Novo trabalho de Richard Linklater encanta pela abordagem sensível e sutil de tema complicado
Por Pedro Strazza
Esta reflexão existencial nada discreta deve ter sido um dos motivos para o diretor e roteirista Richard Linklater ter começado, no fim da década de 90, a produção de Boyhood - Da Infância à Juventude. De início com um pequeno elenco, o cineasta filmou nesses últimos doze anos a história sobre a infância e adolescência de Mason Jr. (Ellar Coltrane), assistindo em consequência o crescimento e envelhecimento natural de seus atores e atrizes. O resultado final de tal experiência cinematográfica é uma epopeia cotidiana sobre o tempo e seus efeitos, que são tratados por Linklater com cuidado e sutileza impecáveis.
Para alcançar tal graciosidade, o cineasta se utiliza de estruturas narrativas leves e muitas vezes clichê, mas se guia no processo somente pelo protagonista e as histórias que o cercam. Isso porque o filme, assim como a vida, é uma sequência de arcos intercalados e simultâneos: Grandes ou pequenos, eles são muitas vezes apresentados a Mason Jr. (e o espectador, com isso) em segundo plano, e ganham destaque e maior relevância a cada ano passado. E isso se observa principalmente em coadjuvantes como o professor Bill Welbrock (Marco Perella), cujo casamento com Olivia (Patricia Arquette) e o problema com a bebida vão do auto-controle feliz ao desastre completo em questão de minutos no longa.
O grande destaque de Boyhood, porém, são os arcos desenvolvidos por Mason Jr. e sua família, construídos psicologicamente por Linklater com tanta eficácia. Sem nenhum alarde, o filme evidencia o perfil do protagonista e seus membros familiares mais próximos pelos pequenos atos e detalhes, como o carro que o pai Mason (Ethan Hawke) usa na grande maioria do longa, as desastrosas escolhas de marido feitas pela mãe Olivia após o primeiro casamento ou até o comportamento mais rebelde da irmã Samantha (Lorelei Linklater) quando criança. É destes minimalismos que o diretor guia o espectador na passagem do tempo e suas mudanças, e o faz aceitar com naturalidade as escolhas tomadas pelos personagens.
Mas a compreensão do caminho tomado é bem mais fortalecida no protagonista, interpretado com excelência por Ellar Coltrane. Sendo a pessoa que mais sofre alterações físicas e emocionais, a trilha percorrida por Mason Jr. é captada pela obra com sensibilidade suficiente para que o público se envolva com ele e sinta suas dores e vitórias conforme cresce. O acerto maior da produção, entretanto, é a capacidade de manter no personagem, da infância à juventude, o mesmo perfil doce e calmo, tornando-a uma constante em toda a metamorfose temporal realizada.
A maneira como o filme faz passar o tempo é outro ponto muito bem elaborado. Sem precisar pontuar de forma clara através de uma legenda ou coisa do gênero, Linklater torna perceptível a mudança de ano por meio da própria mudança física das pessoas que acompanha (o cabelo de Mason Jr., por exemplo) ou de diálogos, objetos e eventos bastante temporais, como músicas, videogames, lançamentos de livros e campanhas políticas - e inclui, em um clássico papo pai-e-filho, até uma não planejada ironia bem humorada com o futuro de Star Wars.
Com discussões sobre assuntos universais e uma narrativa leve e tocante, Boyhood - Da Infância à Juventude é uma experiência cinematográfica fascinante, capaz de discursar sobre o tempo e a humanidade com sensibilidade. Com uma história do cotidiano e sem nenhuma grande reviravolta, Linklater traz à tona uma obra-prima que aborda com delicadeza do tempo, um tema tratado tantas vezes com peso pelo cinema. E a prova maior do sucesso da produção é o próprio espectador, que termina o filme com a sensação de querer ver mais da vida de Mason Jr. e sua família.
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