segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Crítica: Tim Maia

O som, a fúria e a luta

Por Pedro Strazza


Um dos principais representantes da musical soul brasileira, Tim Maia tinha uma personalidade um tanto explosiva. De família negra e de baixa renda, o cantor lutou muito para lançar sua música na rádio e na televisão, e sua personalidade feroz e agressiva foram muito necessárias nesse processo de ascensão. Quando enfim alcançou o estrelato, porém, a fúria antes positiva tornou-se sua maior inimiga, querendo destruir tudo o que conseguiu e o afastando de amigos e familiares, e logo precisou ser combatida pelo próprio.
Isso, pelo menos, é o que sua cinebiografia procura passar em mais de duas horas de projeção. Baseado fundamentalmente no livro Vale Tudo: O Som e a Fúria de Tim Maia, de Nelson Motta, o longa comandado por Mauro Lima reconta a difícil trajetória do compositor desde sua infância na Tijuca até os últimos dias de vida, e toma como constante essa sua agressividade. Em Tim Maia, o personagem interpretado por Robson Nunes na juventude e por Babu Santana na idade adulta traz como característica a violência, seja na atitude folgada e repleta de sarcasmo ou no uso exagerado de drogas e estimulantes.
Mas então qual seria a origem de tal ira? Para Lima, que roteiriza com Antonia Pellegrino o texto de Motta, o jeito violento de Maia vem de sua própria formação, sempre clara em esclarecer as injustiças da sociedade àqueles de origem econômica e racial similar a ele. Condenado por todos a viver com pouco e sem um tostão no bolso, a única maneira pela qual o protagonista melhoraria de vida não poderia ser outra senão pela insistência e o jeito malandro, que juntas a outras características semelhantes formariam a impulsividade emocional do cantor e o guiariam ao sucesso musical.
É neste contexto de luta social, portanto, que o filme conduz sua narrativa, aliando no processo o aprendizado e duro caminho musical tomado por Tim. Mais curioso, porém, é perceber como a obra realiza esta última, dividindo a trama em duas partes distintas: Na primeira, acompanha-se dos primeiros passos aos esforços tomados por Maia para se estabelecer no mercado - recompensados, enfim, com o uso de uma letra sua por Roberto Carlos (George Sauma) -, através de uma fotografia pautada em cores frias e de época; na segunda, dos primeiros sucessos ao fim prematuro, em tons quentes e com muito uso do claro e escuro.
Essa separação temática flui muito bem para a produção, e ajuda bastante no trabalho de caracterização dos dois atores escolhidos para viver o protagonista. Enquanto Nunes compõe um Tim Maia já explosivo na juventude, mas capaz ainda de dosar suas ações exageradas, Santana surge na vida adulta do compositor quase igual ao próprio, incorporando trejeitos e a voz do cantor, para passar a raiva e frustrações sucessivas do personagem ao espectador. Nesse contexto, a direção de Lima é inteligente ao transformar a ira de Maia em momentos cômicos, esvaziando a produção de uma indesejada tensão.
O acerto do diretor nesse aspecto, porém, não se reflete na narrativa, prejudicada em vários pontos por estruturas e recursos óbvios. A narração em off de Fabio (Cauã Reymond, bem no papel), por exemplo, em diversos momentos parece saída do próprio livro e denota uma inconveniente sensação de preguiça do roteiro em mostrar na tela tais eventos mencionados pelo músico amigo de Tim, ao passo que a trama dramatiza de forma boba ações por si só auto-explicativas. Falta à produção a criatividade e ousadia de seu protagonista, e com isso a obra perde força.
Genial, insistente, amigo e irritante foram alguns dos vários adjetivos atribuídos a Tim Maia em sua vida de exageros e atrasos. Sua personalidade complexa e seu talento como cantor e compositor o tornaram inegavelmente uma pessoa intrigante, e sua cinebiografia comprova a profundidade de seu ser. Mesmo convencional em suas escolhas técnicas, Tim Maia é um filme com uma análise de um personagem tão profundo e interessante, ao qual faz com relativo sucesso e cuidado criativo.

Nota: 8/10

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