Em mais um ano acirrado, Academia coloca no ringue duas produções completamente antagônicas em sua temática.
Por Pedro Strazza.
Não entendeu? Quer um exemplo? Fácil, lembre-se de 12 Anos de Escravidão e Gravidade, os dois maiores concorrentes ao troféu em 2014 - também conhecido como a 86° edição dos Academy Awards. Enquanto a obra de Steve McQueen era louvada por alguns pela reflexão histórico-social através da triste história de vida de Solomon Northup, outros babavam em cima dos avanços técnicos e do roteiro metafórico alcançado pela ficção científica de Alfonso Cuarón. As duas massas pregavam que suas respectivas obras máximas mereciam levar o troféu principal na cerimônia do Oscar, e quando a temporada de prêmios começou o óbvio aconteceu: Discussões intermináveis na imprensa sobre quem deveria levar a honraria, campanhas de difamação contra o "adversário" para favorecer o seu preferido, premiações paralelas destratadas, mães de pessoas sendo xingadas por nada... É um processo longo, chato e repetitivo este da escolha do "MELHOR FILME DE TAL ANO", mas ainda divertido o suficiente para nos fazer acompanhar de perto.
De vez em quanto, porém, a corrida pelo prêmio "máximo" do cinema ganha dois rivais de curiosa relação, como é o caso da edição deste ano. Em 2015, o Oscar tem como favoritos duas produções bastante experimentais em sua forma (mas nada inéditos na História do cinema, lembrando) e que são estranhamente antagônicos nos temas que abordam.
Boyhood e a simplicidade universal
Começando a temporada como grande favorito, Boyhood - Da Infância à Juventude trouxe de "inovação" cinematográfica para a Academia a ousadia do excesso de dedicação. Por doze anos, o diretor Richard Linklater e uma pequena equipe de produção filmaram a história da família Evans - interpretada por Ethan Hawke, Patricia Arquette, Ellar Coltrane e Lorelei Linklater -, mostrando todos os percalços e evoluções que sofreram na vida nesse longo período de tempo.Sem estruturas típicas de roteiro (a ação em três atos, a presença de um clímax, etc) e com uma trama simples e fortemente firmada na fundação to tempo, Linklater conseguiu criar condições para refletir sobre temas universais à vida de qualquer ser humano, como o amor, o crescimento, a juventude e o envelhecimento, realizando um filme de filosofia simples. E foi justamente esta simplicidade de prosa que foi responsável pelos elogios (nossa, que espontaneidade fascinante!) e críticas (nossa, que coisa mais genérica!) recebidos na estréia do longa em Berlim e depois no mundo.
A aprovação da obra, porém, ultrapassou com facilidade as torcidas de nariz feitas por alguns, e Boyhood aos poucos se estabeleceu como indicado maior na disputa pelo Oscar. Além de Melhor Filme, foram outras cinco nomeações na premiação, que incluem direção para Linklater e atriz coadjuvante para Arquette.
O egoísmo divertido de Birdman
Mas se Boyhood iniciou a temporada como o mais forte indicado ao troféu da Academia, ele por enquanto termina a corrida atrás de Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), que de maneira literal decolou nas pesquisas. O quinto trabalho de Alejandro González Iñarritu, afinal, conquistou a simpatia dos votantes (que deram nove indicações ao filme) por tratar de um universo que eles conhecem muito bem: Hollywood, e mais exatamente seus efeitos em seus atores.O tema principal de Birdman, porém, não é esse, e sim algo muito mais individual na humanidade. Pelos delírios enlouquecidos de um Michael Keaton decadente e seus reflexos nas pessoas que o circundam estarrecidas, o longa se aprofunda no ego daqueles que trabalham no mundo artístico, levando ao limite os medos e desejos destes, sem medo de tornar evidente seus lados mais detestáveis e mesquinhos. Houve quem dissesse que o longa é de um egocentricidade estúpida, mas os aplausos sem esforço ocultaram-os o suficiente na hora das indicações.
Eis aí que entra o curioso jogo de opostos da disputa principal ao Oscar deste ano. Enquanto Boyhood parte de uma história individual (o garoto e sua família) para conversar sobre questões gerais e universais, Birdman surge como extremo antagônico, usando de uma matéria comum a todos os homens para discutir sobre um determinado grupo (os atores em Hollywood), considerado particular pela produção dentro dessa escala. E com contradições tão profundas e invertidas na temática denotadas, surgem na cabeça várias perguntas: O que isso quer dizer na disputa pelo Oscar de Melhor Filme? Se Birdman ganha em cima de Boyhood, a Academia demonstra egocentrismo em suas escolhas? Se Boyhood leva, ela está mantendo um perfil superficial ao escolher um filme universal? Ou toda essa reflexão é estúpida e tudo que interessa ao prêmio são aspectos levianos? Questionamentos à parte (Ok, para essa última eu não duvido que a resposta seja sim), a briga pela estatueta prometer terminar no dia 22 de fevereiro com um clímax gigantesco. Mesmo o primeiro com uma ligeira vantagem sobre o segundo, tanto Birdman quanto Boyhood lutam de igual a igual pela estatueta principal, e nada impede que um terceiro apareça para roubar a honraria no último momento. Foi um ano curioso esse do Oscar, e apenas torço por um ano parecido a ele nas edições futuras.
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