domingo, 25 de outubro de 2015

Crítica: Dheepan - O Refúgio

Ganhador da Palma de Ouro em Cannes elabora bem o arco do imigrante, mas não percebe a própria genialidade.

Por Pedro Strazza.

O drama de imigração geralmente é um tema que consegue funcionar muito bem no cinema devido à combinação poderosa do arco de reinício (ou sua tentativa, pelo menos) com a eterna sensação de deslocamento vivida por tais indivíduos, cuja dor é capaz de despertar simpatia imediata de seu público. Em Dheepan - O Refúgio, essa condição de "peixe fora d'água" ganha uma nova e ambiciosa camada na forma de uma família formada somente para sair do país de origem.
Saídos do Sri Lanka e sob a identidade tomada de mortos, Dheepan (Jesuthasan Antonythasan), Yalini (Kalieaswari Srinivasan) e Illayaal (Claudine Vinasithamby) são três estranhos de histórias de vida diferentes que se disfarçam de família para chegar à França e escapar da terrível guerra civil que assola seu país natal. Acolhidos pelo Estado europeu, eles começam então a viver todo o tipo de dificuldade enfrentada pelo imigrante, desde os aspectos mais materiais (a falta de dinheiro, as péssimas condições de vida) até a dificuldade para se adaptar à cultura e aos costumes de seu novo lar.
Nesse quesito, o roteiro de Thomas Bidegain, Noé Debré e do diretor Jacques Audiard é bastante efetivo, pois faz questão de realçar os problemas de adequação com a sociedade francesa incluindo todo tipo de preconceito, passando pelo racismo, a xenofobia e até o bullying. Mesmo com um teto para morar e ocupações a desempenhar, a "família" de Dheepan encontra-se sempre à procura de um espaço, incapaz de se estabelecer efetivamente ou chamar qualquer lugar de lar. E voltar à pátria não é uma opção, já que o Sri Lanka que conheciam está devastado pelo conflito e agora é um completo estranho a eles, como bem revela o contraste do sonho do protagonista de um belo elefante (o passado idealizado, filmado com toda a plasticidade possível) com as imagens da guerra mostradas por um telejornal (o presente duro e desesperançoso, visto pelo televisor frio).
Mas se na sensação de deslocamento exterior há um bom desenvolvimento, no interior se desperdiça por completo a problematização das relações. Criadas apenas no intuito de se salvar dos horrores vividos no país de origem, a farsa da instituição familiar fabricada por Dheepan, Yalini e Illayaal nunca é explorada por Audiard no intuito de reforçar a própria sensação de isolamento dos três dentro de seu próprio refúgio. Ao invés disso, o diretor francês opta por arcos novelescos e sem maior criatividade, culminando num clímax de violência que, além de ser um pouco xenófobo por tratar o protagonista como uma espécie de ameaça (ainda que heroica), nada tem a ver com a trama.
É o subaproveitamento que a bem da verdade prejudica os efeitos de Dheepan - O Refúgio no público. Apesar de desempenhar muito bem o processo de reinício vivido por qualquer imigrante, o ganhador da Palma de Ouro acaba por se restringir demais ao tratar apenas da questão migratória e ignorar por completo a própria trama complexa que concebeu. E o tema se revela ainda mais fechado por somente tratar da problemática no território francês, algo bastante exposto na Inglaterra idealizada pelo trio de refugiados ao longo da narrativa.

Nota: 6/10

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