sábado, 24 de outubro de 2015

Crítica: Chronic

Problematização da crise do íntimo ganha contornos de obsessão graças a performance decisiva de Tim Roth.

Por Pedro Strazza.

Existe em Chronic um curioso grau de interesse pela maneira como o protagonista David (Tim Roth) dá o banho em seus pacientes idosos. Presente em pelo menos três momentos da narrativa, essas cenas são filmadas pelo diretor (e roteirista) Michel Franco com a câmera fixada em um ponto do cômodo que consiga ao mesmo tempo mostrar o carinho e o respeito com o qual o enfermeiro realiza a tarefa. O mais fascinante de tais passagens, porém, é que essa dedicação de David com os enfermos quase sempre ganha tons de sensualidade, mesmo que nenhuma das partes obtenha prazer real em tal atividade.
É de relações, afinal, que o filme trata, a partir de seu personagem principal e sua peculiar obsessão. Objeto central de análise, a aparente necessidade do profissional de saúde em tomar conta de senhores e senhoras de idade adoecidos é tratada por Franco como uma relação de dependência mútua: para os doentes, o cuidado de saúde é fundamental; para David, uma maneira de lidar com as dores de seu passado pela amizade, única maneira de escapar da realidade à sua volta. E é um relacionamento que nos pequenos movimentos se faz de forma intensa no protagonista, que não apenas se envolve profundamente com os pacientes como também parece querer se tornar parte deles, adquirindo seus gostos e até considerando-o marido deles.
Mas por que fazer isso? Ao longo do filme, o roteiro revela aos poucos e em diálogos de exposição bem disfarçados os motivos emocionais do enfermeiro, mas no fundo esta condição crônica se faz como um símbolo para o fim gradual das relações. Seja pelo acesso ao Facebook (esse site que é a marca da fragmentação do íntimo) da filha, ou nas conversas com os idosos - em especial nas cenas com Marta (Robin Bartlett) -, David expressa repulsa e desespero em se reconectar afetivamente, e o único meio que pode supri-lo dessa deficiência é a profissão, algo por si só contraditório por essência. Mesmo superficial, os banhos tornam-se assim um ato de conexão máxima, cuja união só pode ser comparada às relações pai-e-filha e, talvez, ao casamento.
A complexidade emocional de tal personagem é lidada com excelência por Tim Roth, que consegue exprimir o sofrimento silencioso do papel em simultâneo com sua obsessão sem perder em qualquer instante o equilíbrio necessário. Especializado em tipos atormentados (ainda mais se forem explosivos), Roth consegue na contenção um personagem fascinante e de alterações mínima porém problemáticas, como as pequenas manifestações de imitação em seu movimento corporal, bastante visíveis em seu primeiro reencontro com Nadia (Sarah Sutherland).
Pessimista no lado social da coisa e muito mais liderado pelo ator que pelo roteiro, Chronic usa de uma história simples para falar de um tema complexo, por meio de personagens em permanente declínio em sua condição física e emocional. Por mais que busque o carinho imediato (e os alcance, de certa maneira), as profundas relações criadas por David com seus pacientes para suprir sua necessidade de intimidade sempre são fadadas ao término súbito, e nesse momento não existe símbolo mais claro que a morte.

Nota: 7/10

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