terça-feira, 11 de novembro de 2014

Crítica: Mil Vezes Boa Noite

A (difícil) escolha de Rebecca

Por Pedro Strazza


Trabalho e família são dois assuntos que quando juntos podem facilmente gerar conflitos internos. Quase opostos em seus ideais, ambos exigem do indivíduo um nível de comprometimento bastante evidente, e o dever com eles pode ir da superfluidade à obrigação total em uma questão de segundos. Equilibrar os dois é sem dúvida uma tarefa muito complicada, mas obrigatória para qualquer ser humano disposto a ter os dois ao mesmo tempo.
Há pessoas, entretanto, que preferem abandonar essa questão e lidar com ela "do jeito que dá", e Rebecca (Juliette Binoche) é uma dessas. Fotógrafa especializada na cobertura de conflitos armados, ela vive se arriscando em todo tipo de lugar e situação para captar com sua câmera os horrores que presencia e mandar as fotos à imprensa depois de tudo. No processo ela se esquece, contudo, das próprias filhas e do marido Marcus (Nikolaj Coster-Waldau), e ele, cansado de sofrer em casa com a possibilidade da esposa estar morta, impõe a Rebecca um ultimato: Ou ela fica com a família, ou com a perigosa profissão.
Em um plano mais geral, o drama doméstico central à trama de Mil Vezes Boa Noite é bastante comum no dia-a-dia das grandes cidades, e já foi abordado pelo cinema em diversas ocasiões. Para contornar essa previsibilidade, o roteiro escrito por Erik Poppe (também diretor do filme) e Harald Rosenløw-Eeg centraliza sua atenção então no desenvolvimento de sua protagonista, evidenciando tanto seu amor pela família quanto o gosto que tem pela fotografia. Rebecca é uma mulher que sabe que suas duas maiores paixões não encontram espaço suficiente para coexistirem, mas ela prefere ignorar esta impossibilidade para tentar viver o mais feliz possível.
Para traduzir essa dualidade para a tela, Poppe conduz a narrativa pelo silêncio e a visão. São através destes que o espectador consegue prestar maior atenção nas ações tomadas por Rebecca e nota como ela procura fotografar todos os lados de um mesmo momento quando trabalha ou como ela tenta se conectar às filhas mesmo consciente de sua desconexão com a família. Binoche, neste aspecto, realiza uma atuação excepcional, pois transmite em sua performance corporal e gestual todo o emocional combalido da personagem.
Mas se no desenvolvimento da protagonista o longa acerta, a história sofre pela previsibilidade, do qual o roteiro obviamente não conseguiria escapar. Assim, após focar seus dois primeiros atos na construção de Rebecca, a obra derrapa na última parte em clichês nada bem disfarçados, e tira do filme um pouco do sentimento de ineditismo tão bem elaborado.
O trabalho de atuação do elenco liderado por Binoche e a metodologia de Poppe para explorar a protagonista, porém, conseguem ofuscar no geral os problemas da trama e evocar com sucesso a dor da dura escolha que Rebecca tem de tomar em Mil Vezes Boa Noite. Para uma pessoa que ama coisas ambíguas, afinal, decidir-se por um é tão complicado quanto uma criança ter de se decidir entre dois filhotes gatos exatamente iguais e de igual fofura.

Nota: 7/10

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