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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Melhores do Ano 2018

O melhor, o pior, o fantástico e o impensável de um ano que nos derrubou de assalto.

Por Pedro Strazza.

2018 é sem dúvida um ano que muitos gostariam de esquecer. Em meio ao caos de escândalos, tragédias, crimes horrendos e todo tipo de trauma avassalador, não foram poucos os que sentiram que os últimos 365 dias passaram como a sensação de 1095, tamanha a sensação de arrasto e peso que tendeu a afundar todos em direção aos níveis mais baixos - em todos os sentidos possíveis.

Como toda e qualquer arte, o cinema não deixou de refletir isso, seja no noticiário ou na leva de produções deste e do ano passado que atingiram as telonas do circuito e as telinhas do streaming - que mais que nunca parecem em pé de guerra uma com a outra mesmo não precisando. Além da sensação de temporada de vacas magras (uma que deve ser mais sentida no próximo Oscar, o tal do "pináculo" da indústria hollywoodiana), os filmes mais celebrados no meio este ano abarcaram temas mais difíceis quando não densos (para não dizer pesados), desde conflitos claros com visões de mundo padronizadas e ultrapassadas à depressão que foi repetida como tema de debate até se exaurir no humor das redes sociais. 2018 foi acima de tudo um ano para se lidar com traumas pelas vias mais excruciantes ou de resolução agridoce, sendo que esta última infelizmente pouco teve espaço no clima de confrontação.

Esta tendência a abordar o trauma é algo que querendo ou não grande parte das listas de melhores produções do ano segue de forma silenciosa, incluindo esta que você, caro leitor, está lendo neste exato momento.

Em 2018, o Melhores do Ano passou por algumas remodelações estruturais que provavelmente já tenham sido notadas. Vamos a elas:

1) Ao invés de três publicações dedicadas a cada um dos setores originais (Destaques, Piores e Melhores), todas as listas esta edição estão compiladas em uma mesma publicação - no caso, esta que você acessa neste momento;
2) O nome também passou por uma leve mudança: sai o pretensioso (para não dizer babaca) "O Cinema em 2018" e entra o "Melhores do Ano";
3) Junto das três listas originais e o ranking completo, também adicionei uma lista com produções do ano que assisti e ainda são inéditas ao nosso circuito ou acesso, ranqueados em um agrupamento de 20 títulos.

As regras também mudaram um pouco. Além de filmes lançados no circuito comercial de cinema e na Netflix, as listas contam com títulos de 2017 e 2018 lançados no restante do grande ecossistema de streamings que atualmente existe em nosso cenário; é uma forma sincera de tentar abarcar todo o volume de trabalhos que desembarcam em nossas praias digitais e físicas ao longo dos últimos doze meses.

O resto, porém, se mantém inalterado. São 25 filmes destacados no Melhores, 15 no Destaques e 10 no Piores, além do ranking completo e um prêmio hors-concours quando vejo necessidade (o que felizmente aconteceu de novo este ano).

Sobre a lista principal, alguns pontos:

- Foi sem dúvida o ano dos duos de diretores: dos 25 títulos elencados, nada menos que cinco foram comandados por duas pessoas;
- Também foi um ano em que mais filmes de diretoras aparecem na lista, pulando dos três nomes do ano passado para as 6 deste ano;
- Há alguns vários nomes que aparecem pela primeira vez no Melhores (incluindo vários que foram marcados no Destaques de anos anteriores, o que pessoalmente acho fantástico), incluindo um bom número de debutes: são seis projetos comandados por pessoas que estrearam na função de diretor.

Posto tudo isso, vamos às listas. Para começar:

Hors-Concours: La Flor, de Mariano Llinás

La Flor é um filme, vamos colocar assim, atípico. Com inacreditáveis 14 horas de duração e seis longas histórias para se contar à partir da presença de quatro atrizes (Elisa Carricajo, Valeria Correa, Pilar Gamboa e Laura Paredes), o projeto do argentino Mariano Llinás não exatamente se enquadra nos moldes ditos tradicionais de exibição, se adequando a um formato que não só exige que a produção seja dividida em dias mas que também pede que o espectador se submita a uma total imersão para compreender sua extensa narrativa - uma medida que talvez explique o porquê do diretor não querer que o longa seja lançado em versões físicas ou no streaming (onde talvez ganharia ares de minissérie capitular).

O que Llinás propõe dentro deste verdadeiro épico cinematográfico, porém, é algo que atende e supera todas as demandas esperadas por qualquer um que decida parar a vida para assistir o filme. Com tramas que vão do terror B à grande saga de espionagem, passando por histórias metalinguísticas e uma pequena homenagem ao Um Dia no Campo de Jean Renoir, La Flor é um gigantesco e fascinante estudo sobre a figura da mulher dentro do cinema que parece ir além da mera atestação dos jogos de poder intrínsecos na imagem, disposto a consertar e remendar relações para reconfigurar os signos que o público normalmente associa ao feminino dentro do audiovisual. Tudo isso dentro de uma estrutura que por incrível que pareça não exaure: a narrativa de Llinás realmente mostra precisar de cada um dos minutos usados para fazer valer os esforços de sua ambiciosa análise.

E é exatamente por esta complexidade temática e estrutural - além, óbvio, do fato da escala impedir qualquer possibilidade de lançamento nos cinemas fora dos festivais - que La Flor merece tamanha honraria do hors concours.

Sem mais delongas, vamos aos Melhores do Ano:

25) A Noite do Jogo, de John Francis Daley e Jonathan Goldstein

Francis Daley e Goldstein vem fazendo um caminho muito bonito dentro do circuito de produções  menores de estúdio. Depois de comandarem um ótimo (mas tristemente ignorado) semi-reboot de Férias Frustradas e servirem de coautores no debute da versão Marvel Studios do Homem-Aranha, a dupla de roteirista e diretores ganharam em 2018 uma oportunidade fora do mercado de marcas cinematográficas com A Noite do Jogo, uma comédia que parte como espécie de paródia do Vidas em Jogo de David Fincher para se tornar mais um olhar apurado (e bastante engraçado) sobre as novas dinâmicas de relacionamento do século XXI. É um jogo de piadas e esquetes de comédia que prefere ganhar distância do improviso para trabalhar a temática dos adultos com síndrome de Peter Pan dentro de uma narrativa muito controlada e que aproveita o melhor da proposta lúdica e de cada um de seus atores no processo - em especial Rachel McAdams, que entrega aqui uma das grandes cenas do ano ao cantar Third Eye Blind em uma arma carregada. Com os dois diretores contratados pela Warner para comandar o filme solo do Flash, fica apenas o desejo de que ambos voltem a dirigir mais projetos do gênero no futuro.

24) Ponto Cego, de Carlos López Estrada

Um dos filmes mais interessantes da seleção do Festival de Sundance deste ano, Ponto Cego joga com provocações mordazes mesmo quando elas são expostas sob um prisma mais didático em alguns vários momentos. Dentro de uma dinâmica narrativa que soa como o encontro bizarro dos cinemas de Spike Lee e Kevin Smith, o longa de Carlos López Estrada trafega entre os temas da gentrificação e do racismo na cidade de Oakland pela compreensão da existência dos dois temas como problemas independentes e ao mesmo tempo profundamente conectados, algo que é muito bem transposto no trabalho dos protagonistas Daveed Riggs e Rafael Casal e no uso do roteiro escrito pelos dois para traçar um caminho ilustrativo dentro dos conflitos sociais que habitam (e dominam) a cidade. Ainda que o filme pareça muitas vezes estar mais interessado em um impacto imediato que num prolongamento do debate sobre suas questões, a urgência com o qual se desenvolve seus conflitos gera no mínimo um exercício narrativo muito forte.

23) Buscando..., de Aneesh Chaganty

2018 foi o ano em que o terror ambientado no meio digital ganhou força e até nome (o tal do "desktop horror"), mas é curioso que tenha sido justo um suspense extremamente bem comportado quem tenha promovido um olhar diferente dentro do gênero. Ainda que procedural em todos os seus movimentos e distante de quaisquer movimentos ousados que já não tenham sido testados antes na forma (o que inclui o Amizade Desfeita que é ainda o grande exemplar desta leva), o Buscando... de Aneesh Chaganty encanta por se aproveitar de uma estrutura contemporânea para trabalhar temas igualmente modernos, usando da procura desesperada de um pai pela filha desaparecida como base para a discussão dos novos gaps geracionais que se multiplicam no século XXI. Ajuda muito no processo que o filme conte com uma performance sólida de John Cho, que dá vazão a estas aflições do contraste entre as gerações X e Z na mesma intensidade em que segura a narrativa quando ela mais periga diluir-se.

22) Jogador N° 1, de Steven Spielberg

Alicerce fundamental da atual Hollywood e quase uma figura messiânica para a atual geração de cineastas que trabalham no circuito de estúdios, Steven Spielberg este ano teve a oportunidade de confrontar o próprio legado com Jogador N° 1. Antecipada por alguns como o novo "Santo Graal" da cultura pop, a adaptação do livro de Ernest Cline acabou pegando de surpresa (e portanto dividindo) a maioria ao mostrar que seu diretor estava menos interessado em celebrar a atual pluralidade de franquias e marcas do imaginário hollywoodiano que no exercício de enquadrar-se na imagem do misterioso bilionário falecido que é o centro de toda a narrativa da aventura passada no mundo fantástico de realidade virtual. Mas por ser uma produção de Spielberg estas duas partes não deixam de coexistir dentro da narrativa, que acalenta quem espera o máximo de cultura nostálgica com uma gigantesca montanha-russa de ação em CGI sem perder de vista este olhar semi-revisionista do cineasta, um que pelo menos ajuda o próprio em sua busca pela ressignificação de certos elementos da verdadeira indústria que fundou.

21) Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava, de Fernanda Pessoa

São poucos os filmes que sabem lidar tão bem com uma posição de importância histórica auto-instituída quanto este documentário em forma de colagem sobre as pornochanchadas dos anos 70. O recorte e o olhar de Fernanda Pessoa sobre uma produção considerada por muitos como irrelevante no processo histórico brasileiro serve à diretora como ponto de partida para evidenciar uma visão de Brasil despida de pudor, que dá conta de mostrar todo o mar de contradições que impera no país dentro de um jogo de humor baixo que queria acima de tudo agradar com a exibição do sexo feminino. E dado o atual estado de abandono da História do cinema nacional, esta é uma investigação que só ganha no resgate do passado. 

20) Verão, de Kirill Serebrennikov

"Isto nunca aconteceu" é uma fala que se repete constantemente no musical russo de Kirill Serebrennikov sobre o cenário musical russo dos anos 80, quase como um mantra a definir o sentimento de revolução suprimida daqueles anos em que a censura instituída pela União Soviética impedia qualquer avanço de revolta da parte dos artistas. Dentro disto, o longa é sagaz ao conceber uma narrativa relativamente leve e que passeie entre arroubos de criatividade visual e um drama romântico mais tradicional, uma mistura que confere à história o tom de lamento necessário sem mantê-lo refém de um peso histórico que de tempos em tempos insiste em se manter preso ao cinema russo como um todo. Se Verão ora ou outra sofre com uma ou outra gordura, seu olhar sob o clima de frustração de uma geração musical inteira de uma nação nunca deixa de soar fora do lugar ou descabido à realidade vivida por aquelas pessoas na época, cuja busca eterna por brechas num sistema autoritário fomentava este tom de atração e repulsa por tudo e todos.

19) Um Pequeno Favor, de Paul Feig

Já há algum tempo numa sequência de comédias que contemplam o universo feminino enquanto tiram sarro do mundo masculino que oprime este último (o que inclui, claro, o fantástico e polêmico remake de Caça-Fantasmas), Paul Feig este ano voltou a trabalhar estes temas à partir de um gênero diferente - o suspense - sem esquecer deste tom paródico. O resultado é este Um Pequeno Favor, espécie de leve homenagem aos suspenses franceses do passado que aposta numa atualização irônica destas histórias e que volta a apostar no trabalho do elenco - em especial Anna Kendrick e Blake Lively - para funcionar. Se o longa em muitos momentos beira ao descartável, suas fundações resistem e fascinam porque a narrativa de seu diretor brinca exatamente com estas noções de seu espectador sobre um gênero menor, não esquecendo no processo de desenvolver uma narrativa maior que abarque as dores disfarçadas de ser mulher em um cotidiano machista.

18) Vingança, de Coralie Fargeat


Falando em revisionismo de gêneros mal falados, Vingança é um que faz deste exercício um mote de existência quase visceral. O terror da francesa Coralie Fargeat retoma as estruturas dos antigos filmes B e C de vingança para reinterpretar (e canibalizar) os signos misóginos deixados por grande parte desta produção, devolvendo na mesma moeda aos abusadores a violência que conferem às vítimas nestas obras. O lado altamente emocional que é imbuído ao projeto, porém, nunca chega a ser um obstáculo para a direção de Fargeat, que é esperta em reutilizar estruturas e se aproveitar de um tom quase lisérgico para pintar este retrato às avessas sem contradições ou deixar que seu discurso impere de forma exaustiva.

17) Roma, de Alfonso Cuarón

Alfonso Cuarón é um diretor que há anos mantém certa distância de sua terra natal, preferindo encontrar conforto em produções de narrativas cada vez mais mirabolantes, dominadas pela técnica e que pregam mensagens "universais" que para alguns podem se passar por auto-ajuda vazias. Com o tão celebrado Roma, porém, o cineasta mexicano enfim se obriga a conflitar a imensa maioria dos pontos característicos de seu cinema, uma medida que explica não só o "calor" das discussões feitas em cima do filme como também a força de seus momentos de maior catarse emocional. Distante ou próximo, vazio ou cheio, o longa sem dúvida carrega grande impacto em seu grande álbum de memórias familiar.

16) Visages, Villages, de Agnès Varda e JR

Muito provavelmente um dos filmes mais puros dos últimos anos, o projeto colaborativo entre a cineasta Agnès Varda e o artista plástico JR serve como um lembrete do quão transformador a arte pode ser ao indivíduo. Cada peça e imagem criadas pela dupla em sua viagem pelo interior da França reiteram esta potência de forma singela, num esforço que serve para valorizar as camadas "menos importantes" da sociedade francesa que no fundo constituem a parte mais fundamental da permanência da identidade nacional. Em tempos sombrios, este registro sem dúvida é um alívio muito bem vindo.

15) Homem-Formiga e a Vespa, de Peyton Reed

Em um ano em que o Marvel Studios arrecadou bilhões de bilheteria com o gigantismo de épicos como Pantera Negra e Vingadores - Guerra Infinita e que o gênero de super-heróis se arrisca mais em mais em produções de escala ambiciosa, o filme de Peyton Reed talvez tenha sido o projeto mais fundamental para a produção do tipo por lembrar do que faz estas obras tão tocantes ao público. Mas não foi só isso que tornou Homem-Formiga e a Vespa um projeto tão acertado: alinhado a uma história de proporções menores e focada em relações familiares, a comédia de tons hawksiano do diretor encontra aqui um ritmo rápido que sabe como organizar o humor de forma a alcançar os momentos mais emocionais com maior potência. É um essencialismo de atos que hoje soa até raro em sua centralidade, muito porque ele reitera a conciliação e o reencontro como forças fundamentais. Mais do que nunca, talvez esteja na hora de se reconsiderar Reed como diretor. 

14) Lady Bird - É Hora de Voar, de Greta Gerwig

Dentre os registros particulares da safra 2017/2018, o Lady Bird de Greta Gerwig é daqueles que se destacou muito por conta do ineditismo do debute de sua diretora, mas ao mesmo tempo as fundações do filme estrelado por Saoirse Ronan e Laurie Metcalf são sólidos o suficiente para mantê-lo vivo na memória. Além de contrapor o cotidiano adocicado de sua protagonista com a crueza do cenário de Sacramento, o longa também dá conta de materializar na tela toda a miríade de sentimentos contraditórios que moram no ato do jovem de sair do ninho para desbravar o mundo, uma proposta que as duas atrizes só aumentam na dinâmica tempestuosa de mãe e filha.

13) A Câmera de Claire, de Hong Sang-soo

Depois de ter abordado as consequências do alarde de seu namoro com a atriz Kim Min-hee na imprensa sul-coreana com imensa acidez e arrependimento em Na Praia à Noite Sozinha e O Dia Depois, o sempre produtivo Hong Sang-soo retornou uma última vez ao tema em A Câmera de Claire para se reconciliar consigo mesmo de vez. Um tanto mais leve que seus "irmãos", o filme que por enquanto encerra esta "trilogia midiática" promove um sentimento de descarrego notável mesmo quando no jogo de comédia típico de Hong, que usa mais uma vez de sua narrativa de planos extensos e regidos por zooms que tiram o melhor de situações de desconforto e acerto de contas emocional.

12) As Boas Maneiras, de Marco Dutra e Juliana Rojas

Depois de se aventurarem em projetos solo nos últimos dois anos, Dutra e Rojas enfim retomaram sua parceria para este As Boas Maneiras, projeto que promove mais um destes intertextos de gêneros que marcam cada vez mais a dupla. Esta característica, afinal, domina as atenções na história de lobisomem que mistura o conto de fadas com o horror dentro da selva urbana de São Paulo, alimentando um olhar apurado sobre a distância e as diferenças das classes sociais brasileiras. Isabel Zuaá e Marjorie Estiano compõem uma das dinâmicas de atuação mais sensíveis deste ano, alimentando um amor que ressalta estas divisões sem maior alarde.

11) Projeto Flórida, de Sean Baker

Depois de surpreender muitos há três anos com Tangerine, Sean Baker ganhou ainda mais admiradores na última temporada do Oscar com este Projeto Flórida que carrega mais uma vez sua habilidade para tratar de populações marginalizadas. A história sobre as comunidades pobres que vivem próximos aos parques de diversão de Orlando encontra leveza em um mundo fadado à tragédia, tomando o ponto de vista de crianças para mostrar como elas sobrevivem neste cenário buscando o mesmo ar adocicado das atrações turísticas em tudo que tocam e passeiam.  

10) A Balada de Buster Scruggs, de Ethan e Joel Coen

Depois de terem feito da Hollywood da era de ouro um palco para novas investigações sobre a fé, os irmãos Coen resolveram retornar ao Velho Oeste uma vez mais para encontrar e redefinir os signos do faroeste no momento anterior ao seu fim. Produzido como série de antologia e lançado como filme, A Balada de Buster Scruggs mostra a dupla de cineastas num momento mais reflexivo mesmo que eles não tenham perdido o faro para o humor, sendo um projeto onde eles confrontam a morte enquanto símbolo dentro das relações de um gênero que já há tempos viu seu auge passar. Com seis capítulos que revisitam arquétipos e tramas tradicionais da produção, o longa reforça a potência do faroeste pelo soerguimento de sua elegia, uma canção de despedida lamuriosa que não deixa de abarcar a falsidade do ato - seja pela fotografia digital ou mesmo as notas cômicas imbuídas em cada uma das histórias. E se todos os contos mantém entre si uma coesão distinta e seguram a barra cada um a seu jeito, o quinto episódio é o que mais marca por escancarar este raciocínio da mitologia que nunca morre mesmo quando abandonada.

9) A Melhor Escolha, de Richard Linklater

Depois de erguer arquétipos à uma merecida posição de consagração com Jovens, Loucos e Mais Rebeldes, Linklater fez com A Melhor Escolha um retorno às referências que carrega em seu cinema. Continuação espiritual de A Última Missão de Hal Ashby, o novo filme do diretor reforça sua posição de cronista fadado a revisitar o passado recente de seu país ao retornar ao clima de conflitos e desesperança dos Estados Unidos nos anos imediatamente posteriores ao 11 de setembro, acompanhando militares veteranos enquanto viajam para enterrar o filho falecido de um deles. O viés geracional que o longa força ao incluir um jovem soldado entre o trio idoso dá um tom ainda mais trágico ao retrato que Linklater busca pintar do militarismo norte-americano da década, que se vê preso a ondas de guerras e convocações eternas. Um dos filmes mais dolorosos do cineasta, sem dúvida.

8) Infiltrado na Klan, de Spike Lee

A luta e a militância sempre foram temas caros a Spike Lee, que desde Faça a Coisa Certa mantém vigente a ideia de que o combate à opressão é vital mesmo quando se dando em frente diferentes. Com Infiltrado na Klan, este último ponto é reforçado continuamente graças à urgência da mensagem, em tempos onde o fascismo anuncia um perigoso retorno às principais instituições sociais - e o diretor sabe muito bem disso. A história do policial negro que virou membro da Ku Klux Klan serve a Lee como ponto de partida ideal para a discussão das diferentes perspectivas e significados dentro do ato natural de lutar pela igualdade, um debate cuja ausência de soluções imediatas e simples serve para o cineasta alimentar sua narrativa de choques e conflitos temáticos que só direcionam o espectador ao cerne da mensagem. Embora o diretor esteja para sempre amaldiçoado pelo brilhantismo da obra-prima que o lançou no mercado, este Infiltrado... felizmente mostra que seu cinema ainda se mantém atual e de grande valor.

7) Sem Rastros, de Debra Granik

Sem Rastros de certa forma é uma continuidade das questões que a diretora Debra Granik já tratava com Inverno da Alma (seu inacreditável trabalho anterior, dado a distância entre os dois trabalhos), filme que também abordava relações de trauma em núcleos familiares quebrados. Desta vez, porém, a cineasta conta com um terreno mais fértil para se aprofundar nos temas, dado que a tragédia em mãos é mais perniciosa e dá maior vazão à dinâmica de atração e repulsa entre sociedade e família que ela bem pretende, sem contar o fato de que o trabalho de Ben Foster e Thomasin McKenzie nutre uma dinâmica de personagens que dá vida às dores nos entornos deste processo. É um filme de muita dor para, paradoxalmente, ser muito curativo.

6) Asako I & II, de Ryûsuke Hamaguchi

Enquanto dramas coming of age e comédias românticas dão cabo de ilustrar seguidas vezes e com o mesmo olhar exaustivo as mesmas aflições e prazeres do primeiro amor, são poucas as obras que se interessam nas relações quase sempre intrínsecas entre a primeira paixão ardente e o relacionamentos estáveis que o seguem após seu fim. Um destes trabalhos que sabe muito bem o que faz é este Asako I & II do japonês Ryûsuke Hamaguchi, cuja história de uma moça que tenta levar a vida depois do fim abrupto de um namoro adolescente passa seguidas vezes por este caráter amaldiçoado deste primeiro momento de abertura para o amor.

5) Nasce Uma Estrela, de Bradley Cooper

Viver em um mundo de imagens. É curioso como o filme de Cooper destoa das outras versões de Nasce Uma Estrela em parte por este rearranjo temático que escapa do comentário ressentido sobre a indústria e enquadra o crescente quadro de depressão do protagonista. Não bastasse o assombro que é a qualidade da dinâmica entre o ator e Lady Gaga para viver o casal de músicos, o longa ainda traz este espelhamento entre o real e o falso que divide sua narrativa em dois momentos apenas para mergulhar o espectador na derrocada de Jackson Maine (uma que desta vez preserva a ascensão de Ally, vale acrescentar) à partir de sua perspectiva. É um ego project que de fato prefere a centralidade sobre a imagem do autor apenas para desconstruir sua visão de mundo e processar suas dores, um procedimento narrativo que rende momento genuínos em sua tristeza e beleza.

4) O Passageiro, de Jaume Collet-Serra

Collet-Serra é hoje um destes grandes diretores que ainda estão para ganhar o merecido reconhecimento, mas enquanto esta consagração moral não chega seu trabalho continua a fascinar dentro de gêneros e tipos de filmes considerados baixos, como este O Passageiro que retoma e reenergiza o tão exaurido suspense do trem. A quarta colaboração do cineasta de origem espanhola com o ator Liam Neeson rendeu em 2018 uma das analogias mais curiosas e intensas sobre a vida no capitalismo selvagem dos Estados Unidos do pós-crise, não só pela profundidade do arranjo temático que ele constrói aqui (a relação do protagonista com seu passado como policial deve render algumas discussões fascinantes sobre o status atual desta instituição social tão problemática) como pela forma como Collet-Serra executa isso dentro de experimentações arrojadas na narrativa, a exemplo do prólogo construído na rotina e o maravilhoso plano-sequência da luta no trem - sem contar a nova tecnologia de foco que o diretor usa e abusa aqui. Um filme tão potente quanto as engrenagens do trem que o impulsionam furioso para frente.

3) Arábia, de João Dumans e Affonso Uchoa

É apenas triste ironia do destino que Arábia seja lançado no começo de um ano marcado pela ascensão do bolsonarismo, pois a sensação de fim de ciclo político sugerida pelo filme de Dumans e Uchoa apenas fica mais nítida dentro do processo histórico do país. Ancorado por uma atuação desde já mitológica de Aristides de Sousa, o longa sobre um trabalhador que reconta sua vida no papel antes da morte é um dos melhores (se não melhor) retratos do clima de desencanto que toma o país nos anos posteriores ao lulismo, uma profunda reflexão sobre os rumos político-sociais que vê na derrocada econômica rumo à crise um fim de uma era de bonança rumo à tempestade. Se há uma cena que há de marcar o cinema brasileiro destes anos 10, esta com certeza é o monólogo final do protagonista Cristiano no longa.

2) Trama Fantasma, de Paul Thomas Anderson

O amor enquanto vício, enquanto jogo de poder. Tudo bem que é o último filme de Daniel Day-Lewis e que sua dinâmica com a performance magnífica de Vicky Krieps compõe uma maiores forças do filme, mas a condução de Paul Thomas Anderson sobre a relação central da história é o que faz Trama Fantasma ser um objeto de tamanho fascínio, magnitude e assombro. O relacionamento dos protagonistas aos poucos se desenrola como um jogo de gato e rato subjetivo que parece não ter (e nunca tem) um fim, como ciclos de dominação que se alternam entre dois jogadores sedentos pela submissão dos outros. É uma dinâmica doentia que sintetiza a alucinação ególatra por trás da ligação entre musa e artista, criação e criador, imagens que apenas servem de representações a um amor tão hostil e tenro em suas próprias maneiras.

Mas o que é o amor comparado a...

1) O Outro Lado do Vento, de Orson Welles

Hollywood, a máquina e o monstro voraz. Faz muito sentido que seja Welles (mesmo do além túmulo) o único capaz de criar uma obra-prima deste nível de acidez, um comentário sobre a indústria que se estende muito além da época em que foi concebido a ponto de se manter atual para o cenário contemporâneo de hoje - troque a Nova Hollywood pelos herdeiros de Spielberg e você provavelmente chegará num mesmo cenário de destruição, caos e loucura materializados pelo diretor. Cineasta condenado a ser amaldiçoado pelo Cidadão Kane que o consagrou, ele redireciona no filme todo seu ressentimento para o cinema estadunidense que o alçou à posição de astro apenas para derrubá-lo sem nunca esquecer o fascínio que alimenta esta criatura de nome definido mas nunca intitulado, num retrato que como bem sugere o título promove um olhar desencontrado mas perspicaz e merecidamente caricato a todas as entranhas de um sistema maléfico.

Mas o fascinante de O Outro Lado do Vento é que ele vai além do mero ódio universalizado, ele também compreende a tragédia anunciada sobre a geração de cineastas da época. Seja a Nova Hollywood ou os diretores internacionais que abarcam nos Estados Unidos em busca de maior reconhecimento (coitados de Antonioni e seu Zabriskie Point), o filme de Welles ironiza e lamenta aqueles que o sucedem na posição de gênio, sabendo que serão esmagados pela máquina sem qualquer traço de piedade e até que a última gota de criatividade se esvaia. Não é à toa que o diretor parece nutrir tanto um desejo de devolver a região aos donos originais; Hollywood, ao seu ver, é uma terra maldita, amaldiçoada por natureza, algo que é sacramentado na última fala do personagem de John Huston que serve a Welles como seu receptáculo final:

"Todas aquelas garotas e garotos... filme-os até a morte."

Destaque, Piores, Inéditos e O Ranking

Destaques do Ano

Os filmes que não chegaram no Melhores do Ano, mas que por motivos particulares merecem algum reconhecimento:
  • Zama
  • Confronto no Pavilhão 99
  • Paddington 2
  • O Amante de Um Dia
  • Hereditário
  • Legítimo Rei
  • Em Chamas
  • Os Estranhos - Caçada Noturna
  • Mais Uma Chance
  • Vingadores - Guerra Infinita
  • Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo
  • Aniquilação
  • Museu
  • O Animal Cordial
  • Upgrade

Piores do Ano

As grandes bombas de 2018:
  1. Slender Man - Pesadelo Sem Rosto
  2. Robin Hood - A Origem
  3. Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald
  4. Vidas à Deriva
  5. O Insulto
  6. Círculo de Fogo - A Revolta
  7. Venom
  8. Submersão
  9. Happy End
  10. O Diabo e o Padre Amorth

Inéditos

Em 2019, fique de olho nestes filmes:
  1. No Coração da Escuridão, de Paul Schrader
  2. Ash Is Purest White, de Jia Zhangke
  3. A Valsa de Waldheim, de Ruth Beckermann
  4. Support the Girls, de Andrew Bujalski
  5. John McEnroe: In The Realm of Perfection, de Julien Faraut
  6. Homem-Aranha no Aranhaverso, de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman
  7. I Do Not Care If We Go Down in History as Barbarians, de Radu Jude
  8. Trem das Vidas ou A Viagem de Angélique, de Paul Vecchiali
  9. 3 Faces, de Jafar Panahi
  10. Assunto de Família, de Hirokazu Koreeda
  11. O Hotel às Margens do Rio, de Hong Sang-soo
  12. Vidas Duplas, de Olivier Assayas
  13. Uma Terra Imaginada, de Siew Hua Yeo
  14. Temporada, de André Novais Oliveira
  15. Imagem e Palavra, de Jean-Luc Godard
  16. Grass, de Hong Sang-soo
  17. Destination Wedding, de Victor Levin
  18. Vida Selvagem, de Paul Dano
  19. Oitava Série, de Bo Burnham
  20. Guerra Fria, de Pawel Pawlikowski
Pra encerrar, o ranking completo do Melhores do Ano 2018:
  1. O Outro Lado do Vento (10/10)
  2. Trama Fantasma (9/10)
  3. Arábia (8/10)
  4. O Passageiro
  5. Nasce Uma Estrela
  6. Asako I & II
  7. Sem Rastros
  8. Infiltrado na Klan
  9. A Melhor Escolha
  10. A Balada de Buster Scruggs
  11. Projeto Flórida
  12. As Boas Maneiras
  13. A Câmera de Claire
  14. Lady Bird - É Hora de Voar
  15. Homem-Formiga e a Vespa
  16. Visages, Villages
  17. Roma
  18. Vingança
  19. Um Pequeno Favor (7/10)
  20. Verão
  21. Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava
  22. Jogador N° 1
  23. Buscando...
  24. Ponto Cego
  25. A Noite do Jogo
  26. Zama
  27. Confronto no Pavilhão 99
  28. O Dia Depois
  29. Missão: Impossível - Efeito Fallout
  30. The Post - A Guerra Secreta
  31. Paddington 2
  32. O Amante de Um Dia
  33. Upgrade
  34. Me Chame Pelo Seu Nome
  35. Apóstolo
  36. Hereditário
  37. Para Todos os Garotos que Já Amei
  38. Sicário - Dia do Soldado
  39. Mudbound - Lágrimas Sobre o Mississipi
  40. A Primeira Noite de Crime
  41. Os Fantasmas de Ismael
  42. Os Incríveis 2
  43. Sem Fôlego
  44. Podres de Ricos
  45. A Festa
  46. Legítimo Rei
  47. Vende-se Esta Casa
  48. Em Chamas (6/10)
  49. Os Estranhos - Caçada Noturna
  50. Mais Uma Chance
  51. Antes que Tudo Desapareça
  52. Vingadores - Guerra Infinita
  53. Pantera Negra
  54. Popstar: Sem Parar, Sem Limites
  55. Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo
  56. Aniquilação
  57. Museu
  58. Viva - A Vida é uma Festa
  59. O Animal Cordial
  60. O Plano Imperfeito
  61. Gente de Bem
  62. Halloween
  63. Operação Overlord
  64. Cam
  65. Arranha-Céu
  66. O Retorno de Mary Poppins
  67. A Forma da Água
  68. O Mistério do Relógio na Parede
  69. Oito Mulheres e Um Segredo
  70. Todo o Dinheiro do Mundo
  71. Serei Amado Quando Morrer
  72. 120 Batimentos Por Minuto
  73. O Artista do Desastre
  74. Sombras da Vida
  75. Roman J. Israel
  76. Cartas Para um Ladrão de Livros
  77. 7 Dias em Entebbe
  78. 78/52
  79. Sem Amor
  80. O Processo
  81. 15h17 - Trem Para Paris (5/10)
  82. Não Vai Dar
  83. Café com Canela
  84. Te Peguei!
  85. Medo Profundo
  86. Jumanji - Bem Vindo à Selva
  87. Marshall: Igualdade e Justiça
  88. Desejo de Matar
  89. Você Nunca Esteve Realmente Aqui
  90. Aquaman
  91. Djon África
  92. A Morte de Stálin
  93. Diamantino
  94. Bumblebee
  95. A Noite Devorou o Mundo
  96. Culpa
  97. Um Lugar Silencioso
  98. Estrelas de Cinema Nunca Morrem
  99. O Touro Ferdinando
  100. Distúrbio
  101. Desobediência
  102. Han Solo - Uma História Star Wars
  103. Gnomeu e Julieta - O Segredo do Jardim
  104. Fútil e Inútil
  105. Com Amor, Simon
  106. O Terceiro Assassinato
  107. O Destino de uma Nação
  108. O Segredo da Câmara Escura
  109. Maria Madalena
  110. De Encontro com a Vida
  111. Ella e John
  112. O Primeiro Homem (4/10)
  113. Quando Nos Conhecemos
  114. Meu Ex é Um Espião
  115. No Olho do Furacão
  116. Pequena Grande Vida
  117. Colette
  118. Uma Dobra no Tempo
  119. Tully
  120. Crônicas de Natal
  121. Christopher Robin - Um Reencontro Inesquecível
  122. As Viúvas
  123. Mogli: Entre Dois Mundos
  124. Esplendor
  125. Benzinho
  126. Crimes em Happytime
  127. Baseado em Fatos Reais
  128. Millennium: A Garota na Teia de Aranha
  129. A Freira
  130. Deadpool 2
  131. Cinquenta Tons de Liberdade
  132. Excelentíssimos
  133. Bohemian Rhapsody
  134. O Predador
  135. O Orgulho
  136. Tomb Raider
  137. Paradox
  138. Los Territorios
  139. Jurassic World - Reino Ameaçado
  140. Camocim
  141. Verdade ou Desafio
  142. Eu, Tonya
  143. Baronesa
  144. Perda Total
  145. The Square - A Arte da Discórdia
  146. Três Anúncios Para um Crime
  147. O Sacrifício do Cervo Sagrado
  148. Rampage - Destruição Total (3/10)
  149. Tinta Bruta
  150. Megatubarão
  151. Gringo - Vivo ou Morto
  152. The Cloverfield Paradox
  153. A Aparição
  154. A Grande Jogada
  155. Bird Box
  156. The Outsider
  157. O Diabo e o Padre Amorth
  158. Happy End
  159. Submersão
  160. Venom (2/10)
  161. Círculo de Fogo - A Revolta
  162. O Insulto
  163. Vidas à Deriva
  164. Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald
  165. Robin Hood - A Origem (1/10)
  166. Slender Man - Pesadelo Sem Rosto
Tenham um feliz 2019!

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sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Crítica: Refém do Jogo

Dave Bautista estrela ação oitentista que deveria ter ficado no passado (ou nem isso).

Por Alexandre Dias.

Sylvester Stallone ainda é ativo no mercado cinematográfico pelo simples fato de saber utilizar o saudosismo ao seu favor. Os trabalhos e atuações do eterno intérprete de Rocky Balboa não tentam impor as suas características orgânicas ao modelo fílmico atual, mas sim relembrá-las. Assim, o astro continua mantendo a sua presença em projetos como algo requerido, enquanto a evolução do cinema de ação oitentista fica a cargo dos novos brutamontes que entenderam como tirar sarro deles mesmos e se divertirem, sendo os principais Vin Diesel, Jason Statham e Dwayne Johnson.

O próprio Velozes e Furiosos, protagonizado pelos três artistas em questão, prova com o seu show de mentiras e bizarrices a existência de uma vertente do blockbuster moderno, focada totalmente no entretenimento. Não é ultrapassado, ainda que ridículo. Refém do Jogo, no entanto, imprime uma aura que já não funciona mais nos dias de hoje. A parte “ruim” da obra que seria perdoada (e até celebrada) em uma época remota, como ocorreu com Sly, Arnold Schwarzenegger e Jean-Claude Van Damme, é apenas ruim sem aspas atualmente.

Por falar em Van Damme, há a influência clara de um dos seus filmes no longa do diretor Scott Mann: Morte Súbita, de 1995. A premissa da invasão de um estádio esportivo – antes era hóquei, agora futebol - por “terroristas” permanece. A produção estrelada pelo belga também não era um triunfo da sétima arte, porém foi lançada durante o auge do artista marcial e, mais uma vez, acaba tornando as suas cafonices, vícios e clichês aceitáveis.

Estes pontos são perceptíveis no projeto de Mann principalmente por meio do roteiro de Jonathan Frank, David T. Lynch e Keith Lynch. Há o herói norte-americano atormentado pelo passado que deve voltar à ativa, o vilão russo que ficou louco com os seus ideais, a adolescente rebelde, o amigo árabe do protagonista e dessa forma continua. Sim, os estereótipos são tão batidos quanto parecem, inclusive são explicitados; a “piada” que referencia um possível homem-bomba é o exemplo máximo disso.

O texto monótono e antiquado não ajuda Mann, mas ele, do mesmo jeito, não tem nenhuma marca positiva aparente. Na franquia John Wick, Chad Stahelski e David Leitch, trabalharam com uma trama de vingança e máfias russas. Seria um grande clichê se não fosse o modo preciso de abordar o mundo dos mercenários, além de colocar a ação nas telas com a maestria de um espetáculo de dança. 

O cineasta de Refém do Jogo passa longe de promover a mesma boa identidade estética que a dupla faz. A pancadaria e os tiroteios são genéricos e não exploram bem Dave Bautista, ex-lutador gigantesco – falam o tempo inteiro sobre o seu tamanho - que teria muito a agregar como um brucutu ao estilo The Rock. Aliás, o seu personagem desajeitado quase sempre tem o benefício da sorte, sem precisar necessariamente demonstrar habilidade. Em ambientes fechados o caos é menos aparente, como é o caso da batalha no elevador, porém quando se trata do aproveitamento do espaço vemos a limitação gritante do realizador, a exemplo da medonha cena da perseguição de motos.

Enquanto isso, o bom elenco não tem como exibir o mínimo de talento pelos papéis horrorosos, vide o momento em que Bautista precisa chorar. Há certas carreiras que tem um limite e Dwayne Johnson teve essa compreensão, por isso chegou tão longe. Ele sabe até onde pode ir e que trabalhos estão a sua frente. O intérprete de Drax tem tanto potencial quanto ele e, se aprender com erros como esse, também pode alavancar como um ícone dos blockbusters modernos de ação e aventura. Vale ressaltar que os outros coadjuvantes sofrem igualmente, como o veterano Pierce Brosnan, que mal tem tempo de tela, e Ray Stevenson (o Volstagg, de Thor), ótimo ator sujeito a dar vida a um russo estereotipado. 

As referências são importantes em qualquer projeto cultural. Entretanto, elas são argumentos para a formação de algo novo, que seja uma nova referência no futuro. Obviamente, há um certo idealismo nesta afirmação, mas, de fato, não há como reproduzir só uma referência esperando que haja uma simulação de tudo de bom que ela tem. Refém do Jogo tenta reproduzir uma época, com um material de base superficial. Esperemos pelo terceiro capítulo de John Wick.

Nota: 3/10

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Crítica: Operação Overlord

Terror de ação da Bad Robot flerta com o caricato, mas também o teme.

Por Alexandre Dias.


J.J. Abrams sempre foi uma espécie de elo entre as produções mais independentes e os blockbusters arrasa-quarteirões, principalmente no que se refere ao conteúdo fantástico e aventuresco. A sua produtora, a Bad Robot, é responsável pela franquia Missão: Impossível e ao mesmo tempo lançou a marca Cloverfield que, inclusive, catapultou Matt Reeves - o diretor já contratado para o próximo filme do Batman - a Hollywood. 

Nos casos de projetos com orçamentos reduzidos, especialmente aqueles relacionados ao terror, ação, sci-fi e fantasia, os realizadores em questão têm mais chance de se sobressaírem, pela necessidade de fazer muito com pouco, além da liberdade criativa ser maior, pois há menos pressão de um grande estúdio por trás. Em Operação Overlord esse contexto mesclou-se a um receio de não explosão comercial, sendo essa aspiração de que o longa fosse o próximo Deadpool o seu monstro.

Zumbis nazistas. Isso resume (e não resume) a obra. Com esta premissa é difícil trabalhar uma quebra de expectativa e fazer algo que rompa barreiras, portanto a execução do gore e da parte trash é essencial, ainda que haja um trabalho mais apurado de roteiro do que circunstâncias assim pedem. Dessa forma, a seriedade e a pseudo profundidade da trama são fatores extremamente limitantes, que criam uma burocracia desnecessária a uma história como essa.

Talvez o objetivo fosse a realização de um novo Drink no Inferno, em que o seu início segue a estrutura de um filme clássico de Quentin Tarantino e depois Robert Rodriguez dita a explosão do horror bizarro de vampiros. Se era, não ocorreu como planejado por causa da ausência dessa segunda característica, a do exagero, da galhofa. Pode-se contar nos dedos quantos zumbis aparecem. E até poderíamos entender Operação Overlord mais como uma produção de guerra do que como um terror de ação, se não fosse o fato de que há inúmeros clichês do gênero, como jump scares, e a própria insinuação constante de monstruosidades paranormais.

Mesmo este tom de O Resgate do Soldado Ryan só funciona até certo ponto, mais especificamente no primeiro ato e início do segundo. Os personagens são absolutamente desprovidos de carisma por isso, mas não por falta de potencial. Ford, por exemplo, que é interpretado pelo filho de Kurt Russell, Wyat, é barrado como o líder brucutu – tomara que continue seguindo os passos do pai - pelo moralismo usual do protagonista, Boyce (Jovan Adepo, também bom ator, mas que sofre pelo papel cansativo). Todos os outros sofrem por essas relações previsíveis e automáticas, que, já que não foram incorporadas ao grotesco, deveriam ter sido melhor trabalhadas.

E como os atores, o diretor Julius Avery demonstrou que tem talento, porém não conseguiu exibí-lo com toda a força, muito pelo roteiro mastigado de Billy Ray e Mark L. Smith. A câmera próxima dos personagens, como na ótima cena de abertura, e a disposição da ação em determinados espaços – o tiroteio noturno na floresta - comprovam que o cineasta tem uma visão de ideias, que podem ser colocadas na telona sem milhões de dólares. Apesar disso, ele se perde nos momentos em que precisa mostrar o horror e o caricato.

Aliás, o conceito dos zumbis super poderosos é inteligente e cria uma expectativa não atendida também na ação. Há um embate que acontece em um ponto da trama que gera muita empolgação não devolvida na execução. Na verdade, Operação Overlord é uma grande promessa em falso. É frustrante, porque não tinha motivo de um projeto como esse ter medo do público e da indústria, principalmente depois de dar o primeiro passo em direção à ousadia de um filme de baixo orçamento.

Nota: 4/10

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Crítica: Podres de Ricos

Comédia romântica inova clichês do gênero com elenco 100% asiático.

Por Isabela Faggiani.

Podres de Ricos, que chega essa semana aos cinemas brasileiros, foi um dos filmes mais esperados do ano, e teve um sucesso espetacular nos Estados Unidos. À primeira vista, parece que é apenas mais uma comédia romântica com uma trama conhecida: a garota de classe média baixa que se vê namorando um ricaço e precisa conquistar a aprovação da família dele, mas a história é muito mais que isso. Começando pelo fato de que quase todos os envolvidos são asiáticos ou descendentes de asiáticos, desde o diretor, John M. Chu, até os figurantes. Difícil mesmo, é achar algum caucasiano no longa. 

O filme é claramente feito para o público ocidental, com o roteiro em inglês, baseado no livro Asiáticos Podres De Ricos, de Kevin Kwan. A importância desse longa para os asiáticos que vivem no ocidente pode ser comparada à importância de Pantera Negra para o público negro. Isso ocorre porque a representação asiática nos cinemas ocidentais quase nunca foge de clichês como “o asiático nerd” ou “o lutador de artes marciais”.

A história acompanha Rachel (Constance Wu), uma professora de economia sino-americana que nunca havia viajado para o seu país de origem, apesar de falar a língua. Ela namora Nick, porém nunca havia conhecido a família dele, que mora em Singapura, até ele a convidar para o casamento de seu melhor amigo. O que ela não esperava, porém, foi a descoberta de que Nick (Henry Golding) faz parte de uma das famílias mais ricas e famosas da Ásia. O título do filme é completamente honesto nesse aspecto: a riqueza da família é imensurável.

No filme, a prima de Nick, Astrid Young (Gemma Chan), mesmo tendo a própria trama, é secundária, porém é a história dela que mostra a possibilidade de uma sequência. O livro que deu origem ao filme também a tem como personagem central e faz parte de uma trilogia. Astrid tem que lidar com seus próprios problemas e, a cena final envolvendo ela e Charlie Wu (Harry Shum Jr) apontam que podemos ver mais da família Young nas telonas.

Astrid é uma das poucas personagens que aceita e gosta de Rachel. O resto da família Young e de seus amigos e conhecidos parece não gostar da presença da jovem, principalmente a mãe, de Nick, Eleanor (Michelle Yeoh). Ela não aceita Rachel e quer que o filho volte a morar em Singapura e cuide dos negócios da família. A reprovação se dá ao fato de que Rachel não cresceu inserida na cultura e tradições asiáticas. Isso aborda uma questão importantíssima aos descendentes asiáticos: a sensação de não pertencimento.

Os descendentes de países do leste da Ásia não são vistos como estadunidenses, brasileiros, britânicos, etc., mas também não são vistos como chineses, japoneses, coreanos… Eles não são “ocidentais” o suficiente, mas ao mesmo tempo, por não terem crescido dentro da sociedade de seus pais e avós, também não são considerados parte daqueles locais.

Podres de Ricos sabe abordar muito bem o preconceito contra asiáticos de forma clara, mas sem trazer um tom dramático à trama.  A primeira cena do filme já mostra isso. Ela se passa em uma noite chuvosa na Inglaterra nos anos 90, com Eleanor e seus filhos entrando em um hotel cinco estrelas e falando que reservaram a suíte mais cara. Os funcionários do hotel se recusam a hospedar a família. Eleanor, porém, não deixa barato e logo liga para o marido, que prontamente compra o hotel, mostrando o poder aquisitivo da família.

A cultura hollywoodiana quase não admite o estrelato de pessoas que não sejam brancas, e muitas vezes tira papéis dessas minorias para colocar alguém branco no lugar, como foi o caso de A Vigilante do Amanhã, com Scarlett Johansson no papel de uma personagem japonesa. Por isso, Podres de Ricos, com seu elenco 100% asiático, é um marco na história de minorias no cinema ocidental. Ele se apresenta com uma comédia romântica de qualidade, com personagens complexos e um ótimo roteiro.

Nota: 7/10

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Crítica: Legalize Já! - Amizade Nunca Morre

Relação dos fundadores do Planet Hemp é o foco certeiro da cinebiografia da banda carioca.

Por Alexandre Dias.

Straight Outta Compton - A História do N.W.A. tem uma grande história de base, personagens reais fortes e um fundo musical riquíssimo. Por que, então, toda essa qualidade foi limitada no filme de F. Gary Gray? O erro crasso da maior parte das cinebiografias é justamente essa dificuldade de transpor um produto cultural imponente para as telonas. Ou seja, dos realizadores pensarem que a parte cinematográfica em si está em segundo plano e que o tema já é o suficiente para a formação de um longa-metragem.

O roteiro, o tom, a técnica e o trabalho dos personagens são tão importantes em um projeto assim como em qualquer outro, vide A Rede Social, em que David Fincher fez muito mais do que contar quem é Mark Zuckerberg. Os cineastas Johnny Araújo e Gustavo Bonafé entenderam isso e Legalize Já! – Amizade Nunca Morre não deve receber a alcunha genérica de cinebiografia do Planet Hemp. Há uma boa dose de personalidade, ainda que contida em alguns momentos para se adequar aos padrões comerciais.

De longe, o ponto de partida do filme foi a decisão mais acertada: focar na relação entre Marcelo D2 (Renato Goés) e Skunk (Ícaro Silva). O núcleo intimista dos primeiros integrantes da banda carioca cria margem para a elaboração de discussões sociais, culturais e políticas, pontos intrínsecos ao grupo desde o seu início, além do tranquilo desenvolvimento dos seus protagonistas, que, apesar de previsível por um lado, demonstra carisma e maturidade por outro.

Goés e Silva têm uma ótima química nos papéis dos músicos, seja na piada, na briga ou no talento. Os trejeitos que os atores atribuem aos artistas dão a impressão de improviso em determinadas ocasiões; tenha sido isso ou não, o espectador fica ávido pelo que ambos têm a dizer. Consequentemente, os outros personagens são completamente dispensáveis. As interações entre Skunk e Brennand (Ernesto Alterio) e Marcelo e Sônia (Marina Provenzzano), com raras exceções, são mecânicas para a trama, mesmo que haja uma ou outra cena nesse meio que arranque um sorriso ou um aperto no coração. Pelo foco da obra estar em outro lugar é compreensível, porém, nem por isso, deixa de ser perceptível.

O roteiro de Felipe Braga e L.G. Bayão é automático como um todo, especialmente para os fãs do Planet Hemp e aqueles já familiares com a sua trajetória. Contudo, esse direcionamento nos fundadores permitiu não só a abertura para a cinematografia de suas vidas, como de suas ideologias e artes. “Não é sobre maconha”, repete Skunk duas ou três vezes no longa. De fato, a descriminalização das drogas não é o centro dos debates nesse projeto e essa ausência é sentida um pouco, mas o encaminhamento da discussão para o tratamento da cultura no Brasil foi certeiro.

Não é uma pressão absurda nas feridas, porém é jogado um pouco de sal. Fica claro o quanto o nosso Estado não valoriza e não incentiva a música, a arte e as manifestações culturais. Pelo contrário, são vistas com olhos conservadores, dessa maneira os artistas são a linha de frente da resistência. Sem falar na leva de outros assuntos trazidos no meio da criação da banda, que envolvem racismo, desigualdade social e violência policial, por exemplo. Os percalços encontrados pela dupla, principalmente no primeiro ato, reúnem muitas dessas questões, como no momento em que Skunk é abordado pela lei ou na rotina de trabalho D2.

A fotografia acinzentada realça esse cenário brasileiro representado no Rio de Janeiro, enquanto a trilha sonora, composta pelo próprio D2, carrega o clima da produção, seja com os sucessos do Planet Hemp ou de suas influências. Há realmente um cuidado audiovisual singular em Legalize Já! e a linha tradicional que move essa obra para o mercado não diminui a cortesia com a qual ela foi concebida, a mesma que falta para com a cultura no Brasil.

Nota: 8/10

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Crítica: Venom

Venom é tosco, mas, sem hipocrisia, permanece fiel às origens do personagem.

Por Alexandre Dias.

O mercado do cinema de super-heróis está passando por uma fase semelhante a que os quadrinhos viveram pós Watchmen e O Cavaleiro das Trevas. Não é mais uma novidade, então há uma saturação natural, e o modo de pensar dos produtores se assemelha muito à indústria dos gibis nos anos 90; pensar que características adultas, muito visual ou, como é o caso, foco nos vilões e anti-heróis sejam uma espécie de subversão, sendo assim o caminho, segundo estes sujeitos. 

Esquadrão Suicida provou isso ao não apenas colocar vilões na posição de heróis, mudando a essência dos personagens, como por reciclar os vícios e tendências do momento (“Ah vamos fazer o nosso Guardiões da Galáxia”). Venom tem praticamente todos esses aspectos preguiçosos, porém se salva por não ser um projeto hipócrita, criando o mínimo de respeito para com os seus próprios elementos e o espectador, que em nenhum momento é enganado sobre o que está diante dele. 

O motivo da existência do simbionte está totalmente atrelado ao Homem-Aranha, portanto um longa solo dele não teria razão de acontecer. De fato, não tem. E sim, a sua nascença só ocorreu porque a Sony não tem mais como trabalhar com o universo do Cabeça de Teia , ao qual lhe pertence. Estaríamos em paz sem essa produção? Sim. Contudo, já que ela foi concebida, o sentido desse novo mundo está relacionado com a sua proposta e o seu material. Ambos são minimamente bem colocados.

A química de Eddie Brock (Tom Hardy) com o alienígena justifica tudo com o seu jeito caricato de ser. O ridículo (às vezes além da conta) é proposital, o que acaba por tornar aceitável uma falta de complexidade e até de lógica. É um parasita gigante que encontra o seu hospedeiro ideal em um fracassado. E pronto. Não há rodeios, logo o bizarro que é a zombaria que um faz com o outro, ou mesmo o apego dos dois, passa a se transformar no trunfo do filme, com alguns deslizes exagerados espalhados, é claro.

Vejamos o roteiro de Jeff Pinkner, Scott Rosenberg e Kelly Marcel. É a mesma linha tradicional e clichê da história de origem, sem nada muito significante a ser notado. Entretanto, consegue-se compreender porque Venom escolheu Brock e Riot concentrou-se em Carlton Drake (Riz Ahmed). No final, a bobeira não é cercada de uma bagunça, como ocorreu com os vilões da DC em 2016. Nem por isso a atração principal deixa de ser o simbionte, o resto é mais do que esquecível: a ex que volta à cena – é impossível, até para quem conseguiu aceitar a galhofa, decidir se aquele beijo foi uma boa decisão ou não -, o empresário ganancioso, os coadjuvantes amiguinhos, etc.

Inclusive, muito deste tom excêntrico se deve ao diretor Ruben Fleischer. Acostumado com a comédia, ao exemplo de Zumbilândia, ele varia entre o sarcasmo e o humor tradicional dos blockbusters. Dessa forma, o cineasta acaba forçando a barra em alguns pontos, mas sem precisar se prestar a uma determinada obrigação, como uma referência a Peter Parker ou algo do tipo. Tom Hardy é igual. O Brock dele é (pasmem) um cara simpático no início, mas é surreal o modo que ele encarna a dupla personalidade com o monstro, tanto pelo bem como pelo mal.

A ação também sofre desse extremismo que depende de uma possível aceitação. Quase inteiramente cercadas de CGI, há uma cara de trash onde o tosco é a salvação. Riot e suas habilidades bizarras são a prova viva disso. Percebe-se que não estamos vendo algo bonito, porém há uma beleza nesse entulho, não observada em Deadpool 2, por exemplo – ver Venom, com todo o seu poder, em ação é muito mais legal do que Cable ou Colossus. 

Um projeto como Venom só poderia dar certo se fosse algo muito ousado e fora dos padrões do gênero. Só o fator de ser PG 13 (classificado como para maiores de 13 anos nos Estados Unidos) já indica um pouco que não é isso. No entanto, mesmo com esse molde genérico, o longa-metragem do simbionte tem uma identidade caricata viva, que já o põe em uma posição interessante como um filme de vilão. A possível sequência com o Carnificina e outros projetos de tal seguimento, como a futura origem do Coringa, dificilmente conseguirão se estabilizar na indústria com ideias que funcionam aos trancos e barrancos dessa maneira, mas, pela primeira vez, acredito que alguma coisa
possa sair desse mato sem cachorro.

Nota: 6/10

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Crítica: 22 Milhas

Iko Uwais e o resto é resto.

Por Alexandre Dias.

Atirador, de 2007, é um dos únicos filmes de Antoine Fuqua realmente bons, fora a sua obra-prima Dia de Treinamento. Não espetacular, mas bom. O principal motivo é por recorrer à fórmula de ação das antigas, dos clássicos de brucutus dos anos 80, em que há uma premissa rasa, porém aceitável, e a pancadaria faz o resto. Um ou outro tema político, ou uma pequena reviravolta ainda se revelam, mas com uma certa moderação justamente porque Fuqua compreende o seu projeto.

Esse é o grande problema de 22 Milhas. Não sabemos se estamos vendo um thriller de ação, algo voltado para Jason Bourne, que, de fato, faz mais o estilo do diretor Peter Berg, ou um longa-metragem mais explosivo e menos denso. Apesar disso, pequenas características benéficas são tiradas dessa confusão resultante da quarta parceria entre Berg e Mark Wahlberg. E todas, sem exceção, envolvem uma pessoa: Iko Uwais. 

A produção é basicamente uma missão. É um contexto que permite os dois caminhos citados acima, inclusive, já tendo sido utilizado por Berg no passado com O Grande Herói, também com Wahlberg – um trabalho, muitos tiros e pequenos comentários políticos. No entanto, parece que o cineasta filmou às pressas um rascunho do roteiro de Lea Carpenter e Graham Roland. As intromissões de James Silva (Wahlberg) sobre a sua concepção do mundo, as cabeças dos presidentes norte-americanos e as bandeiras evocam todos os aspectos mais superficiais do diretor. Esta “seriedade” temática está lá por estar, não tem função.

É um dos pontos em que a comparação com Atirador vem a calhar novamente. A política patriota estadunidense representada pelo setor militar é muito polêmica para ser debatida desse jeito, assim Fuqua a usou a favor da sua história, só com o objetivo de promover a ação. Portanto, a junção desse traço reflexivo mal desenvolvido com a trama frenética ao modo Busca Implacável de 22 Milhas geram uma bagunça. Contudo, o elo do pouco sentido que é essa confusão, chamado Iko Uwais, garante alguns bons momentos.

O ator indonésio é um dos grandes artistas marciais do cinema desta geração. Ele estourou com a franquia Operação Invasão, de Gareth Evans, e protagonizou outras obras na mesma linha, como Merantau e Headshot. Toda a sua habilidade é uma das atrações à parte do longa, com certeza possuindo sua influência como coordenador por trás das câmeras – imaginem o que ele poderia fazer com Chad Stahelski em John Wick. Aliás, a melhor cena do filme é sem dúvida a sua luta contra uma tentativa de assassinato, que já introduz bem o que percorre o seu personagem. 

Porém, não são só os seus golpes que são bem-sucedidos. Li Noor, o alter ego de Uwais, é o mais desenvolvido de todos os outros papéis. O espectador fica interessado em saber quais são os seus objetivos e a atuação do indonésio, que mistura inteligência e bondade, contribui diretamente para isso. Aliás, a resolução de Noor é outro ponto do projeto que faz valer o ingresso, seja algo previsível ou não. Ele está a anos luz de distância em qualidade dos outros personagens. 

A começar por James Silva, que só tem o nome de legal. Parece que Wahlberg pegou o seu estilo bad boy de Os Infiltrados e Quatro Irmãos e injetou anabolizantes. Dessa forma, a sua ótima introdução por meio de fotos e documentos se perde e dá lugar a apenas um chefe babaca. O resto da equipe dos Overwatch é totalmente dispensável. Aliás, literalmente, pois Silva afirma que eles são chamados em situações extremas, mas parecem amadores, ainda que a reviravolta principal justifique isso. Pelo menos John Malkovich tem um ou dois momentos sendo... John Malkovich. 

As próprias cenas de ação demonstram a falta de integração do grupo. E o que há no destaque de Uwais distribuindo a pancadaria, falta nos outros agentes. Berg chegou a criar situações legais, como a infiltração no início, a perseguição de carros e o gato e rato no prédio abandonado, cenários parecidos com aqueles presentes em Operação Invasão. Entretanto, a execução em si foi destrambelhada, o que, mais uma vez, dá a impressão de pressa, porque em O Grande Herói ele soube como cadenciar a movimentação. 

Já há planos da STX para uma sequência. A cara de season finale dos últimos minutos de 22 Milhas geram curiosidade para essa possível continuação, mas se há tanto potencial visto pelos produtores, que essa nova marca seja melhor pensada do que uma explosão adoidada de vários elementos. E por favor, Stallone, chame Iko Uwais para o próximo Mercenários!

Nota: 4/10

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Crítica: Hotel Artemis

Ideia, elenco e nada mais.

Por Alexandre Dias.

Trabalhar com elencos grandes e já estabelecidos no mercado é muito difícil e, normalmente, indica uma insegurança do projeto desde a sua concepção. Quando não é um Quentin Tarantino ou um Terrence Malick, onde os devaneios dos autores tornam o filme “maior” que os seus atores, estamos acostumados com entretenimentos leves. Os Mercenários ou Onze Homens e um Segredo demonstram como essa proposta cria um álibi para o modo de lidar com os seus nomes.

Hotel Artemis, primeiro longa-metragem do roteirista Drew Pearce, responsável pelos textos de Missão: Impossível – Nação Secreta e Homem de Ferro 3, segue esta mesma linha de raciocínio. De fato, é um pensamento acertado e funciona até certo ponto. Porém, Pearce sofreu o baque do cargo na direção, em paralelo a uma história repleta de irregularidades, o que acabou deixando o seu trabalho à mercê de uma ideia eficiente e do talento da sua equipe de atuação.

Um hotel que acolhe criminosos – Keanu Reeves, cadê você? - em um futuro distópico. É um conceito quase que à prova de erros de tão legal. Além disso, é extremamente inteligente em termos de orçamento. Provavelmente gasto com metade do elenco, o pouco que vemos do mundo exterior convence com armas futurísticas e manifestações caóticas. Portanto, o título da obra realmente é um dos protagonistas, em teoria gerando um ambiente claustrofóbico, misterioso e agressivo. Percebe-se com clareza que o objetivo era misturar suspense com ação. Mais uma vez, isso tem êxito até certo ponto.

A sensação de que as coisas vão explodir a qualquer momento é melhor do que a explosão em si. Com exceção da cena do corredor de Nice (Sofia Boutella), não há nenhum tiroteio ou pancadaria que seja digno de nota. Pode-se dizer que houve um desperdício? Sim, afinal, as oportunidades de realizar isso são mostradas, como na expectativa gerada quando Everest (Dave Bautista) pega um machado e dá a impressão de que teremos um momento ao estilo Leônidas de Esparta.

Contudo, essa não utilização da ação não é um demérito. A circulação dos personagens pelo Artemis, um lugar desolado, porém com retoques tecnológicos, aumenta a sensibilidade das situações, visto as suas posições de profissionais do crime. A questão é que Pearce é totalmente dependente da cadência em lidar com o ambiente e os integrantes dele, ao invés de desenvolver e explorar as histórias que haviam ali.

O maior exemplo disso é Waikiki (Sterling K. Brown), que é um dos personagens principais do filme, mas não tem muito o que fazer nele, apenas não sendo completamente desinteressante por causa do seu ótimo intérprete. A relação do ladrão com Nice é muito superficial, quanto mais a com a Enfermeira (Jodie Foster), que brota do nada pelo fato dos dois protagonizarem o longa. Aliás, essa última ocorrência torna-se tão estranha justamente pela boa química que Everest teve com a idosa durante toda a produção.

Esta via de mão dupla do bom elenco com papéis rasos é igualmente clara no tom excessivo. O humor ácido e a violência funcionam em alguns momentos, como na interação entre Nice e o Rei Lobo (Jeff Goldblum, caricato na medida certa). Por outro lado, forçam a barra, esclarecendo a perda de controle de Pearce sobre o que ele tinha em mãos. Os personagens de Charlie Day e Zachary Quinto são a prova cabal disso; enquanto o primeiro, sempre na gritaria, tem muito tempo de tela para ser só um coadjuvante babaca, o segundo é um dos herdeiros mais chatos que eu vi no cinema nos últimos tempos.

Inclusive, é curioso como a obra parece ter noção do que ela é às vezes, pois quando o Rei Lobo dá uma “chamada” no filho é, sem dúvida, o sentimento do espectador se revelando. Entretanto, a participação de Quinto como Crosby também é hiperbólica. Quem sabe em uma possível sequência, sugerida pelo projeto na sua conclusão, haja um pouco mais de competência para o potencial de todas as suas qualidades manifestar-se por completo e sem máscaras.

Nota: 5/10