Reinício da franquia refaz os passos do original em tom de homenagem.
Por Pedro Strazza.
É preciso conhecer um pouco da história que se passa por trás da trama Jurassic Park e de suas duas primeiras sequências antes de buscar entender os erros e acertos de Jurassic World - O Mundo dos Dinossauros. Não apenas querendo traçar verossimilhanças com o filme de 1993 para reintroduzir a franquia às novas gerações, o quarto capítulo da série sobre dinossauros aposta na repetição da estrutura simbológica do consagrado longa baseado na obra de Michael Crichton, pois acredita que este é o único caminho possível para realizar os mesmos feitos do original.
Suas crenças não são infundadas. Ainda que seu sucesso imediato seja fruto de uma combinação de fatores, Jurassic Park marcou sua época por trazer em seu cerne uma discussão muito bem trabalhada sobre os riscos do avanço da humanidade, travestido na história sob a forma de um conto de deslumbramento com o horror. O retorno dos dinossauros ao planeta pelas mãos da ciência e seu uso para fins mesquinhos, afinal, trazem no fundo uma identificação natural com as descobertas da humanidade, e o posterior descontrole do parque para as forças naturais solidifica o teor da mensagem passada por Spielberg no filme - coisa que as duas continuações seguintes infelizmente não conseguiram levar adiante por estarem muito mais interessadas em dar prosseguimento à trama com ênfase no destino de seus personagens.
Consciente disso, Jurassic World segue pelo caminho mais óbvio: aproveitar de seu caráter de recomeço da série e traçar os mesmo caminhos do original. Estão lá os personagens símbolo e marcados pelo estereótipo, as reviravoltas de cunho de terror, a formação da família em meio ao caos... o longa dirigido por Colin Trevorrow - alguém que já provou saber fazer bem o arroz-feijão de gênero no fraco Sem Segurança Nenhuma - guia-se bastante na adaptação do livro de Crichton, e aqui e ali atualiza alguns de seus elementos mais temporais e insere mudanças com resultados distintos.
Na trama, o parque dos dinossauros finalmente foi aberto ao público e garantiu sucesso absoluto em seus primeiros anos de funcionamento. Atrás de novas maneiras de aumentar a renda e o interesse dos pagantes (agora muito mais acostumados com a presença dos animais), a equipe de pesquisa liderada pela administradora do parque Claire (Bryce Dallas Howard) e o doutor Henry Wu (B.D. Wong) criam o Indominus rex, primeiro dinossauro que é fruto da combinação genética de várias criaturas jurássicas. Mas o ser escapa de seu cativeiro, e começa a criar um rastro de destruição e morte por onde passa na ilha.
É logo nesse prenúncio que se percebe a principal adição feita por Trevorrow à franquia. Agora, além de servirem como símbolo das forças naturais, os dinossauros também são representação do próprio ser humano na figura do grande e letal antagonista, que por onde passa só gera a matança e a perturbação na ordem natural das coisas. A alegoria é básica, mas funciona no roteiro escrito a quatro mãos, que consegue conduzir seu crescimento até um explosivo e extremamente satisfatório clímax no terceiro ato.
Mas se nas atrações há novidades, nos humanos as regras do primeiro longa prevalecem. Culpa em parte da própria estratégia de repetição, Jurassic World não se arrisca em trazer novos temas em seus personagens, que se bastam em refazer as discussões do filme de 93 e cumprir seus papéis representativos, seja este o do olhar infantil sobre a criação ou do poder destrutivo da cobiça. As únicas mudanças que o diretor faz aqui são circunstanciais, como denotar mais a quebra da família nos tempos modernos (os pais das crianças estão se separando), dar força masculinizante de liderança ao teorista do caos - o Owen Grady de Chris Pratt é no fundo uma repetição do Ian Malcolm de Jeff Goldblum - ou mudar o gênero do personagem em fuga de seu relógio biológico - algo que se com um homem passava pouco desapercebido, com uma mulher definitivamente emite um machismo involuntário.
De resto, Jurassic World é um filme bastante reverencialista, inserindo desde a fotografia aos cenários os mais variados tipos referências à franquia e seus elementos mais marcantes - Pessoalmente, o que mais interessou foi a presença do livro de Malcolm na mesa do personagem de Jake Johnson. Uma atitude honesta, vale dizer, já que estar consciente da importância do original e respeitar suas fundações é um bom começo para quem busca o reinício da franquia como uma criança em visita às ruínas de um parque abandonado pelo tempo.
2 comentários :
(parte 1)
Não captei o "personagem em fuga de seu relógio biológico - algo que se com um homem passava pouco desapercebido, com uma mulher definitivamente emite um". Que personagem do primeiro filme se encaixa nessa definição?
Eu gostei muito do filme, é uma homenagem honesta ao original. As referencias ao original foram excelentes e para mim a melhor sequencia é a do encontro dos meninos com o indominus (além da referencia ao primeiro filme, é abslutamente angustiante).
Agora, o casal de protagonistas ficou muito ruim. Os atores são bons e fizeram o melhor possível, mas o relacionamento dos dois beira a infantilidade. Não sei se simplificaram os personagens para melhorar a aceitação do filme mas não rolou.
O Owen não tem muita salvação. É o machão bonitão que resolve tudo (não sem antes ter tomado a decisão que desencadeou todos os problemas - entrar na jaula foi algo muito, muito estúpido, ainda que perfeitamente justificável. É o tipo de erro que as pessoas cometem mesmo).
Mas a personagem da Claire tinha uma certa profundida. Somos apresentados a uma mulher extremamente racional, que se desdobra para manter o parque funcionando apesar dos caprichos do dono, que sacrificou a vida familiar em função da profissional mas não tem certeza se está bem com isso... E essa personagem se perde no decorrer do filme... ela vai ficando cada vez mais histérica, cada vez mais infantil. E todos os diálogos com o Owen parecem que foram escritos por um adolescente de 15 anos... A sequencia em que ela chama ele pro parque é ruim, a continuação com os dois "relembrando" o primeiro e único encontro é péssima e o beijo em meio a um ataque de pterodátilos é simplesmente inaceitável. E claro, tem o maldito sapato.
(parte 2)
Imagino que eles tenham tentado criar alguma alegoria com a personagem, alguma coisa do tipo "por mais que as mulheres ocupem posições masculinas, elas continuam mulheres e precisam ser muito melhor que os homens pois precisam fazer tudo de salto alto". Mas para mim não funcionou (e falo como mulher). Primeiro, porque é improvável que uma mulher na posição e profissão dela não tenha um par de tênis no carro/escritório para qualquer eventualidade em campo. Segundo, porque aquela discussão dela com o Owen sobre sapato foi absolutamente desnecessária (e só valeu por ela amarrando a camisa no melhor estilo laura Dern). Terceiro, porque o sapato rouba toda a atenção na cena do T-REX. E tipo, era o T-REX, no que deveria ser o climax da ação. A ultima coisa que o espectador deveria pensar é na mulher correndo com um salto agulha. Vi muitos comentários positivos de gente que achou a cena engraçada e tals... Certamente os produtores sabiam o que estavam fazendo. Só achei tosco mesmo.
Ainda sobre o núcleo humano, me incomodou profundamente a assistente da Claire sofrer a morte mais horrível do filme diante dos olhos dos meninos e ninguém demonstrar compaixão pela moça. Ok, ela parecia meio chata e tals, mas nem uma lagrima, nem um ai meu deus? Tadinha da moça... só porque ela é britânica? Se os EUA tratassem a Grã Bretanha com essa indiferença, Hitler teria ganhado a segunda guerra mundial (e com essa piadinha eu perco o direito de reclamar de qualquer dialogo do filme).
Além disso teve o negão, que deve ter aproveitado que já tava deitado e decidiu tirar uma soneca porque ninguém mais soube dele (achei que ele fosse aparecer no final salvando o dia - mas não... preferiram um raptor atrasado para a função. Racistas!).
Eu não gosto das duas últimas sequencias de ação. Entendo a alegoria dos raptors mudarem de lado, mas é bem inverossímil que um dinossauro anti-social que viveu a vida inteira praticamente sozinho, assumisse um comportamento de bando e se comunicasse numa linguagem que sabe-se-la deus como ele aprendeu - ja que nunca foi socializado (não fui eu que coloquei isso, é próprio filme na fala do Owen).
O mais legal do primeiro filme é que os humanos sobreviverem é fruto do caos. Os dinossauros vivem suas vidas como se nada tivesse mudado nesses 65 milhões de anos e os humanos vão se aproveitando do conflito entre eles para sobreviver. E de repente eles estão fazendo alianças entre si, ponderando os defeitos e virtudes do ser que elegem como alfa do grupo... Curti não... O próprio filme tem uma "alegoria" para falar dessa mudança de direcionamento. O primeiro tinha o flerte-explicação com a gota de água; o segundo tem a cena da lixeira - onde a claire consegue prever a queda de um refrigerante que nem o nerd sabia que ia derrubar.
Mas admito que meus olhos encheram de água quando a claire foi lá buscar o T-REX para resolver a situação. A sequencia que eu mais gosto no primeiro é o encontro raptors, t-rex e esqueleto de t-rex. Talvez por isso eu tenha odiado tanto a porcaria do sapato. Era a cena! Poderia ter sido épica! Mas ficou morna, e ainda anteciparam a participação do monossauro... Não deu tempo de curtir o indominus se ferrando... para mim ele deveria ter caído na água, tentado nadar de volta e só então ser atacado pelo monossauro...
Mas enfim. Desculpa o comentário quilométrico. Eu realmente gostei do filme, ainda que o texto faça parecer que não.
Enfim, é isso. :)
PS: Só eu que pensei que nada disso teria acontecido se os padoques tivessem uma porta para dinossauros e uma porta para humanos? Para que abrir uma porta daquele tamanhão para passar uns humanos pequenininhos? Tivesse uma porta para humanos, o máximo que o indominus conseguiria era botar uma unha para fora. Tsc, tsc. E ainda disseram que os projetistas eram os melhores construtores do mundo... :P
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