Thriller de época soa tão falso quanto o seu inglês de sotaque russo.
Por Pedro Strazza.
Embora seja vendido como uma história de mistério travestida de filme de época, Crimes Ocultos mostra desde o início uma propensão maior ao novelesco. Baseado no primeiro de uma série de livros policiais escritos por Tom Rob Smith, o longa dirigido por Daniel Espinosa usa muito de sua trama de investigação como mote, mas em muitos momentos parece querer deixar o gênero para trabalhar os dramas vividos por seus personagens enquanto estes se dedicam a solucionar o enigma que tem em mãos. E isso não seria uma má ideia se não fosse tão mal executada.
Estamos na União Soviética do pós-Segunda Guerra, uma nação que busca viver em uma espécie de utopia mesmo esta não existindo - "Não há assassinos no paraíso", repetem os oficiais do governo como um mantra a ser seguido às cegas, e ai de quem for de encontro a esta ordem. Neste contexto, o respeitado agente da MGB Leo Demidov (Tom Hardy) encontra sua desolação ao questionar a sanidade do sistema e investigar a fundo o caso do assassinato do filho de um de seus colegas, e como consequência acaba rebaixado sem honras na hierarquia militar soviética e transferido para uma cidade pequena do interior do país. Esse choque com a moral de sua nação o faz entrar em uma espiral descendente, e o força a revisitar o passado funesto que tanto renega.
Há nesta história toda uma lógica que no papel parece ser bastante profunda, mas na realidade prova ser o contrário. O roteiro escrito por Richard Price parte de muitos pressupostos para construir seus personagens, e assume maniqueísmos que desde o início provam ser infundados, como o de o sistema ser ruim por naturalmente ser ruim, e logo todos os subordinados a ele serem pessoas más - algo que de imediato esvazia dos antagonistas qualquer significado maior. O pior, porém, é que Crimes Ocultos busca tirar disso um desenvolvimento maior e moralista, e sem uma base sólida sua argumentação colapsa de maneira vergonhosa.
Um exemplo claro desse vazio pretensioso são os próprios personagens, elaborados sem inspiração e com o maior número de clichês possíveis, incluindo aí os próprios protagonistas. Ainda que soem complexos e cheios de facetas, Demidov e sua esposa Raisa (Noomi Rapace) são figuras caricaturais de personas típicas do suspense, e os conflitos e diálogos que realizam entre si chegam ao cúmulo da previsibilidade - "Você é um monstro", profere ela ao marido em determinada altura da trama, realçando algo que estava claro desde o princípio. O direcionamento do próprio Demidov, de certa forma, passa por esse mesmo crivo de obviedades: É a jornada de descoberta do próprio mal, feita da maneira mais enfadonha possível.
E se nos principais a condição é enferma, nos coadjuvantes o quadro se acentua. Enquanto o sargento interpretado por Gary Oldman se restringe ao papel de falsa autoridade moral e em crise, o oficial Vasili de Joel Kinnaman é atribuído à figura de vilão apenas por ser o representante imediato da corrupção do sistema, e suas motivações param nessa simbologia básica. E para o longa, basta uma explicação das mais rasas (a responsabilidade da bandeira, esse símbolo máximo do nacionalismo exacerbado) para o porquê de seus sucessivos embates com o protagonista.
O que resta então a Crimes Ocultos? Em casos como esse, o melhor a se fazer é se deixar levar pela proposta maniqueísta e se prender ao mistério que conduz a trama, torcendo para que as propostas de vigilantismo e justiça com as próprias mãos façam um mínimo de sentido. Uma pena que, nesse caso específico, essa redenção superficial não chegue a tempo de entregar essa pequena recompensa.
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