Os gibis que marcaram o ano à sua maneira
Por Pedro Strazza
Para os brasileiros, 2014 foi um ano interessante em termos de quadrinhos. Nada mudou de forma drástica no mercado - a produção nacional, tanto independente quanto mainstream, continua ótima, as editoras mantiveram o bom ritmo e trouxeram (com o atraso habitual) o melhor que vem sendo publicado lá fora, etc. -, mas os títulos que pipocaram em bancas, livrarias e lojas especializadas trouxeram conteúdo mais diversificado, abordando temas diferentes do que estávamos acostumados por meio de narrativas e diagramação fora do nosso habitual.
Prova dessa "expansão de conteúdo" vista nesses últimos 365 dias são as 14 obras que selecionei para integrar essa retrospectiva. Ainda que tomada por um número perceptível de séries dos quadrinhos de super-herói e que não abranja os melhores de 2014, esta lista apresenta em sua maioria títulos que se destacaram não só por possuírem histórias interessantes, mas pela maneira como as contaram. Aqui, forma e narrativa tiveram relevância tão grande quanto roteiro e arte.
Vamos a eles?
Personagem com histórico difícil nos quadrinhos, Oliver Queen ganhou uma reformulação interessante nas mãos de Jeff Lemire, que o trouxe para uma realidade mais difícil e limitada financeiramente - além de ter modificado (com resultado variados) a origem do personagem. Os maiores destaques desta fase curiosa do Arqueiro Verde, entretanto, são para o desenhista Andrea Sorrentino e o colorista Marcelo Maiolo, que por meio de elementos simples de imagem dinamizaram a ação e o ritmo da história retratada.
- Batman
Também mencionado na retrospectiva de 2013, a fase que o principal título do Homem-Morcego vive atualmente continua excelente. Os roteiros de Scott Snyder casam muito bem com a arte de Greg Capullo (um desenhista que só cresceu nesses últimos tempos), e os grandes arcos da série são eficientes ao evidenciar e explorar as feridas abertas no problemático perfil do protagonista à cada confronto. E isso não mudou quando a dupla criativa teve a difícil tarefa de reinventar o conhecido começo da carreira do Batman em Ano Zero.
- Bidu - Caminhos
Assim como grande parte das obras que compõem o selo Graphic MSP, Caminhos encanta pela maneira meiga pela qual reinventa um dos personagens mais clássicos de Mauricio de Sousa. Com uma narrativa fluida e que pouco se utiliza de diálogos (e muito de onomatopeias interativas), a história escrita e desenhada por Luís Felipe Garrocho e Eduardo Damasceno faz da origem do cachorrinho Bidu um belo conto sobre amizade e companheirismo, permeado por um humor simples e bem dosado. Mais um acerto certeiro do projeto de Sidney Gusman com o universo de Mônica e seus amigos.
- Bom de Briga
Com influência notável dos quadrinhos de super-herói dos anos 60/70, Bom de Briga funciona tão bem como homenagem ao gênero quanto como alegoria para a juventude e os desafios do crescimento. Isso porque a trajetória inicial do protagonista, filho de deuses que é mandado para a Terra para ser nosso campeão, remete muito à responsabilidade, coragem e humildade, valores a serem aprendidos com maior vigor na adolescência, enquanto os desenhos de Paul Pope (que também escreve a aventura) são cartunescos com um quê de Jack Kirby - algo que nunca vai ser demais nesse mundo.
- Demolidor
Outro que também volta a figurar em uma retrospectiva por aqui, o Demolidor continua a ter o perfil de suas histórias suavizado de forma brilhante por Mark Waid. Ainda que traga problemas realísticos e difíceis à vida de Matt Murdock (como o câncer de Foggy Nelson), a série traz uma leveza agradável, pautada pela explosão de cores controlada de Javier Rodriguez - que desenha a série em conjunto com Chris Samnee e Jason Copland. O melhor de tudo é que Waid não tem limites impostos à sua criatividade, permitindo a ele uma liberdade rara para moldar o herói da maneira que lhe convém.
Quem também tem liberdade na Marvel para fazer o que quiser com o protagonista é Matt Fraction, cujo trabalho com o Gavião Arqueiro ganhou destaque em premiações e na mídia especializada, mas só em 2014 começou a ser publicada no Brasil. E a notoriedade é merecida, pois a série é brilhante tanto em seus aspectos narrativos (os roteiros de Fraction funcionam e lembram muito em ritmo e tom os filmes de Quentin Tarantino) quanto visuais (a arte de David Aja testa novos limites à cada edição). Clint Barton, quem diria, pode sim ser fonte de boas histórias.
Uma decisão bastante polêmica (assim como todas as outras) tomou Dan Slott ao fazer com que um dos heróis mais queridos da Marvel tivesse sua mente trocada com um de seus maiores vilões. No corpo de Peter Parker, Otto Octavius (mais conhecido como Dr. Octopus), mesmo que ainda combatendo o crime, virou de cabeça para baixo o perfil do Homem-Aranha que conhecemos, e Slott foi muito feliz na maneira como retratou isso - ainda que tenha caído um pouco nas tramas óbvias conforme se encaminha para o final desta trajetória funesta porém muito interessante do Amigão da Vizinhança.
- L'Amour: 12 oz
Com quadrinhos, estamos acostumados a ter um contato direto com a informação da obra, que as fornece sem delongas. Luciano Salles gosta de inverter essa lógica e forçar seus leitores a ir atrás do conteúdo presente em suas obras, obrigando-os à uma leitura atenta dos fatos que se desenrolam em nas histórias que conta. Prova mais recente dessa sua tática é esse L'Amour 12 oz, que conta ainda com a arte deformadora e instigante do próprio Salles e o ótimo trabalho de cores de Marcelo Maiolo.
- Os Mortos Vivos
Mesmo com problemas aqui e ali, Os Mortos Vivos continua sendo uma das séries em quadrinhos mais interessantes da atualidade. No Brasil, a obra de Robert Kirkman continua a se aproximar das edições mais recentes, e este ano passou pela interessante (porém um pouco enrolada) fase da cidade murada. O cenário mudou novamente, mas dois pontos característicos da HQ continuaram fortes: a violência gráfica e as reviravoltas surpreendentes.
- O Quinto Beatle - A História de Brian Epstein
"Uma biografia brilhante" é pouco para resumir o trabalho que Vivek J. Tiwary, Andrew C. Robinson e Kyle Barker fizeram em O Quinto Beatle. O relato em quadrinhos da vida do produtor dos Beatles alia a realidade dura que Epstein viveu a alegorias brilhantes, que mexem tanto com a questão da homossexualidade reprimida quanto com seus sonhos e ambições com uma das maiores bandas de todos os tempos. É uma obra que se aprofunda no lado psicológico de um ser humano fragmentado, e faz isso por meio de uma arte maravilhosa.
A multipremiada série de Brian K. Vaughan e Fiona Staples enfim começou a ser publicada no Brasil, e mostrou o porquê de receber tantas palmas lá fora. Surrealista em sua mistura bem vinda de ficção-científica com fantasia, Saga traz em suas páginas um banho de loucura visual acompanhado de uma trama básica e eficiente, e é delicioso a qualquer leitor que resolva adentrar em seu universo.
- Valente: Para o Que Der e o Que Vier
Se nos três primeiros volumes Vitor Caffagi mostrou talento para fazer o público se envolver com seu protagonista, em Para o Que Der e o Que Vier o responsável por Laços provou mais uma vez seu talento para desenvolver histórias simples e apaixonantes. Com humor pouco insistente e traços autobiográficos característicos, Valente é um relato belo da adolescência e do crescimento do indivíduo, sendo ainda beneficiado pelo crescente experimentalismo narrativo de seu autor.
- Wolverine e os X-Men
Jason Aaron manteve em sua passagem pelo título mutante uma qualidade indubitável, caracterizada pelas frequentes homenagens subjetivas à história dos X-Men e o ritmo divertido, feito graças ao ambiente em que a trama se localiza. É duro saber que essa fase do título já está acabando no Brasil, pois vai ser difícil encontrar leitura similar à feita pelo roteirista sobre a Escola Jean Grey.
- Novíssimos X-Men/Fabulosos X-Men
Desde que assumiu o comando criativo dos X-Men nos quadrinhos, Brian Michael Bendis trouxe como característica principal às histórias dos mutantes a viagem no tempo, e só mostrou acertos nessa decisão. A vinda da primeira formação do grupo ao presente repleto de tensões abriu espaço para que a série abordasse a própria história recente do homo superior nos quadrinhos, marcado por eventos marcantes como a Cisma ou a morte (de novo..) do professor Charles Xavier. Isso tudo, claro, chegou ao ápice com A Batalha do Átomo, um evento divertido em seus acontecimentos bombásticos e épicos.
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