quarta-feira, 18 de junho de 2014

Crítica: A Culpa é das Estrelas

O amor e seus clichês no tempo do câncer

Por Pedro Strazza

O câncer é uma das poucas doenças que mais machuca o emocional ao físico. De longa duração, o tumor, mesmo podendo ser benigno, é geralmente encarado pela sociedade como um lembrete da vindoura e inevitável morte do ser humano, agora acelerado no corpo daquele paciente. Esta correlação pessimista cria rapidamente no indivíduo acometido de tal mal uma espécie de "bolha de compaixão", onde todas as pessoas que interagem com ela e conhecem sua condição automaticamente a tratam como se estivesse em seus últimos dias de vida - e a impedindo, consequentemente, de viver estes mesmos "últimos dias" como uma pessoa normal.
É neste contexto de dor pela lembrança do futuro próximo e imutável que Hazel (Shailene Woodley) vive no início de A Culpa é das Estrelas. Convivendo com o câncer desde a infância, a garota de dezesseis anos de idade passa seus dias em meio a reality shows e a leitura de um mesmo livro, e não demora muito para seus atenciosos pais (Laura Dern e Sam Trammell) suspeitarem que ela esteja também com um quadro de depressão e a convencerem a voltar a frequentar um grupo de apoio de vítimas do câncer. Lá, Hazel conhece o extrovertido Gus (Ansel Egort), que logo vira seu amigo e, mais tarde, seu namorado.
Baseado no livro homônimo de John Green, o filme segue a partir daí uma linha narrativa que brinca bastante com os clichês do gênero romântico. Em diversos momentos, Hazel e Gus ironizam inconscientemente (e em algumas ocasiões até de forma consciente, como em suas piadas pra cima do amigo de Gus e sua namorada) as mais variadas situações típicas dos romances, como o piquenique ou as diversas tentativas dele em conquistar romanticamente sua amiga. O roteiro escrito Scott Neustadter e Michael H. Weber (ambos de 500 Dias com Ela) é sagaz em não contrapor estas passagens com o câncer que o casal possui, deixando as dores causadas pela doença para outras passagens.
A Culpa é das Estrelas começa a falhar, porém, quando a ironia ao clichê dá lugar ao próprio clichê. A trama do filme progressivamente abandona uma estrutura interessante para abraçar a pieguice e a obviedade a partir do momento em que o casal protagonista faz sua viagem para Amsterdã (muito mal explicado na figura dos "Gênios", uma entidade também estabelecida no longa sem qualquer explicação) e se rende a situações que antes tiravam sarro. Nesse ponto, a direção de Josh Boone, que já era precária em várias características - os balões de mensagem do celular e a narração em off extremamente pontual de Hazel, por exemplo -, pesa demais em elementos narrativos fracos e sem criatividade, tendo como ápice a sequência porcamente conduzida na casa de Anne Frank.
Mas se na história vê-se uma entrega ao piegas, a dinâmica exercida por Woodley e Egort mantém a produção estável. Ao longo da trama, vê-se no casal uma aceitação da inevitabilidade dos acontecimentos futuros e a opção por aproveitar o momento (em outras palavras, o carpe diem) ao invés da lamentação. A atuação de Shailene é ainda mais impressionante pela entrega da atriz sobre as dores emocionais, e não físicas, causadas pelo câncer da personagem, a exemplo de cenas onde conversa com os médicos ou, quando sente falta de ar na cama, sente medo pela doença atacar justamente na véspera de sua viagem para o exterior.
Falho por se render demais ao exagero romântico que se propõe no início a combater, A Culpa é das Estrelas compensa o roteiro falho com uma atuação poderosa de sua protagonista. Aqui, Shailene Woodley demonstra um nível de compreensão sobre a situação vivida por sua personagem que os roteiristas e o diretor não enxergaram - Algo que, se percebido a tempo, poderia ter tornado o filme em algo mais profundo que apenas uma falsa reinvenção do gênero.

Nota: 5/10

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