segunda-feira, 13 de abril de 2015

Review: Demolidor - 1° Temporada

Uma origem profunda para um confronto maniqueísta. 

Por Pedro Strazza.


Das várias particularidades existentes em Demolidor em relação ao universo que pertence, a mais curiosa definitivamente é seu caráter urbano. Após anos desenvolvendo filmes e séries focados em personagens que representam instituições ou visem a salvação da humanidade, é estranho ver a Marvel Studios contar a história de um homem que não sai de casa para combater o mal do mundo ou de sua cidade, mas sim de seu próprio bairro.

E o tom local do seriado dedicado ao Homem Sem Medo não poderia ser mais apropriado. A ausência de um grande combate no pano de fundo e de poderes espalhafatosos permite à série criada por Drew Goddard uma aproximação inédita do universo cinematográfico da Marvel com a realidade da população que o habita e que foi obrigada a passar por eventos maiores à sua existência. A destruição ocorrida em Nova York pelo clímax do primeiro Vingadores e o ambiente de tensão advindo de tais acontecimentos, afinal, serve como ponto de partida ideal para o embate planejado nesta primeira temporada.

Os combatentes aqui, porém, não carregam em sua essência os conceitos de bem e mal definidos, mas tem eles misturados em um caldeirão de incerteza quanto ao efeito de seus atos. É justamente essa dúvida que conduz as trajetórias de Matt Murdock (Charlie Cox) e Wilson Fisk (Vincent D'Onofrio) no primeiro ano de Demolidor, em um típico arco de origem para suas futuras e famosas personas: A intenção inicial de seus planos com a Hell's Kitchen pode ser a melhor possível, mas o curso dos eventos e as ações de caráter dúbio os faz repensar sua própria posição no grande jogo das coisas - não à toa, a frase "Estou fazendo o melhor para minha cidade" é repetida exaustivamente por ambos em diversas situações.

Conhecer as duas figuras centrais torna-se portanto uma obrigação para evitar o maniqueísmo simples, e esta é a chave do sucesso da série. Ao longo de seus 13 episódios, Demolidor se aprofunda no perfil de Murdock e Fisk para entender ao mesmo tempo os motivos que o levaram a estar ali e como eles se transformarão nas figuras que conhecemos, e contrasta-os a todo instante para o espectador compreender a oposição entre eles. Seja no design de produção, que destaca o multicolorido berrante nos lugares ocupados por Matt e os brancos e pretos nos de Wilson - e aqui é divertido destacar nos figurinos vestidos por sua namorada Vanessa (Ayelet Zurer) o uso frequente da cor característica dos ternos do Rei do Crime nos quadrinhos -, ou na montagem, o programa realça a noção de antagonismo entre herói e vilão, mesmo estes tendo no fundo o mesmo objetivo.

Nesse quesito, o seriado conta com dois ótimos atores para protagonizar o conflito apresentado. Se Cox é decisivo para encarnar um Matt Murdock que sente o peso da responsabilidade de seus poderes e a perda do pai, mas procura fazer um futuro melhor longe das grandes empresas de advocacia e com o vigilantismo, D'Onofrio é brilhante em fazer um Wilson Fisk atormentado, que mesmo com boas intenções com a Cozinha do Inferno sente o caminho duro trilhado e as ações maléficas tomadas. Seu relacionamento com Vanessa é acima de tudo uma visita a seu psicológico estraçalhado pelo pai, e ajuda a compreender muito bem o perfil impulsivo e monstruoso do Rei do Crime.

Essa dualidade funciona muito bem para tema, mas não consegue esconder do espectador os problemas da série, a exemplo do uso dos coadjuvantes. Enquanto vemos o confronto entre Murdock e Fisk se desenrolar, é frustrante o uso de Foggy Nelson (Elden Henson) e Karen Page (Deborah Ann Woll) e seus respectivos bons intérpretes como simples alívio cômico enquanto não utilizados pela narrativa central. Ao mesmo tempo, a enfermeira Claire (Rosario Dawson) desaparece e reaparece sem maiores explicações, e interrompe um desenvolvimento interessante de seu relacionamento com o protagonista.

Mas o grande erro do seriado ocorre de fato na sua transposição de gêneros, ocorrida a partir da metade de sua temporada. Mesmo que se combinem muito bem em outros casos, a transformação da trama policial e de vigilantismo em uma super-heroica prejudica Demolidor visivelmente, dotando-o de uma afetação incômoda e incoerente em alguns eventos - cujo ápice com certeza é a maquinação final de Wesley (Toby Leonard Moore) para ajudar o seu poderoso chefe.

São erros bobos os cometidos pela série, mas que em nenhum momento estragam a graça de seus acertos. De seu embate de mocinho e bandido conturbados às cenas de ação muito bem orquestradas (como esquecer o maravilhoso encerramento do segundo episódio?), Demolidor funciona muito bem para história de origem de seus personagens e como parte integrante do universo ao qual pertence. Seu encanto maior, porém, é a habilidade com a qual faz um próprio mundo para si e povoa-o com dois personagens extremamente bem elaborados em seus desejos e medos - este último um elemento muito importante para a formação do herói do título.

Nota: 8/10

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