Patriarcas em conflito com a realidade.
Por Pedro Strazza.
Nos filmes de máfia, é comum assumir logo de início que na família quem comanda é o pai. Quase uma característica básica do gênero, essa identificação patriarcal dos negócios tem origem no desenvolvimento histórico da sociedade, e presume o homem como mais capacitado que sua mulher e seus filhos para proteger esses e outros parentes próximos dos "perigos de fora". É um viés machista e ultrapassado, que vem sendo combatido já há décadas com a revolução das relações familiares e sua consequente desconstrução em novas maneiras de liderança e organização.
O crime, porém, parece sempre estar atrasado em relação ao mundo, e pelo menos no cinema sua formatação ainda mantém como máxima a afirmação do pai de família, mesmo esta chocando-se com a realidade de tempos em tempos. Saber como esse choque ocorre e se a crise de relações de fato acontece aparecem então como temas interessantes a serem analisados, e Noite Sem Fim os usa em sua trama pronto para tentar entendê-los a fundo.
É de confrontos, afinal, que o longa dirigido por Jaume Collet-Serra constrói sua história, e os três guerreiros que a protagonizam são justamente chefes de família. De um lado temos ambientado em uma premissa de último serviço o típico conflito de Davi e Golias, representados nas respectivas figuras do mercenário Jimmy Conlon (Liam Neeson) e do líder do crime organizado Shawn Maguire (Ed Harris); do outro, o drama geracional e de legado vivido por Conlon com o filho Mike (Joel Kinnaman). E ambos são acionados pelo ato mais indesculpável em questão de genealogia: o assassinato de um filho, o fim prematuro de uma linhagem inteira.
Estabelece-se assim entre os envolvidos um impasse sem maiores saídas senão à da morte, cuja obsolescência é óbvia no panorama contemporâneo desde o primeiro instante de existência. Enquanto Maguire se vê obrigado a autodestruir o resto de seu mundo por ter sua herança destruída em definitivo - mesmo ele sabendo que tal futuro já estava comprometido pelos mesmos erros que havia presenciado nos colegas mortos na juventude -, Mike se vê na ingrata posição de ter de apostar a sobrevivência de sua pessoa e família ao passado renegado, a figura paterna corroída pelo mal ao qual se quer ver tão distante.
O vilão em ambos os casos, claro, é o homem isolado, o mercenário que na busca por algo a mais acabou sem ninguém e vive em desgosto profundo. Dito isso, é curioso perceber como o roteiro de Brad Ingelsby use do antagonista principal como justiceiro, e faz de Jimmy um herói em combate com o próprio passado. Um clichê bem empregado (o detetive interpretado por Vincent D'Onofrio está posicionado sem maior elaboração para apenas lembrar do peso carregado pelo protagonista, por exemplo) e feito para fazer fluir a narrativa, mas que encontra seus momentos - e é perfeito para Neeson reproduzir seu arquétipo recente de figura de lei em busca da redenção.
Embora tenha seus problemas na hora de contar sua história - a fotografia de Martin Ruhe parece não entender como lidar com espaços para a ação, a exemplo das cenas envolvendo banheiros -, Noite Sem Fim desempenha bem seu papel de bater de frente o tradicional com os novos tempos. Não à toa, o super mercenário feito por Common contratado para matar pai e filho surge robótico e com os aparatos mais modernos, pronto para dar cabo do passado e abrir espaço para o futuro, seja esse qual for.
Nota: 7/10
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