terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Crítica: Louco - Fuga

O que é loucura?

Por Marina Ammar.



Apesar do início do personagem Licurgo Orival Umbelino Cafiaspirino de Oliveira (mais conhecido como Louco) ter sido marcado nos quadrinhos por uma loucura que era realmente um estado de vesânia, com o tempo o Louco ganhou uma pegada diferente: Quase sempre atormentando Cebolinha, o querido garoto que fala "elado" no quarteto fantástico de Maurício de Sousa, o Louco protagonizava aventuras quase surrealistas, com muito nonsense, sempre cheias de imaginação e extremamente divertidas.

E é justamente essa vertente a escolhida por Rogério Coelho ao desenvolver o seu Louco em Fuga, criando uma linha sutil entre loucura e imaginação.

Deixando a narrativa fluir com a maneira como a personagem enxerga sua aventura, Coelho conduz o leitor por páginas que parecem infinitas em sua sequencialidade e movimento, com uma diagramação dinâmica e tridimensional que lembra o trabalho de J. H. Williams III em diversas páginas e permite que a mente e o olhar se misturem durante a leitura, auxiliando na experiência de, junto de Louco, “viajar de história em história”. 

A narrativa em linguagem, porém, é fraca. Não de forma catastrófica, ou tosca, mas deixando a desejar. Iniciada no momento em que Louco foge dos nomeados Guardiões do Silênciode formas, atmosfera levemente sombria e riqueza em detalhes que lembra o trabalho de Dave McKean, principalmente no interior de seu palácio – a história mostra uma ave dourada a quem Licurgo chama de “amigo”, e enquanto ele escapa, a ave permanece prisioneira dos Guardiões, e Louco promete voltar para busca-la. E dito isso, atravessa para a história seguinte em busca de refúgio, caindo no conhecido Bairro do Limoeiro, e se disfarça de mágico, onde, em uma apresentação, conhece o quarteto do Limoeiro. 

Intercalando a interação de Louco com Mônica e seus amigos, a própria história, e lembranças de sua infância e o primeiro encontro com a ave dourada, Coelho traça a trajetória do personagem e nos conta como a ave surgiu: criado por um misterioso escritor, o pássaro dourado protagonizava uma história onde ele era a inspiração, e levava aos outros, com seu canto, o dom e a vontade para imaginar, criar, e por consequência, ser. 

O escritor, porém, decidiu que apenas a ave não bastava, e criou para sua história os antagonistas, os Guardiões, que, dedicados a silenciar o canto da criação, foram aprisionando todos aqueles que ousavam imaginar, até que por fim aprisionaram a ave (silenciando a história inteira), que é mais tarde resgatada pelo pequeno Louco – fato de que ficamos sabendo em sua recapitulação às memórias de infância, com folhagem lúdica e detalhada e tonalidades ouro e sépia que trazem as matizes e encaixes sobrepostos do trabalho de Klimt à mente. 

Após resgatada, a ave leva o pequeno Licurgo para o local sem nome onde todas as histórias são criadas, e onde ele descobre que pode estar na história que quiser com um único passo. 

Apesar do trabalho primoroso na apresentação artística de sua narrativa, a alta sutileza de Coelho em sua ode à imaginação muitas vezes leva as frases ao cliché, que ainda que bem utilizado, não surpreende, e pode arrastar a leitura por ser utilizado no ponto clímax, onde, cercado pelos Guardiões, Louco descobre que existem vilões para “fazer com que o herói fique mais forte!”, e unido ao canto incessante de seu companheiro dourado ainda aprisionado, deixa elevar sua esperança na própria capacidade, e na capacidade da história, e observa, não surpreso, a queda explosiva dos Guardiões. 

Esse trecho, de outros, deixa a desejar que a escolha de Coelho para a apresentação dos pensamentos e narrativa de Louco muitas vezes fosse outra na linguagem, que se apresenta vaga em certos, e em outros, apenas um pouco confusa – o Louco, como personagem, continua de fala rápida e divertida, mas seus pensamentos, apesar de soltos, são bem organizados, e levemente formais. 

Ainda assim, a questão pouco atrapalha. No quadro geral, a narrativa flui em sincronia com as imagens, e a obra de Rogério Coelho lembra, em meio a homenagens à outras Graphic MSP, que o maior poder de nossa mente é a capacidade de criar e viajar, que o antagonista de qualquer história está lá para que acha um motivo pela busca da melhora, e canta ao leitor para que não confunda mera loucura com a capacidade de imaginar, que se lembre do poder contagiante da mesma, e que se mantenha, como nossos adorados personagens, sempre com um pé em infinitas histórias.

Nota: 7/10

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