sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Crítica: Filho de Saul

Ganhador do prêmio do júri em Cannes faz aproximação real com experiência nos campos de concentração nazistas.

Por Pedro Strazza.

Fazer filmes sobre o Holocausto é uma tarefa cada vez mais difícil porque, depois de incontáveis produções sobre o tema, o público começa a não sentir mais um grande choque com o que é mostrado na tela. A crueldade dos nazistas em dizimar os judeus em seus campos de concentração, ainda tão aterrador e agonizante nos dias de hoje, se torna progressivamente anestesiada em tempos de banalização da violência na sociedade, o que por sua vez impede o cinema de fazer o retrato tradicional de tal tragédia e busque novas maneiras de realizá-la se quiser aproximar o espectador do sofrimento experimentado pelas vítimas.

É justamente este ato de chegar mais perto que marca Filho de Saul, primeiro longa-metragem do diretor húngaro Lászlo Nemes e ganhador do grande prêmio do júri no festival de Cannes. O filme, sobre um prisioneiro forçado a queimar os corpos de seu povo em um desses campos e seus esforços para enterrar seu filho morto, traz o público para dentro do horror em seu formato mais literal, colocando a câmera o mais próximo possível de seu protagonista e desfocando quase sempre o que acontece ao seu redor. O efeito é sentido de imediato: por duas horas, o que o personagem sentir também atingirá o espectador, e na esmagadora maioria das vezes o sentimento é de dor.

Para tanto, Nemes não se restringe na tarefa de transportar essas sensações ao máximo para fora da tela. Os planos longos e em movimento, além da câmera tremida, são constantes na obra, que aproveita de tal condição e mergulha na dura rotina ao qual eram submetidos os judeus obrigados a executar, limpar e queimar os corpos de outros prisioneiros. A ausência de foco no cenário, que serve como cortina de fumaça para uma violência já bastante esclarecida em tantas obras e evita o longa de cair no imediatismo do impacto, também é eficaz em mecanizar o movimento dos presos e de seus carcereiros, tornando realidade o processo de desumanização realizado nos campos de concentração.

É nesse ínterim que o arco desenvolvido pelo protagonista Saul (Géza Röhrig) se transforma então num resquício de humanidade, quase uma última tentativa desesperada de manter esperança em meio à tragédia. A religiosidade do prisioneiro, que insiste em enterrar o filho sob as orações de um rabino, é a todo instante motivo de incômodo e até de revolta por parte dos outros presos, mais preocupados em sobreviver e escapar do cárcere, enquanto os poucos momentos de convívio ao qual Saul consegue acesso são impossibilitados de qualquer afeto pelo clima de sofrimento profundo - a passagem pela praia e o encontro com a esposa (Juli Jakab) são os que melhor demonstram essa falta de um lado humano no lugar.

"Já estamos todos mortos" diz o personagem principal em determinado ponto da narrativa após outro lhe dizer que seus atos vão matar a todos, praticamente ciente do fim de sua existência como ser humano após a longa estadia na câmara de gás. Esta consciência, assim como a do filme na dificuldade de retratar um momento histórico tão triste, conduz Filho de Saul por uma trilha sem oportunidades para a redenção ou catarse, que embora clichê não deixa de ser real.

Nota: 7/10

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