domingo, 11 de outubro de 2015

Crítica: Peter Pan

Para bem e mal, roteiro e direção não conversam no prelúdio ao clássico de J.M. Barrie.

Por Pedro Strazza.

Transportar o teatro para o cinema não é exatamente uma novidade, mas pode encontrar diferentes métodos de aplicação de acordo com o realizador ou até a obra. Enquanto a direção de Kenneth Branagh, exemplo contemporâneo mais conhecido, usa da técnica preferencialmente em seu aspecto mais dramatúrgico, o cineasta Joe Wright canaliza as raízes teatrais em suas produções nos detalhes cenográficos, aproximando em caráter decisivo seus filmes dos espetáculos vistos em anfiteatros. Foi assim com o drama de quiprocós Desejo e Reparação, o conto de fadas adulto Hanna e a novelesca Anna Karenina, materializando de maneiras diferentes na tela esse desejo de seu realizador. 
Desses, a adaptação do livro de Liev Tolstói é quem mais se parece com Peter Pan, apesar do filme de origem a princípio encontrar maiores semelhanças com Hanna. O prelúdio, assim como o Anna Karenina de Wright, usa da cenografia teatral em caráter quase literal para estabelecer o "início da lenda" criada pelo escritor J.M. Barrie, aqui concebido como uma peça infantil  que bebe das mais diversas fontes para tornar real seu mundo.
Neste quesito, o longa desempenha-se bastante bem por justamente manter uma organicidade constante em sua Terra do Nunca de afetações. Das minas de pixum (o pó das fadas mineralizado) do vilão Barba Negra (Hugh Jackman), com pegada steampunk movida à base de rock, ao território indígena que visa a exaltação do corpo (tanto é que a morte de seus habitantes humanos são pontuadas por explosões coloridas), Wright traz uma individualidade a cada ambiente por meio de um grande repertório de influências oriundas das tecnicidades do teatro, e em nenhum momento esconde do espectador esse lado. Em termos visuais, isso fica bastante claro na concepção de uma das criaturas da floresta, um pássaro gigante esboçado como feito apenas de esqueleto, penas e dois olhos de vidro gigantescos, e no próprio uso do 3D, trabalhado pelo diretor para sempre se projetar para fora da tela e alcançar o público.
Mas enquanto na imagem Peter Pan é comandado pelo lúdico, na história ele se entrega demais a estruturas e noções conhecidas sem se dar ao trabalho de verificar se estas funcionam aos propósitos desejados. O roteiro de Jason Fuchs faz da origem do menino que não queria crescer um arco de predestinação com toques maternais, típico nos dias de hoje porém pouco adequado a um personagem elaborado no início do século XX, e nesse ínterim confere às relações da obra um caráter superficial. A problematização da ligação de Peter (Levi Miller) com a mãe (Amanda Seyfried), tema central à história, não consegue por exemplo encontrar um espaço adequado para se desenvolver fora da Londres da Segunda Guerra Mundial e seu respectivo teor de escapismo quando contraposto à Terra do Nunca, e acaba relegado ao segundo plano equivocadamente.
E esta não é a única relação problemática do filme. Amizades, romances e antagonismos sofrem de um mau desenvolvimento constante, partindo de situações pré-estabelecidas e que nunca vão a lugar algum, culpa talvez de eventuais planos de dar ao prelúdio novos capítulos. Resta então ao elenco carregar como pode seus personagens, com resultados bastante distintos entre si: Se Hugh Jackman se diverte na caracterização excessiva de seu Barba Negra e entrega um vilão cômico bem trabalhado, Garrett Hedlund é incapaz de manusear a canastrice necessária ao seu (futuro Capitão) Gancho e chega a uma composição muito fraca; e se a Princesa Tigrinha de Rooney Mara encontra-se vezes demais no escanteio, Levi Miller ganha espaço suficiente na narrativa para desempenhar o protagonismo de Peter.
Ainda com um terceiro ato decepcionante por abandonar de vez o ar teatral da produção e dedicar-se à ação - pouco inspirada comparada a Hanna, vale acrescentar - e à jornada de predestinação (que nesse momento em específico lembra muito a empreendida por Uma Nova Esperança), Peter Pan é um prelúdio que poderia ser esquecível se não fosse as inspirações visuais de seu diretor. Tecnicidades, entretanto, não são o suficiente para conduzir um conto de fadas, e a atual onda de obras live-action que adaptam os clássicos infantis é prova cabal disso.

Nota: 6/10

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