segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Crítica: Os Boxtrolls

De significado mais profundo, terceiro filme da Laika evidencia mais uma vez principal característica da empresa

Por Pedro Strazza

No competitivo mercado de animações, é curioso perceber que, mesmo sendo dominado por grandes empresas como a Disney-Pixar, a Aardman e a Dreamworks, ele ainda encontre espaços para abrigar com conforto iniciativas pequenas como a Laika. Criado em 2005, o empreendimento vem concebendo seus filmes através de um uso mais atencioso do stop-motion, técnica esta que ganhou em suas mãos um maior nível de detalhismo cenográfico. Seus dois primeiros longa-metragens, Coraline e o Mundo Secreto e Paranorman, encantam os olhos do público justamente por este cuidado técnico, capaz de criar cenários tão espetaculares quanto o jardim do mundo dos botões da obra de Neil Gaiman, por exemplo.
Em Os Boxtrolls esta tendência à meticulosidade não é diferente. À partir do livro Here Be Monsters!, a terceira animação do estúdio fabrica todo um universo para contar a história de Ovo, um garoto que desde pequeno foi criado nos esgotos pelas simpáticas criaturas do título. A vida de sua família, porém, vive sob a ameaça de Arquibaldo Surrupião, um homem que busca capturar todos os boxtrolls para garantir um luxuoso chapéu branco e assim poder sentar com a alta classe da sociedade. Resta ao rapaz e sua amiga Winnie a tarefa de impedir o vilão de cumprir seus objetivos e salvar o grupo.
Assim como nos outros trabalhos da Laika, o design de produção é feliz na maneira como retrata os ambientes e seus personagens. Se na cidade dos humanos a equipe chefiada por Paul Lasaine tende a representar as ruas como estreitas e os prédios como altos - em uma clara referência à Londres vitoriana, também base para o visual dos habitantes -, no lar das criaturas usa-se muito da rusticidade dos moradores (os boxtrolls, afinal, combinam e reinventam objetos do cotidiano em suas criações) para fascinar o espectador, que entende desde a primeira visita ao local o motivo pelo qual o lugar é considerado uma casa pelos seres.
Mas ainda que seja um dos pontos mais fortes, o lado estético da produção serve apenas como base para o desenvolvimento da história, e é neste ponto que o filme apresenta a sua face mais surpreendente. Através da caça aos boxtrolls pelas mãos de Arquibaldo, o roteiro escrito por Irena Brignull e Adam Pava de forma sutil aplica à aventura conceitos da teoria marxista como a luta de classes e a opressão da burguesia ao proletariado, elementos bastante inesperados para um estúdio de animação estadunidense. E mesmo que os alivie de uma carga dramática maior por causa de seu público-alvo (as crianças), estas características se destacam várias vezes na narrativa do longa, principalmente pelos diálogos - "Se eu consegui mudar, vocês também conseguem", "Os ricos não ligam para nós", etc.
O ousado e sutil uso de uma ideologia diferente pela animação, porém, não esconde dele a previsibilidade da trama adotada, e é aí que reside o maior problema de Os Boxtrolls. Desde seus primeiros minutos, o longa erroneamente deixa claro todo o caminho que irá percorrer em sua história, e revela sem cuidado algum os clichês empregados em todos os seus 96 minutos. Dessa forma, as ações empreendidas pelos personagens em nenhum momento chegam a causar surpresa a ninguém, e isto torna a experiência cinematográfica um tanto enfadonha.
Mesmo com esse problema tão básico a produção porém não chega a ser prejudicada. Esteticamente belo e de ideias ousadas, Os Boxtrolls encanta pelos personagens e cenários, que por causa de seus cuidados técnicos disfarçam (na medida do possível) a trama fraca e previsível. Mais um acerto para a Laika, que prossegue com sua ascensão agora em um passo menor.

Nota: 7/10

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