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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Crítica: Pantera Negra

Ryan Coogler direciona seu cinema de apropriação aos dramas de corte em filme sem grandeza dramatúrgica.

Por Pedro Strazza.

É um detalhe sutil, mas de muito efeito que Pantera Negra abra sua história em uma região pobre de Oakland do agora distante 1992. Mesmo que não se situe no palco central das rebeliões da época, é neste aceno rápido ao ano e estado de um dos maiores e mais violentos confrontos raciais da História dos Estados Unidos que o filme já toma para si as rédeas do contexto social em que se insere, assumindo do princípio este compromisso que a produção tem com a população negra neste ato simbólico de ser a primeira grande produção da hoje toda-poderosa Marvel Studios que é protagonizada e conduzida por cineastas negros.

Esta conotação entre simbologia, política e sociedade não é nem um pouco estranha ao diretor e roteirista Ryan Coogler, que já em Creed havia refeito a mitologia da franquia Rocky dentro da lógica das medidas de afirmação de posição da cultura negra e em Fruitvale Station mergulhava o espectador no cotidiano difícil das comunidades mais marginalizadas. Suas ambições com a adaptação das histórias do rei de Wakanda, porém, são muito maiores que os seus esforços bem sucedidos de ressignificação e assimilação dos trabalhos anteriores, adquirindo uma faceta um tanto quanto nobre de criar para o cenário uma nova classe de mitos, mesmo que à partir de elementos pré-estabelecidos.

Aos olhos do estúdio, essa decisão não poderia ser melhor. Se em todos os outros trabalhos a Marvel Studios prezou por um ecossistema interno e mais ou menos asséptico aos problemas externos, neste que é o seu 18° produto esta maior aderência à realidade proporciona à empresa um respiro de ineditismo à sua metodologia de entretenimento massificado, que vem sendo cada vez mais sentida pelo público nos últimos anos.

Pautado por estas questões, há de se valorizar de início a predisposição de Coogler em tornar a verve contextual de seu cinema em modus operandi máxima de Pantera Negra. Dos cenários futuristas ao perfil dos personagens, passando pela trilha sonora de Ludwig Göransson (alinhada com a curadoria musical dada pelo rapper Kendrick Lamar), tudo que circunda a cidade de Wakanda reflete esta noção de incorporação que o diretor busca traduzir às produções da Marvel. A medida traduz quase de imediato as intenções de representatividade propostas pelo longa: se no mundo o negro se encontra à margem, na realidade de Pantera Negra ele enfim pode ocupar posições centrais.

A força deste empoderamento é gigantesca, e é por estar consciente deste poder que o longa persegue aqui um dos gêneros mais tradicionais não só do cinema, mas das artes como um todo. Com base nas questões políticas e a própria deixa dada pelos acontecimentos de Capitão América - Guerra Civil, Coogler encena aqui um drama de corte dos mais tradicionais, centralizado nas disputas de poder geradas pela morte do rei de Wakanda T'Chaka (John Kani) e a ascensão de T'Challa (Chadwick Boseman) ao trono. O motor maior responsável por dar corpo a estas confrontações mora na ocupação de atores e atrizes negros nos principais papéis e na situação destes dramas em um contexto de origem africana, decisões que pelo menos a princípio soam ideais para potencializar todas as intenções da obra com suas raízes.

O que começa promissor, porém, vai se esgotando aos poucos perante uma estranha planificação dos momentos dramáticos do filme. Seja porque Coogler enfrenta algumas dificuldades com a escala (ao contrário de Creed e Fruitvale Station, Pantera Negra habita um cenário muito mais complexo e grandioso), com o CGI (a materialização de certas partes do mundo de Wakanda às vezes soam precárias e a ação falta em peso) ou com a própria fórmula pré-estabelecida do estúdio, a produção muitas vezes soa como se estivesse presa a elementos muito básicos de dramaturgia, que por sua vez parecem o capar de atingir os grandes momentos dramáticos necessários.

É um fenômeno curioso, pois embora o diretor e o seu co-roteirista Joe Robert Cole demonstrem na trama almejar personagens com múltiplas facetas no fim todos eles se revelam reduzidos a figuras deveras unidimensionais. Talvez o exemplo maior desta tendência more em Killmonger, que é vivido por Michael B. Jordan sob toda a aura de um vilão movido por traumas de perda claros mas depois acaba precisando ser justificado a todo custo pela trama como mal maior, algo que culmina em uma distorção pouco sutil. Se o antagonista parte como herdeiro negado de seu meio, sua trajetória termina confusa entre a aspiração à Malcolm X e a pose de mercenário enlouquecido em missão para desestabilizar o reinado que o agente da CIA branco vivido por Martin Freeman insinua.

Mais curioso, porém, é como todas estas complicações levam Pantera Negra a morar no pólo oposto ao do primeiro Thor, o outro exemplar de drama de corte que a Marvel Studios produziu nestes primeiros dez anos. Enquanto o longa dirigido por Kenneth Branagh compensava em dramaturgia aquilo que não tinha em contexto e ambientação - a Asgard fria e sem vida deve ter sido um dos maiores tormentos do estúdio na última década -, o filme de Coogler talvez precise se equilibrar demais em cima do cenário afrofuturista de Wakanda para desviar da falta de força das cenas de impacto. A comprovação desta tendência está no humor, característica primordial dos produtos Marvel e que em Wakanda surge naturalmente em alguns momentos e em outros mostra-se deslocada - e quando ela soa fora de tom, é justo no meio dos enfrentamentos e grandes diálogos da corte wakandense.

Nota: 6/10

sábado, 8 de julho de 2017

Crítica: Homem-Aranha - De Volta ao Lar

Nova versão do herói compensa nas dinâmicas colegiais as falhas de seu processo de reformulação.

Por Pedro Strazza.

[Esta crítica aborda reviravoltas da trama. Se você ainda não assistiu o filme, leia por sua própria conta e risco]

Por se tratar da terceira encarnação de um personagem feita em quinze anos, Homem-Aranha - De Volta ao Lar é um filme que sem surpresas precisa lidar desde o princípio com processos de ressignificação da mitologia de seu herói. Essa era uma dificuldade já bastante sentida nos dois O Espetacular Homem-Aranha, mas que aqui se acentua em caráter quase exponencial: afinal, é difícil trabalhar um protagonista e sua jornada se sua história e valores já foram incessantemente martelados duas vezes no imaginário do público há muito pouco tempo.

Talvez seja por isso que o filme dirigido por Jon Watts, no esforço de criar novos caminhos ao herói, opte então por evitar muitos dos elementos que configuram a persona trágica do personagem - bastante exploradas nos outros longas - e prefira uma abordagem descompromissada e mais interessada no espaço ocupado por sua história. Como em Homem-Formiga e nas séries de vigilante da Netflix, De Volta ao Lar aproveita muito do seu status de capítulo periférico à grande trama das produções do Marvel Studios para conceber sua estrutura e dinâmicas, se estabelecendo como uma obra que busca contemplar o olhar daqueles que servem de meros espectadores às grandes batalhas entre deuses, alienígenas e figuras de inspiração.

Ao escalador de paredes, essa mudança de ponto de vista não só reflete numa transição de espaço - sai Manhattan e sua aspiração grandiosa de toques operísticos, entra o Queens e sua rotina de quase cidade pequena - como também de curva de aprendizado. Se os Aranhas de Garfield e Tobey Maguire tinham na responsabilidade de seus atos uma eterna maldição a ser compreendida, esta nova versão vivida por Tom Holland encontra na vida dupla de super-herói o dilema de estar ancorado em dois mundos distintos, um de constantes preocupações maiores e outro de vida simples e cujas maiores ambições são de vencer uma competição de conhecimentos acadêmicos em Washington e saber quem levar para o baile do colégio. É uma temática presente inclusive no grande vilão da história, o Abutre (Michael Keaton, ótimo), cujo perfil de ladrão de sobras dos conflitos dos Vingadores e discurso de "Nós não somos como eles" traz à tona esta divisão espacial sob o viés do revanchismo - o que não deixa de ser um grande clichê na lógica de formação do antagonista, mas isso ajuda a dar distinção e peso suficientes ao personagem e seu grupo de caçadores de sucata, que inclui duas versões do Shocker e uma do Consertador (Michael Chernus).

Esta noção de "eles" e "nós" fica um pouco subaproveitada na direção de Watts, que não se mostra muito habilidoso na hora de conciliar as duas esferas e redirecionar esse choque ao arco de Peter Parker da mesma maneira em que mostra dificuldade sincera para trabalhar a ação - cuja execução burocrática e confusa frustra o potencial de seus cenários, especialmente o do clímax final que envolve camuflagem em grandes altitudes -, mas ele consegue compensar parte destes problemas na hora de enquadrar a rotina escolar do roteiro. Com claras ambições ao cinema de John Hughes (referência repetida quase à exaustão na narrativa) e sabendo tirar o melhor de seu elenco (uma qualidade à qual Watts já havia demonstrado no fraco A Viatura), De Volta ao Lar sabe como expandir as dinâmicas colegiais ao resto da trama, personificando estereótipos feitos do ponto de vista pré-adolescente a figuras da estrutura típica dos filmes de super-herói, como a imagem paterna em cima de Tony Stark (Robert Downey Jr.) ou do pai da namorada ao vilão - uma sacada de roteiro que mesmo acontecendo muito tarde na trama é ótima para reorganizar e dar novo sentido ao enfrentamento do herói com o inimigo.

São dessas boas sacadas e de um humor bem pontuado (junto da própria adequação ao caráter local, colegial e "pé no chão") que o longa no fim se sustenta, algo mais evidente não apenas fora dessa lógica - como em Homem-Formiga, a presença dos Vingadores pode soar um pouco à toa - mas também nos momentos em que se sente a ausência dos elementos responsáveis por fazer a figura do personagem nas outras encarnações. Destituído aqui da tragédia - Tio Ben nem chega a ser citado - e encarado como um herói em formação que precisa se conformar com a demora de sua jornada, a dualidade Peter Parker/Homem-Aranha acaba esvaziada de um sentido maior ao ser presa no que pode ser considerado um experimento muito controlado de reformulação do personagem, feito no sentido de conferir novos significados ao herói e diversos pontos de sua mitologia, desde a questão da identidade secreta até sua relação com determinados coadjuvantes (incluindo aí a surpreendente inversão de relação realizada com a MJ de Zendaya).

Não que este processo seja de algum modo um fracasso - ele está bem à frente, por exemplo, de todos os equívocos realizados na fase vivida por Garfield - mas De Volta ao Lar deixa claro que não possui o necessário para obter os mesmos resultados dos três capítulos dirigidos por Sam Raimi, que compreensivelmente servem à produção como referência e obra a se tomar distância. Se Watts não ambiciona a mesma grande compreensão do significado de ser um herói, ele busca repetir em cenas desta nova versão (como a do barco ou dos escombros) a força dos pequenos atos de valor oriundos do heroísmo, uma consequência imediata daquela lógica que sozinha não providencia a mesma catarse ao filme.

Nota: 6/10

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Crítica: Guardiões da Galáxia Vol. 2

Continuação percorre caminhos diferentes do original para fundamentar sua fórmula.

Por Pedro Strazza.

[Esta crítica aborda reviravoltas da trama. Se você ainda não assistiu o filme, leia por sua própria conta e risco]

Os filmes da Marvel Studios carregam de uma maneira ou de outra o tom juvenil em suas histórias pelo menos desde o primeiro Vingadores, longa onde a fórmula das produções do estúdio foi sacramentada como um misto de evocação dos quadrinhos da editora (em seus múltiplos arcos de personagem que são muito parecidos entre si) com toda a grandiloquência possível proporcionada pelos efeitos visuais. Embora mantenha esta estrutura em mente, Guardiões da Galáxia Vol. 2 encontra-se muito mais investido no viés adolescente que seus antecessores, tornando o que era até então um flerte tímido e sincero no meio condutor central de sua narrativa.

Esta decisão é de certa forma a raiz de todas as forças e problemas da continuação, que abandona o viés de subversão bem intencionada do original (uma espécie de fortalecimento da fórmula pela piada com esta) para assumir com maior propriedade suas origens nos quadrinhos. De volta à cadeira de diretor e roteirista, James Gunn faz aqui uma aventura espacial que parece saída dos gibis da editora nos anos 60 e 70 em seus cenários pautados por cores berrantes e trama rocambolesca nas reviravoltas e revelações - o vilão da vez, Ego (Kurt Russell), tem motivações dignas dos antagonistas atormentados e enlouquecidos dessa época, só que em nível divino -, apostando muito mais nas relações entre seus personagens que na ação propriamente dita.

A decisão chega a ser uma surpresa se considerar o modelo de produção até então em vigor no estúdio (mesmo os mais despirocados no visual não buscavam esse nível de verossimilhança), mas não é estranha ao pensar nas maneiras como o cinema de Gunn atua. Cineasta acostumado a imprimir as influências pop de sua formação em suas obras e que nunca mostrou interesse pela ação filmada em cena, o diretor busca em Guardiões 2 substituir o segundo pelo primeiro como maior atrativo de seu filme, tentando pautar as aventuras do grupo de desajustados pelo jogo de referências nostálgicas aos anos 80 (e agora também aos quadrinhos, como bem prova as múltiplas aparições de personagens obscuros do segmento cósmico da Marvel) que se tornara o principal atrativo do primeiro capítulo. É uma medida que é escancarada logo nos créditos iniciais - no qual vemos Baby Groot (Vin Diesel) dançando ao som de Mr. Blue Sky do Electric Light Orchestra enquanto passeia pelo mesmo cenário onde seus colegas lutam até a morte contra um monstro alienígena gigante - e que se confirma ao longo da narrativa nos jeitos inusitados encontrados pelo diretor para relegar as grandes batalhas ao cenário ou torná-las parte da gag (destas, a referência visual a Asteroids no primeiro embate com os Soberanos é minha favorita).

Tal abordagem tem lá suas vantagens para acrescentar humor extra à produção, mas ao mesmo tempo ela também desacelera a história nos momentos em que esta deveria fazer o contrário. Este é um piripaque curioso de se analisar, ainda mais porque Gunn realiza neste Vol. 2 o que é o típico filme de moleque, centralizando a trama em cima de relações tipicamente masculinas - o pai e filho de Peter Quill (Chris Pratt) com Ego, a amizade de Rocket (Bradley Cooper) e Yondu (Michael Rooker) que prescinde a desconstrução da figura de homem durão, mesmo o conflito fraternal entre Gamora (Zoe Saldana) e Nebula (Karen Gillan) passa por questões do tipo - e restringindo as personagens femininas ao papel de figura séria (Gamora, Nebula, a Ayesha de Elizabeth Debicki) ou de esculacho - Mantis (Pom Klementieff) vira escada para o humor pouco sutil de Drax (Dave Bautista), que neste capítulo abandona qualquer pretensão dramática para ser o alívio cômico máximo - enquanto os homens ficam à cargo do humor mais direto. As próprias presenças de Sylvester Stallone e Russell no elenco, inclusive, já são indícios dessa assimilação buscada pelo longa.

Outros trabalhos do diretor, como Seres Rastejantes e o próprio Guardiões da Galáxia, já apresentavam este viés, mas é aqui que ele efetivamente passa a trabalhar isto como princípio fundamental de sua obra. O problema, porém, é que filmes deste segmento tendem ao dinamismo da ação para funcionar, e a ausência deste elemento na narrativa proposta por Gunn torna o longa suscetível ao desgaste progressivo. Não à toa, Guardiões da Galáxia 2 parece sofrer com os atos esticados, com o clímax demorando tanto a acontecer (e terminar) em meio à sua gigantesca colagem de cultura pop que o público fica sujeito ao cansaço.

É uma contradição aparente (longa de ação cheio de movimento e ao mesmo tempo com problemas de ritmo visíveis) que às vezes dá a entender ser parte da maior carga emocional do roteiro, mas estas duas esferas na verdade nunca chegam a se chocar neste sentido. O drama, inclusive, é o que suporta o Vol. 2 nestes momentos de maior arrasto da trama, mesmo com o Quill de Pratt dando sinais de não comportar a aspiração ao protagonismo deste novelão, como na cena involuntariamente cômica na qual ele joga bola com Ego. Gunn pelo menos entende bem das relações elaboradas por ele no roteiro, e talvez seja isso o que baste para fundamentar esta fórmula pautada pela referência e a nostalgia que se constrói na série.

Nota: 7/10

sábado, 5 de novembro de 2016

Crítica: Doutor Estranho

Filme segue a cartilha do estúdio, mas encontra bom equilíbrio entre humor e drama. 

Por Pedro Strazza.

Lidar com a estrutura já tradicional e imposta pela Marvel Studios é um peso que toda produção do estúdio precisa carregar, e no caso de Doutor Estranho essa regra prevalece. O longa centrado na figura de Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) é mais um a contar uma história de origem de um personagem egoísta que é introduzido a um mundo novo e precisa enfrentar um mal antigo para salvar o dia e ficar com a garota, tudo isso dentro de uma história que apesar de bastante séria é desarmada constantemente pelo humor.

Mas se em outras ocasiões essa adesão à fórmula só se provou prejudicial, tornando as obras um tanto quanto esquecíveis - dos últimos trabalhos do estúdio talvez só se salvem Homem-Formiga e Guardiões da Galáxia -, no filme dirigido por Scott Derrickson ela acaba por provocar o resultado contrário. Ainda que permaneça refém da pasteurização no processo, Doutor Estranho consegue se sobressair de outras produções da Marvel Studios por possuir alguma consciência das limitações que apresenta ao realizar tal movimento e de, mais importante, atuar no sentido de tentar reparar alguns dos problemas conhecidos  da estrutura dentro desta cerca ao qual se insere.

Esta tendência se percebe aos poucos na trama escrita por Derrickson, C. Robert Cargill e Jon Spaihts, que segue Strange a partir do fim de sua carreira como brilhante neurocirugião após um trágico acidente de carro e acompanha seu treinamento no Kamar-Taj sob a tutela da Anciã (Tilda Swinton), Mordo (Chiwetel Ejiofor) e Wong (Benedict Wong). O teor mais "adulto" do roteiro anuncia um filme pautado na temática da morte e nas formas de se lidar com o inevitável fim, algo que o longa constantemente busca equilibrar com o clima despretensioso e bem humorado que se vê obrigado a possuir.

E por mais artificial que essa combinação soe a princípio, ela funciona. Não apenas porque a produção carrega dentro de si uma influência escancarada pelo cartunesco, digno das insanidades visuais e cômicas de desenhos animados - o visual dos múltiplos universos apresentados e, principalmente, o Manto da Levitação, que em seu efeito de humor lembra o tapete do Aladdin das animações da Disney -, Doutor Estranho demonstra ter uma noção muito boa dos momentos em que precisa desenvolver o drama e a comédia. É um equilíbrio muito sensível e muitas vezes beira ao colapso - depois de uma tragédia no início do terceiro ato a tentativa de suavizar o trauma é muito equivocada -, mas Derrickson concebe uma narrativa capaz de manter uma uniformidade saudável entre as duas partes, algo que se prova cada vez mais raro dentro dos longas da Marvel.

Há outros elementos que também passam por essa reforma, principalmente na questão de figuras tradicionais dos filmes do estúdio - o vilão Kaecilius (Mads Mikkelsen) mostra-se um personagem mais funcional que outros antagonistas por alimentar as questões de mortalidade presentes na trama, enquanto a doutora Christine Palmer (Rachel McAdams) é um interesse amoroso menos figurante -, mas a obra se sacrifica nesses momentos por estar preso ao já testado e por apostar no garantido. Aonde ela se destaca é no campo visual de seus clímaxes, onde a Marvel teima em deixar a ação no campo do real e no qual a produção tem espaço para ser criativo. Derrickson a todo instante cria maneiras divertidas de deixar aflorar o lado mágico do filme, inventando espaços de combate que se diferenciam uns dos outros e sempre fascinam o espectador - e o clímax final é o que mais se destaca por aproveitar de vez o viés de videogame da obra.

Doutor Estranho talvez soe como uma decepção para quem busca do longa um compromisso da Marvel com histórias mais sérias, muito porque a empresa agora embala uma sequência de tramas mais dramáticas e apocalípticas (Thor Ragnarok, Pantera Negra e a chegada de Thanos na franquia Vingadores) em compasso com outras de puro descompromisso (os novos Homem-Aranha e Guardiões da Galáxia). Não foi aqui que o "jeito Marvel de ser" mudou de fato, mas por trabalhar no intuito de tornar mais orgânica a estrutura consagrada e trazer peso a esta sem esquecer o que a torna tão especial Derrickson já proporciona algo de diferente nesse pequeno, fechado e repetitivo modo de produção.

Nota: 7/10

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Crítica: Capitão América - Guerra Civil

Conflito pesa no drama, mas encontra no humor seus melhores momentos.

Por Pedro Strazza.

Chega a ser fascinante como Capitão América - Guerra Civil e Batman vs Superman - A Origem da Justiça se assemelham em seus esforços descomunais de alinhar os protagonistas para brigar entre si, seja em conteúdo, temáticas ou até mesmo (quem diria!) em resoluções. Tendo em mãos um gigantesco número de personagens, ambos os filmes acabam por usar muito da imagem do herói como processo narrativo, conscientes do impacto que estes tem no imaginário público e sabendo levar isso sem deixar transparecer o peso deste em suas histórias. É algo interessante de um ponto de vista teórico, ainda mais se considerarmos que são obras representativas de duas editoras que desde sempre buscaram criar distância uma da outra.

No cinema, pelo menos, esse afastamento entre Marvel e DC (ou agora Disney e Warner, se preferir) fica mais claro na maneira como elas trabalham esta metodologia, e os carros-chefes das duas empresas em 2016 servem como bons exemplos para tal. Pois enquanto o confronto do Homem-Morcego com o Homem de Aço dirigido por Zack Snyder privilegia no embate o debate, criado em cima de como tais figuras se relacionam em diferentes campos e níveis de entendimento, a guerra entre Tony Stark (Robert Downey Jr.) e Steve Rogers (Chris Evans) é voltada pelos irmãos Anthony e Joe Russo para a aplicação direta, de maneira que tais imagens beneficiem o combate em peso e eficiência.

É uma forma mais prática de direcionar essas elaborações, e por isso mesmo depende muito de como os diretores irão executar isso na narrativa de fato. Como Joss Whedon nos dois Vingadores e James Gunn em Guardiões da Galáxia, os Russo entendem bem a importância e o peso daquilo que tratam quando abordam os diversos heróis em questão, e precisam encarar no fundo uma missão muito mais difícil que a dos outros dois cineastas: agora que as figuras estão estabelecidas, que caminho seguir com eles?

Pelo menos em Guerra Civil, a solução encontrada pelo irmãos para essa pergunta é a de contorná-la, de forma conveniente a seus propósitos mantendo em curso os rumos dados a esses personagens sem contudo interferir ou alterá-los de fato. Assim, para iniciar o conflito do título, a dupla de diretores e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely deixam intactas as imagens consagradas em filmes anteriores, preservando tanto o arco de rebeldia do Capitão América como o do empreendedor arrependido do Homem de Ferro, de forma que elas naturalmente se ponham em lados opostos do espectro de uma questão - aqui, a dos efeitos colaterais provocados pela ação dos super-heróis nas populações ao qual se empenham tanto em proteger.

Essa decisão, similar à de Whedon em A Era de Ultron (mas melhor executada) e que também afeta os outros vingadores presentes na briga, serve bem aos Russo na abordagem individual de cada personagem, pois permite a eles que alternem de ponto de vista constantemente sem provocar maiores instabilidades narrativas. Ao mesmo tempo, porém, a reles manutenção restringe seus movimentos de maiores ambições temáticas, privando-os de se aprofundarem mais nas possibilidades oferecidas na variedade dessas figuras, que tem na fácil conotação com a realidade o seu maior charme - a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) sendo a garota problema, o Visão (Paul Bettany) o tio responsável, o Homem Aranha (Tom Holland) o millennial e por aí vai. O resultado, pelo menos em termos dramatúrgicos, é um novelão mexicano arrastado quando focado nesta tarefa de desenvolvimento, que centrado na dinâmica entre Stark, Rogers e Bucky Barnes (Sebastian Stan) abraça sem qualquer pingo de hesitação romances e amizades como estrutura principal.

Mas o que os diretores não tem de capacidade para lidar com o drama eles compensam na entrega do entretenimento, e é aí que Guerra Civil sai ganhando. É nos sets de ação que os irmãos Russo melhor resolvem sua abordagem, encontrando um equilíbrio difícil no longa entre a comédia e o peso do conflito (sentido pelos heróis conforme os dois lados brigam com aqueles antes considerados seus amigos) no reconhecimento inerente daqueles personagens como figuras de ação elementais, que, individualizados até o âmago de suas identidades, não mergulham tais momentos em nenhuma repetição logística enfadonha. A batalha no aeroporto, ápice do filme, é aonde essa experiência proposta é mais recompensadora e soa fluida, justamente porque assume para si a materialização do imaginário como modo de operação prioritário.

Mais uma consequência que parte do planejamento, essa materialização acaba por oferecer muito mais ao filme que o drama triangulado na relação dos dois protagonistas com o Soldado Invernal, em muitos momentos aspirante porém nunca tão trágico quanto gostaria. Mesmo que não queira quebrar o claro desbalanço entre a representação iconográfica glorificante e a gravidade das histórias a serem contadas, característica central de todas as produções da Marvel Studios (e sempre prejudicial a seus vilões), é perceptível em Capitão América - Guerra Civil uma tentativa de mexer de alguma maneira nesse status quo, que privilegie o estilo mais austero e deixe de lado a aparente "fórmula" da superficialidade dos filmes do estúdio.

O curioso disso é que enquanto os Russo, afim de obter maior sucesso e um revigoramento da fórmula, tentam injetar maior carga dramática na introdução do Pantera Negra (Chadwick Boseman) e na seriedade dos assuntos tratados - e eles até obtém algum sucesso parcial na interessante virada final da história -, quem lhes garante isso no fim é o humor, que melhor dosado enfim tem o espaço adequado para entreter. Alinhar e desprender isso de amarras tão supressoras é, então, a próxima tarefa a ser resolvida, seja pelos irmãos ou qualquer outro cineasta disposto a mexer em uma estrutura tão aclamada pelo público.

Nota: 7/10

terça-feira, 29 de março de 2016

Review: Demolidor - 2° Temporada

Assombrada pelo primeiro ano, série tem dificuldades para continuar a própria história.

Por Pedro Strazza.

Embora seja parte de uma série de televisão e esteja portanto encaixado em uma narrativa maior, é curioso como a segunda temporada de Demolidor recorre insistentemente a um mecanismo que vem se tornando cada vez mais frequente e quase obrigatório nas adaptações de quadrinhos de super-herói para o cinema: a preparação, o mito de que é possível construir uma história como mero trampolim para uma próxima, muito maior, empolgante e distante do espectador no momento de seu lançamento.

É uma mudança sutil, mas bastante vital para todo o modo de funcionamento da série nesse segundo ano, que de início tem em mãos a difícil tarefa de continuar o raciocínio da primeira temporada sem grande parte de suas peças. Com o império secreto de Wilson Fisk (Vincent D'Onofrio) derrubado e no momento fora de combate, os showrunners Doug Petrie e Marco Ramirez - que entram no lugar deixado por Steven DeKnight e o criador Drew Goddard - precisavam cercar a história de Matt Murdock (Charlie Cox) de novos elementos para ao mesmo tempo manter o seriado em destaque e continuar seu debate em cima da figura heroica e em formação do Demolidor.

Entram em cena então as figuras de Frank Castle (Jon Bernthal), o futuro Justiceiro, e Elektra Natchios (Elodie Yung), responsáveis por "elevarem o nível" e "deixarem as coisas mais pesadas" em Hell's Kitchen, como a série bem explicita em alguns diálogos (como os acima) e cenas de seus primeiros quatro episódios, buscando dar cabo de tal meta no restante da temporada. O uso da violência gráfica na narrativa, inclusive, é muito mais exagerado nesse segundo ano, adquirindo um viés quase sádico conforme o seriado se dedica a expor gargantas cortadas e corpos saraivados de tiros (algumas vezes de maneira bem ridícula, como nos slow motions do ataque à reunião de mafiosos irlandeses no primeiro capítulo) sem qualquer motivo maior além de, junto da fotografia ainda mais escura, deixar claro o maior peso de sua história - que, pela aparente lógica de Petrie e Ramirez, traz maior interesse ao programa.

Mas se na primeira temporada Fisk era trabalhado pelos roteiristas de forma a alimentar o conflito de visões sobre o que seria melhor para a cidade onde se passa a história, aqui é notável a hesitação dos mesmos em realizar um processo similar com esses dois novos elementos. Ainda que ora ou outra sejam voltados para sua relação com Murdock, Frank e Elektra nesses treze novos episódios trilham caminhos próprios e quase sem qualquer relação com os da série, muito mais dedicada em estabelecer os caminhos deles que alinhá-los com os seus. O resultado, previsível, é um esvaziamento de conteúdo em Demolidor, que termina preso em arcos pouco ou nada relacionados com sua temática principal.

E como um macaco de circo com dois pratos nas mãos, o seriado dança para entreter, recorrendo a diversos gêneros televisivos para ocupar o vão criado em seu interior. Do drama de tribunal aos épicos de predestinação, a série vai à base da tentativa e erro, testando formatos que possam ou não se encaixar em seus personagens e na história, que oscila constantemente entre a investigação do assassinato da família de Castle e a trama de conspiração envolvendo o Tentáculo. Dessas estruturas, a que talvez melhor funcione acontece no quinto e sexto episódios, quando os roteiristas compõem um triângulo amoroso entre Elektra, Murdock e Karen Page (Deborah Ann Woll) para evocar um pouco do debate sobre justiça para ricos e pobres realizado na primeira temporada, e consegue no processo equilibrar melhor os dois arcos atuais.

O maior problema deste segundo ano, porém, é que tudo é feito pensando apenas no futuro, sem conseguir tirar qualquer proveito das situações elaboradas. Personagens confrontam a relação, são abandonados na narrativa - ou ignorados por completo, como Foggy Nelson (Elden Henson) - e enveredam em monólogos cansados, enquanto a trama da temporada em si dá a impressão de dar voltas e voltas para no fim chegar a lugar nenhum e, paradoxalmente, deixar preparado os alicerces dos próximos capítulos. No fundo, o grande peso que Petrie e Ramirez vendem com tanto esforço soa quase tão falso quanto o plano-sequência do terceiro episódio.

Nota: 4/10

domingo, 13 de março de 2016

Primeiras Impressões: Thor, A Deusa do Trovão

Mesmo misteriosa, nova Thor consegue driblar fase inicial de estranhamento.

Por Pedro Strazza.

Séries que juntas formam a recente mensal Novíssimos Vingadores no Brasil, os primeiros passos dados por Novíssimo Capitão América, Homem de Ferro Superior e esta Thor, A Deusa do Trovão são quase antagônicos entre si. Todas as três novas versões ao trio de heróis fundamental aos Vingadores, cada uma das edições encontra em seu primeiro capítulo uma maneira diferente de se firmar como contraponto ao original, tentando aproveitar no processo a principal mudança em sua concepção, seja esta a mudança de etnia (quem traja o escudo de Steve Rogers é Sam Wilson, o Falcão), de percepção (Tony Stark mostra-se mais maquiavélico) ou de gênero (o martelo de Thor é erguido por uma mulher agora).

Mas enquanto que a versão rejuvenescida do Capitão América e a obviamente espelhada nos bilionários do Vale do Silício do Homem de Ferro soam hesitantes a princípio neste ato de transformação, desviando em temas políticos neutros - o primeiro, ainda com a ligação mestre-aprendiz de Wilson com o agora envelhecido Rogers, mostrando-se mais interessado numa discussão que não envolva marginalizações, o segundo distraído numa questão de elite endinheirada versus os pobres incapazes de arcar com os custos de uma melhor qualidade de vida -, o início da trajetória da Thor abraça a mudança com um certo gosto, inclinada em suas páginas a tratar destas mudanças de forma central. O que não deixa de ser inesperado, visto que a protagonista só se manifesta aqui lá nas últimas duas páginas da revista.

A bem da verdade, quem assume o protagonismo nesta primeira edição é Freyja, esposa de Odin que se tornou a Mãe Suprema e assumiu o governo (e os eternos perrengues) da antiga Asgard após o marido desaparecer. Com o marido retornando ao posto e seu filho Thor incapaz de erguer o Mjolnir desde o fim da saga Pecado Original, ela acaba jogada para o escanteio pelo Pai Supremo, mas mostra-se bastante combativa em abandonar o poder conquistado em favor de Odin. Essa briga pelo poder é tratada com grande importância no roteiro de Jason Aaron, em igual passo à crise que o Thor tem de não poder levantar o martelo.

Aproveitando a brincadeira subjetiva implícita nesta última expressão, é inevitável então que este transtorno do herói com sua arma, em conjunto da ascensão da Thor, não deixe de emular um pouco da própria crise do macho no mundo contemporâneo, e Aaron e o desenhista Russell Dauterman (auxiliado pelas cores de Matthew Wilson, que por enquanto se basta em repetir o belo tom aquarelado do antigo ilustrador da série, o croata Esad Ribic) sabem lidar com isso muito bem. Cenas como a de Odin furioso tentando mover o martelo de maneira birrenta ou a própria figura do Thor depressivo de frente à arma são felizes em evidenciar o lado ultrapassado de tais relações da mitologia nórdica, principalmente quando se põe Freyja em uma posição tão austera e de autoridade em relação ao marido.

É uma preparação interessante e com certeza bem planejada, que serve aos propósitos da revista em introduzir a "controversa" e poderosa figura que é esta misteriosa Thor (cuja identidade já se foi revelada nos EUA, várias edições à frente da publicada no Brasil, e que preservo para manter a surpresa a quem desconhece). Aaron inclusive continua a desenrolar aqui a narrativa ecológica de sua fase na série - o maior vilão ainda é a poluente corporação Roxxon, bom lembrar -, afim de já estabelecer alguma temática inicial e evitar qualquer estranhamento com sua mais nova protagonista. E isso é ótimo, pois mesmo que só esteja chegando agora e carregue toda uma aura desconhecida, a personagem soa como se estivesse entre nós há tempos.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Review: Jessica Jones - 1° Temporada

Heroína conversa sobre abuso nas relações com interesse, mas sofre pela interiorização.

Por Pedro Strazza

Não é preciso muito tempo para perceber a propensão de Jessica Jones ao noir. Das ruas mal-iluminadas à maior presença dos metais na trilha sonora, a série estabelece essa ambientação no mesmo passo que introduz o perfil de sua protagonista, cuja primeira participação na obra consiste de arremessar um de seus clientes pelo vidro da porta de seu escritório/apartamento.

É nesse ritmo que os treze episódios da primeira temporada do seriado comandado por Melissa Rosenberg deixam claro ao espectador que a história a ser contada será direta e sem maiores delongas. Embora nunca a chegue a pedir de fato por tal urgência narrativa, a vida de detetive particular da superpoderosa do título interpretada por Krysten Ritter e sua trama de vingança contra o maléfico manipulador de mentes Kilgrave (David Tennant) se desenrola com velocidade, apostando no valor imediato das situações que apresenta. Acima de tudo, Jessica Jones trabalha na reviravolta, no uso quase constante do abalo inicial.

Só isso pode explicar o uso de ganchos ao final dos episódios e de viradas na trama, que se acumulam desordenadamente ao longo de quase 13 horas. Se no início essas ferramentas criam uma sensação de imprevisibilidade aos eventos mostrados, com o tempo elas acabam por tornar a série cansativa, como se o roteiro desenvolvido por Rosenberg e sua equipe de roteiristas dependesse destas para manter o espectador atento à história.

Essa necessidade de ser impactante de cinco em cinco minutos faz sérios danos à estrutura do seriado, mas não o suficiente para prejudicar a sua temática. Pois enquanto série que se dispõe a analisar as repercussões dos relacionamentos abusivos na sociedade Jessica Jones funciona muito bem: seja nos núcleos coadjuvantes ou na própria dinâmica exercida entre a protagonista, Kilgrave e eventualmente Luke Cage (Mike Colter), o seriado é eficaz em evidenciar o processo de isolamento social que tais relações criam, dando destaque claro às vítimas mais comuns (a mulher, sempre tida como inferior no cruel sistema patriarcal) sem contudo expor estas como únicas a receber tal tratamento, graças ao processo de divórcio da advogada Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss), aqui retratada de forma quase tão vilanesca quanto o principal antagonista. O ápice vem no clímax do 12° episódio, em que o diretor Bill Giehart eleva a presença do púrpura de Kilgrave na paleta de cores e demonstra no jogo visual a insegurança máxima provinda do abuso.

(Ainda sobre a personagem de Moss, é interessante e positivo perceber como sua personagem é a primeira homossexual nas séries da Netflix a não ter essa sua característica um ponto essencial de seu perfil. O fato dela ser lésbica, assim como nos papéis de Susie Abromeit e Robin Weigert, em nenhum momento é tratada com a mesma importância que sua falta de escrúpulos no trabalho, por exemplo.)

Dito isso, é sintomático na série tratar esse problema como algo particular dos indivíduos afetados e, principalmente, de Jessica. Clichê danoso do cinema, esse processo de interiorização comum às personagens femininas vai de encontro à definição de heroísmo da personagem, impedindo-a de se tornar um bastião contra tais estupros. É algo que também repercute nas conexões com universo Marvel que o seriado ora ou outra se vê obrigado a fazer (e que soam artificiais por essência) e na ação, filmada como obrigação e no fundo desnecessária à obra.

Por outro lado, Rosenberg mostra visível dificuldade em alinhar os núcleos coadjuvantes na narrativa quando estes não estão em consonância com a trama principal. É visível na série que personagens como Malcolm (Eka Darville), Trish (Rachael Taylor) e Hogarth se tornam um aborrecimento nos momentos em que não são necessários e precisam trabalhar sozinhos, mesmo seus arcos tendo alguma importância na cadeia dos eventos.

Ancorada também por uma ótima atuação de Tennant, capaz de absorver a personalidade atormentada e vilanesca de seu Kilgrave com toques de humor refinados, Jessica Jones acaba por sofrer do mal do imediatismo e da falta de atenção. Embora crie situações que no calor do momento sejam eficazes, no longo prazo elas não são capazes de dar uma unidade à série e sua temática. É como se Rosenberg e os roteiristas se contentassem com o impacto da cena, incapazes de amarrá-los em uma linha de desenvolvimento única. Resta o choque, puro e simples.

Nota: 5/10

domingo, 9 de agosto de 2015

Crítica: Quarteto Fantástico

Releitura da equipe erra a mão ao ignorar seus elementos fundamentais.

Por Pedro Strazza.

Primeira equipe de super-heróis criada nas páginas da Marvel pela dupla Stan Lee e Jack Kirby, o Quarteto Fantástico ganhou fama nos quadrinhos por trazer em seu alicerce criativo a combinação quase antagônica entre ciência e família. No fundo frutos oriundos respectivamente da razão e da emoção, a combinação destes dois elementos é notável na trajetória do grupo, que tem nos líderes cientistas Reed Richards e Sue Storm a instituição do casamento, fundamental para a gênese familiar.
Encontrar e traduzir esse equilíbrio delicado dos quadrinhos para o cinema, porém, parece ter se tornado uma tarefa bastante complicada. Enquanto as versões dirigidas por Tim Story em 2005 e 2007 se mantiveram ao lado família para criar uma comédia de aventura pouco substancial, o reboot comandado agora por Josh Trank se concentra mais na área científica e obtém resultados similares. Pois por mais sério que procure parecer, a nova versão do Quarteto consegue comete um mesmo número de erros de seu antecessor.
A diferença aqui é que enquanto os outros dois filmes não mostravam quase nada interessante para entreter em seu esforço hercúleo de descontração, o remake tem ideias e conceitos promissores. Com clara base no universo Ultimate dos quadrinhos (onde houve um esforço notável para mudar o grupo), o longa traz nas jovens versões de Reed Richards (Miles Teller), Sue (Kate Mara) e Johnny Storm (Michael B. Jordan) e Ben Grimm (Jamie Bell) uma forte conexão ao descobrimento humano e suas consequências, um tema bastante conhecido do terror científico. É nesse subgênero, inclusive, que o diretor procura adequar sua história, encontrando na maneira como os seus personagens ganham seus poderes a mais pura forma de horror, e o apavorante momento em que Grimm toma consciência da monstruosidade que se tornou é prova cabal disso.
Não é à toa, portanto, que o real protagonista do filme seja Richards, que carrega em seus óculos de armação grossa a figura do jovem sedento pelo progresso. Central no roteiro escrito por Simon Kinberg, Jeremy Slater e Josh Trank, Reed não chega a encarnar de fato o cientista louco e cego pelos louros consequentes de seu objetivo (sua busca não é pelo sucesso, ele bem diz), mas seu arco - bem trabalhado por Teller na medida do possível - caminha muitas vezes próximo a esse perfil graças ao sofrimento com os erros cometidos de forma imprudente, atitude típica da do adolescente instável pela fase adolescente. Essa insensatez dos atos juvenis, por sinal, é um tema bastante presente nos meninos super-poderosos de Poder Sem Limites, longa anterior de Trank como diretor.
Os problemas de Quarteto Fantástico começam, porém, quando o protagonista sai de cena horrorizado com suas ações e a história a partir daí abandona por completo suas ideias. O ato, por mais característico que seja de seu gênero, é usado com infantilidade como ponto de virada pelo roteiro para encaminhar a obra aos clichês dos quadrinhos de super-herói e o esvazia de seu sentido original. A segunda metade, inclusive, parece pertencer a um produto completamente diferente, na medida que se faz tão leviano e exagerado tal qual os filmes de Story.
Mas isso não seria tão problemático se Trank não concentrasse tanto sua atenção apenas em Richards, e essa decisão acaba por tirar força da unidade que torna a equipe tão famosa. Relegados ao segundo plano, Sue, Johnny e Ben são trabalhados de forma unidimensional de forma que os três funcionem somente como apoio para a construção de seu futuro líder, em figuras conhecidas e pouco interessantes: Enquanto os dois últimos ressaltam o desperdício de potencial ao fazerem caminhos sem inspiração na história (o Coisa tem seu drama de transformação submetido ao arco de cobaia militar, o futuro Tocha Humana sai da identificação rebelde apenas para desejar a submissão ao governo), a Mulher Invisível de Mara frustra por ocupar uma posição de fundo tão similar à da versão de Jessica Alba. E se até os mocinhos são mal-utilizados, não sobra muito para o Victor Von Doom de Toby Kebbell senão a caricatura de traços maniqueístas.
Reinado por resoluções infantilizadas (o conflito criado na relação entre Reed e Ben é interrompida sem motivo aparente) e um clímax hilário por seu ridículo, Quarteto Fantástico é uma decepção na maneira como joga fora suas ideias e seu ótimo elenco em uma trama que vai a lugar nenhum. O mais complicado, porém, é perceber como Trank e seu filme não capazes de captar a sinergia e os elementos do grupo que transpõe para as telas, cegos talvez pelo esforço em querer conceber uma nova visão da equipe. Este esquecimento, em última análise, é o que destrói qualquer sustentação plausível da produção.

Nota: 4/10

domingo, 19 de julho de 2015

Crítica: Homem-Formiga

Herói diminuto se aproveita do caráter marginal para contar história de assalto.

Por Pedro Strazza.

Embora pregue a acessibilidade universal em todos os seus longa-metragens, é estranho que só em seu 12° trabalho a Marvel Studios use como tema principal as relações familiares. Em outros filmes abordado pelas beiradas - No primeiro Thor o conflito entre o protagonista e Odin era muito mais sobre a responsabilidade do primeiro que o relacionamento entre os dois, enquanto Homem de Ferro 2 traz o pai de Tony Stark apenas por este ser a representação mais imediata do passado -, o assunto "pais-e-filhos" ganha centralidade em Homem-Formiga, conduzindo a trama de assalto super-heroica em direção aos seus próprios objetivos.

Relação esta, a bem da verdade, muito mais sobre pais e filhas, já que ambos os personagens principais da ação tem mulheres como cria e centro de suas próprias crises. Enquanto o brilhante cientista Hank Pym (Michael Douglas) sofre pelo distanciamento auto-imposto de sua filha Hope (Evangeline Lilly), Scott Lang (Paul Rudd) sofre do mesmo problema com a pequena Cassie (Abby Ryder Fortson), afastado pela família e autoridades graças à sua atuação criminosa - mesmo que sendo para o bem, como lembra o roteiro de Edgar Wright, Joe Cornish, Rudd e Adam McKay. Quando os dois se unem para sabotar a recriação da partícula inventada por Pym antes que esta seja vendida às pessoas erradas por seu pupilo Darren Cross (Corey Stoll), é óbvio que o roubo servirá de base para eles resolverem seus problemas pessoais.

A trama de reparações, mesmo clichê em muitos momentos, funciona em parte pelo próprio alívio dado pelo diretor Peyton Reed ao seu inevitável peso sem que este seja sublimado de vez. Ao mesmo tempo que a relação de Pym com Hope e a de Lang com o padrasto de Cassie (Bobby Cannavale, ator experiente no papel de autoridade de contestação) trazem todos os embates de reaproximação necessário, o filme apresenta humor na mesma medida, distribuindo-a bem entre seus alívios cômicos (aos quais Michael Peña lidera bastante inspirado) e até na figura de Rudd, encarregado de criar o mesmo humor em cima da seriedade da situação que Chris Pratt faz em Guardiões da Galáxia.

Essa comédia que simultaneamente tira sarro e não desmerece a história, marca cada vez mais constante nas produções da Marvel Studios, é tão eficaz em Homem-Formiga quanto no longa de James Gunn, porém por motivos distintos. Se no épico espacial isso ocorre porque a obra encontra nos gêneros ao qual pertence um campo livre para piadas, aqui ela funciona pela própria percepção do filme em ser marginal ao seu próprio universo. Assim, o que se vê em tela não é a franquia Marvel guiando a trama para se encaixar à sua mitologia, mas sim a trama se valendo de personagens e acontecimentos dela para conceber sua narrativa, sem esquecer de fechar seu mundo a um determinado número de elementos que consiga controlar.

O que o longa acerta em risadas e conexões, entretanto, ele peca na ação e antagonismo, muito em parte pela própria escalação de seu diretor. Bastante experiente com comédias, Reed se prova amador na hora de conduzir as cenas de combate e não aproveita o material em mãos da melhor forma possível, restringindo-se à fórmula da alternação rápida entre personagens e ambiente para brincar com os poderes encolhedores dos seus super-seres. Para piorar, graças ao tempo dado para desenvolver os relacionamentos dos protagonistas, o vilão Cross acaba sem espaço na narrativa para desempenhar qualquer tipo de arco de vilania ou enlouquecimento, e parte do início como figura de perigo para no final se revelar apenas um vendedor.

Considerado por muitos umas das produções mais complicadas da Marvel Studios - culpa em parte do caráter jocoso do herói e seus poderes, em parte do processo conturbado que foi a realização do filme -, Homem-Formiga acaba por sair bem de suas próprias adversidades, mas tropeça em erros menores ao se preocupar demais com as primeiras. Mas apesar destes problemas, o longa no fim entrega uma história pura em intenções e de execução funcional, não tendo medo de se atestar periférico em seu mundo para elaborar com calma os conflitos familiares ao qual se dispõe tanto a analisar.

Nota: 8/10

quinta-feira, 30 de abril de 2015

HEY, Eu Quero Uma Segunda Opinião!: Vingadores - A Era de Ultron

Um dos melhores filmes da Marvel Studios, se não for o melhor.

Por Alexandre Dias.

Os super-heróis não integram mais filmes de ação ou aventura. Eles consolidaram o seu próprio gênero cinematográfico. Dentre os estúdios que produzem tais blockbusters, a Marvel/Disney é de longe aquele que pensa mais à frente e tem conseguido trilhar um caminho certeiro. Vingadores: Era de Ultron é a prova cabal disso, aonde o divertimento e pistas para o futuro continuam a ser as principais características da Casa das Ideias no cinema.
No caso da equipe, há um desafio à parte, que é dar o tempo certo de cada personagem. O diretor Joss Whedon alcançou essa meta no longa anterior, mas obteve ainda mais sucesso neste novo lançamento: os vingadores "protagonistas" mantêm a importância - a própria trama gira em torno de uma criação de Tony Stark (Robert Downey Jr.) -, porém os coadjuvantes e os novos integrantes são muito bem desenvolvidos.
O Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) e a Viúva Negra (Scarlett Johansson) são explorados não apenas como reforços brutos para o time de heróis, mas como os humanos Clint Barton e Natasha Romanoff, respectivamente; os Aprimorados têm uma boa dinâmica, sendo que Pietro Maximoff (Aaron Taylor-Johnson), o Mercúrio, gera bons momentos de empolgação, enquanto Wanda Maximoff, a Feiticeira Escarlate, além de participar dos mesmos (a cena em que ambos devem parar um trem é ótima), é interpretada por Elizabeth Olsen de forma esplêndida, com uma mistura de poder e sentimentalismo; por fim, resta falar de Visão (Paul Bettany), que está com um visual fantástico, e mesmo com a sua aparição acontecendo praticamente no terceiro ato, vale a espera.
O fator diversão, que é o objetivo que a Marvel Studios procura alcançar em todas as suas produções, é cumprido melhor do que nunca: as cenas de ação são espetaculares e grandiosas - a sequência inicial é incrível -, o que faz todo sentido devido à ameaça, que está à altura dos Heróis Mais Poderosos da Terra. Esta, aliás, é transmitida pela dublagem de James Spader ao vilão Ultron, juntamente com um certo sarcasmo, que provém do “pai” Homem de Ferro. Ainda vale citar que, agregado aos combates, o humor completa o divertimento do espectador: as piadas são muito boas e colocadas nos momentos determinados.
Sem dúvida, é impressionante o universo coeso que a Marvel/Disney desenvolveu e tende a desenvolver cada vez mais no cinema. O futuro parece promissor, com a grande saga dos quadrinhos Guerra Civil, que chega às telonas ano que vem, e as duas partes da Guerra Infinita, com Thanos agindo finalmente, que estreiam em 2018 e 2019, além dos filmes solo. Se a eficiência presente na maior parte de suas produções continuar a ocorrer, podemos ficar sossegados e ansiosos, pois esta é a justificativa que comédia, pancadaria, bem contra o mal e outros clichês de blockbusters podem funcionar muito bem se utilizados  de maneira precisa. Vingadores: Era de Ultron é um dos melhores filmes do estúdio, se não for o melhor.

Nota: 10/10

sábado, 25 de abril de 2015

Crítica: Vingadores - A Era de Ultron

Joss Whedon faz de sequência de Vingadores uma excelente preparação para o futuro da Marvel Studios.

Por Pedro Strazza.

Criar um universo cinematográfico não é tarefa fácil. Não bastasse conceber uma história que funcione tanto no superficial quanto em camadas mais profundas, os responsáveis precisam lidar também com inúmeras variáveis para manter coeso o mundo que seus personagens habitam, e isso inclui da maneira como os eventos principais afetam o lugar ao jeito como os acontecimentos secundários (ocorridas no periférico) influem no núcleo principal de personagens. É uma relação que requer muito equilíbrio e progressivamente fica mais e mais difícil de se alcançar conforme a história progride - e os filmes se acumulam.

E se fazer um universo em um filme é fácil, em dois a coisa se complica e em três fica complexo, imagina então a situação vivida pela Marvel Studios, que com Vingadores - A Era de Ultron chega à surpreendente marca de doze produções situadas em uma mesma cronologia. Além de envolto em tantas informações que de alguma forma não podem ser colidir, o estúdio liderado pelo produtor Kevin Feige tem a problemática de envolver núcleos bastante opostos entre si, englobando deuses nórdicos e espionagem realística em uma mesma folha de papel.


A sorte da franquia Marvel é que, ao contrário de outras produções, ela se divide em muitas séries de filmes, capazes de explorar o universo estabelecido e desenvolver seus múltiplos protagonistas com calma, abrindo espaço assim para que sua maior série, Os Vingadores, concentre esforços em questões tão importantes quanto. E no caso dos maiores heróis do mundo, a sorte é ter tido alguém como Joss Whedon, que compreende muito bem essa oportunidade, no comando de seus dois primeiros capítulos. É dele os muitos méritos do primeiro capítulo e os ainda maiores deste segundo, muito mais ambicioso, pesado e difícil de se manobrar com o acréscimo de tanto material vindo dos últimos quatro filmes da Marvel Studios, agrupados e conhecidos pelo nome de Fase 2.

É uma tarefa hercúlea que Whedon realiza em A Era de Ultron, pois tem de lidar simultaneamente com os acontecimentos anteriores para estabelecer sua história - que envolve a Batalha de Nova York do primeiro Vingadores e os eventos passados desde então pelos protagonistas em seus filmes solo - e também conceber as bases do futuro da mesma cronologia, que tem previsto para os próximos anos pelo menos onze capítulos. Sem contar as próprias adições feitas nesta continuação, que precisam ser muito bem trabalhadas pelo cineasta para a progressão do longa pelo conjunto, e a trama capaz de unir todos esses pontos sem atropelar-se em si mesmo.


A solução encontrada pelo roteirista e diretor, então, é simples e bastante similar à adotada no primeiro capítulo da série, mas envolve um manejo delicado de sua parte. Whedon torna seu trio de protagonistas em figuras unidimensionais e de pouco desenvolvimento, e prefere focar suas atenções nos vastos coadjuvantes da equipe para problematizar o tema proposto e aproximar esses personagens do espectador. Os perfis dos heróis "secundários" da equipe, afinal, foram bem menos explorados que os de Steve Rogers (Chris Evans), Thor (Chris Hemsworth) e Tony Stark (Robert Downey Jr.), cujos filmes dedicados a suas aventuras já os apresentaram bem. A eles, resta introduzir o futuro, a Guerra Civil entre o primeiro e o último e o Ragnarok para a divindade nórdica.
Thor, Steve Rogers e Tony Stark confraternizando com amigos; personagens rasos, mas importante para a trama
Isso não quer dizer, porém, que a trindade da equipe atue por fora na narrativa desenvolvida nesse segundo Vingadores, mas sim o contrário: É o Capitão América que comanda os movimentos do time de super-heróis em todo o filme; é o deus do trovão que faz a equipe ir à Sokóvia em busca do cetro do irmão Loki, missão que abre (com um plano-sequência fabuloso) o filme; e é o Homem de Ferro que com tal item em mãos idealiza e constrói, ao lado do doutor Bruce Banner (Mark Ruffalo) a inteligência artificial Ultron (James Spader), grande vilão da vez a ser combatido e cujo objetivo é acabar com os Vingadores - e, posteriormente, a humanidade.


São os principais que armam e disparam a história de A Era de Ultron, e seu desenrolar ocorre com outros personagens em dramas interessantes. A começar por Clint Barton (Jeremy Renner), cuja inferioridade de poderes em relação aos colegas e sua maior proximidade com a humanidade o torna num ponto de conexão interessante entre os sobre-humanos e a sociedade. A passagem da equipe na fazenda do arqueiro e sua apresentação à família Barton realça isso com precisão, e dá aos heróis um motivo para lutar pela sobrevivência.
Ultron em sua primeira (e frágil) forma; um vilão criado para socorrer os inocentes
Essa relação entre protetores e protegidos, central ao longa, também é abordada com sutileza no relacionamento amoroso entre Banner e Natasha Romanoff (Scarlett Johansson). Típica elaboração de monstro e mocinha que traz essa problemática clichê do perigo como principal obstáculo para o amor, ela funciona muito mais para entendermos melhor ambos os personagens no contexto ao qual estão inseridos - principalmente a agente russa, interpretada com especial cuidado por Johansson.
Enquanto os poderosos lutam pelo bem maior, os inocentes sofrem, e as novas peças apresentadas no tabuleiro querem externizar esse sentimento. Ultron e seu "filho", o "sintetizoide" Visão (Paul Bettany), crias de um mundo em caos, agem por um bem não muito bem definido, que possui tantas dúvidas sobre a humanidade e suas ações como esta tem com os Vingadores e seu rastro de destruição - E o diálogo final entre as duas inteligências, mesmo superficial, sintetiza muito bem o dilema deles com seu criador. No caso das vítimas, é curioso perceber que elas sejam representadas por dois seres aprimorados, com nível de habilidades sobrenaturais ao dos Vingadores. Vindos da população, os irmãos órfãos Wanda (Elizabeth Olsen) e Pietro (Aaron Taylor-Johnson) Maximoff simbolizam os danos infligidos na sociedade por aqueles que a protegem, e servem como lembrete futuro para o sofrimento causado pelos próprios heróis.
Pietro e Wanda Maximoff; lembretes da humanidade de um mundo de sofrimento aos heróis do amanhã
Esse mesmo futuro vai sendo armado por Whedon de forma magnânima. Das heranças deixadas pela passagem de Ultron - em especial o elemento portado por Visão e a Feiticeira Escarlate, cuja instabilidade emocional já é prenunciada - aos escombros deixados pelo combate entre o Hulk e o Homem de Ferro em Wakanda (uma cena digna de seu espetáculo destrutivo, vale dizer), Vingadores 2 é o filme que melhor constrói as bases para um amanhã de um universo cinematográfico, não se rendendo as pontinhas instigantes (menos, talvez, na cena durante os créditos) e sim tomando-a como elemento principal, o que ocasionalmente pode gerar uma sensação de meio do caminho no espectador mais ansioso com o todo.

Mas essa sensação, ao lado de todos os atalhos tomados pelo roteiro de Whedon na narrativa dinâmica (dói ouvir de uma "central" da internet em pleno 2015), são um pormenor. Além de trazer na estrutura uma complexidade funcional e bela, Vingadores - A Era de Ultron serve como entretenimento de primeira, capaz de fazer rir na estrada de universo que trilha com tanta seriedade, e prepara como ninguém um futuro brilhante para uma franquia poderosa.

Nota: 10/10

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Dissecando: Os Vingadores - A Era de Ultron (TRAILER 2)

Vem aí briga interna no super-grupo, e isso só quer dizer uma coisa: Porrada.

Por Pedro Strazza.

Na madrugada desta terça-feira de verão bem quente (dia 13 de janeiro de 2015, pra ser mais exato), a Marvel Studios liberou no meio do futebol americano o esperado segundo trailer do esperadíssimo novo capítulo de Vingadores. E é meio que um repeteco de tudo que a gente viu na primeira prévia: Tem treta, gente descontrolada, clima de tensão e separação de banda (ops, de supergrupo quer dizer), mais treta, Ultron de James Spader sentando porrada na galera comandada por Homem de Ferro...
E nesse (retorno meio que bastante inesperado) do Dissecando, vamos olhar esse trailer mais de perto e descobrir o que ele esconde nas entrelinhas sobre o filme. Mas antes, só queremos lembrar aos fãs tupiniquins de que Os Vingadores - A Era de Ultron chega às telonas no dia 30 de abril.
Chega de enrolação, simbora explorar esse troço:
0 segundos: Tema do Pinóquio tocado agora só pelo piano. Saudades vozinha dos sete infernos...
3 segundos: Vingadores ao resgate de civis no que pode ser a cidade de Wakanda (referências ao universo do Pantera Negra: 1). Ao fundo, Robert DowQUER DIZER Tony Stark diz que este pálido e pequeno ponto azul precisa de um poder maior que qualquer um dos Vingadores.
12 segundos: Steve Rogers (vulgo Capitão América) cata o capacete do banco e faz aquela famosa reflexão na varanda do apartamento. Logo depois, Clint Barton (vulgo Gavião Arqueiro) se encontra no meio de um conflito armado - talvez ocasionado pelo resgate dos Vingadores aos irmãos Maximoff? Não sei.
20 segundos: Ultron liga as engrenagens (UH-O-OH!) enquanto fala em off que todo mundo teme aquilo que cria. Fedeu, pra dizer o mínimo.
23 segundos: Essa cena todo mundo já conhece do primeiro trailer, mas um fato novo surgiu aqui: Bruce Banner reconhece Ultron quando ele adentra a sala. Pelo jeito o supervilão da vez (que entra causando na sala) não veio à vida apenas pelas mãos de Stark.
29 segundos: É, o Hulk vai ser mesmo controlado por Ultron naquele confronto (que promete ser épico) com a Hulkbuster. Esses olhinhos vermelhos de Banner só podem indicar pra isso - ou drogas, mas é um filme da Marvel né gente, calma lá.
32 segundos: OLHA O GRANDE MISTÉRIO DO TRAILER AÍ GEEEENTE! Ao mesmo tempo que Nick Fury avisa que problemas sempre aparecem, uma estranha mulher surge solitária em cena despindo de algumas roupas. Já tem gente na internet dizendo que é a heroína Afrikaa Ngala, personagem de escalão D parte do universo do Pantera Negra (referências ao universo do Pantera Negra: 2), mas é difícil de saber pelo ângulo da cena. Vamos seguir curiosos...
36 segundos: "Você mexeu em algo que não entende" diz Thor ao Homem de Ferro, que logo em seguida toma uma pancada energética da Feiticeira Escarlate (tô falando que vai ter muita treta nesse filme!).
39 segundos: Aparentemente a Viúva-Negra foi capturada por alguém (talvez o Barão Von Strucker?) no meio de uma missão, pois é ela que será submetida a um procedimento cirúgico forçado pelos vilões em uma maca nada limpa. E ela ainda diz que os Vingadores não tem lugar no mundo...
41 segundos: Ultron vai causar na cidade, e conta com seus colegas robôs pra gerar a discórdia. Minha pergunta é: Estes robôs seriam propriedade de Tony Stark ou ele mesmo criou?
48 segundos: Não é a primeira vez que vemos a Mark Sei-Lá-Qual-O-Número nas prévias, mas a cena do Homem de Ferro em ação permite que a gente enxergue uns detalhes da armadura, como a melhor distribuição do amarelo (agora pastelizado) no vermelho característico - portanto nada de Homem de Ferro Toblerone em Vingadores 2, senhoras e senhores.
50 segundos: Hulk já dá a louca e sai chutando carro pra cima dos policiais. Coitados, vão virar patê se ninguém for em seu auxílio.
52 segundos: ALGUÉM (que pelo jeito é a Viúva-Negra) aparece de costas carregando duas armas novinhas em folha pra testar em combate, e logo em seguida temos Andy Serkis - segundo boatos intérprete do Garra Sônica (referências ao universo do Pantera Negra: 3) - fazendo mais um movimento dramático/enigmático para a câmera.
54 segundos: A nave dos Vingadores sobrevoa uma cidade (Wakanda?), e em seguida o Capitão América sai no soco com um dos servos robóticos de Ultron.
59 segundos: Uma mulher grita de pavor com o terror que vê em volta, e o Hulk (extremamente bem feito de rosto, se não repararam) se acalma com a presença da Viúva-Negra. Vai dar amor?
1 minuto e 3 segundos: "Eu vou acabar com vocês pela parte de dentro" profere Ultron, e aí vem cena pra chuchu. O vilão solta raios pra cima do Thor e este é sobrecarregado por eles (pô cara, tu é o Deus do Trovão, faz algo aí!), Feiticeira surge preocupada de perfil, Thor pega Tony pela garganta (controlado por Ultron, talvez?), uma moto faz um leve drift, carros saem voando, a Hulkbuster chega ao local do combate, o Hulk aparece com um poste na mão e...
1 minuto e 12 segundos: Pois é Viúva, OH BOY, PORQUE O PAU VAI COMER SOLTO!!! Hulk sai na porrada claramente fora de si contra Tony Stark e sua mega-armadura, e ele também tá irritado. Aí já viu né, pancadaria de alto nível pra fechar com entusiasmo o segundo trailer, que termina com um rápido vislumbre de Ultron de costas. Vem briga interna pra cima dos Vingadores, e isso promete deixar feridas incuráveis para a equipe!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Crítica: Operação Big Hero

Animação é previsível em suas escolhas, mas promove união eficaz de dois mundos

Por Pedro Strazza

Faz pouco mais de cinco anos que a Disney comprou a Marvel Comics e só agora o maior pesadelo dos críticos à venda da companhia na época se concretizou. A animação Operação Big Hero, afinal, marca a primeira parceria artística entre a empresa de Mickey Mouse e a Casa das Ideias, reformulando para as telas um esquecido supergrupo japonês das páginas da editora - o Big Hero 6 do título em inglês. E para o desespero daqueles analistas, o longa prova, mesmo que com algumas ressalvas, o quão acertado foi a decisão da Marvel em ser comprada pelo estúdio.

Isso porque o filme carrega em seu esqueleto uma mistura de sucesso do melhor dos dois mundos, e os equilibra com precisão. Estão lá a bem-humorada história "simples mas profunda", os personagens carismáticos e o design de produção estupendo típicos dos maiores trabalhos da empresa de Walt Disney, alinhados às características conhecidas (e popularizadas nos longa-metragens) dos quadrinhos onde se originaram o Homem de Ferro, Thor, Capitão América e etc, como o visual marcante (tanto nos indivíduos como no cenário) ou a ação dinâmica.

A trama gira em torno de Hiro, um garoto brilhante na área de tecnologia que aplica seus vastos conhecimentos nos proibidos ringues de lutas de robôs da cidade San Fransokyo. Essa rotina clandestina do jovem, porém, muda a partir do momento em que o irmão Tadashi o influencia a tentar entrar em uma universidade ao apresentá-lo ao centro de pesquisa de robótica que trabalha e a seus colegas, os estudantes Go Go, Wasabi, Honey Lemon e Fred. Mas quando Tadashi morre em um incêndio suspeito e um misterioso vilão planeja dominar a cidade com nano-robôs, Hiro, seus mais novos amigos e Baymax, o afetuoso robô do irmão, precisam se transformar em heróis para impedir o plano do vilão.

Ainda que o tenha citado apenas no final do parágrafo anterior, Baymax é aqui o personagem com maior destaque. Sua figura rechonchuda e desajeitada é usada pelos diretores Don Hall e Chris Williams para tanto dar o tom de humor à história - as melhores piadas surgem de sua ingenuidade com o mundo e excesso de afeto, como bem esclarece o momento em que está com pouca energia e precisa ser silencioso - como para evidenciar a relação profunda entre o protagonista e o falecido Tadashi. É daí que a produção mostra seu maior foco narrativo, tocando em temas como a da vida após a morte do próximo e o amor entre irmãos - e nesse momento é inevitável a comparação com Frozen - Uma Aventura Congelante, animação antecessora também interessada neste último assunto.

A profundidade no conteúdo do filme, entretanto, termina em uma superfície semelhante à de sua narrativa, que cumpre somente com o básico das histórias clássicas de super-heróis. Do começo ao fim, o longa segue uma trajetória de extrema previsibilidade, e não consegue surpreender mesmo no timing de suas reviravoltas. Além disso, os personagens secundários encontram-se totalmente submetidos aos intentos do protagonista e do roteiro escrito por Jordan Roberts, Daniel Gerson e Robert L. Baird, e seus perfis individuais, visando apenas a rápidos alívios cômicos, são estereotipados ao máximo - no grupo formado por Hiro, por exemplo, temos o nerd (Fred), a descolada (Go Go), o sensível (Wasabi) e a patricinha (Honey Lemon).

Mas mesmo com pouco aprofundamento criativo a produção consegue cativar, e isso que mais importa a ele. Com visual rico e equilibrado em cores e personagens de carisma capaz de ocultar seus claros defeitos criativos, Operação Big Hero funciona como diversão ingênua, e entretém por sua tendência ao simples. Mais um acerto na nova fase vivida pela Disney em suas animações, e um grande considerando a origem de seu material.

Nota: 7/10