quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Crítica: Moonlight - Sob a Luz do Luar

Tríptico eleva ideal de masculino ao posto de maldição sob atuação de um paradoxo intrigante.

Por Pedro Strazza.

Das correlações que pode-se fazer entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme deste ano, a mais curiosa é sem dúvida a coincidência da entrada na categoria de filmes que parecem tirar da virilidade de seus protagonistas masculinos um alicerce fundamental para sua proposta e execução, como é o caso de Até o Último Homem, Manchester à Beira-Mar, A Qualquer Custo e Moonlight - Sob a Luz do Luar. Este último, porém, possui um contraste gritante em relação ao resto: se as outras três produções trabalham este item totêmico à figura masculina tradicional como uma base segura de suas histórias, a adaptação da peça de teatro de Tarell Alvin McCraney torna-o um elemento central de discussão.

Já se percebe a presença desta temática no filme logo em seus primeiros momentos, conforme o vistoso carro do traficante Juan (Mahershala Ali) surge ocupando grande espaço do plano, como se anunciasse seu perfil como ideal ao cenário proposto. Situado em uma periferia desfavorecida e maioria populacional negra de uma cidade não identificada nos Estados Unidos, o longa escrito e dirigido por Barry Jenkins se faz como um tríptico, dividido em momentos distintos da vida do protagonista Chiron - respectivamente a infância (Alex Hibbert), a adolescência (Ashton Sanders) e a fase adulta (Trevante Rhodes) - para tentar entender o processo que leva um garoto vítima de bullying a se tornar em uma engrenagem do tráfico quando adulto.

As respostas de início são várias. Da mãe vítima do crack (Naomie Harris) à clara figura paterna encontrada em Juan, passando pelo lar instável e a violência inerente ao bullying feito ao protagonista, Jenkins promove a princípio um filme de vieses genéricos ao mesmo tempo que privilegia na narrativa as suas relações masculinas, aos poucos construídas como elementos centrais da estrutura do longa. Conforme Chiron vai crescendo, a história também revela o porquê desta decisão, que dissolve as supostas causas imediatas e as substitui por uma mais particular e pertencente ao mundo dos homens.

O que Jenkins busca fazer em Moonlight é tornar o ideal masculino em uma espécie de maldição para seus personagens, um tormento gerado pela sociedade e carregado por todo indivíduo desde a infância que o impede de assumir sua real identidade, seja esta qual for. Dominado por relações de presa e predador (seja na escola ou no tráfico) e acompanhado pela trilha enervante de Nicholas Britell, o mundo habitado por Chiron exige dele constantemente uma condição viril que parecem não condizer com seu perfil de início inocente, mas conforme o tempo passa ele é obrigado a se colocar em um dos pólos em ordem de sobrevivência. Não existem aqui válvulas de escape ou meios alternativos: para o garoto, a lógica de vida passa em caráter inexorável por uma questão de matar ou morrer.

Esta percepção de ambiente no qual o filme caminha torna sua proposta ao mesmo tempo tão atraente quanto limitada em suas intenções. Se Jenkins por um lado torna a narrativa harmoniosa ao se apoiar nas relações que servem de alicerce à temática - algo que potencializa o trabalho de seu elenco, principalmente Ali e Harris na brevidade de suas participações - sua percepção daquele mundo também priva a produção de desenvolver com propriedade conflitos que sem dúvida dariam substância a seus objetivos, relegando-os a condições inertes e pouco efetivas para o que está em jogo ali - a situação, por exemplo, das duas mães de Chiron, no caso a biológica e a namorada de Juan, Teresa (Janelle Monáe), nunca chega a ser explorada direito pelo roteiro.

São ausências a serem sentidas no decorrer da história, que ademais soa um pouco indecisa sobre o tipo de obra que quer se adequar. Se Moonlight se comporta como o típico filme introspectivo, trabalhado de maneira a compreender o estado emocional do indivíduo em momentos-chave de transformação, ele ao mesmo tempo também parece almejar uma universalidade a seus atos e metamorfoses, esvaziando dramas para atingir qualquer tipo de espectador. O mundo de Chiron é particular em simultâneo que mostra-se comum, e tal paradoxo acaba por atuar contra e a favor da produção como uma espécie de maldição própria.

Nota: 7/10

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