segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Crítica: Trumbo - Lista Negra

Comédia baseada em fatos e contestadora do passado soa hesitante em se assumir como gênero, mas se segura no elenco.

Por Pedro Strazza.

A princípio, o paralelo mais natural de ser traçado a Trumbo - Lista Negra é com seu contemporâneo A Grande Aposta. Além de serem dois filmes baseados em livros, comandados por diretores muito mais conhecidos por comédias - Jay Roach ficou famoso por Austin Powers e Entrando Numa Fria, enquanto Adam McKay se fez com O Âncora - e que trazem um grande elenco branco de protagonista, ambos os projetos também se assemelham na maneira que se usam do humor para tratar de momentos inegavelmente bizarros da História da sociedade estadunidense. É como se a comédia fosse a melhor maneira encontrada pelos dois cineastas para retratar tais situações, cujo ridículo parece não ser percebido pelos indivíduos inseridos nestas.

Mas enquanto Mckay enxerga os alicerces da crise de 2008 quase como um documentarista da National Geographic, Roach segue pelo caminho da caricatura em sua abordagem da luta do roteirista Dalton Trumbo contra a Lista Negra de Hollywood. Da postura corporal cínica e bigode ridículo de falso, usados por Bryan Cranston para interpretar o vencedor de 2 Oscar condenado pelo governo por sua afiliação ao partido comunista, aos retratos escrachados de celebridades da época como John Wayne e Kirk Douglas, o longa não disfarça o escárnio com a paranoia gerada pela Guerra Fria e o macartismo, hoje algo absurdo mas na época tão levado a sério por diversos integrantes da alta sociedade hollywoodiana.

E tal qual um verdadeiro teatro de bonecos (que é inclusive mencionado em um dos vários diálogos repletos de punchlines do roteiro de Bruce Cook), não demora para o humor tomar conta da narrativa e da época em que se passa a história. Isso se torna um fenômeno curioso: a gravidade das ações tomadas, o peso das prisões e o horror do ostracismo proporcionado pela indústria àqueles que se recusam a se submeter à ordem é tratada no filme com um certo quê de ironia, incapaz de levar a delicada situação a sério e a encarando mais como uma perturbação de um sistema antes correto - bem resumido na cena no qual um furioso Frank King, interpretado exagerado e com precisão por John Goodman, confronta um dos censores com um taco de beisebol após este tentar intimidá-lo, num destes típicos quebra-tudo da comédia  tradicional.

Se por um lado esse exagero torna-se no melhor aliado do diretor para conduzir sua história, por outro ele também priva Trumbo de momentos dramáticos maiores, algo necessário dado a gravidade dos eventos ilustrados. É uma contradição crucial e o longa a ignora, prosseguindo com dramas familiares e éticos que lentamente empacam a trama ou a tornam episódica de forma involuntária, como na crise do pai-e-filha entre Dalton e Niki (Elle Fanning) ou os conflitos do protagonista com aqueles que o traíram. Tal qual McKay, Roach parece hesitante em realizar de fato uma comédia em cima dos fatos, mas aqui ele busca trazer maior peso ao terceiro ato como forma de compensar seus "equívocos" na interpretação dos eventos.

A sorte do longa é que, se a direção demonstra timidez na hora de se assumir plenamente no humor, seu elenco entende e incorpora o escracho sem nenhum arrependimento. Mesmo os atores e atrizes mais conhecidos pelos papéis "sérios" como Helen Mirren, Diane Lane e Adewale Akinnuoye-Agbaje se divertem na composição caricata de seus personagens, e se unem aos comediantes Louis C.K. e Michael Stuhlbarg tanto nos momentos mais leves como nos graves. Uma química invejável, capaz de segurar as pontas inclusive nos pontos baixos da obra.

A maior força de Trumbo, porém, é Cranston. Sua atuação teatral do roteirista workaholic nunca sai do tom, seja como personagem essencialmente cômico - quando é hostilizado por um desconhecido sendo encharcado por um copo de refrigerante ou quando beija um periquito pousado em seu ombro num close que não esconde de ninguém a maquiagem falsa - ou exigido de drama (a já mencionada relação com a filha mais velha, em ótima dinâmica com Fanning), que apesar de ser escancarada no overacting prova ser tão cuidadosa de composição quanto seus trabalhos mais delicados. Por ser protagonista ou pela qualidade de sua performance, ele termina por ser a melhor representação do teor estabelecido pelo filme, em sua silhueta marcada pelos ombros levantados e as pernas duras uma verdadeira afronta ao sistema e seu ridículo modo de operação.

Nota: 7/10

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