sexta-feira, 29 de abril de 2016

Crítica: Capitão América - Guerra Civil

Conflito pesa no drama, mas encontra no humor seus melhores momentos.

Por Pedro Strazza.

Chega a ser fascinante como Capitão América - Guerra Civil e Batman vs Superman - A Origem da Justiça se assemelham em seus esforços descomunais de alinhar os protagonistas para brigar entre si, seja em conteúdo, temáticas ou até mesmo (quem diria!) em resoluções. Tendo em mãos um gigantesco número de personagens, ambos os filmes acabam por usar muito da imagem do herói como processo narrativo, conscientes do impacto que estes tem no imaginário público e sabendo levar isso sem deixar transparecer o peso deste em suas histórias. É algo interessante de um ponto de vista teórico, ainda mais se considerarmos que são obras representativas de duas editoras que desde sempre buscaram criar distância uma da outra.

No cinema, pelo menos, esse afastamento entre Marvel e DC (ou agora Disney e Warner, se preferir) fica mais claro na maneira como elas trabalham esta metodologia, e os carros-chefes das duas empresas em 2016 servem como bons exemplos para tal. Pois enquanto o confronto do Homem-Morcego com o Homem de Aço dirigido por Zack Snyder privilegia no embate o debate, criado em cima de como tais figuras se relacionam em diferentes campos e níveis de entendimento, a guerra entre Tony Stark (Robert Downey Jr.) e Steve Rogers (Chris Evans) é voltada pelos irmãos Anthony e Joe Russo para a aplicação direta, de maneira que tais imagens beneficiem o combate em peso e eficiência.

É uma forma mais prática de direcionar essas elaborações, e por isso mesmo depende muito de como os diretores irão executar isso na narrativa de fato. Como Joss Whedon nos dois Vingadores e James Gunn em Guardiões da Galáxia, os Russo entendem bem a importância e o peso daquilo que tratam quando abordam os diversos heróis em questão, e precisam encarar no fundo uma missão muito mais difícil que a dos outros dois cineastas: agora que as figuras estão estabelecidas, que caminho seguir com eles?

Pelo menos em Guerra Civil, a solução encontrada pelo irmãos para essa pergunta é a de contorná-la, de forma conveniente a seus propósitos mantendo em curso os rumos dados a esses personagens sem contudo interferir ou alterá-los de fato. Assim, para iniciar o conflito do título, a dupla de diretores e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely deixam intactas as imagens consagradas em filmes anteriores, preservando tanto o arco de rebeldia do Capitão América como o do empreendedor arrependido do Homem de Ferro, de forma que elas naturalmente se ponham em lados opostos do espectro de uma questão - aqui, a dos efeitos colaterais provocados pela ação dos super-heróis nas populações ao qual se empenham tanto em proteger.

Essa decisão, similar à de Whedon em A Era de Ultron (mas melhor executada) e que também afeta os outros vingadores presentes na briga, serve bem aos Russo na abordagem individual de cada personagem, pois permite a eles que alternem de ponto de vista constantemente sem provocar maiores instabilidades narrativas. Ao mesmo tempo, porém, a reles manutenção restringe seus movimentos de maiores ambições temáticas, privando-os de se aprofundarem mais nas possibilidades oferecidas na variedade dessas figuras, que tem na fácil conotação com a realidade o seu maior charme - a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) sendo a garota problema, o Visão (Paul Bettany) o tio responsável, o Homem Aranha (Tom Holland) o millennial e por aí vai. O resultado, pelo menos em termos dramatúrgicos, é um novelão mexicano arrastado quando focado nesta tarefa de desenvolvimento, que centrado na dinâmica entre Stark, Rogers e Bucky Barnes (Sebastian Stan) abraça sem qualquer pingo de hesitação romances e amizades como estrutura principal.

Mas o que os diretores não tem de capacidade para lidar com o drama eles compensam na entrega do entretenimento, e é aí que Guerra Civil sai ganhando. É nos sets de ação que os irmãos Russo melhor resolvem sua abordagem, encontrando um equilíbrio difícil no longa entre a comédia e o peso do conflito (sentido pelos heróis conforme os dois lados brigam com aqueles antes considerados seus amigos) no reconhecimento inerente daqueles personagens como figuras de ação elementais, que, individualizados até o âmago de suas identidades, não mergulham tais momentos em nenhuma repetição logística enfadonha. A batalha no aeroporto, ápice do filme, é aonde essa experiência proposta é mais recompensadora e soa fluida, justamente porque assume para si a materialização do imaginário como modo de operação prioritário.

Mais uma consequência que parte do planejamento, essa materialização acaba por oferecer muito mais ao filme que o drama triangulado na relação dos dois protagonistas com o Soldado Invernal, em muitos momentos aspirante porém nunca tão trágico quanto gostaria. Mesmo que não queira quebrar o claro desbalanço entre a representação iconográfica glorificante e a gravidade das histórias a serem contadas, característica central de todas as produções da Marvel Studios (e sempre prejudicial a seus vilões), é perceptível em Capitão América - Guerra Civil uma tentativa de mexer de alguma maneira nesse status quo, que privilegie o estilo mais austero e deixe de lado a aparente "fórmula" da superficialidade dos filmes do estúdio.

O curioso disso é que enquanto os Russo, afim de obter maior sucesso e um revigoramento da fórmula, tentam injetar maior carga dramática na introdução do Pantera Negra (Chadwick Boseman) e na seriedade dos assuntos tratados - e eles até obtém algum sucesso parcial na interessante virada final da história -, quem lhes garante isso no fim é o humor, que melhor dosado enfim tem o espaço adequado para entreter. Alinhar e desprender isso de amarras tão supressoras é, então, a próxima tarefa a ser resolvida, seja pelos irmãos ou qualquer outro cineasta disposto a mexer em uma estrutura tão aclamada pelo público.

Nota: 7/10

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