Detentas de Litchfield ganham maior destaque no segundo ano da série
Por Pedro Strazza
A prisão funciona no cinema e na televisão como uma representação simplificada do mundo. Responsável pela reforma moral dos indivíduos que quebraram as leis básicas do convívio social, o sistema carcerário é interpretado pela sétima arte como um lugar onde seus habitantes (os prisioneiros) possam estabelecer relações e conflitos primitivos entre si, sendo que inconscientemente suas ações reflitam a sociedade a que foram privados. Dessa forma, a abordagem da produção sobre a penitenciária pode ir do suspense à comédia sem parecer estranha, visto a teatralidade do ambiente escolhido.
Orange is the New Black é uma série que soube entender muito bem esse conceito. Em sua primeira temporada, o seriado adotou um tom mais cômico para mostrar a prisão federal feminina de Litchfield a partir do ponto de vista da protagonista Piper Chapman (Taylor Schiling), uma mulher condenada ao encarceramento devido a um erro do passado e transformada pela população habitante de dentro das grades. Para continuar sua trama no segundo ano, porém, a produção preferiu inserir novas dinâmicas e personagens a manter o rumo proposto em sua estreia, algo que rapidamente provou-se ser um acerto.
[A partir deste ponto, pesados SPOILERS sobre a segunda temporada de Orange is the New Black. Se ainda não viu ou não terminou de ver, pare por aqui.]
As alterações já começaram a ocorrer logo no início da temporada com a falsa transferência de Chapman para outra prisão. Separando a protagonista das outras prisioneiras, a série pode mostrar em seus dois primeiros episódios que seria possível manter a história sem a necessidade de Piper, pois a prisão e seus "cidadãos" se tornaram o foco do seriado. O roteiro, assim, pode então desenvolver, nos capítulos restantes, a linha narrativa de sua "ex"-personagem principal sem necessariamente precisar envolvê-la com o cotidiano da penitenciária, e por consequência tornou Chapman em mais uma das mulheres encarceradas em Litchfield.
Com essa decisão, o segundo ano pode ressaltar ainda mais a principal qualidade de Orange is the New Black: as detentas. Presas em Litchfield pelos mais variados motivos, essas personagens foram melhor exploradas pela série nesta temporada, que, além de investigar os motivos para elas estarem ali, aprofundou-se na real personalidade de várias prisioneiras através dos flashbacks - agora melhor utilizados ao exibirem fatos que construíssem melhor a personagem no episódio - e de suas relações na penitenciária. A prática dessa metodologia trouxe os melhores episódios da temporada, como os que se aprofundaram nas vidas de Lorna Morello (Yael Stone), Suzanne "Crazy Eyes" Warren (Uzo Aduba), Rosa (Barbara Rosenblat) e Poussey (Samira Wiley).
Ao mesmo tempo em que trabalhava suas personagens já estabelecidas, a série trouxe ainda novidades interessantes no elenco. As entradas de Soso (Kimiko Glenn) e Vee (Lorraine Toussaint) na penitenciária promoveram mudanças interessantes na dinâmica social das detentas - Principalmente Vee, que além de fazer crescer a rixa entre espanholas, negras e brancas criou uma briga pessoal com Red (Kate Mulgrew) pelo controle do contrabando.
Mesmo que perdendo um pouco de sua centralidade na trama, Piper manteve importância para a série. Agora incorporada a Litchfield, Chapman teve um maior contato com a prisão e seus defeitos ao perder, em grande parte da temporada, seu contato com o exterior ao encerrar seu relacionamento com Larry (Jason Biggs), além de perceber a sua real paixão por Alex (Laura Prepon), ausente na temporada após ter sido liberada da pena. Piper sofreu mais um crescimento pessoal nesta temporada, e continua seu processo de metamorfose na penitenciária.
Mas se no núcleo das prisioneiras a série acertou a mão, fora deste os resultados foram inconstantes. Enquanto o lado administrativo da prisão e sua corrupção - algo que infelizmente não ocorre apenas em Litchfield e é uma realidade em grande parte dos presídios - ganhou um ótimo foco nesta temporada com o confronto entre Figueroa (Alysia Reiner) e Caputo (Nick Sandow), o núcleo de pessoas relacionadas a Piper do lado de fora das grades pareceu em muitos momentos superficial e bobo. Apesar de bem trabalhado, o relacionamento de Larry com Polly (Maria Dizzia), por exemplo, ficou extremamente mal situado em relação ao que acontecia na prisão, gerando a sensação errônea de enrolação em muitos momentos.
Mesmo que contando com pequenos problemas, Orange is the New Black mostrou um ótimo crescimento entre a primeira e segunda temporadas. O segundo ano, mesmo que finalizado de forma muito simples visto os acontecimentos apresentados, mostrou ao público que a série é capaz de ser pautada por personagens além de Chapman e de ser realista em sua proposta. Afinal, na visão da série, quem se encarrega de reeducar ou não as prisioneiras não é o sistema carcerário, mas sim as próprias detentas que integram o sistema.
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