quarta-feira, 14 de junho de 2017

Crítica: Baywatch - S.O.S. Malibu

Adaptação almeja desconstruir ideais de sensualidade do original, mas termina refém de sua subversão.

Por Pedro Strazza.

Está claro nas diversas maneiras encontradas na narrativa para satirizar a própria trama que a adaptação de Baywatch - S.O.S. Malibu para os cinemas busca fazer em suas praias paradisíacas e corpos bem definidos o mesmo que os dois Anjos da Lei  fizeram com o cenário colegial do seriado original. Se Phil Lord e Chris Miller encontraram na história  de dois policiais que retornam ao colégio como infiltrados uma forma de subverter os clichês das comédias adolescentes, o diretor Seth Gordon mira agora algo parecido com a cultura do corpo do popular programa dos anos 90, cujos salva-vidas em maiôs e sungas vermelhos ajudaram a propagar a imagem de um Estados Unidos que transpirava sensualidade e libido para o resto do mundo.

A inspiração nas duas comédias está mais para a emulação, mas a proposta não deixa de fazer algum sentido. Em tempos onde o debate dominante na cultura pop é o questionamento da constante fetichização da mulher e a comédia leva as relações de amizade masculina aos limites do homoerotismo, que caminho seria possível para uma nova versão de Baywatch - série conhecida por vender a alta sexualidade de seus personagens como modo de vida - que não fosse o da ironia e do aceno constante ao ridículo daquilo mostrado? Se há um acerto nesta adaptação é o de entender que o seu material não sobrevive sem o seu intrínseco lado superficial, algo que o longa para bem ou mal abraça no ato de relativizar.

Resta então aos roteiristas Damian Shannon e Mark Swift trilhar este caminho, que flerta com a sátira e o humor de situação e brinca com as convenções antigas do seriado e o status da comédia estadunidense atual, adotando um pouco de cada um destes elementos para trazer o material aos tempos atuais. Deste texto, é evidente como o filme de Gordon, embora esforçado em replicar os slow motions característicos do programa, se guia pela rota segura sem pensar duas vezes, repetindo as convenções recentes do gênero e trabalhando a trama em cima da relação do tenente e líder dos salva-vidas Mitch Buchannon (Dwayne Johnson) com o novo recruta, o duas vezes medalhista olímpico e estrela em desgraça Matt Brody (Zac Efron), enquanto ambos investigam uma rede de tráfico de drogas na baía onde atuam junto do resto da equipe - que inclui a segunda em comando (Ilfenesh Hadera), o estereótipo do gordinho nerd (Jon Bass), sua paixonite (Kelly Rohrbach) e o interesse romântico do herói problemático (Alexandra Daddario).

É a partir desta dinâmica de formação de "broderagem" que a comédia passa a trabalhar a fotogenia de seus personagens pela rotina da desconstrução dos mesmos. Seja nas piadas de pinto e tiradas com a figura infantil do personagem de Efron (incluindo uma ótima metalinguística com o passado do ator) que atingem os homens ou no humor recorrente com a câmera lenta nas corridas das mulheres, Gordon opera um filme de esquetes primário, onde mais vale alongar a piada pelo maior tempo possível que cuidar do andamento da trama, formulando um senso de ridículo à produção que não deslegitime a história e a mensagem.

Seria a receita para o sucesso se Baywatch reconhecesse este processo em todas as esferas no qual atua, não impedindo quaisquer partes de realizar e passar por este esculacho. O problema é que o longa não faz isso por completo e, pior, não percebe o erro: ainda que esteja determinado a diluir tudo em um viés superficial, o roteiro de Shannon e Swift preocupa-se tanto em centralizar a comédia em cima da relação dos personagens e do perfil das atuações de Johnson e Efron (aqui refazendo suas performances de outros trabalhos recentes) que terminam por deixar todas as mulheres em uma posição de figurante, restritas ao ato de desfilar com seus corpos pela praia. É como se a produção se tornasse uma variação bizarra de comédia masculina, que anuncia desmistificar a imagem do sex appeal entre homens e mulheres para no fim se ver preso a machismos subjetivos - afinal, nenhuma mulher na trama possui relevância maior além de ser o prêmio ou a maldição aos mocinhos, caso da salva-vidas de Rohrbach ou da vilã interpretada por Priyanka Chopra.

Daí em diante o filme se desmonta, refém do próprio ato de tomada de consciência do qual se estabelece em cima. Se pelos acenos que faz à audiência Baywatch almeja o resgate do ideal de culto ao corpo e à efemeridade do seriado, sua visão de como materializar isso na tela não poderia estar mais ultrapassada, incapaz de reconhecer que a exuberância da sexualidade ocorre na mesma medida em homens e mulheres. E que Dwayne Johnson fique boa parte do longa vestido e a participação de Pamela Anderson aconteça de maneira tão breve e silenciosa (quase na via contrária da do colega David Hasselhoff) talvez sejam os maiores indicativos dos pecados presentes na adaptação.

Nota: 4/10

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