terça-feira, 27 de outubro de 2015

Crítica: A Terra e a Sombra

Questão da terra na Colômbia é tratado pelo lado humano em meio ao caos.

Por Pedro Strazza.

O cenário é um canavial cortado por uma rodovia. Nesta, um homem caminha a passos tranquilos, com seu chapéu de palha e vestindo uma camisa branca, carregando uma mala que muito provavelmente tem todos os seus pertences. Quando se encontra na metade do trajeto captado pelo plano, um caminhão vem a toda velocidade e o ultrapassa, gerando uma nuvem de poeira que toma toda a passagem e o força a sair da estrada para se proteger.

Essa cena, que abre os trabalhos de A Terra e a Sombra, resume bem o espírito do longa de estreia do diretor e roteirista colombiano César Augusto Azevedo. Simples e bastante direto, o filme conta a história do retorno desse homem à sua família após um longo período fora, a fim de cuidar do filho doente e tentar corrigir os erros cometidos no passado. Com a ex-mulher e a nora trabalhando nos canaviais para suprir economicamente a casa, resta a ele cumprir o papel de avô com o neto e entrar em contato com os dramas vividos no lar, seja pela condição terminal do filho ou da progressiva destruição do terreno em volta da propriedade, tomado pela plantação de cana que queima todo dia.

Encenado por atores em sua maioria amadores (a atriz Marleyda Soto, intérprete da esposa do filho, é a única experiente do elenco), o filme é claro desde o início na aproximação que faz com o setor primário da economia de seu país. Na revolta dos canavieiros, nas queimadas ou mesmo na maneira como a plantação de cana toma a casa ("bastante coisa mudou com o canavial" lamenta o avô em determinada altura), é latente que Augusto Azevedo condena a tomada industrial na agricultura colombiana e na forma como ela progressivamente acaba com a terra, agora cinzenta e improdutiva. A doença do filho, tais quais tantos outros exemplos possíveis de serem dados, adquire com velocidade na trama a identificação dos efeitos do capitalismo selvagem sobre o indivíduo, que não se importa mesmo em dar assistência a quem trabalha para sua manutenção.

O que faz A Terra e a Sombra brilhar, porém, não é o retrato do processo histórico e a crítica autoral a este, mas sim como ele se aproveita deste grande esquema das coisas para situar uma história de família fragmentada com toques geracionais, similar ao que foi feito no peruano Casadentro. Dotados ainda de significado para a estrutura maior (o avô é o passado da propriedade familiar, o filho a vítima do agronegócio selvagem, o filho o futuro, etc..), o relacionamento entre as três gerações surge como um respiro para todo o caos que acontece à sua volta, um último contato entre três partes num lugar fadado ao desaparecimento. Não é à toa, inclusive, que o diretor de fotografia Mateo Guzmán filme o ambiente desses encontros com cores menos opressivas e um pouco mais vibrantes, seja pela presença do avô ou mesmo da ingenuidade proporcionada pela felicidade da criança.

É essa trama que tira o longa da teoria pura e realça nela o lado humano da questão agrícola, fundamental para o espectador de fato mergulhar no conteúdo proposto. Os personagens de A Terra e a Sombra são capazes de deixar seus papéis predispostos na narrativa para entregar os problemas desse "avanço da máquina" por seu sofrimento, que seja físico (a doença do filho que só piora ao longo da história), emocional (a melancolia do avô em revisitar a sua terra pela última vez, pontuada por um sonho com um cavalo) ou até relacional (o administrador do canavial que resiste a ajudar um ex-empregado) é muito mais eficaz comparado ao anseio do conteúdo pretendido por seu criador.

Dessa forma, não chega a ser surpresa que a dificuldade vivida pela avó de abandonar sua propriedade seja tão bem passada na narrativa. Apesar de assumir o protagonismo somente à partir do terceiro ato da obra, este drama, como os outros, é desenvolvido de maneira orgânica por Augusto Azevedo, que reconhece e usa a humanidade de seus personagens para tratar de uma questão complexa. Inverte-se aqui o conceito do "tomar a parte pelo todo" pelo simples fato de ser muito mais eficaz na hora de se passar a mensagem.

Nota: 9/10

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