quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Crítica: A Despedida

Nelson Xavier incorpora canto de cisne de personagem em novo trabalho de Marcelo Galvão

Por Pedro Strazza

Logo em seus primeiros momentos, o filme brasileiro A Despedida já mostra ao seu espectador a intensidade emocional com o qual o impactará ao longo de seus noventa minutos através de uma tarefa relativamente simples: acordar. Quem desempenha esta ação, porém, não é alguém jovem e sadio, mas sim um homem velho e apelidado de Almirante (Nelson Xavier), que faz aqui um esforço quase sobre-humano só para se levantar da cama. Seus passos são lentos e a dificuldade é extrema, e ele não esconde sua felicidade em ainda conseguir realizar aquela atividade.

O Almirante sabe, entretanto, que seu tempo na Terra está acabando, e que sua vida em pouco tempo irá se esvair. Sempre atento ao relógio, ele sai de casa uma última vez para acertar as contas restantes e se despedir daqueles que ama de forma profunda, incluindo aí o dono de um bar (Nill Marcondes) do qual é freguês e sua amante Fátima (Juliana Paes), uma mulher muito mais jovem que ele pelo qual nutre um amor profundo.

É justamente este último dia do protagonista que o público irá acompanhar em A Despedida, cuja trama é baseado na história real de um falecido familiar do diretor e roteirista Marcelo Galvão. Assim como nas cenas iniciais, Galvão procura evidenciar no longa as dificuldades pelo qual o Almirante passa para realizar atividades simples, como escovar os dentes ou atravessar a rua, fazendo isto através do olhar sempre atento da sociedade (seja por seus transeuntes, seja por um mendigo sentado confortavelmente no chão) sobre o protagonista no segundo plano. Com isso, o diretor em vários momentos torna as tarefas do personagem muito mais complicadas não pela ação em si, mas sim pelo julgamento social exercido pela população em cima do idoso.

Essa visão sob o coletivo, porém, apenas permeia a estrutura narrativa da obra, que se encontra muito mais focada em observar as ações finais do Almirante. Com sua determinação admirável e sua personalidade marcante, o senhor de idade se conecta com o público por meio de atos simples e que revelam sua natureza simpática e bem-humorada. É por seus elogios frequentes às mulheres com quem fala (e admira com intensidade, como seu diálogo com um taxista bem explicita) e sua disposição em consertar os erros do passado que o espectador conhece e passa a gostar do Almirante, entendendo suas ações no processo mesmo sem conhecê-las de fato.

Mas a conexão que fazemos com o protagonista torna-se fundamental a partir do momento que a personagem de Paes entra em cena no terceiro ato do longa. A relação do idoso com a amante, muito bem esclarecida por Galvão como de mútuo amor, traz à tona a real felicidade do Almirante, que em determinado momento anterior a seu encontro com Fátima diz que "o homem pode ter tantas mulheres quanto quiser, mas apenas uma mulher o terá verdadeiramente". E a direção faz questão de deixar claro esse respiro dado pelo personagem ao esquentar a matiz de cores da produção no apartamento da amada, por exemplo.

Mas o crédito maior de A Despedida deve-se mesmo à atuação do casal protagonista. Se Paes emula em sua Fátima o amor sincero que sente pelo amante, Xavier incorpora a seu Almirante uma fragilidade visível e dolorida através de gestos simples como o tremular das mãos ou a dureza com a qual lida com o andador. Nelson, entretanto, é soberbo ao ser capaz de dar a seu papel um humor sincero, capaz de fazer o espectador rir mesmo nos momentos mais difíceis da trama.

Suave em sua história pesada e belo em sua abordagem sobre temas universais como a velhice e a morte, A Despedida é um filme de personagens profundos e bem interpretados, dirigidos por um Marcelo Galvão sutil e esperto em evitar o melodramático. A dor do iminente fim, poucas vezes encarada com leveza pelo cinema, ganha uma definição tocante nas mãos de Nelson Xavier e seu diretor.

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

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