Joss Whedon faz de sequência de Vingadores uma excelente preparação para o futuro da Marvel Studios.
Por Pedro Strazza.
Criar um universo cinematográfico não é tarefa fácil. Não bastasse conceber uma história que funcione tanto no superficial quanto em camadas mais profundas, os responsáveis precisam lidar também com inúmeras variáveis para manter coeso o mundo que seus personagens habitam, e isso inclui da maneira como os eventos principais afetam o lugar ao jeito como os acontecimentos secundários (ocorridas no periférico) influem no núcleo principal de personagens. É uma relação que requer muito equilíbrio e progressivamente fica mais e mais difícil de se alcançar conforme a história progride - e os filmes se acumulam.
E se fazer um universo em um filme é fácil, em dois a coisa se complica e em três fica complexo, imagina então a situação vivida pela Marvel Studios, que com Vingadores - A Era de Ultron chega à surpreendente marca de doze produções situadas em uma mesma cronologia. Além de envolto em tantas informações que de alguma forma não podem ser colidir, o estúdio liderado pelo produtor Kevin Feige tem a problemática de envolver núcleos bastante opostos entre si, englobando deuses nórdicos e espionagem realística em uma mesma folha de papel.
A sorte da franquia Marvel é que, ao contrário de outras produções, ela se divide em muitas séries de filmes, capazes de explorar o universo estabelecido e desenvolver seus múltiplos protagonistas com calma, abrindo espaço assim para que sua maior série, Os Vingadores, concentre esforços em questões tão importantes quanto. E no caso dos maiores heróis do mundo, a sorte é ter tido alguém como Joss Whedon, que compreende muito bem essa oportunidade, no comando de seus dois primeiros capítulos. É dele os muitos méritos do primeiro capítulo e os ainda maiores deste segundo, muito mais ambicioso, pesado e difícil de se manobrar com o acréscimo de tanto material vindo dos últimos quatro filmes da Marvel Studios, agrupados e conhecidos pelo nome de Fase 2.
É uma tarefa hercúlea que Whedon realiza em A Era de Ultron, pois tem de lidar simultaneamente com os acontecimentos anteriores para estabelecer sua história - que envolve a Batalha de Nova York do primeiro Vingadores e os eventos passados desde então pelos protagonistas em seus filmes solo - e também conceber as bases do futuro da mesma cronologia, que tem previsto para os próximos anos pelo menos onze capítulos. Sem contar as próprias adições feitas nesta continuação, que precisam ser muito bem trabalhadas pelo cineasta para a progressão do longa pelo conjunto, e a trama capaz de unir todos esses pontos sem atropelar-se em si mesmo.
A solução encontrada pelo roteirista e diretor, então, é simples e bastante similar à adotada no primeiro capítulo da série, mas envolve um manejo delicado de sua parte. Whedon torna seu trio de protagonistas em figuras unidimensionais e de pouco desenvolvimento, e prefere focar suas atenções nos vastos coadjuvantes da equipe para problematizar o tema proposto e aproximar esses personagens do espectador. Os perfis dos heróis "secundários" da equipe, afinal, foram bem menos explorados que os de Steve Rogers (Chris Evans), Thor (Chris Hemsworth) e Tony Stark (Robert Downey Jr.), cujos filmes dedicados a suas aventuras já os apresentaram bem. A eles, resta introduzir o futuro, a Guerra Civil entre o primeiro e o último e o Ragnarok para a divindade nórdica.
Thor, Steve Rogers e Tony Stark confraternizando com amigos; personagens rasos, mas importante para a trama |
Isso não quer dizer, porém, que a trindade da equipe atue por fora na narrativa desenvolvida nesse segundo Vingadores, mas sim o contrário: É o Capitão América que comanda os movimentos do time de super-heróis em todo o filme; é o deus do trovão que faz a equipe ir à Sokóvia em busca do cetro do irmão Loki, missão que abre (com um plano-sequência fabuloso) o filme; e é o Homem de Ferro que com tal item em mãos idealiza e constrói, ao lado do doutor Bruce Banner (Mark Ruffalo) a inteligência artificial Ultron (James Spader), grande vilão da vez a ser combatido e cujo objetivo é acabar com os Vingadores - e, posteriormente, a humanidade.
São os principais que armam e disparam a história de A Era de Ultron, e seu desenrolar ocorre com outros personagens em dramas interessantes. A começar por Clint Barton (Jeremy Renner), cuja inferioridade de poderes em relação aos colegas e sua maior proximidade com a humanidade o torna num ponto de conexão interessante entre os sobre-humanos e a sociedade. A passagem da equipe na fazenda do arqueiro e sua apresentação à família Barton realça isso com precisão, e dá aos heróis um motivo para lutar pela sobrevivência.
Ultron em sua primeira (e frágil) forma; um vilão criado para socorrer os inocentes |
Essa relação entre protetores e protegidos, central ao longa, também é abordada com sutileza no relacionamento amoroso entre Banner e Natasha Romanoff (Scarlett Johansson). Típica elaboração de monstro e mocinha que traz essa problemática clichê do perigo como principal obstáculo para o amor, ela funciona muito mais para entendermos melhor ambos os personagens no contexto ao qual estão inseridos - principalmente a agente russa, interpretada com especial cuidado por Johansson.
Enquanto os poderosos lutam pelo bem maior, os inocentes sofrem, e as novas peças apresentadas no tabuleiro querem externizar esse sentimento. Ultron e seu "filho", o "sintetizoide" Visão (Paul Bettany), crias de um mundo em caos, agem por um bem não muito bem definido, que possui tantas dúvidas sobre a humanidade e suas ações como esta tem com os Vingadores e seu rastro de destruição - E o diálogo final entre as duas inteligências, mesmo superficial, sintetiza muito bem o dilema deles com seu criador. No caso das vítimas, é curioso perceber que elas sejam representadas por dois seres aprimorados, com nível de habilidades sobrenaturais ao dos Vingadores. Vindos da população, os irmãos órfãos Wanda (Elizabeth Olsen) e Pietro (Aaron Taylor-Johnson) Maximoff simbolizam os danos infligidos na sociedade por aqueles que a protegem, e servem como lembrete futuro para o sofrimento causado pelos próprios heróis.
Pietro e Wanda Maximoff; lembretes da humanidade de um mundo de sofrimento aos heróis do amanhã |
Esse mesmo futuro vai sendo armado por Whedon de forma magnânima. Das heranças deixadas pela passagem de Ultron - em especial o elemento portado por Visão e a Feiticeira Escarlate, cuja instabilidade emocional já é prenunciada - aos escombros deixados pelo combate entre o Hulk e o Homem de Ferro em Wakanda (uma cena digna de seu espetáculo destrutivo, vale dizer), Vingadores 2 é o filme que melhor constrói as bases para um amanhã de um universo cinematográfico, não se rendendo as pontinhas instigantes (menos, talvez, na cena durante os créditos) e sim tomando-a como elemento principal, o que ocasionalmente pode gerar uma sensação de meio do caminho no espectador mais ansioso com o todo.
Mas essa sensação, ao lado de todos os atalhos tomados pelo roteiro de Whedon na narrativa dinâmica (dói ouvir de uma "central" da internet em pleno 2015), são um pormenor. Além de trazer na estrutura uma complexidade funcional e bela, Vingadores - A Era de Ultron serve como entretenimento de primeira, capaz de fazer rir na estrada de universo que trilha com tanta seriedade, e prepara como ninguém um futuro brilhante para uma franquia poderosa.
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