Kenneth Branagh conta a mesma história sem temer o óbvio.
Por Pedro Strazza.
Embora seja ao lado das adaptações de quadrinhos um dos temas mais fortes financeiramente no mercado cinematográfico atual, a releitura em live-action de clássicos infantis até aqui não esbanjou grandes motivos para merecer toda a bilheteria que arrecada. Desde o fraco retorno de Alice ao País das Maravilhas pelos olhos de Tim Burton, o subgênero entregou nada além de produções que ou reproduziam sua história em tons sombrios previsíveis (algo levado ao extremo no fraco Branca de Neve e o Caçador) ou revisavam e atualizavam a trama sem conseguir arrancar algo interessante disso (tarefa esta quase alcançada pelo péssimo Malévola).
A grande verdade é que está faltando nessa nova leva de contos-de-fada o brilho ingênuo e infantil que Walt Disney empregou com sabedoria em suas animações, devidamente eternizadas na memória de crianças e adultos por décadas a fio. Não à toa, o melhor produto da "nova geração" surge agora com o Cinderela de Kenneth Branagh, um filme que não busca um visual moderno para sua reinterpretação da história escrita por Charles Perrault, mas sim relembrar sua inocência e delicadeza.
Roteirizado por Chris Weitz, o longa acompanha Ella (Lily James), uma jovem e bondosa garota que após perder o pai (Ben Chaplin) e a mãe (Hayley Atwell) acaba aos tratos de sua Madrasta (Cate Blanchett) e suas maléficas filhas Anastasia (Holliday Grainger) e Drisella (Sophie McShera), que a obrigam a trabalhar sem descanso dia e noite devido à falta de dinheiro para contratar empregados. Certo dia, porém, o príncipe Kit (Richard Madden) promove um baile no reino para escolher sua esposa, e... bem, você conhece o resto da animação infantil, reproduzido com fidelidade por Branagh em quase todos os seus detalhes - sendo a grande exceção a ausência do lado musical.
Essa necessidade do diretor em refazer o conto infantil tanto funciona quanto prejudica o filme. Se por um lado o conservadorismo do material original emerge sem nenhuma delicadeza do roteiro ingênuo - principalmente em sua perspectiva machista, que prega como objetivo maior na vida da mulher a busca por um marido -, ele encaixa com perfeição no estilo autoral de Branagh, famoso por evocar em seus filmes a estética e maneirismos do teatro. E essa característica encontra em Cinderela uma grande liberdade para se expressar, como bem esclarecem o design de produção de Dante Ferreti, os figurinos exuberantes de Sandy Powell (destaque para o uso constante do verde berrante nos vestidos da Madrasta) e a maquiagem bastante plástica e esbranquiçada dos personagens, que juntos chegam ao ápice no baile orquestrado com excelência por Branagh.
A nova versão de Cinderela, entretanto, encontra problemas sérios em seus personagens, sejam estes principais ou meros secundários. Não bastasse o número excessivo de alívios cômicos, criados para compensar a ausência de canções (chega a ser irritante o uso do ganso para piadas periféricas), e a ida e volta constante de coadjuvantes ao bel-prazer do longa, o roteiro de Weitz falha ao ignorar bons arcos de desenvolvimento no processo de apenas passar as peças para um novo tabuleiro. Assim, dramas interessantes como o vivido pela Madrasta passam batidos na narrativa e prejudicam a atuação de seu bom elenco - em especial a própria Cate Blanchett, incapacitada de criar uma antagonista memorável por essa poda equivocada.
Mas mesmo com erros tão berrantes Cinderela se sobressai com facilidade às outras produções do tipo. O segredo é simples: Ao invés de ir atrás de atualizações visuais ou querer reinventar sem muito zelo a obra adaptada, Branagh faz o feijão com arroz e conta a mesma história sem medo de admitir isso. Que o tradicionalismo brega incomoda não há dúvidas; sua precisão, porém, é infalível.
1 comentários :
Fiquei chocado, na verdade eu só vi novamente no programação HBO. Há partes em que o negócio muito rapidamente, talvez por isso eu me senti um pouco curta, mas, apesar disso, não a essência do filme é perdido.
Postar um comentário