domingo, 15 de junho de 2014

Crítica: O Lobo Atrás da Porta

Os perigos da opinião pré-estabelecida em um mundo sem inocentes

Por Pedro Strazza

Desenvolver o psicológico de um personagem no cinema é uma tarefa difícil. Dependendo de um roteiro extremamente bem elaborado no panorama emocional e de uma intérprete de talento, esta construção exige muito cuidado na composição de cada cena para que tenha todo seu potencial utilizado. Se bem executado, este processo torna o produto mais verossímil com a realidade e a trama mais profunda; se não, o enredo superficializa-se e perde qualquer força planejada.

O Lobo Atrás da Porta, estréia do diretor Fernando Coimbra em longa-metragens, felizmente consegue seguir pela primeira opção. Situado no Rio de Janeiro das classes C e D, o filme realiza uma análise profunda de sua protagonista em uma trama que parte de um crime inicialmente inexplicável: O rapto da filha de Bernardo (Milhem Cortaz) e Sylvia (Fabíula Nascimento).

Esquematizando a narrativa sobre a investigação policial, o roteiro usa dos depoimentos tomados na delegacia para contar aos poucos sua história, retratando tanto as verdades e mentiras utilizadas pelos suspeitos e vítimas. Esta tática, além de possibilitar que o espectador permaneça tão intrigado pelo caso quanto o detetive (Juliano Cazarré) responsável por este, cria nos personagens vários pontos de vista a serem explorados, permitindo por sua vez à produção a liberdade para mudar seu foco ao longo de seus 101 minutos. Dessa maneira, o filme, sem gerar incômodos no público, aos poucos tira sua atenção da crise de relacionamento vivida entre os pais da criança desaparecida para analisar Rosa (Leandra Leal), amante de Bernardo e principal suspeita do rapto.

O espectador, porém, já inicia esta análise com uma opinião formada graças ao processo narrativo adotado por Coimbra na construção do roteiro - O que torna a experiência proporcionada por O Lobo Atrás da Porta ainda mais interessante. Concebido por Bernardo, quando este conta seu lado da história para a polícia, como uma mulher maluca (evidenciado claramente na atenção que ele chama para o fato da amante possuir uma arma e da maneira como esta aborda sua esposa), Rosa aos poucos mostra, em seu depoimento, uma visão menos maniqueísta da situação acontecida entre ela e o casal, e consequentemente altera a opinião elaborada pelo público sob os personagens mostrados. Nesse momento, vê-se finalmente a sua real personalidade e o quão fragilizada ela está devido aos acontecimentos ocorridos, revelando uma faceta pela qual o espectador, induzido pela opinião, não poderia prever.

E mesmo que parta de uma lógica um pouco precária (afinal, poderíamos mesmo confiar em uma pessoa cotada como grande suspeita de um crime?), o relato da protagonista funciona com excelência para inverter os valores concebidos pelo espectador, ainda mais por ser auxiliado pelas excelentes atuações do elenco - com destaque, claro, à Leal, capaz de conferir à sua Rosa uma difícil humanidade. Essa quebra do paradigma do público, rara no cinema, é sem dúvida o ponto alto de O Lobo Atrás da Porta.

Nota: 9/10

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