Adaptação de obra de le Carré traz mais uma atuação brilhante de Philip Seymour Hoffman
Por Pedro StrazzaA espionagem é um assunto que o cinema parece ter um prazer em extrapolar para o fantástico. Das adaptações das obras de Tom Clancy às aventuras protagonizadas por James Bond, a indústria cinematográfica tem uma tendência natural em colocar nas inteligências de soberanias e suas histórias uma carga maior de ação e velocidade narrativa, visando dinamizar o ritmo da produção e o processo investigativo de tais operações. Esta necessidade, porém, oculta do espectador a dura realidade dos espiões e de seus chefes, que encaram no dia-a-dia uma rotina paciente e bastante cerebral.
Mas se a indústria imagina a espionagem como uma profissão repleta de cenas de ação, o escritor britânico John le Carré prefere encarar em suas obras o mundo como ele o é, e O Homem Mais Procurado prova mais uma vez esta sua posição realista. Nona adaptação da extensa obra do autor, o filme mostra este lado demorado e burocrático da profissão, aqui exemplificado por uma operação da inteligência alemã, liderada por Günther Bachmann (Philip Seymour Hoffman), em encontrar o imigrante checheno ilegal Issa Karpov (Grigoriy Dobrygin), que tem uma conexão importante com um esquema de lavagem de dinheiro, e usá-lo para capturar o chefe de tal crime.
Assim como no recente (e excelente) O Espião que Sabia Demais, O Homem Mais Procurado procura trazer ao público, através de sua narrativa lenta e de seus personagens visivelmente cansados, a sensação de insatisfação com o sistema e seus problemas. Vivendo na paranóia causada pela queda do World Trade Center, Günther e seus aliados, mesmo mostrando em vários momentos um esforço em fazer o certo, trabalham em um planeta onde a confiança já não existe e que cuja noção real de "bem" e "mal" perdeu-se por completo. Num momento tão conturbado quanto este, não se faz surpresa, portanto, que os cidadãos envolvidos pela inteligência na captura de Karpov mostrem-se tão relutantes em ajudá-los: A espionagem no século XXI está descreditada, e sua reputação negativa com a população só prejudica seu trabalho.
Mesmo com tantos obstáculos e em um ambiente desfavorável, entretanto, o processo empreendido pela inteligência alemã ainda encontra na produção maneiras de fascinar o espectador. Por sua extensa rede de agentes e informantes, Günther vai coordenando com impecabilidade seus "peixinhos" para que estes cumpram suas tarefas e, assim como dito por ele em determinado momento do filme, capturem a barracuda que apanhará o tubarão. Sob este aspecto, a direção do holandês Anton Corbijn é decisiva, pois a tensão do longa precisa ser trabalhada em atos simples como na assinatura de papéis ou na instalação de câmeras.
É na atuação de seu protagonista que a produção porém brilha com maior intensidade. Apoiado por um ótimo elenco de apoio - mesmo desperdiçando no caminho atores excelentes como Nina Hoss e Daniel Brühl em papéis pequenos -, o falecido Seymour Hoffman exibe em seu último trabalho completo uma performance invejável, atribuindo a seu Günther uma postura depressiva e pouco esperançosa. Sempre com uma bebida ou um cigarro na mão, o ator concebe em seu personagem toda a complexidade emocional do filme, e faz com que o espectador consiga se conectar com ele em sua jornada.
Pessimista quanto ao presente e o futuro da humanidade, O Homem Mais Procurado é eficiente principalmente por causa do talento de seu principal ator e do papel deste, pelo qual a produção estrutura toda a sua narrativa. Adaptado por Andrew Bovell, a qualidade do texto de le Carré entretanto não é subjugada pelo desempenho de Hoffman, e isto torna ainda mais profundo a obra cinematográfica e seu conteúdo realista.
0 comentários :
Postar um comentário