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terça-feira, 19 de julho de 2016

Review: Stranger Things - 1° Temporada

Série de nostalgia vai além da volta ao passado.

Por Pedro Strazza.

Produto de uma nostalgia sobre a cultura estadunidense dos anos 80, Stranger Things tem na gênese de sua formação dois tipos de história bastante populares na década. De um lado, o terror de criatura, cuja manifestação misteriosa - seja a identidade de um assassino em série ou, nesse caso, a de um monstro - e seus sucessivos ataques em um curto espaço de tempo por si só já eram suficientes para aterrorizar as vítimas e, por consequência, o público; do outro, a aventura adolescente ou infantil, que tem no senso de bravura dessas idades o motor para suas tramas. A Matt e Ross Duffer, criadores, roteiristas e diretores da série, resta combinar e intercalar então os dois gêneros, apostando como principal gatilho na lembrança desse passado cada vez mais distante mas ainda tão fresco na memória coletiva.

Essa estratégia, mesmo limitadora em um sentido de ambição temática, se prova bastante eficaz na obra. Porque ao contrário de tantas outras tentativas de emulação da aura oitentista, que apostavam na repetição de um estilo exagerado, de elementos marcantes ou até mesmo da abundância de néones da época (e o filme que mais vem de imediato à cabeça nesse momento é o curta Kung Fury) como recurso primário ao disparo desse caloroso sentimento, o seriado dos irmãos Duffer mostra-se mais interessado em resgatar o que de fato impactava nesses produtos oitentistas.

Na trama, depois de uma partida de dez horas de RPG com os amigos Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLaughlin), o menino Will Byers (Noah Schnapp) encontra uma assustadora criatura e desaparece na volta para casa. A partir do fato, a série acompanha o que acontece depois de seu sumiço, tanto nos efeitos quanto na investigação sobre o mistério: ao mesmo tempo em que seus amigos procuram achá-lo e lidam com a aparição inexplicável de uma garota com poderes chamada Eleven (Millie Bobby Brown), sua mãe Joyce (Winona Ryder), seu irmão Jonathan (Charlie Heaton), a irmã de Mike Nancy (Natalia Dyer) e o xerife da cidade Jim Hopper (David Harbour) confrontam cada um à sua maneira com estranhos acontecimentos à sua volta.

Esses personagens rapidamente se agrupam em três núcleos distintos e representativos de fases da vida (infância, adolescência e idade adulta), aos quais os irmãos Duffer sem muito esforço aproveitam para influir o valor nostálgico. De maneira discreta ou direta (os pôsteres nas paredes são rápidos na tarefa), Stranger Things recorre com frequência aos terrores e aventuras populares da época para se alinhar a estes logo em seguida, seja nos ataques do monstro ou nos estranhos fenômenos presenciados pelos personagens ou mesmo em atividades cotidianas. O seriado realiza esse movimento mirando na iconografia, com resultados aqui e ali bem sucedidos - os quais se destaca o uso dado por Joyce às luzes de Natal no terceiro capítulo.

O processo de resgate funciona, mas não deixa de causar alguns ruídos na estrutura. O formato de série desenvolvido pelos Duffer, estabelecido no uso de múltiplos pontos de vista para contar uma história, parece não conseguir comportar o desenrolar do mistério ao qual tanto se baseia, já que a cada episódio há a preocupação de ilustrar as ações tomadas pelo personagem de Matthew Modine e sua equipe para encobrir os traços do monstro que libertaram, suprimindo assim qualquer traço da paranoia de seus personagens. O uso desta mecânica, por outro lado, se traduz depois em uma didática um pouco excessiva, principalmente quando é para se explicar a origem de Eleven.

E se a série tivesse no mistério seu elemento mais forte, esses problemas seriam bastante fatais. A sorte é que a produção - talvez por causa da participação de Shawn Levy, cineasta conhecido por filmes feitos para a família (Gigantes de Aço, a série Uma Noite no Museu), na direção de dois episódios e na produção executiva - se esforça continuamente em trabalhar os dois gêneros ao qual se submete para a temática familiar, cuja moral de união é intrínseco à produção cultural estadunidense dos anos 80. Dessa maneira, conforme converge os núcleos de personagens a um ponto narrativo comum, o seriado também refaz a típica formação familiar em meio ao caos da televisão, quase recriando a disposição da Família Do-Ré-Mi a partir de estereótipos oitentistas atormentados (o xerife em luto, a mãe assombrada pela morte do filho, o jovem esquisito, a patricinha do colégio no desabrochar da adolescência, os meninos bullynados).

Tal qual Super 8, a retomada de tais valores dá uma liga interessante à história de Stranger Things, que também se iguala ao filme de J.J. Abrams no ótimo trabalho do elenco - Ryder está ótima em seus desesperos para reaver o filho, e todas as crianças sabem tirar o melhor de seus papéis. Os irmãos Duffer não acrescentam nem problematizam essa moral, deixando-a intocada para que desempenhe seu papel de encantamento, e isso talvez crie um desgaste a quem não tenha grande identificação com a década em pauta. O curioso, porém, é que para uma série de nostalgia tão dedicada a tal objetivo Stranger Things tenha uma ótima tendência a se desvencilhar desta para criar os próprios caminhos.

Nota: 8/10

terça-feira, 29 de março de 2016

Review: Demolidor - 2° Temporada

Assombrada pelo primeiro ano, série tem dificuldades para continuar a própria história.

Por Pedro Strazza.

Embora seja parte de uma série de televisão e esteja portanto encaixado em uma narrativa maior, é curioso como a segunda temporada de Demolidor recorre insistentemente a um mecanismo que vem se tornando cada vez mais frequente e quase obrigatório nas adaptações de quadrinhos de super-herói para o cinema: a preparação, o mito de que é possível construir uma história como mero trampolim para uma próxima, muito maior, empolgante e distante do espectador no momento de seu lançamento.

É uma mudança sutil, mas bastante vital para todo o modo de funcionamento da série nesse segundo ano, que de início tem em mãos a difícil tarefa de continuar o raciocínio da primeira temporada sem grande parte de suas peças. Com o império secreto de Wilson Fisk (Vincent D'Onofrio) derrubado e no momento fora de combate, os showrunners Doug Petrie e Marco Ramirez - que entram no lugar deixado por Steven DeKnight e o criador Drew Goddard - precisavam cercar a história de Matt Murdock (Charlie Cox) de novos elementos para ao mesmo tempo manter o seriado em destaque e continuar seu debate em cima da figura heroica e em formação do Demolidor.

Entram em cena então as figuras de Frank Castle (Jon Bernthal), o futuro Justiceiro, e Elektra Natchios (Elodie Yung), responsáveis por "elevarem o nível" e "deixarem as coisas mais pesadas" em Hell's Kitchen, como a série bem explicita em alguns diálogos (como os acima) e cenas de seus primeiros quatro episódios, buscando dar cabo de tal meta no restante da temporada. O uso da violência gráfica na narrativa, inclusive, é muito mais exagerado nesse segundo ano, adquirindo um viés quase sádico conforme o seriado se dedica a expor gargantas cortadas e corpos saraivados de tiros (algumas vezes de maneira bem ridícula, como nos slow motions do ataque à reunião de mafiosos irlandeses no primeiro capítulo) sem qualquer motivo maior além de, junto da fotografia ainda mais escura, deixar claro o maior peso de sua história - que, pela aparente lógica de Petrie e Ramirez, traz maior interesse ao programa.

Mas se na primeira temporada Fisk era trabalhado pelos roteiristas de forma a alimentar o conflito de visões sobre o que seria melhor para a cidade onde se passa a história, aqui é notável a hesitação dos mesmos em realizar um processo similar com esses dois novos elementos. Ainda que ora ou outra sejam voltados para sua relação com Murdock, Frank e Elektra nesses treze novos episódios trilham caminhos próprios e quase sem qualquer relação com os da série, muito mais dedicada em estabelecer os caminhos deles que alinhá-los com os seus. O resultado, previsível, é um esvaziamento de conteúdo em Demolidor, que termina preso em arcos pouco ou nada relacionados com sua temática principal.

E como um macaco de circo com dois pratos nas mãos, o seriado dança para entreter, recorrendo a diversos gêneros televisivos para ocupar o vão criado em seu interior. Do drama de tribunal aos épicos de predestinação, a série vai à base da tentativa e erro, testando formatos que possam ou não se encaixar em seus personagens e na história, que oscila constantemente entre a investigação do assassinato da família de Castle e a trama de conspiração envolvendo o Tentáculo. Dessas estruturas, a que talvez melhor funcione acontece no quinto e sexto episódios, quando os roteiristas compõem um triângulo amoroso entre Elektra, Murdock e Karen Page (Deborah Ann Woll) para evocar um pouco do debate sobre justiça para ricos e pobres realizado na primeira temporada, e consegue no processo equilibrar melhor os dois arcos atuais.

O maior problema deste segundo ano, porém, é que tudo é feito pensando apenas no futuro, sem conseguir tirar qualquer proveito das situações elaboradas. Personagens confrontam a relação, são abandonados na narrativa - ou ignorados por completo, como Foggy Nelson (Elden Henson) - e enveredam em monólogos cansados, enquanto a trama da temporada em si dá a impressão de dar voltas e voltas para no fim chegar a lugar nenhum e, paradoxalmente, deixar preparado os alicerces dos próximos capítulos. No fundo, o grande peso que Petrie e Ramirez vendem com tanto esforço soa quase tão falso quanto o plano-sequência do terceiro episódio.

Nota: 4/10

segunda-feira, 14 de março de 2016

Review: House of Cards - 4° Temporada

Política americana, novela mexicana, fórmula reiniciada.

Por Pedro Strazza.

Conforme o tempo passa e novas temporadas se somam às já existentes, fica cada vez mais claro que House of Cards se tornou uma série incapaz de traçar novos caminhos para a jornada de seu protagonista. Afinal, após chegar ao topo da pirâmide do poder da nação mais poderosa do mundo em meras duas temporadas, o vilanesco e corrupto político Frank Underwood (Kevin Spacey) parece não assumir de fato o poder para si e exercê-lo ao bel prazer para se preocupar com a questão de como mantê-lo, e o seriado soa como se estivesse dando voltas em um círculo eterno.

Só isso para explicar as decisões tomadas pelo showrunner Beau Willimon (que inclusive está de saída do programa) e seu time de roteiristas nesta quarta temporada, que antes de mais nada trata de reiniciar a fórmula criada no distante primeiro ano em chave muito mais caricatural do que antes. Como bem diz o próprio presidente Underwood em dado momento destes novos treze episódios, a política deixou de ser teatro para se tornar em puro entretenimento, e a série trata de seguir tal lema pela repetição de raciocínios anteriores. Próximo passo natural na estrutura do seriado, a problematização do poder em seu exercício é mais uma vez ignorada, em prol do retorno da temática da busca por este, mais imediata, atraente e dessa vez literal graças às eleições presidenciais.

Isso fica bastante claro nesta temporada pelos próprios esforços dos roteiristas em substituir as peças originais do seriado e ao mesmo tempo manter aquecida as engrenagens que tornam House of Cards no programa querido pelos fãs. Das disputas políticas ao triângulo amoroso, passando pelo impacto das ações dos poderosos no indivíduo comum - dessa vez o jornalista Tom Hammerschimdt (Boris McGiver) -, todas as estruturas são mantidas de alguma forma, sem receber qualquer acréscimo que dure mais de três episódios. O que soa de diferente no quarto ano mesmo são as constantes resvaladas - mas nunca abordadas de forma concreta - da história em temas socialmente relevantes, como o preconceito racial, o machismo inerente da sociedade e a rivalidade entre a elite e o povo (materializada no trabalho de Ellen Burstyn como Elizabeth Hale, a mãe de Claire), e a própria Claire, que é promovida de fato ao posto de protagonista e aqui em destaque por ter o maior arco de personagem - apesar de no fundo ser apenas mais um de provação ao marido.

Mas como realizar tal tarefa e impedir que a trama esfrie numa estratégia tão sem sal? Para a série, vale a tática da reviravolta, ferramenta recorrente do formato e nestes treze episódios utilizada tantas vezes a ponto do programa lembrar a dinâmica de uma típica novela mexicana, ainda mais com a crise no casamento dos Underwood na primeira metade da temporada e os delírios que tomam Frank após sua hospitalização (e que nada funcionam para os intentos do seriado, visto a inegável disparidade com sua proposta "realista"). Tentativa de assassinato, golpe político, sequestro e consequente negociação... os plot-twists são variados e de diferentes tamanhos, prontos para acontecer com frequência vigorosa e manter o público interessado na sucessão exaustiva de eventos.

O que salva House of Cards do desastre que (por enquanto) se forma no horizonte, porém, não é a necessidade constante de uma nova guinada, mas a eficiência dos roteiristas nestas trocas de peças no tabuleiro político. Pois se personagens como o chefe de segurança Edward Meechum (Nathan Darrow) - que há tempos dá sinais de ser mero acúmulo narrativo - tem seu papel minimizado ou limado em definitivo, a trama ganha acréscimos tão funcionais como o escritor Thomas Yates (Paul Sparks), apresentado no terceiro ano e com maior espaço neste quarto, ou a consultora política Leann Harvey (Neve Campbell), que oferece uma gama maior de possibilidades ao futuro da série mesmo não sendo aproveitada no momento.

Neste campo de substituições pontuais, a mais simbólica de todas talvez esteja representada em Will Conway (Joel Kinnaman), jovem candidato republicano à presidência e maior antagonista dos Underwoods na metade final da temporada. Figura de reposição ao presidente russo Petrov (Lars Mikkelsen) - que mantém o posto de melhor coadjuvante por ser o único a tentar projetar o tema do programa para frente -, ele a esposa Hannah (Dominique McElligott) servem de contraponto interessante aos protagonistas, tanto em sua proposta de serem versões Millennials do casal, dispostos a documentar cada instante de suas vidas nas redes sociais e assim ganhar a tão cobiçada simpatia do povo, como na inversão de valores na comparação de perfil dos dois candidatos - Will servindo como um republicano aos moldes do democrata John F. Kennedy, Frank um democrata de feições e atos similares ao do republicano Nixon. Os melhores momentos desta temporada, respectivamente a "reunião" para decidir o que fazer com uma facção terrorista e o penúltimo episódio inteiro, só acontecem graças a suas presenças.

Mas por mais bem feito que sejam, essas trocas não escondem do espectador o caráter rotativo que tomou a série de sobressalto. Enquanto ruma para o que parece ser uma grande crítica à guerra ao terror de outros governos (principalmente ao do mandato Bush, responsável pela criação do termo), House of Cards parece decidida neste quarto ano a abandonar de vez a realidade fantasiosa e a crítica política calcada na atualidade para mergulhar de vez no novelesco, de maneira tão caricatural quanto a elasticidade e a maquiagem no rosto de Kevin Spacey e a assepsia de seus cenários permite. Se o seriado não sair da inércia temática logo, entretanto, tal decisão pode vir a ser bastante danosa a seus próprios caminhos.

Nota: 6/10

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Primeiras Impressões: Vinyl

Primeiro capítulo não arrisca, mas tem contexto social promissor.

Por Pedro Strazza.

Existe um tanto de garantido na maneira como Vinyl, a nova série produzida por Martin Scorsese, estabelece no piloto a sua narrativa e trama. O primeiro ocorre pelo próprio modus operandi do cineasta, que assume a direção do episódio de quase duas horas de duração e impõe seu estilo conhecido e bastante celebrado; a segunda, por outro lado, se dá pelo próprio contexto da televisão estadunidense e sua atual era de ouro, em voga desde o sucesso de Os Sopranos nos anos noventa.

Porque apesar de se passar no início dos anos setenta e acompanhar uma realidade agora quase surrealista aos olhos de hoje com a disposição de evidenciar esse lado da época, o seriado criado por Scorsese, o roteirista Terence Winter, Rick Cohen e o cantor Mick Jagger não hesita em seguir as convenções para contar a história do rico empresário musical Richie Finestra (Bobby Cannavale), sejam estas de estilo ou roteiro. Não é muito difícil vir à cabeça memórias de outros seriados - para mim especificamente Mad Men - em meio à sucessão de cenas dominadas pelas drogas pesadas e a música, que encontram-se também interessadas em trazer ícones da cultura rock'n roll de maneira implícita (a configuração das cabeças de cervo na parede da sala de reunião, que remetem de imediato à capa de Queen II) ou explícita (as imagens do desastre do LZ 129 Hindenburg intercalado com a capa do primeiro disco do Led Zeppelin). Se tudo isso ocorre por medo de arriscar o sucesso de uma grande produção gerada pelos nomes envolvidos ou apenas por pura ingenuidade, é uma pergunta que o primeiro episódio não responde.

O que Vinyl está mais a fim aqui, na verdade, é de compor sob o viés da insanidade o contexto social e musical ao qual sua história se insere, algo que Scorsese provou inúmeras vezes em sua filmografia. E os anos setenta não poderiam ser mais férteis para tal objetivo, sendo uma década marcada pelo conflito em constante ebulição e transformação em todos os campos possíveis de análise. O piloto se concentra, claro, na música, mas no subtexto da comparação dos lugares visitados pelo protagonista com seus flashbacks - centrados no começo de sua carreira no ramo e de sua amizade com o cantor negro Lester Grimes (Ato Essandoh) - já se percebe um fundo político aliado ao tema, da ascensão marginal do hip-hop como manifestação da discriminação racial e a tensão crescente derivada do processo.

E se há uma coisa que o diretor sabe fazer é atiçar a raiva a ponto de implosão, e pelo piloto Cannavale demonstra bastante habilidade em executar essa fúria pelo overacting.

A grande questão é: pode a vibe efervescente da série funcionar repetindo estruturas e noções conhecidas do público? Temos mais uma vez o protagonista de moral duvidosa e dotado de dilema de identidade, a coadjuvante feminina em ascensão profissional (Juno Temple, ótima) e os escritórios organizados (ainda que sob domínio da cocaína) derivados da TV, combinado à estética cômica e acelerada do cinema de Scorsese. Se Vinyl quer buscar seu lugar ao Sol, ela terá que buscar maneiras de se diferenciar do resto.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Review: Jessica Jones - 1° Temporada

Heroína conversa sobre abuso nas relações com interesse, mas sofre pela interiorização.

Por Pedro Strazza

Não é preciso muito tempo para perceber a propensão de Jessica Jones ao noir. Das ruas mal-iluminadas à maior presença dos metais na trilha sonora, a série estabelece essa ambientação no mesmo passo que introduz o perfil de sua protagonista, cuja primeira participação na obra consiste de arremessar um de seus clientes pelo vidro da porta de seu escritório/apartamento.

É nesse ritmo que os treze episódios da primeira temporada do seriado comandado por Melissa Rosenberg deixam claro ao espectador que a história a ser contada será direta e sem maiores delongas. Embora nunca a chegue a pedir de fato por tal urgência narrativa, a vida de detetive particular da superpoderosa do título interpretada por Krysten Ritter e sua trama de vingança contra o maléfico manipulador de mentes Kilgrave (David Tennant) se desenrola com velocidade, apostando no valor imediato das situações que apresenta. Acima de tudo, Jessica Jones trabalha na reviravolta, no uso quase constante do abalo inicial.

Só isso pode explicar o uso de ganchos ao final dos episódios e de viradas na trama, que se acumulam desordenadamente ao longo de quase 13 horas. Se no início essas ferramentas criam uma sensação de imprevisibilidade aos eventos mostrados, com o tempo elas acabam por tornar a série cansativa, como se o roteiro desenvolvido por Rosenberg e sua equipe de roteiristas dependesse destas para manter o espectador atento à história.

Essa necessidade de ser impactante de cinco em cinco minutos faz sérios danos à estrutura do seriado, mas não o suficiente para prejudicar a sua temática. Pois enquanto série que se dispõe a analisar as repercussões dos relacionamentos abusivos na sociedade Jessica Jones funciona muito bem: seja nos núcleos coadjuvantes ou na própria dinâmica exercida entre a protagonista, Kilgrave e eventualmente Luke Cage (Mike Colter), o seriado é eficaz em evidenciar o processo de isolamento social que tais relações criam, dando destaque claro às vítimas mais comuns (a mulher, sempre tida como inferior no cruel sistema patriarcal) sem contudo expor estas como únicas a receber tal tratamento, graças ao processo de divórcio da advogada Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss), aqui retratada de forma quase tão vilanesca quanto o principal antagonista. O ápice vem no clímax do 12° episódio, em que o diretor Bill Giehart eleva a presença do púrpura de Kilgrave na paleta de cores e demonstra no jogo visual a insegurança máxima provinda do abuso.

(Ainda sobre a personagem de Moss, é interessante e positivo perceber como sua personagem é a primeira homossexual nas séries da Netflix a não ter essa sua característica um ponto essencial de seu perfil. O fato dela ser lésbica, assim como nos papéis de Susie Abromeit e Robin Weigert, em nenhum momento é tratada com a mesma importância que sua falta de escrúpulos no trabalho, por exemplo.)

Dito isso, é sintomático na série tratar esse problema como algo particular dos indivíduos afetados e, principalmente, de Jessica. Clichê danoso do cinema, esse processo de interiorização comum às personagens femininas vai de encontro à definição de heroísmo da personagem, impedindo-a de se tornar um bastião contra tais estupros. É algo que também repercute nas conexões com universo Marvel que o seriado ora ou outra se vê obrigado a fazer (e que soam artificiais por essência) e na ação, filmada como obrigação e no fundo desnecessária à obra.

Por outro lado, Rosenberg mostra visível dificuldade em alinhar os núcleos coadjuvantes na narrativa quando estes não estão em consonância com a trama principal. É visível na série que personagens como Malcolm (Eka Darville), Trish (Rachael Taylor) e Hogarth se tornam um aborrecimento nos momentos em que não são necessários e precisam trabalhar sozinhos, mesmo seus arcos tendo alguma importância na cadeia dos eventos.

Ancorada também por uma ótima atuação de Tennant, capaz de absorver a personalidade atormentada e vilanesca de seu Kilgrave com toques de humor refinados, Jessica Jones acaba por sofrer do mal do imediatismo e da falta de atenção. Embora crie situações que no calor do momento sejam eficazes, no longo prazo elas não são capazes de dar uma unidade à série e sua temática. É como se Rosenberg e os roteiristas se contentassem com o impacto da cena, incapazes de amarrá-los em uma linha de desenvolvimento única. Resta o choque, puro e simples.

Nota: 5/10

sábado, 1 de agosto de 2015

Review: Wet Hot American Summer - First Day of Camp - 1° Temporada

Prelúdio a cultuada comédia de 2001 encontra na auto-referência e na TV um maior espaço para trabalhar.

Por Pedro Strazza.

Existem dois momentos distintos de Wet Hot American Summer - First Day of Camp que definem bem tanto o seu tipo de humor quanto a sua auto-consciência do quão absurdo é sua existência. No primeiro, a jornalista Lindsay (Elizabeth Banks), de 24 anos, consegue provar à redação aonde trabalha que é capaz de se passar por uma adolescente de 16 anos apenas prendendo uma parte do cabelo para trás; no segundo, uma garotinha chamada Abby corre para um banheiro por estar tendo a primeira menstruação e, quando sai do box, a atriz infantil que a representava é substituída por uma adulta (Marisa Ryan) pessimamente disfarçada de criança somente porque ela é agora "uma mulher", nas palavras das monitoras que a recebem.

Além de trazerem mulheres em situações cômicas que cheiram à naftalina dos anos 80, esses dois esquetes ressaltam ao espectador o ridículo que é a situação de fazer um prelúdio sobre uma comédia adolescente feito há quase 15 anos com um elenco agora envelhecido. Mesmo que atrizes como Ryan e Banks continuem estonteantes depois de tanto tempo - especialmente a última, ainda capaz de fazer o papel de jovem com 41 anos-, a série anterior aos eventos do inexplicável filme cult Mais um Verão Americano tem em mãos um paradoxo temporal exagerado, impossível de ser solucionado até pelas mãos do roteirista mais brilhante. Um luxo que, óbvio, ela não tem aqui.

Resta então aos criadores David Wain e Michael Showalter abraçar o descompromisso com a realidade, algo muito fácil se considerar que a base é um besteirol dos mais enlouquecidos. A diferença, porém, é que se no longa-metragem o humor desconectado da dupla com velocidade se tornava tedioso de assistir, no formato Netflix de seriado - onde temporadas inteiras são liberadas de uma vez e, assim, agrupa os episódios em filmes de mais de 5 horas - eles encontram uma espécie de "consagração" para sua história.

O problema é que essa glória não chega a ser real porque, no fundo, o prelúdio só é superior ao filme por ter mais tempo para realizar o mesmo tipo de comédia. Como uma metralhadora, o roteiro dos oito episódios escritos por Wain e Showalter dispara para todos lados afim de em algum momento acertar o espectador e fazê-lo rir, e em vários momentos eles alcançam seu objetivo. Mas para chegar a uma boa piada First Day of Camp precisa fazer pelo menos umas cinco ruins, e dessas cinco pelo menos uma sai como uma crítica política antiquada (o próprio Showalter interpreta um vilanesco presidente Reagan, afinal) e outras duas soam mais como ofensa que qualquer outra coisa.

A sorte da série é que o elenco, ao contrário de seus criadores, evoluiu bastante desde 2001 e conta com ótimas adições. Com maior tempo de tela, o time de estrelas liderados por Paul Rudd (sem explicação plausível o novo protagonista da trama) e que conta com nomes como Amy Poehler, Bradley Cooper, Jason Schwartzman, Christopher Meloni - talvez o melhor em cena, pois quase sempre tira de seu cozinheiro/ex-militar paranoico as melhores piadas - e a própria Banks é capaz de envolver o seu público com seus personagens caricatos, mais adequados ao formato televisivo por justamente terem o perfil de figuras escrachadas de uma típica sitcom. Mais exagerados e também hilários são as participações que pipocam ao longo da história, como o agente assassino interpretado por Jon Hamm (que, como em Unbreakable Kimmy Schimdt, prova mais uma vez ter um timing cômico invejável) ou Weird Al Yankovic, apenas mais uma dessas figuras vindas de um passado quase fantasmagórico para assombrar o seriado.

É da auto-referência, porém, que Wet Hot American Summer - First Day of Camp tira seus melhores momentos. Seu escárnio com a diferença claras de idade do elenco para seus papéis ("Sua liderança vai ser tão boa que até o fim do verão todos nós teremos rejuvenescido 15 anos" diz alguém no fim de um dos episódios) e os absurdos cometidos durante a sequência de eventos (a cena envolvendo os personagens de Hamm, Meloni e Janeane Garofalo no finale, por exemplo) provam que Wain e Showalter estão sabendo da baixa qualidade do material que criaram, mas isso não os impede de se divertir na mediocridade.

Rir de si mesmo, entretanto, não necessariamente esconde a própria mediocridade do produto.

Nota: 5/10

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Review: Demolidor - 1° Temporada

Uma origem profunda para um confronto maniqueísta. 

Por Pedro Strazza.


Das várias particularidades existentes em Demolidor em relação ao universo que pertence, a mais curiosa definitivamente é seu caráter urbano. Após anos desenvolvendo filmes e séries focados em personagens que representam instituições ou visem a salvação da humanidade, é estranho ver a Marvel Studios contar a história de um homem que não sai de casa para combater o mal do mundo ou de sua cidade, mas sim de seu próprio bairro.

E o tom local do seriado dedicado ao Homem Sem Medo não poderia ser mais apropriado. A ausência de um grande combate no pano de fundo e de poderes espalhafatosos permite à série criada por Drew Goddard uma aproximação inédita do universo cinematográfico da Marvel com a realidade da população que o habita e que foi obrigada a passar por eventos maiores à sua existência. A destruição ocorrida em Nova York pelo clímax do primeiro Vingadores e o ambiente de tensão advindo de tais acontecimentos, afinal, serve como ponto de partida ideal para o embate planejado nesta primeira temporada.

Os combatentes aqui, porém, não carregam em sua essência os conceitos de bem e mal definidos, mas tem eles misturados em um caldeirão de incerteza quanto ao efeito de seus atos. É justamente essa dúvida que conduz as trajetórias de Matt Murdock (Charlie Cox) e Wilson Fisk (Vincent D'Onofrio) no primeiro ano de Demolidor, em um típico arco de origem para suas futuras e famosas personas: A intenção inicial de seus planos com a Hell's Kitchen pode ser a melhor possível, mas o curso dos eventos e as ações de caráter dúbio os faz repensar sua própria posição no grande jogo das coisas - não à toa, a frase "Estou fazendo o melhor para minha cidade" é repetida exaustivamente por ambos em diversas situações.

Conhecer as duas figuras centrais torna-se portanto uma obrigação para evitar o maniqueísmo simples, e esta é a chave do sucesso da série. Ao longo de seus 13 episódios, Demolidor se aprofunda no perfil de Murdock e Fisk para entender ao mesmo tempo os motivos que o levaram a estar ali e como eles se transformarão nas figuras que conhecemos, e contrasta-os a todo instante para o espectador compreender a oposição entre eles. Seja no design de produção, que destaca o multicolorido berrante nos lugares ocupados por Matt e os brancos e pretos nos de Wilson - e aqui é divertido destacar nos figurinos vestidos por sua namorada Vanessa (Ayelet Zurer) o uso frequente da cor característica dos ternos do Rei do Crime nos quadrinhos -, ou na montagem, o programa realça a noção de antagonismo entre herói e vilão, mesmo estes tendo no fundo o mesmo objetivo.

Nesse quesito, o seriado conta com dois ótimos atores para protagonizar o conflito apresentado. Se Cox é decisivo para encarnar um Matt Murdock que sente o peso da responsabilidade de seus poderes e a perda do pai, mas procura fazer um futuro melhor longe das grandes empresas de advocacia e com o vigilantismo, D'Onofrio é brilhante em fazer um Wilson Fisk atormentado, que mesmo com boas intenções com a Cozinha do Inferno sente o caminho duro trilhado e as ações maléficas tomadas. Seu relacionamento com Vanessa é acima de tudo uma visita a seu psicológico estraçalhado pelo pai, e ajuda a compreender muito bem o perfil impulsivo e monstruoso do Rei do Crime.

Essa dualidade funciona muito bem para tema, mas não consegue esconder do espectador os problemas da série, a exemplo do uso dos coadjuvantes. Enquanto vemos o confronto entre Murdock e Fisk se desenrolar, é frustrante o uso de Foggy Nelson (Elden Henson) e Karen Page (Deborah Ann Woll) e seus respectivos bons intérpretes como simples alívio cômico enquanto não utilizados pela narrativa central. Ao mesmo tempo, a enfermeira Claire (Rosario Dawson) desaparece e reaparece sem maiores explicações, e interrompe um desenvolvimento interessante de seu relacionamento com o protagonista.

Mas o grande erro do seriado ocorre de fato na sua transposição de gêneros, ocorrida a partir da metade de sua temporada. Mesmo que se combinem muito bem em outros casos, a transformação da trama policial e de vigilantismo em uma super-heroica prejudica Demolidor visivelmente, dotando-o de uma afetação incômoda e incoerente em alguns eventos - cujo ápice com certeza é a maquinação final de Wesley (Toby Leonard Moore) para ajudar o seu poderoso chefe.

São erros bobos os cometidos pela série, mas que em nenhum momento estragam a graça de seus acertos. De seu embate de mocinho e bandido conturbados às cenas de ação muito bem orquestradas (como esquecer o maravilhoso encerramento do segundo episódio?), Demolidor funciona muito bem para história de origem de seus personagens e como parte integrante do universo ao qual pertence. Seu encanto maior, porém, é a habilidade com a qual faz um próprio mundo para si e povoa-o com dois personagens extremamente bem elaborados em seus desejos e medos - este último um elemento muito importante para a formação do herói do título.

Nota: 8/10

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Review: Better Call Saul - 1° Temporada

Em seu primeiro ano, derivado de Breaking Bad equilibra desenvolvimento original e dependente de sua série-mãe para estabelecer as próprias bases.

Por Pedro Strazza.

As séries de televisão já geraram muitos produtos de qualidade, mas foram raras as vezes em que conseguiram algo a mais depois do fim de suas histórias. Enquanto o cinema está cada vez mais interessado em criar produtos derivados de suas franquias mais poderosas, o universo televisivo ainda teme em criar seriados baseados em seus programas de maior sucesso, motivado talvez pelos maiores riscos financeiros e o passado de erros.
É na contramão do mercado, portanto, que Better Call Saul faz sua estreia na programação estadunidense. Derivado da consagrada por público e crítica Breaking Bad e que serve como prelúdio ao programa, a série criada por Vince Gilligan e Peter Gould abandona a saga de Walter White para focar em seu advogado e sua jornada de ascensão profissional. Assim, somos transportados ao começo dos anos 2000 e acompanhamos o jovem advogado Jimmy McGill (Bob Odenkirk) no processo de transformação na figura de Saul Goodman.
O grande trunfo criado para o sucesso do spin-off é a preservação e aprimoramento das características da história anterior na nova. Além da fotografia extremamente perfeccionista (a dupla criadora leva ao limite os ângulos inesperados e a simbologia das cenas), Better Call Saul traz no fundo os mesmos caminhos egocêntricos tomados por Walter em Breaking Bad, agora aplicados em um contexto de sucesso profissional mais legitimado e menos criminal, afora o conhecimento do público do fim que levará Jimmy na história. E embora sejam pessoas muito diferentes, Mcgill e White carregam consigo a mesma dor da inferioridade na sociedade integrante, que, catapultada pela inveja, motiva-os a recorrer a caminhos desonestos para alcançar a glória pessoal - e é a maneira como esse ciúme funciona para despertar esse processo que serve como mote dessa primeira temporada.
A repetição de valores, porém, não é o único atrativo do seriado. Gilligan e Gould foram inteligentes em tornar Albuquerque mais uma vez palco de um mundo novo e repleto de personagens interessantes (o irmão Chuck, desempenhado por Michael McKean, é uma adição divertida à galeria de birutas das duas séries), que em conjunto da própria personalidade inédita de seu protagonista - Jimmy prova em vários momentos dos dez episódios ser oposto a Saul em alguns aspectos - separa a cria de sua mãe o suficiente em conteúdo. As referências setentistas, feitas tanto na narrativa quanto nas falas de Mcgill, e o desenvolvimento paralelo e excelente de Mike (Jonathan Banks) - outro personagem provindo do produto original - completam muito bem o pacote de novidades.
Esperta em se distanciar de Breaking Bad para criar seus próprios valores, mas não o bastante para perder seus principais pontos acertados, Better Call Saul traçou em sua primeira passagem pela televisão uma base sólida para seu crescimento. E a julgar pelos diversos elementos apresentados e pouco utilizados (é de se esperar uma maior participação de Hamilton nos próximos anos) e pela própria condução dos eventos, a saga de Jimmy McGill tomará rumos próprios em um futuro próximo.

Nota: 8/10

terça-feira, 3 de março de 2015

Review: House of Cards - 3° Temporada

Tom caricatural funciona tanto para bem quanto para mal no primeiro mandato de Frank Underwood.

Por Pedro Strazza.

É com uma mijada no túmulo de um de seus antepassados que Frank Underwood inaugura a terceira temporada de House of Cards mostrando a solução da série para seus problemas narrativos inevitáveis. Com esse simbolismo claro e grosseiro (característica essa bastante presente na produção desde seu princípio), a versão estadunidense da minissérie da BBC oficializa ao espectador uma mudança radical de tom para contar sua história de poder e desejo, e no processo distancia-se de toda a construção feita no primeiro ano e preservada em alguns pontos no segundo. Se antes a política era tratada com seriedade e com algumas pontadas de ironia, ela agora é satirizada e ridicularizada a todo momento possível.

A alteração não é à toa. Depois de duas temporadas armando esquemas e fazendo intrigas, Underwood (Kevin Spacey) enfim conseguiu o que queria e chegou à presidência dos Estados Unidos, o topo da cadeia política do país. Mas não há tempo para celebrações, pois Frank, junto de sua esposa Claire (Robin Wright), precisa lidar com todo tipo de questões para salvar seu governo e garantir o segundo mandato, e isso exigirá tudo. A manutenção do poder é muito mais complicado que alcançá-lo, e os 13 episódios usam do exagero para evidenciar esse contraste.

Para grande parte de sua trama, essa abordagem funciona muito bem. Apesar de nunca alcançar a qualidade atingida no primeiro ano, o terceiro consegue pelo menos se sair melhor que o segundo ao aceitar o ridículo que se tornou, e o emprega para brincar com o panorama atual do país.

Assim, se na temporada passada era visível o incômodo e a indecisão em separar o debate político da bobagem sensacionalista, a série aqui se sente confortável em misturar as duas coisas e tratá-las com humor como uma só, obtendo a partir disso momentos tanto fascinantes em sua concepção como divertidos por seu absurdo. Quem melhor se aproveita disso é Lars Mikkelsen, que entende essa visão para fazer de seu presidente Petrov ao mesmo tempo uma caricatura muito bem feita de Vladimir Putin e um antagonista mais interessante que o Raymond Tusk de Gerald McRaney.

A "política do exacerbamento" também se faz eficiente com os personagens coadjuvantes, pois encontra neles um espaço amplo para trabalhar. Do arco de recuperação vivido por Doug Stamper (Michael Kelly), destacado sem muita sutileza pela temporada, às pequenas trajetórias de personagens como a de Heather Dunbar (Elizabeth Marvel) ou Remy Danton (Mahershala Ali), o elenco periférico mantém sua qualidade por conseguir trabalhar no caricato seus papéis rasos e unidimensionais para torná-los minimamente interessantes.

A dupla protagonista, por outro lado, sofre com esses excessos por já estarem nessa posição caricatural desde o início da série. A crise de relacionamento gerada pelo poder é um tema muito batido para um casal frio e racional como o de Frank e Claire, e mesmo que este gere episódios fantásticos - o sétimo capítulo pode cometer erros em sua temporalidade, mas é certeiro ao explorar mais a fundo e com sensibilidade a dinâmica dos dois - e um personagem tão bem encaixado entre os dois como é o escritor vivido por Paul Sparks, na maioria das vezes ele resulta em situações patéticas, e os últimos episódios da temporada (além do gancho para a quarta) são prova disso. Nesse meio tempo, as atuações de Spacey (mais caras e bocas impossível, apesar de quebrar menos a quarta parede) e Wright passam do limite e tornam-se canastrãs, graças aos diálogos fracos realizados entre os dois.

Mesmo superior ao ano anterior e ser parcialmente feliz em sua aposta drástica, a terceira temporada de House of Cards não consegue fazer muito mais que manter ao mínimo a qualidade da série, e evidencia o desgaste cada vez maior da obra. A cada nova leva de episódios, o seriado criado por Beau Willimon soa mais e mais como uma paródia de si mesmo, e tornar cômico o tom da narrativa ou exagerar na composição de seu protagonista não são capazes de esconder esse problema.

Nota: 7/10

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Primeiras Impressões: Gotham

Piloto dá esperanças, mas possui problemas demais

Por Pedro Strazza

Basta uma rápida olhada na lista de séries que estréiam na fall season 2014/2015 para perceber que os quadrinhos aportaram com tudo na televisão estadunidense. Rivais no mercado cinematográfico e de gibis, Marvel e DC Comics estão lançando juntas na telinha nada menos que cinco séries novas, que irão se juntar aos seriados em andamento Marvel's Agents of S.H.I.E.L.D. e Arrow na programação. E se tudo der certo, as duas editoras já tem planos de mais projetos televisivos em suas mesas.
Para abrir essa "temporada de estréias super-heróicas" temos Gotham, série da Fox que promete mostrar a cidade do título antes da chegada de seu mais conhecido cidadão - o Batman - e os primeiros anos de Jim Gordon (Ben McKenzie) na polícia do local. E se a princípio o homem-morcego não irá aparecer em nenhum episódio, no piloto pelo menos temos como tema o momento-chave para sua formação: O assassinato dos pais de um ainda jovem Bruce Wayne (David Mazouz).
Do famoso crime - que inclusive abre o episódio - a trama muda seu foco de imediato para Gordon, que acaba de chegar à cidade e, junto de seu novo parceiro Harvey Bullock (Donal Logue), recebe como primeiro caso o homicídio. Detetive honesto e incorruptível, o futuro comissário faz uma promessa ao recém-órfão Bruce de que irá capturar o responsável de toda a desgraça cometida, mas para isso terá de enfrentar toda a sujeira presente no sistema de Gotham City.
Deste ponto em diante, a série torna evidente no piloto suas primeiras virtudes e defeitos, mas pesa a mão nestes últimos. Isto porque Gotham, pelo menos no primeiro capítulo, apresenta uma inconveniente necessidade em deixar claro que tudo está conectado, um recurso de roteiro pouco eficiente quando em mãos pouco criativas - caso este da produção. Dessa forma, intercalam-se no episódio aparições dos mais diversos vilões conhecidos dos quadrinhos em posições relacionadas de alguma forma ao evento principal - o Charada (Cory Michael Smith) como especialista forense, a Mulher-Gato (Camren Bicondova) como uma testemunha do assassinato de Thomas e Marta Wayne, Hera Venenosa (Clare Foley) como filha do suspeito do crime, etc. - com relacionamentos enterrados no passado entre personagens completamente distintos, revelando uma tendência que no futuro pode cobrar o seu preço se não planejada desde o início.
Outra problemática grave aqui é o próprio protagonista. Manejado com canastrice por McKenzie, Gordon é apresentado pela série de forma bastante planificada, e carrega isso para suas interações com outros personagens - principalmente com Bruce, cuja relação é o ponto mais fraco do piloto por sua artificialidade pungente.
Há, porém, muito potencial em Gotham quando se tratando da máfia. O núcleo formado por Fish Mooney (Jada Pinkett Smith) e Carmine Falcone (John Doman) mostra que o seriado pode se tornar uma excelente obra de gênero por causa da notável rivalidade exercida entre os dois reinos de crime e os efeitos desta na cidade e sua força policial. E pelo destino dado ao Pinguim (Robin Taylor) no piloto, é bem possível que a dupla vire um trio em pouco tempo.
Com defeitos complicados a serem resolvidos, Gotham é em seu início uma série que se vende muita mais por suas possibilidades que seus elementos presentes. Os consertos, porém, terão que acontecer rapidamente, pois a esperança dos fãs do Cavaleiro das Trevas podem se esgotar antes do fim da primeira temporada se não recompensada em algum nível.