abaixo sem motivo aparente, obrigando-o a voltar a viver na casa da mãe (Irene Ravache); o amigo Davi (Marcos Veras), apesar de preocupado com ele, tem problemas maiores para lidar que a "libertação" do camarada; e pra piorar tudo, Fabio inexplicavelmente começou a deixar de ver as pessoas.
Esse evento sobrenatural, típico de obras como a do falecido José Saramago, é o pontapé inicial de Entre Abelhas, e sua falta de sentido é o que conduz a narrativa desenvolvida pelo diretor Ian Sbf, que assina ao lado de Porchat o roteiro do filme. É uma doença, uma consequência do stress, um defeito do cérebro? Nenhuma interpretação racional dos fatos consegue trazer para a realidade a condição de Fabio, que dia após dia vê menos a sociedade a seu redor e começa até a não enxergar mais amigos, parentes e pessoas próximas.
Usada sem maiores elaborações como crítica ao alienamento do ser humano nos tempos atuais, o mistério da "cegueira humana" é desenvolvida aos trancos na comédia dramática, sendo muito mais utilizada para fins cômicos que qualquer outra coisa. Explica-se assim a estrutura esquemática da produção, feita para facilitar a construção das cenas humorísticas encadeadas uma atrás da outra, e a sensação de incompletude criada no desfecho da história. Falta ao longa uma maior ambição, que não subestime o potencial de sua curiosa premissa e capaz de levá-la para caminhos inusitados ao espectador.
A sorte de Entre Abelhas é que quem o conduz seu humor, tanto pelo lado técnico quanto de atuação, tem experiência no assunto. Assim como em seus trabalhos no Porta dos Fundos, Ian e Porchat sabem bem como evitar o uso simples do exagero e do estereótipo típicos da comédia nacional, e emprega-os de maneira inteligente nas situações concebidas no filme. Exemplos claros disso são os personagens de Davi e Nildo (Luis Lobianco): Enquanto o primeiro diverte pela caricatural postura preconceituosa e não pelos impropérios que dispara, o atendente de pizza não é motivo de risos pela aparência ou a condição social (algo que com certeza seria usado em mãos menos cientes), mas pelas loucuras ao qual é obrigado a passar para ajudar a curar o protagonista.
Enquanto isso, Porchat encanta pela maneira sóbria com a qual interpreta Bruno. Muitas vezes exagerado nas comédias que participa, aqui o humorista faz um personagem de poucos sorrisos, sem esperanças nas mudanças abruptas ocorridas em pouco tempo e incapaz de perceber a existência do próximo, fisicamente ou emocionalmente. Sua participação cômica nunca é estourada, e depende quase sempre dos diálogos protagonizados.
No fim, não chega a ser surpresa que Entre Abelhas se revele uma simples história de amor. Com poucas pretensões no tema que problematiza e muito mais interessado em questões de gênero cinematográfico, o filme frustra aqueles atrás de uma reflexão maior na trama contada por sua simplicidade, mas entretém o suficiente para que essa decepção passe tão desapercebida quanto a sociedade para o protagonista.

Nota: 6/10

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  • Ela: A mesma temática, só que com uma problematização maior e mais eficiente.
  • Ensaio Sobre a Cegueira: A representação cinematográfica mais eficiente da obra de Saramago.