segunda-feira, 22 de junho de 2015

Crítica: Lugares Escuros

Filme sofre por elementos internos e externos, mas traz qualidades próprias.

Por Pedro Strazza.

É complicado assistir Lugares Escuros sem lembrar pelo menos uma vez ou duas de Garota Exemplar. Ambas adaptações de livros escritos por Gillian Flynn, o primeiro se assemelha muito ao segundo em estrutura, temas e até viradas, culpa em parte do fato de ser o antecessor imediato do best-seller de 2012 e de sua versão cinematográfica chegar pouco menos de um ano depois do lançamento do longa dirigido por David Fincher. As consequências de tal decisão se fazem imediatas, e o filme comandado por Gilles Paquet-Brenner sofre por essas comparações.
A história acompanha Libby Day (Charlize Theron na fase adulta, Sterling Jerins quando criança), única sobrevivente do assassinato de sua família que ficou conhecido na mídia como o "Massacre do Kansas" e que tem como culpado seu irmão Ben (Corey Stoll no presente, Tye Sheridan no passado). Sem rumo na vida e com dinheiro faltando, ela aceita o convite de um garoto chamado Lyle (Nicholas Hoult) para ajudar em sua sociedade de investigadores amadores, que acredita na inocência de Ben e busca solucionar a identidade do verdadeiro assassino.
Embora a produção não tenha envolvido Flynn na transposição do livro para a telona, é possível enxergar traços da autora por toda a narrativa. Os flashbacks, a protagonista detestável, o clima derrotista oriundo do reflexo da crise dos Estados Unidos... tudo em um estágio mais primário, que se usa de engrenagens mais simples e por vezes mais dada a falhas. Quem bem atesta isso é o próprio personagem de Lyle, que assume na narrativa desenvolvida por Paquet-Brenner um caráter simplório de fio condutor da trama.
A grande diferença entre Lugares Escuros e Garota Exemplar, na verdade, reside na instituição da qual o longa se dispõe a desconstruir. Enquanto que na obra de Fincher era o casamento o objeto de crise, o filme usa do mistério em mãos para expor as mazelas da família tradicional, principalmente pelo núcleo de personagens presentes nos flashbacks que do princípio mostram este contexto de fragmentação. Seja no pai ausente, no filho problemático ou nas dificuldades para manter a fazenda em posse, a família Day mostra ao longo de seu último dia de vida uma conjuntura de sinais de desabamento, e não chega a surpreender que a matriarca Patty (Christina Hendricks), grande pilar de sustentação do grupo, seja a única a perceber isso.
Mas por mais que seja uma crise de padrão global, é interessante ver como Flynn a transpõe mais uma vez para o próprio contexto estadunidense, algo que Paquet-Brenner compreende e reproduz com relativo sucesso. Nesse ponto, a história dos Day consegue criar uma distância mais clara da dos Dunne por possuir um maior pessimismo, pois Lugares Escuros não traz o antigo por uma ótica nostálgica como Garota Exemplar: privilegia-se tanto no passado quanto no presente uma valorização da decadência e do vazio (quando não tomado pela bagunça do consumismo, a exemplo da casa onde a Libby adulta vive), e não há qualquer sinal de esperança em nenhum dos horizontes que não seja considerado por todos uma bobagem infantil.
Se não fosse a proximidade com seu sucessor literário e sua trama tão oscilante - a resolução da investigação no terceiro ato frustra pela infantilidade e abusa de um deus ex machina dos mais absurdos -, Lugares Escuros talvez ganharia maior destaque pela profundidade temática ao qual se dispõe a realizar. Seus problemas, porém, são tão visíveis quanto seus méritos, e isto acaba por se tornar simultaneamente em sua maior vantagem e desvantagem.

Nota: 7/10

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