sábado, 3 de outubro de 2015

Crítica: Perdido em Marte

Otimista, Ridley Scott usa da ciência para brindar à sociedade.

Por Pedro Strazza.

É curioso, mas a ficção-científica precisar de um clima pesado e desesperançoso parece ter se tornado uma regra a ser seguida à risca pelo gênero no começo do século XXI. Como na transição de Kubrick para Spielberg vista em A.I. - Inteligência Artificial, os filmes da categoria que marcaram a década de 2000 e a metade dos anos 2010 abandonaram qualquer indício de esperança com a humanidade, sendo em sua maioria dominados por uma visão pessimista e estabelecedora de distopias de sistemas autoritários ou massacrantes que em comum tem o uso de paletas de cores frias para compor seu cenário. Esta ficção-científica "da depressão" quase alcançou um ponto crítico em 2014 com Interestelar, em que o olhar "realista" de Christopher Nolan tentou destituir a exploração espacial de qualquer encanto.
O gênero, porém, está tentando reencontrar o otimismo há tanto perdido nesta metade dos anos 10, primeiro com a ópera espacial de Guardiões da Galáxia e O Destino de Júpiter, depois com a visão utópica de Brad Bird e seu Tomorrowland - Um Lugar Onde Nada é Impossível. Agora, junta-se à este movimento de retomada Ridley Scott, que com o Robinson Crusoé espacial Perdido em Marte dá sinais de renúncia à frieza que marcou sua carreira na ficção-científica desde os tempos de Alien - O Oitavo Passageiro e Blade Runner - O Caçador de Androides.
Percebe-se essa tendência do diretor em querer ser mais positivo na obra pela maneira como o protagonista Mark Watney (Matt Damon) lida com a solidão na imensidão desértica do planeta vermelho, imposta depois de ser acidentalmente abandonado por sua equipe de expedição na fuga apressada de uma tempestade. Destituído de quaisquer laços afetivos e familiares - algo oposto ao papel de Matthew McConaughey em Interestelar, se é para manter a comparação com o filme de Nolan - o astronauta botânico lida com a situação por um viés mais imediatista e de sobrevivência, a princípio com preocupações de saúde e alimentação e depois de restabelecimento de comunicações com a Terra, ao som dos ritmos animados das músicas do cenário disco dos anos 80.
Esse imediatismo dos fatos abre espaço na narrativa desenvolvida por Scott para uma abordagem bastante social da história, pois embora Perdido em Marte seja um filme que a todo momento pregue a ciência como divindade a ser idolatrada - e o roteiro de Drew Goddard realiza isso muito bem ao não deixar entendiante ou complicado as inúmeras explicações científicas dadas na trama - sua maior veneração é em direção ao coletivo. É pelos esforços conjuntos, diretos ou indiretos, que Watney afinal consegue sozinho manter-se vivo no planeta, seja pelos itens deixados para trás pelos colegas ou nos auxílios dados pela NASA mais tarde.
Aos olhos de Ridley, o indivíduo oferece ao coletivo suas habilidades e características no mesmo passo que o coletivo é feito para servir ao indivíduo, e o cineasta não deixa de ressaltar ao espectador estes benefícios do viver em sociedade. Se no primeiro ato ele dá bastante importância ao isolamento do protagonista em Marte por meio de planos abertos e de grande profundidade (que o bem empregado 3D reforça com naturalidade estonteante), no clímax do terceiro ato o diretor dá destaque ao acompanhamento da Terra em torno do resgate ao astronauta, enquadrando diversas populações ao redor do globo como se o clima fosse o de uma verdadeira noite de ano-novo, com as pessoas ansiosas pelo momento de celebração comunitária máxima. É tanta a importância dada ao social que até a relações públicas da NASA (vivida por Kristen Wiig) tem espaço na narrativa.
A mensagem do filme é bela, mas não impede que a adaptação do livro homônimo escrito por Andy Weir tenha problemas na estrutura. Além das complicações para encaixar peças de roteiro na narrativa de forma orgânica - a ajuda dos chineses lá pro meio do segundo ato surge como um deus ex machina extremamente deslocado, crime capital em uma obra que impõe o racional - o longa mostra dificuldades semelhantes à Evereste (apesar de em menor grau) de equilibrar o gigantesco e talentoso elenco em mãos, com muitos dos arcos narrativos mau encerrados ou por completo abandonados. Os exemplos mais claros desta última são os vividos pelos personagens de Sean Bean, que pelo visto mais uma vez termina um filme em maus lençóis; Kate Mara e Sebastian Stan, cujo relacionamento é imposto no fim do terceiro ato com uma obrigação bastante desnecessária; e da própria Wiig, que, como outros vários, é abandonada pela trama assim que desempenha sua função.
São erros primários, mas que não chegam a derrubar o equilíbrio social-científico estabelecido e pelo qual a obra se guia satisfatoriamente. No mais, Perdido em Marte serve para ressaltar que o famoso jeitinho brasileiro não é exclusividade nossa: mesmo que apoiado em diversas teorias embasadas e calculadas pela ciência, o resgate de Mark Watney é no fim feito à base de sorte - e com um quê de Gravidade, outra ficção científica de viés pessimista que o filme de Ridley Scott tanto confronta.

Nota: 8/10

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