sábado, 20 de junho de 2015

Crítica: Divertida Mente

Imaginário torna-se realidade em novo filme da Pixar.

Por Pedro Strazza.

Assim como em todas as outras as artes, o cinema é feito de simbolismos. Em suas histórias, sejam estas as mais rasas ou as mais complexas, sempre se traz disfarçado por meio de situações e personagens uma carga interior, uma mensagem que os responsáveis pela obra cinematográfica buscam passar para seu público. É um processo que na maioria das vezes é realizado de maneira silenciosa, sendo desenvolvido no plano subjetivo para tornar esse processo de compreensão muito mais fácil e acessível para qualquer espectador.

No caso da Pixar, porém, o procedimento se faz ao contrário. A maioria dos contos infantis do estúdio (e de seus vários cineastas, em consequência) se fazem de uma simbologia física e propositalmente escancarada, sem medo de soarem fáceis por saberem que a representação não precisa se limitar ao abstrato para alcançar seus objetivos. Caso máximo dessa tendência adotada pela empresa é Divertida Mente, filme que leva ao limite do imaginável essa relação objeto-representação.

Porque se até então os filmes do estúdio haviam empregado ratos para representar a marginalização do indivíduo ou robôs para provar o prejudicial isolamento populacional, aqui o diretor e roteirista Pete Docter (responsável também por Up - Altas Aventuras e Monstros S.A.) se usa de uma efígie muito mais próxima do ser humano para abordar uma temática diretamente implícita a ela: seus sentimentos. Protagonistas do longa, as emoções da garota Riley (Kaitlyn Dias) são retratadas desde o início do longa como figuras reais, habitantes da consciência da menina de 11 anos com gostos, sonhos e objetivos pessoais - todos, claro, relacionados em prol da menina.

Dessa maneira, o espectador é com velocidade introduzido a dois planos de trama em Divertida Mente. No primeiro, ele acompanha o cotidiano de Riley, cuja rotina é virada de cabeça para baixo quando seus pais (Diane Lane e Kyle MacLachlan) se mudam com ela do estado de Minnesota para a cidade de São Francisco; no segundo, o das emoções da garota, que liderados por Alegria (Amy Poehler) controlam suas reações ao mundo em uma sala de controle visando o melhor para ela e precisam agora auxiliar a garota nesse processo de adaptação. Mas quando Tristeza (Phyllis Smith) e a própria Alegria acabam fora da central após uma sucessão incomum de eventos, torna-se vital que as duas voltem para seus lugares antes que a menina cometa um erro sem volta sob o controle de Raiva (Lewis Black), Nojinho (Mindy Kaling) e Medo (Bill Hader).

Adotando do princípio essa estrutura narrativa, o longa passa então a construir a personagem de Riley, que passa por um arco universal a todos os seres humanos. A aceitação da mudança, transfigurada na trama em seu formato mais literal possível, é também usado por Docter em conjunto dos roteiristas Meg LeFauve e Josh Cooley como metáfora da própria passagem do tempo e da entrada na puberdade, sendo realizados com transparência ao longo da história e sem maiores complexidades.

O caráter simples de tal ritual, porém, torna-se intricado quando se é abordado pelo ponto de vista da consciência de Riley, e é aí que o filme encontra sua genialidade. Antropomorfizadas, os sentimentos protagonizam crises e situações que de forma direta ou indireta circulam sobre o momento vivido pela menina, e com isso se transformam em figuras complexas fascinantes. Principalmente Alegria e Tristeza, personagens centrais que trazem em sua relação um profundo drama de aceitação (seja a do próximo ou a de si mesmo) que encontra perfeita sincronia com o tema do longa e das próprias produções da Pixar - para efeitos imediatos de comparação, um momento similar pode ser encontrado no flashback trágico vivido por Jessie em Toy Story 2.

E enquanto tudo isso se desenrola, o filme ainda encontra espaço suficiente para criar um universo extremamente criativo e colorido para povoar a mente de uma criança. Levando ao pé da letra conceitos da psicologia (a localização do subconsciente é um de meus preferidos), Divertida Mente concebe representações físicas para explicar diversos traços da cabeça do ser humano, e vai de concepções racionais a irracionais em um passo. Amigos imaginários, lembranças, sonhos... nada escapa aos olhos da produção, que ainda dá toques de humor em sua abordagem.

É justo nesta mistura que Divertida Mente se faz de fato. Dramático e cômico, simples e ao mesmo tempo complexo, o 15° longa-metragem da Pixar é uma confluência de ideias bem executadas e que conversam muito com as outras produções do estúdio, e juntas do tempero emocional certo fazem desta uma obra única. E que grande ironia, toda esta grandiosidade acontece na cabeça de uma menina de 11 anos de idade.

Nota: 10/10

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