Fúria narrativa e roteiro questionador lideram épico de ação de George Miller.
Por Pedro Strazza.
Realizar uma nova continuação para uma franquia tão fundamental após tantos anos, portanto, seria uma loucura em quaisquer medidas, e envolveria uma alta responsabilidade de qualquer um que o tomasse como tarefa. Para a sorte do cinema, essa responsabilidade foi levada em conta, pois Mad Max - Estrada da Fúria mostra desde o primeiro minuto uma inclinação visível à progressão - seja esta de sua franquia, gênero ou da História.
Em desenvolvimento desde 2011 e contando com o retorno de Miller à direção e roteiro (escrito junto dos estreantes Brendan McCarthy e Nick Lathouris), o quarto capítulo usa da jornada de travessia - um tipo de história típico do faroeste - como premissa de sua trama simples. A carga a ser transportada aqui são as jovens esposas do líder religioso e industrial Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), que fogem de seus domínios lideradas por Imperator Furiosa (Charlize Theron) em busca de um lugar seguro. Atrás de seus futuros herdeiros na barriga das mulheres e com um exército de homens e automóveis em seu controle, Joe inicia uma caçada pelo veículo dirigido pelo grupo, que terá o auxílio de Max Rockatansky (Tom Hardy) para sobreviver ao caminho perigoso.
De certa forma, a história de Estrada da Fúria não escapa do que foi visto nos três primeiros Mad Max, mas acrescenta a elas mecanismos importantes. Max continua a agir como o justiceiro vindo de longe que se envolve e resolve auxiliar a jornada das vítimas da região, mas desta vez as vítimas estão mais preparadas para sobreviver ao inimigo opressor. Em muitos momentos, Furiosa assume no longa a posição de personagem principal nas ações ocorridas e relega a Rockatansky um papel secundário, e com isso põe-se em conflito o próprio papel do protagonista e seu papel de cavaleiro solitário, algo que acaba por repercutir de maneira interessante por todo o roteiro e sua estrutura de gênero.
Cientes dessa elaboração narrativa, Theron e Hardy a incorporam e fazem seus papéis em cima desta. A atriz imprime os efeitos de um mundo tão duro na figura de autoridade e decisiva de sua Furiosa, enquanto o novo intérprete de Max constrói o herói da maneira mais animalesca possível, distanciando-se como pode do trabalho de Mel Gibson no personagem e colaborando para estabelecer o tom da produção.
Por outro lado, a construção do universo pós-apocalíptico concebido por Miller contribui efusivamente para a escalada de loucura da franquia. Feito em simbolismos escancarados (o volante virar um instrumento de culto e veneração, por exemplo), uniões constantes entre elementos mitológicos clássicos e cultura contemporânea (o "mcbanquete nos portões do Valhalla" é o grande objetivo dos "kamicrazys", para se ter dois exemplos) e um deserto monocromático berrante, o mundo estabelecido neste quarto filme é exageradíssimo, mas ainda assim orgânico e bastante funcional, capaz de fazer o espectador compreender seus mecanismos pelos movimentos expositivos mais discretos em uma narrativa que se atrela quase que por completo ao visual.
E é justamente no jeito de contar sua história que o diretor mais acerta nesta nova incursão. Acelerado ao extremo, Estrada da Fúria é ágil e ordenado em construir os personagens e as situações ao mesmo tempo em que combina o lado técnico com os elementos da trama. O ápice, claro, é o carro sonoro conduzido por um guitarrista, que simultaneamente se envereda pela trilha sonora de Junkie XL e constrói a figura arrogante de Immortan Joe - afinal, quem diabos seria capaz de construir um veículo do tipo apenas para dar um acompanhamento musical às ações de seu exército?
Toda a estrutura elaborada é feita para culminar sempre em cenas de ação, orquestradas com precisão milimétrica pelo cineasta australiano. Miller inclusive rejeita a tendência recente do cinema em filmar a ação por closes e planos que inserem o espectador na ação, e opta por planos fixos para explicitar a magnitude e brutalidade das perseguições, que ganham mais peso nas colisões reais protagonizadas pelos veículos montados. O mundo aqui sobreviveu ao fim e sua sanidade desapareceu, e o longa incorpora isso da melhor maneira possível.
Com identidade oitentista e execução contemporânea, Mad Max - Estrada da Fúria é na raiz uma experiência intensa, capaz de inserir o espectador na loucura de sua história sem se perder no caminho. Acima de tudo, porém, o filme respeita suas origens e continua a construir o protagonista em sua jornada pós-apocalíptica, que, se tudo der certo, continuará a ser feita no futuro.
Nota: 10/10
Gostou? Assista Também:
- Dívida de Honra: Questionamento de papel em outro faroeste;
- Scott Pilgrim Contra o Mundo/Speed Racer: Velocidade narrativa acima de tudo;
- Whiplash - Em Busca da Perfeição: Intensidade capaz de deixar o espectador sem ar.
0 comentários :
Postar um comentário