sexta-feira, 15 de maio de 2015

Crítica: Mad Max - Estrada da Fúria

Fúria narrativa e roteiro questionador lideram épico de ação de George Miller.

Por Pedro Strazza.

Desde seu primeiro filme, a trilogia Mad Max estabeleceu com sucesso novas maneiras de se fazer ação no mesmo ritmo que construiu a escalada para o absurdo de seu universo pós-apocalíptico. Na jornada de formação do cavaleiro solitário que é seu protagonista, o diretor George Miller inovou o cinema em diversas vertentes, trazendo a este ideias e conceitos que seriam repetidos à exaustão por outras histórias em décadas posteriores, além de sagrar-se bastião do ascendente cinema australiano da época.
Realizar uma nova continuação para uma franquia tão fundamental após tantos anos, portanto, seria uma loucura em quaisquer medidas, e envolveria uma alta responsabilidade de qualquer um que o tomasse como tarefa. Para a sorte do cinema, essa responsabilidade foi levada em conta, pois Mad Max - Estrada da Fúria mostra desde o primeiro minuto uma inclinação visível à progressão - seja esta de sua franquia, gênero ou da História.
Em desenvolvimento desde 2011 e contando com o retorno de Miller à direção e roteiro (escrito junto dos estreantes Brendan McCarthy e Nick Lathouris), o quarto capítulo usa da jornada de travessia - um tipo de história típico do faroeste - como premissa de sua trama simples. A carga a ser transportada aqui são as jovens esposas do líder religioso e industrial Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), que fogem de seus domínios lideradas por Imperator Furiosa (Charlize Theron) em busca de um lugar seguro. Atrás de seus futuros herdeiros na barriga das mulheres e com um exército de homens e automóveis em seu controle, Joe inicia uma caçada pelo veículo dirigido pelo grupo, que terá o auxílio de Max Rockatansky (Tom Hardy) para sobreviver ao caminho perigoso.
De certa forma, a história de Estrada da Fúria não escapa do que foi visto nos três primeiros Mad Max, mas acrescenta a elas mecanismos importantes. Max continua a agir como o justiceiro vindo de longe que se envolve e resolve auxiliar a jornada das vítimas da região, mas desta vez as vítimas estão mais preparadas para sobreviver ao inimigo opressor. Em muitos momentos, Furiosa assume no longa a posição de personagem principal nas ações ocorridas e relega a Rockatansky um papel secundário, e com isso põe-se em conflito o próprio papel do protagonista e seu papel de cavaleiro solitário, algo que acaba por repercutir de maneira interessante por todo o roteiro e sua estrutura de gênero.
Cientes dessa elaboração narrativa, Theron e Hardy a incorporam e fazem seus papéis em cima desta. A atriz imprime os efeitos de um mundo tão duro na figura de autoridade e decisiva de sua Furiosa, enquanto o novo intérprete de Max constrói o herói da maneira mais animalesca possível, distanciando-se como pode do trabalho de Mel Gibson no personagem e colaborando para estabelecer o tom da produção.
Por outro lado, a construção do universo pós-apocalíptico concebido por Miller contribui efusivamente para a escalada de loucura da franquia. Feito em simbolismos escancarados (o volante virar um instrumento de culto e veneração, por exemplo), uniões constantes entre elementos mitológicos clássicos e cultura contemporânea (o "mcbanquete nos portões do Valhalla" é o grande objetivo dos "kamicrazys", para se ter dois exemplos) e um deserto monocromático berrante, o mundo estabelecido neste quarto filme é exageradíssimo, mas ainda assim orgânico e bastante funcional, capaz de fazer o espectador compreender seus mecanismos pelos movimentos expositivos mais discretos em uma narrativa que se atrela quase que por completo ao visual.
E é justamente no jeito de contar sua história que o diretor mais acerta nesta nova incursão. Acelerado ao extremo, Estrada da Fúria é ágil e ordenado em construir os personagens e as situações ao mesmo tempo em que combina o lado técnico com os elementos da trama. O ápice, claro, é o carro sonoro conduzido por um guitarrista, que simultaneamente se envereda pela trilha sonora de Junkie XL e constrói a figura arrogante de Immortan Joe - afinal, quem diabos seria capaz de construir um veículo do tipo apenas para dar um acompanhamento musical às ações de seu exército?
Toda a estrutura elaborada é feita para culminar sempre em cenas de ação, orquestradas com precisão milimétrica pelo cineasta australiano. Miller inclusive rejeita a tendência recente do cinema em filmar a ação por closes e planos que inserem o espectador na ação, e opta por planos fixos para explicitar a magnitude e brutalidade das perseguições, que ganham mais peso nas colisões reais protagonizadas pelos veículos montados. O mundo aqui sobreviveu ao fim e sua sanidade desapareceu, e o longa incorpora isso da melhor maneira possível.
Com identidade oitentista e execução contemporânea, Mad Max - Estrada da Fúria é na raiz uma experiência intensa, capaz de inserir o espectador na loucura de sua história sem se perder no caminho. Acima de tudo, porém, o filme respeita suas origens e continua a construir o protagonista em sua jornada pós-apocalíptica, que, se tudo der certo, continuará a ser feita no futuro.

Nota: 10/10

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