terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Crítica: Tirando o Atraso

Comédia tem ambições subversivas, mas se contenta com o mainstream.

Por Pedro Strazza.

Na época do lançamento de A Primeira Noite de um Homem, a imprensa estadunidense demonstrou bastante interesse sobre qual teria sido o destino dos protagonistas Ben e Elaine após fugirem juntos do casamento imposto a ela pela família em um ônibus interestadual, cena clássica que marca tanto o fim da história quanto o ápice da mensagem de rebeldia concebida pelo longa e direcionada à juventude do país dos anos 60, lembrada pelo ápice da luta dos direitos civis para os negros e a Guerra do Vietnã. A resposta, dada pelo já falecido diretor Mike Nichols, foi simples e tenebrosa: depois do fim do filme, os dois, símbolos da transgressão contra a monotonia da vida adulta e o futuro representado por seus ascendentes, se transformam nos próprios pais.

Se Nichols estava certo ou errado não cabe aqui o julgamento, mas para o diretor Dan Mazer e o roteirista John Phillips essa reversão parece ter acontecido com a geração seguinte. Pois apesar de seguirem caminhos muito diferentes ao trilhado pela comédia de 67, a dupla trabalha Tirando o Atraso na base da comparação, do reflexo de A Primeira Noite de um Homem no mundo contemporâneo. E isso fica implícito desde a campanha de divulgação (que incluiu uma paródia do icônico poster da produção estrelada por Dustin Hoffman, Anne Bancroft e Katharine Ross) até o final do longa, que reproduz o confronto no casamento em estrutura de cena, colocando Zac Efron em uma bancada similar ocupada por Hoffman há quase 50 anos. 

Mesmo a trama dá a entender que busca se estabelecer como uma espécie de continuação espiritual do filme. Ao invés do recém graduado e incerto sobre o futuro Ben Braddock, temos o ex-militar da Guerra do Vietnã e incerto sobre o futuro Dick Kelly (Robert De Niro), que acaba de ficar viúvo e convence o neto Jason (Efron) a levá-lo de carro até Boca Raton, na Flórida, onde supostamente ele a falecida mulher peregrinavam todo ano. Esta homenagem, porém, logo se revela uma farsa, e Dick muda o destino da viagem para Daytona Beach, lugar conhecido por ser uma das praias a receber o famoso spring break das faculdades estadunidenses, como forma tanto de seguir sua vida quanto de tentar fazer o neto almofadinha e conformado repensar a vida e sua cerimônia de casamento com Meredith (Julianne Hough).

Assim, Tirando o Atraso transforma o que era antes um conflito individual em um cuja dinâmica se faz entre gerações. Fruto de uma época conhecida pela subversão, Dick não apenas encontra-se inconformado com o futuro reservado a ele - ilustrado na cena em que visita um companheiro de guerra e o encontra em um retiro para idosos - como também com o de seu herdeiro, confortável na vida segura oferecida pelo emprego na firma do pai e no abandono dos sonhos de sua juventude. Embora seja abordado de maneira leviana pelo roteiro de Phillips, essa noção de legado, comum na comédia estadunidense, guia a narrativa do longa com algum interesse, capaz de dar a liga satisfatória aos esquetes concebidos.

Isso porque o filme, embora tenha e use todas as peças a seu favor para um objetivo tão difícil (a tentativa  de comparação com um clássico nunca gera bons resultados), parece satisfeito demais em trabalhar com os cacoetes da comédia americana de hoje. Mazer tem em mãos o elenco certo nas melhores posições - De Niro mostra disposição em realizar o idoso boca suja, Efron continua a aperfeiçoar seu papel de garotão agora em chave coxinha e Aubrey Plaza faz o que sabe fazer de melhor - mas prefere realizar o costumeiro humor apoiado no texto e na situação incomum proposta, aqui o de "baby boomer vai a O evento millennnial americano". O resultado, claro, sempre se prova eficaz com o grande público mesmo nos momentos fracos, porém não esconde a saída fácil tomada pela produção.

A grande verdade é que, no final, Tirando o Atraso será lembrado mais como a comédia que colocou De Niro em cenas consideradas "constrangedoras" para sua idade que como uma aspirante a tentar quebrar os mesmos valores de 1967, aqui refeitos para os dias de hoje. O anacronismo do longa é óbvio (o mundo contemporâneo possui um panorama completamente diferente dos anos 60), mas só pela intenção original e a consequente repercussão do filme Mazer e Phillips chamam a atenção para o tema inesperado e até relevante que é essa tentativa de retorno à moral de tempos passados.

Nota: 4/10

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